Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6735/07.0TBCSC.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DIREITO DE RESOLUÇÃO
PERDA DE INTERESSE
MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Tendo sido os AA., promitentes compradores, bastamente informados de que a escritura prometida só poderia ser efectivada quando a Câmara Municipal de Cascais aprovasse o loteamento que abrangia o imóvel prometido transmitir, a circunstância de terem notificado o promitente vendedor, através de notificação judicial avulsa, para a celebração da escritura - que sabiam ou deviam saber ser objectivamente impossível de realizar dado o imóvel se encontrar em “ avos “ - não lhes confere o direito à resolução do negócio.
II – A situação genericamente prevista no artigo 808º, nº 1 do Código Civil assenta numa situação de mora por parte do promitente vendedor, a qual era, in casu, absolutamente inexistente.

(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO.
Intentaram N. e mulher B., residentes na Rua… , a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra J. , solteiro, residente na Rua… .
Alegaram, essencialmente :
Celebraram com o Réu, em Novembro de 2006, um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano, pelo preço de € 225.000,00.
Com a outorga do contrato promessa os Autores fizeram a entrega ao Réu de € 12.500,00, a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o remanescente do preço ser pago no acto da celebração da escritura pública, a efectuar até 30 de Janeiro de 2007.
Este remanescente integraria a entrega pelos Autores ao Réu de um imóvel, propriedade dos Autores, avaliado em € 135.000,00.
Ficaram os Autores contratualmente obrigados à marcação da escritura.
Ao aproximar-se o dia 30 de Janeiro de 2007, contactaram o Réu para acertarem pormenores, tendo então sido informados, por este, que não era ainda possível a celebração da escritura pública porquanto o terreno onde estava implantado o imóvel era em “avos indivisos”.
Embora apreensivos, os Autores anuíram no adiamento.
O Réu deixou de responder às solicitações feitas pelos Autores, pelo que estes marcaram a escritura pública para o dia 15 de Junho de 2007, do que deram conhecimento ao Réu através de carta registada com aviso de recepção que lhe remeteram em 8 de Maio de 2007.
Sucede que a carta registada não foi levantada, pese embora o aviso de recepção se encontre assinado.
Perante tal situação, interpelaram o Réu, em 9 de Julho de 2007, através de notificação judicial avulsa, informando-o da nova marcação da escritura para o dia 20 de Agosto de 2007 e participando-lhe que o não cumprimento das obrigações por si contratualmente assumidas importaria que o contrato promessa fosse considerado definitivamente incumprido por causa imputável ao Réu.
O Réu compareceu à escritura, a qual não se realizou por o prédio prometido transaccionar estar registado em “avos indivisos”.
Receberam os Autores uma carta remetida pelo Réu na qual este lhes dizia, falsamente, que a Autora lhe teria comunicado que pretendia desistir do negócio, bem como que bem sabiam qual a situação do prédio quando celebraram o contrato promessa.
Os Autores perderam o interesse na celebração do contrato prometido, tendo celebrado com terceiro escritura de compra e venda do imóvel do qual são proprietários.
Operou a resolução do contrato promessa de compra e venda em razão do incumprimento definitivo do Réu e perda do interesse dos Autores, o que lhes confere, como decorre do disposto no artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil, a faculdade de exigir o pagamento do sinal em dobro.
Em todo o caso, o contrato promessa é nulo porquanto não tem as assinaturas dos promitentes reconhecidas notarialmente, como impõe o disposto no artigo 410.º, n.º 3 do Código Civil, sendo certo que inexiste cláusula em que as partes expressamente renunciem à invocação dessa nulidade.
Para o caso de não ser entendido que o contrato promessa foi definitivamente incumprido, então deverá ser declarada a sua nulidade e o Réu condenado a restituir-lhes o montante pago e título de sinal.
Concluem pedindo a sua condenação
a) No pagamento da importância de € 25.000,00, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde citação até integral pagamento;
b) Subsidiariamente, deverá ser decretada a nulidade do contrato promessa celebrado com o Réu, sendo este condenado a restituir aos Autores a quantia de € 12.500,00 prestada a título de sinal, acrescida de juros de mora legais vincendos, contados desde citação até integral pagamento.
Citado, o Réu contestou.
Alegou, essencialmente :
Celebrou o contrato promessa com os Autores.
