Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1138/13.0TJLSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.A alínea a) do art.º 3.º da LCCG (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais), que exclui do âmbito de aplicação do diploma “cláusulas típicas aprovadas pelo legislador”, deve ser interpretada em harmonia com o teor da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 05.4.1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados entre consumidores e com a correspondente jurisprudência do Tribunal de Justiça.
II.O n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva 93/13/CEE exclui do seu âmbito de aplicação as disposições legislativas e regulamentares imperativas, aqui abrangendo as normas aplicáveis por lei às partes contratantes quando não tiverem sido acordadas quaisquer outras disposições.
III.Deve excluir-se do regime da LCCG cláusulas contratuais que sejam aplicáveis ao contrato não por vontade manifestada pelas partes mas por força de norma legal, seja ela norma imperativa em sentido estrito (que deva aplicar-se ao contrato, ainda que contra a vontade das partes), seja imperativa no sentido aqui também tido em vista, ou seja, norma supletiva que é aplicável porque as partes não estipularam em sentido diverso.
IV.O regime jurídico da mediação imobiliária não impõe a sujeição da mediação ao regime de exclusividade, nem prevê a aplicação desse regime no caso de silêncio das partes.
V. A cláusula contratual geral aposta num contrato de mediação imobiliária que sujeita o contrato a exclusividade não cabe na previsão da alínea a) do art.º 3.º da LCCG.
VI.Não se mostram satisfeitas as exigências de comunicação e de informação das cláusulas ao contraente aderente, no que concerne à obrigação de pagamento da remuneração à mediadora em regime de exclusividade se o aderente desistir de negócio para o qual a mediadora encontrara interessado, se no contrato de mediação imobiliária:
a)O texto expresso no contrato só reportava o pagamento da remuneração aos momentos de concretização efetiva do negócio mediado;
b)Quanto aos efeitos da contratação da mediadora em regime de exclusividade, no contrato apenas se afirma que “Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência” (n.º 2 da cláusula 4.ª), omitindo-se, afinal, o efeito mais relevante e gravoso para o cliente-aderente, que é a sujeição à obrigação de pagamento da remuneração no caso de desistência da celebração de contrato com cliente angariado pela mediadora (solução diferente da imposta pelo legislador para os contratos sem exclusividade);
III.As referidas exigências de informação e esclarecimento do contraente aderente não se bastam com a mera remissão para normas legais, contida no n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato: “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artº 18 do DL 211/2004, 20.8”.
IV.Não obsta ao referido supra a circunstância de a cláusula mencionada em III reproduzir uma cláusula de uma minuta de contrato de mediação imobiliária aprovada pelo organismo público encarregado de intervir na atividade de mediação imobiliária.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 12.6.2013 F, Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A., intentou nos Juízos Cíveis de Lisboa ação declarativa de condenação, com processo sumário, contra Ana.

A A. alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade celebrou com a R., em 05.01.2012, um contrato de mediação imobiliária nos termos do qual se obrigou, em regime de exclusividade, a diligenciar encontrar comprador para uma fração autónoma pertencente à R., pelo preço de € 180 000,00, mediante o pagamento à A. de uma comissão de 5% sobre o preço efetivo de venda, acrescida de IVA. A A. realizou uma série de atos de mediação com vista à concretização do negócio, tendo vindo a encontrar uma compradora para o imóvel, pelo preço de € 132 000,00, valor que foi aceite pela R. e, em 29.01.2013, pela referida interessada. Sucede que a R. desistiu do negócio, o qual não se realizou por motivos exclusivamente imputáveis à R.. Assim, nos termos do disposto no art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20.8 e do n.º 1 da Cláusula 5.ª do contrato celebrado, a R. deve pagar à A. a remuneração devida pelos serviços por esta prestados.

A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar à A., a título de remuneração, a quantia de € 6 600,00, acrescida de juros de mora vencidos, que liquidou, com referência à data da propositura da ação, em € 76,67 e juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

A R. contestou, alegando que não dera a sua concordância à venda do imóvel pelo valor de € 132 000,00, nem que a este valor se aplicasse uma comissão de 5%, e contratara convencida de que só teria de pagar a comissão se a venda efetivamente se concretizasse, sendo esse o sentido que um declaratário normal deduziria ao outorgar o contrato. Acresce que a R. se limitou a aderir ao texto/minuta que a A. lhe entregou, não tendo a R. sido esclarecida quanto à obrigação de pagamento ainda que o negócio visado não viesse a ocorrer em caso de desistência, pelo que, nos termos da legislação que regula as cláusulas contratuais gerais e bem assim ao abrigo da Lei de Defesa do Consumidor, tal cláusula deve considerar-se excluída e proibida por contrária à boa-fé.