Foi entregue à Autora, que se encarregou de elaborar o contrato promessa, cópia do pedido de certidão para propriedade horizontal, cópia do alvará de licença de construção do imóvel, emitido pela Câmara Municipal de Cascais, todos os documentos de que o Réu dispunha, nomeadamente uma certidão datada de 2 de Outubro de 2006 do registo predial do prédio onde estava a ser edificado o imóvel, bem como os dados do Réu, nos quais constava toda a informação quanto à situação jurídico administrativa do prédio.
Assim, na data da elaboração do contrato promessa, a Autora sabia que o imóvel em construção estava edificado num prédio rústico em avos indivisos e abrangido numa AUGI em processo de reconversão, já aprovado e com licença de construção.
Desde momento anterior à contratação, os Autores tinham perfeito conhecimento de que não era possível fazer a escritura de imediato dado ainda não ter sido emitido, e registado no registo predial, o alvará de loteamento, a posterior escritura pública de divisão de coisa comum e escritura pública de constituição de propriedade horizontal.
A minuta do contrato promessa foi feita pela Autora, limitando-se o Réu a assiná-lo.
A cláusula que nele consta relativa ao prazo era, desde início, de cumprimento impossível dada a complexidade das diligências a serem feitas antes da escritura de compra e venda.
Bem sabendo os Autores que essa impossibilidade era imputável à Câmara Municipal de Cascais, que não ao Réu, acordaram verbalmente consigo o adiamento da escritura até obtenção do alvará, o que, previsivelmente, ocorreria em 60 dias.
O contrato foi assinado de imediato, a sugestão da Autora, sendo que a ausência de reconhecimento da assinatura é devida aos Autores, que expressamente declararam ao Réu dela prescindirem.
Quer ao negarem factos que bem conhecem, quer ao invocarem a nulidade do contrato por falta de reconhecimento das assinaturas, agem os Autores de má fé.
Na terceira semana de Abril de 2007 a Autora comunicou verbalmente ao Réu que pretendia desistir do negócio, dizendo que o marido já não pretendia fazer o negócio em virtude de os seus pais terem tido uma má experiência em situação similar.
O prazo concedido pelos Autores na notificação judicial avulsa não foi razoável, estando-lhes vedada a utilização desse instrumento após terem comunicado a sua desistência.
Replicaram os Autores pedindo a condenação do Réu em multa e indemnização por litigância de má fé, correspondendo esta aos honorários de Advogado.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 175 a 186.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar aos Autores a importância de € 25.000,00 ( vinte e cinco mil euros ), acrescida de juros de mora vincendos, contados desde citação até integral pagamento ( cfr. fls. 244 a 270 ).
Apresentou o R. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 418 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 339 a 397, formulou o apelante as seguintes conclusões :
(…)
Contra-alegaram os apelados, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado em 1ª instância :
(…)
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
1 – Alegadas nulidades da decisão de facto por ausência de fundamentação.
 2 – Impugnação da decisão de facto. Respostas aos pontos 5º, 6º, 9º, 10º, 19º, 20º, 21º e 22º da base instrutória. Não inclusão na base instrutória da matéria alegada nos artigos 7º e 16 da contestação.
3 – Incumprimento do contrato promessa sub judice.
4 – Litigância de má fé.
Passemos à sua análise :
1 – Alegadas nulidades da decisão de facto por ausência de fundamentação.
Veio o recorrente invocar a falta de fundamentação para diversas respostas dadas aos pontos da base instrutória ( ao abrigo do  actual artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil - correspondente ao anterior art.º668 n.º1 b) e d) do CPC. ).
Apreciando :
O vício invocado pelo apelante não se enquadra na previsão da alínea b) do artigo 668º do Código de Processo Civil, correspondente ao artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, mas antes à situação indicada no nº 5 do artigo 712º do Código de Processo Civil, correspondente ao artigo 662º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
Ora,
Consta da fundamentação da decisão de facto :
“ O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica de toda a prova, documental e testemunhal, prestada.
Concretamente, no que se refere à resposta dada aos factos 1º e 2º, pese embora as testemunhas… tenham referido terem a ideia de que os autores haviam marcado escritura, não souberam precisar o tempo nem as circunstâncias, demonstrando terem um conhecimento muito vago.
Contudo, essas mesmas testemunhas sabiam que os autores ficaram, em altura não precisa, preocupados e apreensivos.