A R. concluiu pela improcedência da ação.

A A. apresentou réplica, na qual concluiu como peticionado.

Em 05.02.2015 foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se audiência final e em 16.11.2015 foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente e em consequência se absolveu a R. do pedido.

A A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:

1.A Autora propôs uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra Ana, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 6.600,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral e efectivo pagamento.
2.No entender da Autora, tal pagamento é devido pelo facto de esta ter cumprido integralmente o contrato de mediação que celebrou com a Ré, em regime de exclusividade, não tendo o negócio visado sido concluído (com a marcação da escritura de compra e venda do imóvel propriedade da Ré) por causa unicamente imputável à Ré, que veio desistir do negócio, inopinadamente, invocando motivos pessoais/fiscais.
3.Sendo que, tal obrigação de remuneração dos serviços da Autora decorre de forma expressa e inequívoca do contrato e do diploma que estabelece o regime legal da actividade de mediação imobiliária (em concreto, do artigo 18.º do DL 211/2004, 20.8.).
4.Assim, o presente recurso pretende a revogação da sentença proferida em 1.ª instância, que veio julgar improcedente o pedido formulado pela Autora, ao considerar como excluída do contrato de mediação celebrado entre Autora e Ré, a segunda parte (“nos termos e com as excepções previstas no art. 18.º do DL 211/2004, 20.8.”) do n.º 1 da cláusula 5º do referido contrato cuja cópia se mostra inserta a fls. 18 dos autos.
5.No entender da sentença recorrida, o referido contrato é no que respeita às cláusulas elaboradas sem negociação prévia (4.ª e 5.ª) um contrato de adesão, sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais consagrado no DL n.º 446/85, de 25.10, actualizado pelo DL n.º 220/95, de 31 de Agosto e DL n.º 249/99 de 7 de Julho.
6.Em face disso, à Autora impunham-se a observação dos deveres de comunicação e de informação prescritos nos artigos 5º e 6º do DL n.º 446/85, de 25.10, que não foram cumpridos, ficando assim prejudicado o direito de remuneração da Autora.
7.Ora, no entender da ora Recorrente carece totalmente de fundamento a decisão proferida pela Mma. Juiz a quo.
Senão vejamos,
8.Ficou claro nos autos (artigo 2.º dos factos provados) que em 5 de Janeiro de 2012, entre ambas as partes, foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, através do qual a Ré contratou a Autora para esta diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra da fracção de que é proprietária.
9.Resultou ainda provado (artigos 2.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º e 18.º dos factos provados) que, em cumprimento do contrato em apreço nos autos, a Autora levou a cabo todos actos inerentes à actividade de mediação imobiliária, designadamente divulgou o imóvel propriedade da Ré na sua rede, angariou possíveis clientes, organizou visitas ao imóvel, diligenciou e conseguiu encontrar uma compradora para o mesmo, intermediou a negociação entre as partes por forma a atingir um valor aceite por vendedora e compradora e por fim obteve toda a documentação necessária para a marcação e celebração da escritura pública de compra e venda.
10.Resulta ainda provado nos autos que, por motivos alheios à performance da Autora, a Ré desistiu do negócio, invocando motivos pessoais (tributação em mais valias) num momento em que a Autora tinha cumprido praticamente todos os actos inerentes à actividade de mediação imobiliária, faltando apenas a marcação da data para outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel (cfr. art. 16.º, 17.º, 18.º, 27.º dos factos provados).
11.Resulta também provado nos autos o teor do contrato de mediação, não sendo colocado em crise que o mesmo foi assinado pela Ré.
12.Ora, a Cláusula 5.ª, n.º 1 do contrato celebrado entre Autora e Ré tem o seguinte teor: A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no art. 18.º do DL 211/2004, 20.8.