Quanto às solicitações feitas pelos autores ao R., não se demonstrou que, a dada altura tenham deixado de ter resposta por parte do R.. Pelo contrário, pela testemunha… , que vive em união de facto com o Réu, foi dito que a A. foi a sua casa para se inteirar de uma obras feitas pela testemunha no sótão, as quais agradavam também à A.. Essa testemunha esteve também na base da resposta dada aos factos 27º e 28º.
Importante foi também o depoimento da testemunha… , que mediou o negócio, mostrando a casa à A., o qual, confrontado com os documentos de fls. 113 a 125, não teve dúvidas em afirmar tê-los entregue à A., bem como que esta lhe comunicou, muito mais tarde, o seu desinteresse no negócio, o que o surpreendeu.
O Tribunal teve também em consideração, dando-lhe muito relevo, o depoimento da testemunha… , a qual teve uma reunião com a A. no dia 27 de Março de 2007 – data que confirmou na sua agenda pessoal -, relatando com precisão as questões discutidas, bem como ter ficado convencida que tudo tinha ficado acordado “.
Esta fundamentação, embora não se debruce – como seria mister – sobre todos os pontos da base instrutória, em termos individualizados, acaba por abarcar, de forma genérica, o essencial da factualidade inserida na base instrutória, não se justificando, por manifestamente inútil, a remessa dos autos à 1ª instância.
Improcede, neste ponto, a apelação.
2 – Impugnação da decisão de facto. Respostas aos pontos 5º, 6º, 9º, 10º, 19º, 20º, 21º e 22º da base instrutória. Não inclusão na base instrutória da matéria alegada nos artigos 7º e 16 da contestação.
Este tribunal ouviu atentamente – como lhe competia – o registo de toda a prova testemunhal produzida nos autos, tendo examinado ainda a demais documentação.
Encontra-se assim em condições para sindicar o mérito do juízo de facto emitido em 1ª instância.
Vejamos :
Estão em causa das respostas proferidas pelo juiz a quo relativamente aos pontos 5º, 6º, 9º, 10º, 19º, 21º, 22º, 30º, 32º, da base instrutória, a saber :
Ponto 5º da base instrutória : “ Como o réu não prestava qualquer esclarecimento sobre a situação do imóvel, os autores enviaram uma carta registada com aviso de recepção para o réu, com data de 8 de Maio de 2007, a marcar uma data para a realização da escritura ? “.
Resposta : “ Os Autores enviaram uma carta registada com aviso de recepção dirigida ao Réu, com data de 8 de Maio de 2007, a marcar a data para a realização da escritura “.
Ponto 6º da base instrutória : “Os autores tinham marcado a escritura para o dia 11 de Junho de 2007, no Cartório… ?“.
Resposta : “ Provado “.
Ponto 9º da base instrutória : “ Os autores não desistiram do negócio antes dessa data ( 11 de Junho de 2007 )?.
Resposta : “ Provado “.
Ponto 10º da base instrutória : “Devido aos consecutivos protelamentos os autores perderam o interesse no negócio? “.
Resposta : “ Provado “.
Ponto 19º da base instrutória : “ À data da elaboração do acordo referido em A) os autores sabiam que o imóvel se encontrava em construção e estava edificado num prédio rústico, registado em avos indivisos ? “.
Resposta : “À data da elaboração do acordo referido em A) os Autores sabiam que o imóvel se encontrava em construção, bem como tinham acesso aos documentos referentes nas respostas aos factos 14.º, 15.º e 16.º da base instrutória “ ( ou seja, cópias do pedido de certidão para propriedade horizontal entregue na Câmara Municipal de … em 20 de Outubro de 2010, cópia do alvará de licença de construção do imóvel com o n.º… , emitido pela mesma edilidade em 25 de Maio de 2005 e cópia de uma certidão, datada de 2 de Outubro de 2006, do registo predial do prédio com a descrição nº…. ). 
Ponto 21º da base instrutória : “ E que o Réu já havia pago as taxas devidas, pelo que da sua parte já nada havia a fazer? “.
Resposta  : “ Provado o que consta na resposta ao facto nº 32 “ ( ou seja, Em 16 de Abril de 2007, o Réu enviou um fax aos Autores com vários elementos comprovativos do estado avançado da aprovação do loteamento ).
Ponto 22º da base instrutória : “ E que consequentemente o atraso na realização da escritura deveu-se a atrasos na CMC ? “.
Resposta  : “ Não provado “.