13.O artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto (diploma que regulava, à data da celebração do Contrato, o exercício das actividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária), tinha o seguinte teor:
1— A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
2— Exceptuam -se do disposto no número anterior:
b) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração (…)

[realce da Autora]
14.Ora, a Ré celebrou este contrato com a Autora em regime de exclusividade (art. 4.º dos factos provados).
15.Sendo que, o presente negócio não se concretizou por causa única e exclusivamente imputável à cliente (arts. 22.º e 23.º dos factos provados), ora Ré.
16.Assim, em face da matéria de facto dada como provada não parecem existir dúvidas de que a situação em apreço nos autos se reconduz à previsão legal do art. 18.º, n.º2 al. b) do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto, que estabelece os termos em que a mediadora tem direito à remuneração.
17.Essa remuneração corresponde, no presente caso, a 5% do valor do negócio (cfr. consta do art. 5.º dos factos provados), valor esse que foi aliás amplamente discutido entre as partes e do qual a Ré demonstra ter tido conhecimento (desde logo, pelo teor do art. 21.º dos factos provados), e que consta do contrato de mediação assinado e nunca posto em causa pela Ré.
18.No entanto, a sentença recorrida veio decidir pela improcedência da acção, ao considerar que o contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes é no que respeita às condições elaboradas sem prévia negociação individual, como é o caso das cláusulas 4º (regime de contratação) e 5º (remuneração), cuja cópia se mostra inserta a fls. 18 um contrato de adesão, sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais consagrado no DL n.º 446/85, de 25.10, actualizado pelo DL n.º 220/95, de 31 de Agosto e DL n.º 249/99 de 7 de Julho. Em face disso, à Autora impõe-se a observação dos deveres de comunicação e de informação prescritos nos artigos 5º e 6º do DL n.º 446/85, de 25.10, deveres esses que, no entender da sentença recorrida, a Autora não cumpriu.
19.Discorda em absoluto a Recorrente de tal entendimento, uma vez que, no caso em apreço nos autos, estamos perante um contrato de mediação imobiliária, elaborado nos termos do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto, diploma que veio regulamentar a actividade da mediação imobiliária, esclarecendo determinados pontos até então nebulosos da referida actividade.
20.Ora, o mencionado contrato, em concreto a Cláusula 5.ª que estabelece as condições de remuneração, mais não faz do que reproduzir a lei e remeter para a mesma no tocante aos aspectos relacionados com a remuneração das empresas de mediação.
21.O artigo 405.º do Código Civil prevê a possibilidade de, dentro dos limites da lei, as partes fixarem livremente o conteúdo dos contratos. É, assim, sabido que as cláusulas inseridas num contrato são fruto da liberdade contratual, que é um dos princípios básicos do direito privado.
22.No que a esta cláusula diz respeito, existe uma mera remissão para o regime legal em vigor, que estabelece os termos em que as empresas de mediação imobiliária têm direito a ser remuneradas (na nossa óptica, até de forma imperativa, deixando apenas na alçada das partes o valor da comissão em concreto a cobrar).
23.Se consultarmos o site governamental do actual Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliários e Construção, constatamos que o mesmo contém uma ligação para uma minuta de contrato de mediação aprovada por aquele Instituto e pela Direcção-Geral do Consumidor http://www.inci.pt/Portugues/Mediacao/LicenciamentoPassoa Passo/Documents/Minuta_contrato_Compra.pdf, cuja cláusula que disciplina a remuneração (cláusula 5.ª) tem uma redacção idêntica à cláusula do contrato em apreço nos presentes autos.
24.Deste modo, não faz qualquer sentido a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais às cláusulas em apreço, designadamente, com a imposição dos deveres de comunicação e de informação prescritos nos artigos 5º e 6º do DL n.º 446/85, de 25.10, conforme consagrados para o regime das cláusulas contratuais gerais.
25.Desde logo, porque, salvo melhor entendimento, as referidas cláusulas caiem na excepção de aplicação do citado diploma das cláusulas contratuais gerais que, no seu artigo 3.º, alínea a) dispõe que o referido regime não se aplica às cláusulas típicas aprovadas pelo legislador.
26.Mesmo que se entenda que a mencionada excepção não tem aplicação ao caso em apreço nos autos, não estamos claramente perante cláusulas contratuais gerais, sujeitas aos deveres de informação e comunicação consagrados no diploma que rege as mesmas.
27.Aliás, se assim o entendêssemos, de igual forma, teríamos que considerar inexistentes a maioria das cláusulas de um qualquer contrato de arrendamento para fins habitacionais, onde é comum remeter para o regime legal em vigor, muitas vezes sem sequer se referir qual é!
28.Com efeito, estamos perante uma mera remissão para a lei e não perante uma cláusula contratual geral, de sentido obscuro, que careça de ser explicada às partes contratantes, ou cujo sentido não seja de fácil percepção pela leitura da mesma.
29.É tão obscuro o seu sentido como o de qualquer regime legal que discipline determinada actividade; sendo certo que, não pode a Ré vir alegar desconhecimento da lei, uma vez que, como é do conhecimento geral, a ignorância da lei não pode aproveitar a ninguém (art. 6.º do Código Civil).
30.Acresce que, mesmo que viéssemos a considerar as cláusulas em apreço, designadamente a Cláusula 5.ª do contrato, como sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais teria que se demonstrar o incumprimento do referido regime para que a consequência fosse a exclusão da referida cláusula do texto do contrato.
31.Ora, desde logo o art. 4.º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais exige que as mesmas sejam aceites pelas partes, o que não é colocado em causa, uma vez que a Ré leu o contrato e assinou-o, tendo tido acesso em simultâneo a analisar todas as cláusulas do mesmo.
32.Depois, o artigo 5.º do mesmo diploma exige que as mesmas sejam comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
33.Ora, ao ler a citada cláusula não se vê de que modo esta imposição não se mostra cumprida.

34.Com efeito, a simples leitura atenta da cláusula 5.ª do Contrato evidencia que se mostra cumprido o dever de comunicação. Com efeito, da mesma cláusula consta:
(i) que a remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (expresso no contrato); e (ii) nos termos e com as excepções previstas no art. 18.º do DL 211/2004, 20.8 (ou seja, tudo o mais que não consta da cláusula, decorre do regime legal).

35.Assim, mostra-se também cumprido o dever de informação imposto pelo art. 6.º do citado regime legal, uma vez que não se concebe que se considere exigível a aclaração de uma expressa remissão para um artigo de um diploma legal, que de forma clara e inequívoca prevê a forma e os limites da remuneração das empresas de mediação imobiliária.
36.Assim, mesmo considerado como não provada a matéria segundo a qual “aquando da subscrição do contrato acima identificado, a Autora informou a Ré que seria igualmente devida à empresa (FCGM, Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A.) a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação, celebrado em regime de exclusividade, não se concretizasse por causa imputável ao cliente proprietário, ao arrendatário trespassante do bem imóvel (…)”, o efeito não poderá nunca ser a de considerar como excluída a mencionada parte da cláusula 5.ª do contrato que concede à Autora o direito à remuneração, desde logo, porque seria estar a excluir a aplicação do regime legal ao negócio em questão.
37.Não fazendo qualquer sentido fazer depender a aplicação de um regime legal, de um especial dever de informação ou comunicação.
38.Pelo que, andou mal a douta sentença recorrida, ao aplicar o regime das cláusulas contratuais gerais ao contrato em apreço nos autos, considerando como excluída a 2.ª parte do n.º1 da Cláusula 5.ª do mencionado contrato ou, pelo menos, ao considerar como excluída a 2.ª parte da mencionada cláusula do contrato celebrado entre as partes por considerar como incumpridos os deveres de comunicação e informação.
39.A douta sentença recorrida, ao considerar que a Autora cumpriu o contrato de mediação celebrado com exclusividade (ao executar os serviços de mediação contratados com a Ré por forma a divulgar a arranjar um comprador para o imóvel sua propriedade) e que o negócio em questão apenas não se concretizou por motivo unicamente imputável à Ré, teria necessariamente que ter concluído pela procedência da acção intentada pela Autora, aplicando, sem mais, o art. 18.º do DL 211/2004, 20.8, uma vez que é meramente sequencial a aplicação do regime legal em vigor ao negócio em apreço nos autos.
A apelante terminou pedindo que a sentença proferida fosse revogada e substituída por outra que julgasse procedente por provado o pedido formulado pela Autora, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 6.600,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral e efectivo pagamento.