Apreciando :
Quanto à respostas dadas aos pontos 5º e 6º da base instrutória :
Entendem os apelantes que as respostas a estes pontos da base instrutórias são nulas por não fundamentadas, não sendo referidos os elementos de facto que permitiram chegar àquela conclusão, por mais que fosse sintética a referida explicação.
Vejamos :
Na fundamentação da convicção do juiz a quo, a fls. 233 a 234, consta que “ Quanto aos documentos enviados – cartas e fax – o tribunal considerou os documentos juntos aos autos, nomeadamente em audiência de julgamento “.
Ora, do processo consta a fls. 206 a carta enviada pelos AA. ao Réu em 8 de Maio de 2007, através da qual se informa o Réu da marcação da escritura para o dia 11 de Junho de 2007.
Não se vê, assim qualquer motivo para desconsiderar a resposta proferida, sendo certo que se trata de matéria factual meramente instrumental, atendendo à posterior notificação judicial avulsa que os AA. promoveram relativamente à pessoa do R..
Improcede a impugnação neste ponto.
Quanto à resposta proferida em relação ao ponto 9º da base instrutória :
Alega o apelante que a mesma deverá ser alterada para “ Não Provado “, tendo em conta os depoimentos de A…, confrontado este com o teor da carta do réu, datada de 7 de Agosto de 2007 ; com o depoimento de A… e de T. .
 Assim resulta da prova testemunhal e documental acima referida, que tal oferta foi ventilada na reunião de 27 de Março de 2007, e que a única marcação da escritura que foi conhecida pelo réu, foi após a recepção da notificação judicial avulsa que deu entrada em tribunal a 9 de Julho de 2013, e em que em resposta a esta, na carta de 7 de Agosto de 2007 o réu já faz menção à referida desistência do negócio, que necessariamente seria anterior a esta.
Apreciando :
O juiz a quo considerou não se haver verificado qualquer desistência dos AA., relativamente ao contrato prometido, em data anterior a 11 de Junho de 2007, isto é, antes da data para a qual inicialmente marcaram a escritura ( através de carta registada com aviso de recepção enviada ao R., com que veio a ser devolvida aos remetentes ).
Ora,
A carta junto pelos autores como a petição inicial, sob o nº 4 ( cfr. fls. 28 a 30 ) nada pode valer para estes efeitos, uma vez que se trata de uma missiva subscrita pelo próprio Réu, ora impugnante.
Quanto aos depoimentos testemunhais em referência :
 A testemunha A. , que intermediou as negociações com vista à venda do imóvel em referência, referiu sobre esta matéria : “ A dada altura, a senhora queria a devolução do dinheiro, desistindo do negócio ; a senhora deu uma justificação, mas não se recorda qual..”.
Inquirido por diversas vezes acerca do momento temporal em que se verificou tal desistência, a testemunha não o conseguiu localizar, referindo vagamente que “ foi tempo depois, muito tempo depois, do contacto inicial ( …) um ano, seis meses ( … ) “.
A testemunha M., gerente comercial, referiu que existiu uma proposta para a A. B. ocupar logo a casa. Na altura que esta aceitou tudo muito bem. Algum tempo depois, o Réu telefonou-lhe desanimado a dizer que a A. B. tinha desistido do negócio.
A testemunha T. que vive em união de facto como o R. há doze anos, referiu que tanto este, como a testemunha A., lhe comunicaram que a A. Bárbara tinha desistido do negócio.
Situou tal desistência nos meses de Abril/Maio de 2007.
A tudo isto acresce-se que :
A matéria correspondente aos pontos 32º a 35º da base instrutória foi alegada pelo Réu e mereceu-se da parte do juiz a quo a resposta “ Provado “, sem qualquer tipo de ressalva.
Foi dado como provado que :
 Os autores não desistiram do negócio antes de 11 de Junho de 2007 ( Resposta ao facto 9.º);
Esta resposta, de cariz negativo, não resulta nem assenta na prova concretamente produzida nos autos.
Ouvindo todos os depoimentos produzidos e analisada a documentação ao dispor, não se consegue entender qual a razão para o afastamento do propósito de desistência manifestado pelos AA. em relação ao período temporal situado “ antes de 11 de Junho de 2007 “.
A fundamentação da convicção do julgador de 1ª instância igualmente não o esclarece.