A apelada contra-alegou e requereu a ampliação do recurso mediante impugnação da decisão de facto, tendo formulado as seguintes conclusões (de que não transcrevemos, pela sua extensão e por descabidas em sede de conclusões, algumas das passagens em que se transcrevem depoimentos):
A)Veio a Autora interpor recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo defendendo que o regime das cláusulas contratuais gerais não é aplicável in casu porque, no seu entendimento, a minuta do contrato de mediação assinado pelas partes não faz mais do que remeter (na sua cláusula 5.ª) para um regime legal imperativo;
B)A Recorrente lança mão deste argumentário para defender que não existe qualquer sujeição ao regime das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, maxime artigos 5.º e 6.º) porque a minuta em causa limita-se a reproduzir o regime legal vigente;
C)No entanto, não se pode acompanhar o raciocínio rebuscado da Recorrente, porque esta pretende exonerar-se da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais quando é manifesto que a minuta assinada pela Recorrida constitui um corpo de normas que não se encontra sujeito à livre negociação entre as partes, com especial enfoque sobre a Recorrida que ou aceitava aquela redacção ou então não celebrava qualquer contrato com a Recorrente;
D)A Recorrida outorgou o contrato sub iudice na convicção de que a remuneração pela mediação só seria devida em caso de concretização do negócio visado, conforme resulta do ponto 36. da matéria de facto provada, sendo que o sentido dado pela Recorrida às declarações contratuais coincide com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição daquela, deduziria, ou seja, o de que a remuneração apenas é devida nas condições estabelecidas no nº 3, ou seja “50% após a celebração do contrato promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio”;
E)Além do mais, aquando da outorga do contrato em causa, as partes não estabeleceram qualquer negociação, limitando-se a Recorrida a aderir ao texto/minuta entregue pela Recorrente, com excepção do preço de venda do imóvel, aplicando-se assim o DL. 446/85, de 25.10 (que instituiu o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais) pois, conforme decorre do seu n.º 1 (redacção do DL. 249/99, de 7.7);
F)Resulta assim que a cláusula de remuneração (5ª) em que assenta a pretensão da Recorrente constitui, indiscutivelmente, uma cláusula de adesão, o que é, aliás, admitido pela Legal representante da Recorrente A minha intervenção na celebração do contrato começou logo no início, portanto, fui eu quem assinou em nome da sociedade na assinatura do contrato. Estes contratos são contratos de cláusulas contratuais gerais” (sublinhado e carregado nosso) (Entre os 01:41 min e os 01:54 min do ficheiro “20151102112026_8282637_2871114”);
G)Sendo o contrato em questão um contrato com cláusulas contratuais gerais, devia a Recorrente ter esclarecido cabalmente a Recorrida quanto à obrigação de pagamento ainda que o negócio visado não viesse a ocorrer em caso de desistência, o que não sucedeu (cfr. alínea B) da matéria não provada, e que resulta do depoimento da Legal Representante da Recorrente maxime (…)
H)Face à proibição ou exclusão da cláusula contratual em causa, com o sentido pretendido pela Recorrente, sempre a Recorrida deveria ser, como foi, absolvida do pedido, concluindo-se assim que a sentença recorrida não violou qualquer norma jurídica que pudesse ser aplicada ao caso em concreto, fazendo assim uma correcta aplicação do direito, razão pela qual a pretensão da Recorrente deve improceder;
I)Mas ainda que assim não se entenda, o que não se concebe nem concede e apenas se refere por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que se impõe o alargamento do objecto do presente recurso, apreciando-se a prova e fazendo um exame crítico da mesma de modo a apreciar o acerto ou falta dele quanto à matéria de facto dada como provada;
J)Nos termos do disposto no art.º 636.º do Código de Processo Civil, pode a Recorrida requerer, a título subsidiário, a apreciação de outros fundamentos da acção, vindo, por esta razão requerer a reapreciação da matéria de facto tendo em vista a alteração dos factos provados porquanto, no seu entendimento, o Tribunal a quo errou na valoração da prova produzida;
K)O Tribunal a quo entendeu julgar provada a matéria constante do ponto 15 da matéria provada e não provada a matéria constante da alínea C) da matéria não provada decisão o que, no entendimento da Recorrida, merece censura, impondo-se a sua alteração;

Matéria de facto provada.
15. “A Ré esteve envolvida no processo de negociação levado a cabo entre a Autora e Diana Albuquerque, tendo manifestado concordância com o valor de venda de € 132.000,00 (cento e trinta e dois mil euros).

Matéria de facto não provada.
C)“A Ré não aceitou a venda por causa do preço proposto (€ 132.000,00)”.
L)Assim, em cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do Código de Processo Civil, indicam-se os pontos concretos que se encontram incorrectamente julgados, a saber, o ponto 15. da matéria de facto provada, bem como a alínea C) da matéria de facto não provada;
M)Não se concebe como pôde o Tribunal a quo considerar provado que a Recorrida (i) estivesse a par do processo negocial com a potencial compradora, a Sra. Diana Albuquerque, nem (ii) manifestado concordância com o valor de venda de € 132.000,00, até porque os autos são abundantes em troca de correspondência entre o angariador Sebastião e o Dr. João, bem como entre Sebastião e a Sra. Diana e ainda entre Sebastião e a Recorrida sem que, em nenhuma dessas comunicações se encontre qualquer declaração de aceitação de venda do imóvel pelo preço de € 132.000,00 por parte da Recorrida;
N)Do mesmo modo, não resulta da prova testemunhal ou das declarações de parte da Recorrida, produzidas nos presentes autos, que tal consentimento tivesse sido prestado;
O)Como se pode perceber, das declarações de parte da Recorrida a mesma afirma, expressamente, que não prestou o seu consentimento para a venda por € 132.000,00 (…);
P)É evidente, pois que a Recorrida nunca deu o seu assentimento para a venda da fracção pelo montante de € 132.000,00;
Q)Acresce que do depoimento da testemunha Sebastião não resulta provado que a Recorrente tivesse aceite vender o imóvel pelo preço de € 132.000,00 o que só se pode alcançar da apreciação integral do seu depoimento parcialmente transcrito infra (…);
R)Não se pode extrair, pois, do depoimento desta testemunha qualquer prova quanto ao alegado acordo da Recorrida para a venda do imóvel pelo preço de € 132.000,00;
S)Esta testemunha, interessada directa na realização daquele negócio pois daí lhe caberia uma parte da comissão, convenceu-se que por ter uma relação pessoal, de grande proximidade com a Recorrida, iria convencê-la (à Recorrida) a aceitar aquele negócio, pondo em marcha os procedimentos para a realização da escritura, conforme resulta do excerto do seu depoimento compreendido entre os 1:22:39 e 1:23:05 – sublinhado supra – do ficheiro 20151027100754_8282637_2871114;
T)Nem se compreende porque razão foi o depoimento do Dr. João, desvalorizado pelo Tribunal a quo. No entendimento do Tribunal, o depoimento em causa teria sido “protecionista da Ré”, asserção da qual se discorda em absoluto, nem se aceita que se conclua que resulta da correspondência electrónica trocada entre o angariador Sebastião e o Dr. João que a Recorrida (que nem sequer interveio na referida troca de e-mails) tivesse dado o seu consentimento para a realização da venda por aquele valor;
U)Do documento 14 junto à Petição inicial consta um e-mail enviado pelo Dr. João a Sebastião de onde resulta que aquele dá indicação para avançar com as diligências para a marcação da escritura dando, no entanto, conta que não tem o consentimento da Recorrente para tal: “Em conclusão, sem que eu tenha falado com ela esta manhã, avance com todas as diligências para a outorga da escritura” (sublinhado nosso). Ora, é, pois, evidente, que não havia o consentimento da Recorrida para que se avançasse para a marcação da escritura;
V)É curioso notar que o Tribunal a quo entendeu que o depoimento do Dr. João não foi isento apenas devido à circunstância do mesmo ter sido casado com a Recorrida e corroborar a versão apontada por esta mas já não atribuiu qualquer relevância ao facto da testemunha Sebastião ter um interesse directo na causa;
W)Esta testemunha - Sebastião - tinha e tem até ao presente, o direito a receber parte da comissão eventualmente cobrada pela Recorrente, tendo admitido isso mesmo em juízo (entre 1:22:39 e 1:23:05 do ficheiro 20151027100754_8282637_2871114 que contém o depoimento desta testemunha) e o mesmo foi também confirmado pela Legal Representante da Recorrente crf. resulta do seu depoimento (Entre os 30:19 min e os 31:09 min do ficheiro “20151102112026_8282637_2871114”);
X)Considerando que a testemunha em causa tem um interesse directo na causa, estaria posta em causa a sua idoneidade e isenção. Reconhecendo que esta testemunha tem algo a lucrar com a procedência da acção, não se poderia admitir ou valorar o seu depoimento como “bom” e desvalorizar por completo o depoimento de outra testemunha (o Dr. João) apenas porque existe uma relação familiar;
Y)E, ao contrário do que entendeu a Meritíssima Juiz a quo, esta questão é de extrema relevância uma vez que a testemunha em causa tinha e tem um interesse directo na causa, interesse este que até é quantificável em € 3.168,00, montante que corresponde a 48% do pedido e que, em caso de procedência da acção lhe seria entregue, estando-se perante uma razão mais do que suficiente para a testemunha, ainda que sem confirmar directamente perante as instâncias que lhe foram colocadas, indiciar ao Tribunal que as partes tinham chegado a acordo para vender por € 132.000,00 o que é manifestamente falso;
Z)Deste modo, pelas razões supra expostas, o ponto (15.) deverá ser excluído da matéria de facto provada e, ao invés, deve ser aditado à matéria provada, a alínea C) da matéria de facto não provada;