Isto é,
Sendo certo que existiu um momento em que os AA. comunicaram  ao R. o propósito de desistência do negócio – provavelmente fruto da sua apreensão quanto à data em que estariam em condições de celebrar a escritura, não é possível, com a certeza e segurança exigíveis, determinar até que momento os AA. não desistiram do contrato prometido.
Trata-se de uma delimitação temporal que a prova produzida no processo não autoriza nem habilita.
De resto,
É plenamente possível que os AA. hajam manifestado espontaneamente tal propósito de desistência, optando mais tarde, porventura aconselhados por outrem, pela marcação da escritura ( quiçá com vista a provocar o rápido desenlace da espera ou mesmo o incumprimento do negócio, imputando-o à parte contrária ).
Pelo que se altera a resposta a este ponto 9º da base instrutória, passando a mesma a ser : “ Não provado “.
Quanto à resposta proferida pelo juiz a quo em relação ao ponto 10º da base instrutória :
A resposta proferida – “ Devido aos consecutivos protelamentos os autores perderam o interesse no negócio “ reveste, exclusivamente, natureza conclusiva/valorativa, não contendo verdadeira matéria de índole factual.
Não são afirmados acontecimentos concretos ; é antecipada uma mera conclusão com ( relevantes ) efeitos jurídicos.
Ora,
O que está em causa é o interesse objectivo que relevará nos termos do artigo 808º, nº 1, do Código Civil.
O mesmo terá necessariamente que radicar em factos que o demonstrem de forma inequívoca.
Não pode ser afirmado directamente, sem que se entenda o fundamento factual em que, através de um nexo lógico, assenta.
 Pelo que não releva, no plano factual – no que interessaria para o preenchimento da previsão do artigo 808º do Código Civil - a resposta conferida pelo juiz a quo ao ponto 10º da base instrutória.
Quanto à resposta proferida em relação ao ponto 19º da base instrutória :
Afigura-se-nos que nada há a alterar relativamente à resposta que foi proferida a este ponto da base instrutória.
Está em questão o conhecimento dos AA relativamente à circunstância do imóvel se encontrar registado em avos.
Ora,
Não há certezas a esse respeito, para além da prova da entrega da documentação em referência que poderá ter sido, ou não, lida e compreendida, em todo o seu alcance e sentido, pelos respectivos destinatários.
Poderá existir o dever – jurídico – de conhecer essa realidade ; não se verifica a prova do conhecimento – psicológico – desta.
Improcede a impugnação de facto neste particular.
Quanto à resposta proferida em relação ao ponto 21º da base instrutória :
Esta factualidade foi confirmada pelos testemunhos de A. e T., sem suscitar, neste particular, qualquer tipo de dúvida ou controvérsia.
Tratou-se, digamos, de matéria pacificamente aceite durante a audiência de julgamento e que vai ao encontro da normalidade dos acontecimentos que foram espontaneamente relatados.
Pelo que se altera a resposta para “ Provado “.
Quanto à resposta proferida em relação ao ponto 22º da base instrutória :
Esta factualidade foi confirmada pelos testemunhos de A. e T. .
Não merece dúvidas o sentido desses depoimentos, sendo de aceitar como verdadeira tal materialidade.
De resto, não resultou do processo que o promitente vendedor tivesse algum interesse pessoal no protelamento da marcação da escritura prometida.
Bem pelo contrário, tudo fez para que a mesma tivesse lugar, o que lhe possibilitaria concretizar um negócio que servia os seus interesses.
As reuniões tidas com a A. B. e as propostas que lhe nessa altura foram sugeridas demonstram-no à evidência.
As dificuldades administrativas e burocráticas referentes à aprovação camarária do loteamento terão sido, de facto, o grande obstáculo à atempada realização da escritura de compra e venda do imóvel.  
Pelo que se altera a resposta para “ Provado “.
 Quanto à não inclusão na base instrutória da matéria alegada nos artigos 7º e 16 da contestação – a saber, que a A. tinha declarado que tinha uma advogada amiga com quem faria o contrato –, a mesma não reveste qualquer interesse que justificasse a sua inclusão na base instrutória.
São factos completamente irrelevantes para a boa decisão da causa e que, como tal, foram ignorados – e bem – aquando da elaboração da base instrutória.
3 – Incumprimento do contrato promessa sub judice.