AA)Cumprindo, com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do Código de Processo Civil, impõe-se o aditamento da seguinte factualidade à matéria de facto dada como provada, com a consequente eliminação da alínea C) da matéria de facto não provada:

Matéria de facto provada.
15.A Ré não aceitou a venda por causa do preço proposto (€ 132.000,00);

Matéria de facto não provada.
C)A Ré esteve envolvida no processo de negociação levado a cabo entre a Autora e Diana, tendo manifestado concordância com o valor de venda de € 132.000,00 (cento e trinta e dois mil euros).

BB)Do mesmo modo, cumprindo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do Código de Processo Civil, impõe-se a eliminação da redacção do ponto 15. da matéria de facto dada como provada, passando este ponto a constar da matéria de facto não provada;
CC)Após a reapreciação da prova e a alteração da matéria de facto provada e não provada deverá a decisão de mérito ser alterada uma vez que a Recorrida não aceitou vender o andar de que é proprietária pelo preço de € 132.000,00;
DD)Assim, no aresto ora sindicado, o Tribunal a quo, apesar de ter efectuado uma correcta aplicação do Direito no que concerne ao regime legal a que está sujeito o contrato de mediação, errou na apreciação da prova, o que determina a ampliação do objecto do recurso interposto pela Recorrente, apreciando-se a prova produzida e alterando a matéria de facto provada e não provada nos termos supra expostos.
A apelada terminou pedindo fosse negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, sendo que em caso de provimento do mesmo, deveria ser alterada a matéria de facto provada e não provada nos termos supra expostos, mantendo-se a final decisão recorrida no sentido da absolvição da Recorrida no pedido.

A apelante respondeu à ampliação do recurso, tendo rematado com as seguintes conclusões:

1.Vem a Ré/Recorrida apresentar resposta ao recurso apresentado pela Autora, ampliando o objecto do mesmo, requerendo a reapreciação da matéria de facto, porquanto, no seu entendimento, o Tribunal a quo errou na valoração da prova produzida.
2.No entender da Ré existem dois erros na valoração da prova produzida: i) Ponto 15 da matéria de facto provada: A Ré esteve envolvida no processo de negociação levado a cabo entre a Autora e Diana, tendo manifestando concordância com o valor de venda de € 132.000,00 (cento e trinta e dois mil euros); e alínea c) da matéria de facto não provada: A Ré não aceitou a venda por causa do preço proposto (€ 132.000,00).
3.Ou seja, no entender da Ré não resultou provado em 1.ª instância que esta tenha estado envolvida no processo de negociação de venda da sua casa, nem que tenha manifestado concordância na venda da mesma por €132.000,00.
4.Ora, não pode colher o entendimento da Recorrida – como a Recorrente se propõe a demonstrar – porquanto, existe nos autos variada documentação, bem como prova testemunhal inequívoca, que demonstra de forma evidente que não só a Ré acompanhou todo o processo de venda da sua casa, como aceitou o valor em causa, como ainda tinha conhecimento de que o processo de marcação da escritura estava em curso, o que desde logo resulta óbvio pelo simples facto de a Ré nunca ter invocado discordância ou desconhecimento relativamente ao preço acordado quando veio desistir do negócio.
5.Ao longo desta acção verificamos que a Ré foi tentando por diversas vezes desvincular-se do cumprimento do contrato de mediação que celebrou com a Autora, em regime de exclusividade, para venda da sua casa, nomeadamente, ao ter vindo alegar que uma vez que tinha celebrado o mencionado contrato por €180.000,00 não podia aceitar um valor de venda inferior, a não ser comunicado por escrito.

6.Tal tese não vingou e apenas demonstra a forma desesperada como a Ré tenta escusar-se ao cumprimento do contrato celebrado. A este propósito decidiu a Sentença proferida pelo Tribunal a quo:
A correspondência electrónica de fls. 42, datada de 17 de Setembro de 2012, enviada pela Ré a Sebastião, de cujo teor consta: “De acordo com o nosso contacto telefónico venho confirmar a descida do valor para 145.000,00 € do andar da Av. Almirante Reis, solicitando que tente vender por esse valor ou negociável para valor próximo”, determinou a falência da tese (indefensável) apresentada pela Ré de que a Autora não cumpriu o contrato de mediação outorgado e de que o negócio angariado não foi o acordado: venda por € 180.000,00.