Resultou, essencialmente, provado que :
 Os autores, enquanto promitentes compradores, celebraram, em Novembro de 2006, com o réu, na qualidade de promitente vendedor, o contrato promessa tendo por objecto o “ prédio urbano “moradia bifamiliar”, composto por 3 ass., sótão para arrumos, garagem na cave, com um logradouro comum e outro destinado ao 1º andar ( …) Omissa na respectiva matriz urbana. Será inscrita até finais do corrente ano. Licença de construção n.º… passada pela Câmara Municipal em 2005.05.25 ”.
 Previu-se no contrato que o “ prazo máximo para a realização da escritura de compra e venda objecto deste contrato promessa será até 30 de Janeiro de 2007. Este prazo poderá ser prorrogado uma única vez, por mais 30 dias (…) “.
 Os autores entregaram ao réu, a título de sinal, um cheque no valor de € 12.500,00 ( doze mil e quinhentos euros ).
Antes da elaboração do contrato promessa o Réu comunicou à Autora que não era possível fazer a escritura de imediato porque a obra ainda não tinha terminado e avisou que o alvará de licença de utilização só podia ser emitido pela Câmara Municipal de …após a conclusão da obra.
À data da elaboração do contrato promessa, os Autores sabiam que o imóvel se encontrava em construção.  
O Réu, através de A., mediador nas negociações, entregou aos Autores cópias do pedido de certidão para propriedade horizontal entregue na Câmara Municipal de …em 20 de Outubro de 2010, cópia do alvará de licença de construção do imóvel com o n.º…, emitido pela mesma edilidade em 25 de Maio de 2005 e cópia de uma certidão, datada de 2 de Outubro de 2006, do registo predial do prédio com a descrição n.º….
 Aquando do término do prazo acordado para a celebração da escritura, os autores consentiram no adiamento da escritura de compra de venda, até à obtenção do alvará de loteamento
 Os autores sempre manifestaram vontade de manter o negócio mesmo com a ultrapassagem do prazo inicialmente previsto.
Numa reunião havida em 27 de Março de 2007, o Réu propôs à Autora esta mudar-se para a vivenda, mediante o pagamento de uma renda simbólica, e a entrega ao Réu, por parte dos Autores, de uma procuração que lhe permitisse vender a casa dos Autores e de uma outra, a entregar pelo Réu aos Autores, a permitir a ocupação e a conferindo-lhes poderes para realizarem a escritura consigo mesmos.
 A Autora mostrou-se interessada na proposta.
 Em 16 de Abril de 2007, o Réu enviou um fax aos Autores com vários elementos comprovativos do estado avançado da aprovação do loteamento.
 Após o envio do fax, a Autora entrou em contacto com o Réu e disse-lhe que pretendia desistir do negócio, porque o o seu marido não queria fazer o negócio, dizendo que os pais dele tinham tido uma má experiência numa situação similar e que estava irredutível na sua decisão;
 A autora comunicou o mesmo facto ao mediador.
 Os autores interpelaram o réu por notificação judicial avulsa, requerida em 9 de Julho de 2007 para “ (…) a realizar a escritura pelas 14h00, do dia 20 de Agosto do corrente ano, no cartório notarial… (…)
 O réu compareceu à marcação realizada por notificação judicial avulsa que não se realizou nessa data porque o prédio prometido vender se encontrava registado em “avos indivisos”.
O atraso na realização da escritura deveu-se a atrasos na Câmara Municipal de Cascais.
Os Autores venderam o bem que iriam permutar com o Réu.
 Apreciando :
Da factualidade descrita resulta que o R., promitente vendedor, não incumpriu, em momento algum, o contrato promessa que havia celebrado com os AA..
Ou seja,
Não é possível imputar-lhe qualquer comportamento que consubstancie a não realização da prestação a que se encontrava obrigado ( cfr. artigos 762º e 410º, nº 1 do Código Civil ).
Com efeito,
Os AA. foram bastamente informados de que a escritura prometida só poderia ser efectivada quando a Câmara Municipal de Cascais aprovasse o loteamento que abrangia o imóvel prometido transmitir.
Neste mesmo sentido, foram-lhes entregues pessoalmente :
Cópia do Alvará de Licença de Construção nº… , datado de 25 de Maio de 2005, onde consta que “ A construção, cujo projecto de arquitectura foi aprovado por despacho de 10/09/2001, os projectos de especialidades aprovados por despacho de 24/02/2003 e respeita o disposto no Área Urbana de Génese Ilegal apresenta as seguintes características : ( … ) “ ( cfr. fls. 118 ).
Cópia de uma certidão da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, datada de 2 de Outubro de 2006, donde consta : “ …… – Aquisição de 311/18.260 avos a favor de J. ( … ) “ ( cfr. fls. 120 a 125 ).
Assim sendo,
Era insofismável – e os AA. sabiam perfeitamente disso - que haveria que aguardar pela aprovação do loteamento pela Câmara Municipal de Cascais para formalizar a escritura de transmissão do imóvel.
Antes desse momento tal não era objectivamente possível, independentemente da vontade e diligência de qualquer dos promitentes.
Acontece que,
A dada altura,
Os AA., apreensivos e de forma precipitada, enveredaram pela notificação judicial avulsa dos AA. para a celebração da escritura prometida que era, naquele momento, como tinham obrigação de saber ( actuando com a diligência devida ), irrealizável em termos práticos.
Terão visado, por esta via, criar a situação genericamente prevista no artigo 808º, nº 1 do Código Civil, olvidando que a mesma assenta, conforme se escreve nesse preceito legal, numa situação de mora por parte do promitente vendedor, a qual era, in casu, absolutamente inexistente.
O Réu, correspondendo a tal solicitação, compareceu à dita marcação, não tendo sido a mesma efectivada porque o prédio prometido vender se encontrava registado em “avos indivisos”, como ambos os promitentes teriam/deveriam necessariamente saber.
Os AA. forçaram artificialmente e sem fundamento a resolução do contrato promessa após terem comunicado ao promitente vendedor que desistiam do negócio e depois de terem aceite uma proposta – aparentemente razoável – que aquele lhes havia sugerido : a de a Autora vir a mudar-se para a vivenda prometida transmitir, mediante o pagamento de uma renda simbólica, e a entrega ao Réu, por parte dos Autores, de uma procuração que lhe permitisse vender a casa dos Autores e de uma outra, a entregar pelo Réu aos Autores, a permitir a ocupação e a conferindo-lhes poderes para realizarem a escritura consigo mesmos.
De tudo isto resulta que
Não existia o mínimo fundamento legal para os AA. resolverem o contrato promessa sub judice, uma vez que não se havia verificado qualquer incumprimento contratual imputável ao promitente vendedor, que fez tudo o que estava ao seu alcance para que o contrato prometido tivesse lugar, logo que possível.
De notar, ainda, que a pretensão dos AA. assentava na alegação que produziram no artigo 15º da petição inicial, segundo a qual : “ …o Réu deixou de responder às solicitações feitas pelos AA., indagando da regularização da situação do imóvel prometido transaccionar, por forma a que pudessem proceder à marcação da escritura pública para celebração do contrato prometido “.
Esta sua versão dos acontecimentos não foi minimamente sufragada pela prova por si oferecida, sendo antes profundamente contrariada pela prova produzida pela parte contrária.
Por outro lado,
os AA., ao procederem à venda a terceiros do seu imóvel, cuja permuta prometeram ao R. no âmbito do presente contrato promessa e enquanto elemento fundamental do negócio, globalmente considerado, incumpriram, a título definitivo, o contrato promessa sub judice que, por sua culpa, já não pode ser cumprido no quadro negocial acordado.
Pelo que assiste, naturalmente, ao Réu o direito a fazer seu o sinal prestado, nos termos gerais do artigo 442º, nº 2 do Código Civil, enquanto consequência jurídica resultante da temerária e irreversível opção tomada pelos promitentes compradores.
Procede, por conseguinte, a apelação.
4 – Litigância de má fé.
Pugna o Réu pela condenação dos AA. como litigantes de má fé.
Vejamos :
Dispõe o artº 456º, nº 2, do Cod. Proc. Civil[1] :
“ Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave :
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa ;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão “.
Analisados os autos e a intensa controvérsia que neles se desenvolveu, entende-se não ser possível concluir, com a segurança necessária, que a conduta processual dos AA. configure qualquer das situações descritas no preceito legal.
Note-se que, em primeiro lugar, que
O instituto da litigância de má fé deverá ser aplicado com ponderada parcimónia, reservando-se a sua ( gravosa ) utilização para comportamentos que representem manifestamente o exercício abusivo do direito de acção ou de defesa[2].
O princípio geral a observar neste tocante, emanente do próprio direito de acção[3], é o de que o processo deve proporcionar às partes a possibilidade ampla de dirimir, com intensidade, liberdade e abrangência, as suas razões de facto e de direito, segundo um espírito de razoabilidade e equíbrio, mas igualmente sem inibições, peias ou constrangimentos, que possam eventualmente advir do receio de futuras penalizações, assentes no entendimento[4] que o Tribunal vier a adoptar sobre os temas jurídicos em discussão.
O instituto da litigância de má fé deve ser, deste modo, reservado, em moldes relativamente apertados e excepcionais, para as condutas processuais inequivocamente inadequadas ao exercício de direitos ou à defesa contra pretensões, assentando num critério semelhante ao que se encontra subjacente à figura do abuso de direito, genericamente, consagrada no artº 334º, do Código Civil.
Ora,
No momento processual oportuno, os AA. apresentaram a prova que consideraram idónea à comprovação dos factos por si alegados.
Realizou-se audiência de julgamento, com a inquirição de diversas testemunhas, tendo sido proferida a decisão de facto de fls. 230 a 234, que veio a sofrer algumas modificações no âmbito do presente acórdão.
O mesmo é dizer que
O Tribunal a quo, colocado perante duas versões dos acontecimentos antagónicas entre si[5], optou por aquela que lhe pareceu mais credível.
A decisão de facto proferida pelo Tribunal de recurso – não significa, automaticamente, que os AA. tivessem consciência da falta de fundamento da pretensão que deduziram, ou que houvessem alterado a verdade dos acontecimentos, isto é, em suma, que tivesse exercido de forma abusiva o seu direito de acção.
A única verdadeira certeza que existe, neste tocante, é que vingou em Tribunal a versão dos factos sustentada pelo R. em prejuízo da defendida pelos ora recorridos.
Ora,
A penalização a título de litigância de má fé exige que o julgador tenha fundada certeza acerca do carácter reprovável da conduta processual prosseguida por uma das partes[6].
Não foi o que sucedeu na situação sub judice relativamente aos AA. ora apelados.
Neste contexto,
Não faz sentido a condenação como litigante de má fé desta parte que, apresentando elementos probatórios que confirmam a sua versão dos acontecimentos, acaba por ver recusada a sua pretensão em virtude da aceitação - ainda que perfeitamente legítima e fundamentada - pelo Tribunal, da tese oposta, em função da prevalecente credibilidade conferida à prova produzida pela parte contrária.
A circunstância de estarem em causa factos de natureza pessoal não altera minimamente os termos da questão : tudo depende, sempre e afinal, da convicção motivada do julgador, a qual, falível como qualquer juízo humano, não pode determinar, em termos absolutos, a verdade ou mentira do se articulou e do que, para infelicidade da litigante, não veio a obter o veredicto formal de provado[7].
 Não há lugar à condenação como litigante de má fé.


IV - DECISÃO : 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo o Réu J. do pedido contra ele formulado pelos AA. N. e B. .
Custas pelos apelados.


Lisboa, 9 de Julho de 2014.
 
( Luís Espírito Santo ).
                                                     
( Gouveia Barros ).
    

( Conceição Saavedra ).

[1] Correspondente ao artigo 542º, nº 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[2] Vide António Geraldes, in “ Temas Judiciários “, I Volume, pag. 308.
[3] Consagrado basilarmente no artº 20º, da Constituição da República Portuguesa.
[4] Nem sempre totalmente previsível..
[5] Conforme sucede na esmagadora maioria das situações que obrigam à realização dum julgamento cível.
[6] As decisões judiciais não comportam em si o selo da infalibilidade e ao determinar-se para que lado pende o fiel da balança em termos da prova dos factos, há que reconhecer, com humildade, que pode-se sempre deixar sem justiça quem tem a razão, na impressiva expressão referenciada pelo Prof. José Alberto dos Reis, in ” Cod. Processo Civil Anotado “, Vol. II, pag. 256.
[7] A aceitar-se este critério tão largo e quase automático, haveria, em coerência, que fazer acrescer a quase todas as decisões, em que uma versão se provasse e a outra não, a inevitável condenação por litigância de má fé ( bastando para o efeito que se provasse ou deixasse de provar determinado facto respeitante à vida pessoal de quem o alegou ; qualquer acto que o mesmo afirmasse ter praticado, ter presenciado ; ter sofrido, etc. ). É uma solução obviamente excessiva, insensata e contrária às finalidades próprias dum sistema deve tutelar, ampla e incondicionalmente, o direito de defesa, enquanto pedra angular do nosso direito processual.