[realce da A.]

7.Desde logo, é sabido que quando um imóvel é colocado à venda e anunciado pelas agências imobiliárias, surgem interessados em adquiri-lo, que apresentam – regra geral – propostas por valor inferior ao valor pelo qual o imóvel é anunciado. Tais propostas fazem parte do processo negocial que conduz – ou não – a um valor aceite por ambas as partes, vendedor e comprador, e pelo qual se faz negócio.
8.No presente caso, foi exactamente o que sucedeu: o angariador Sebastião encontrou uma pessoa interessada em adquirir o referido imóvel (Diana), e fruto do processo negocial entre as partes chegaram a um valor aceite entre vendedora e compradora.
9.Desde logo, importa contextualizar esta matéria, com os demais factos dados como provados pela Sentença recorrida e que a Ré não pôs em causa, em concreto pontos 3, 12, 13, 14, 16, 17 a 27 da matéria dada como provada.

10.Da referida matéria provada resulta em síntese que:

i.Nos autos existem evidências de que Sebastião transmitia à Ré a evolução no processo de mediação do imóvel sua propriedade, dando-lhe a conhecer as propostas efectuadas pela potencial compradora;
ii.O mesmo angariador logrou encontrar uma pessoa interessada em adquirir a fracção, que acabou por formalizar uma proposta no valor de €132.000,00;
iii.Na sequência dessa troca de correspondência, a Autora começou a diligenciar pela marcação da escritura e obtenção da documentação necessária à celebração da mesma;
iv.Quando a Ré veio desistir do negócio declarou que estava a desistir de vender o referido imóvel por motivos fiscais (tributação em mais valias) e fraco retorno financeiro, em virtude do preço (baixo, no seu entender) acordado.

11.Com efeito, dos autos constam vários e-mails de onde se retira a negociação existente entre o colaborador da Autora, Sebastião, e a potencial compradora, designadamente docs. 6 e 7 juntos com a petição inicial, onde o angariador se refere por mais do que uma vez à vendedora e à aceitação desta ou não do negócio.

12.Importa ainda atentar no documento junto com a Réplica, que consubstancia um email de 27.01.2013, através do qual o angariador Sebastião informa a Ré de que foi apresentada uma proposta no valor de €130.000,00 para aquisição do imóvel:
Tia Mafalda,
Em relação à proposta4é a pronto pagamento, sem crédito bancário (…).A proposta final é no valor de €130.000 euros, o que é bastante interessante tendo em conta o prédio e a frequência do mesmo (…).

13.Importa ainda atentar nos e-mails juntos como docs. 13 e 14 com a petição inicial, trocados entre Sebastião e João (este último Advogado, que viveu maritalmente com a Ré durante 14 anos e que aparece neste processo negocial em sua representação), dos quais resulta que no dia 31.01.2013 (doc. 13) – data posterior ao fecho do negócio com a compradora (que ocorreu no dia 29 de Janeiro, cfr. e-mail a fls. 28 dos autos) Sebastião recebe um e-mail do Dr. João onde este tece considerações acerca do notário mais conveniente para a marcação da escritura, e pela primeira vez refere: “A Tia Mafalda está um pouco arrelampada com a comissão” [referindo-se à percentagem de 5% que contratualmente se tinha vinculado a pagar à Autora].

14.Neste mesmo e-mail, após explicação de Sebastião sobre o valor da comissão devida, responde o Sr. Dr. João: “…porque pelos vistos a Tia Mafalda assinou o contrato de mediação com essa expressão de remuneração [5%] e agora há que cumpri-lo. (ponto 21 dos factos provados).

15.Ora, desde logo, da leitura deste e-mail não restam dúvidas de que o negócio estava fechado – apenas se discute o Notário onde iria ser marcada e celebrada a escritura e comenta-se o valor da comissão! Aliás, o e-mail começa com a seguinte frase:
“Obrigado pela sua resposta e sendo prático, obviamente falando pela Tia Mafalda, faça a marcação no notário que indica António Soares e obtenha o certificado energético (documento absurdo quando se trata de edifício antigo).”
4 O que, desde logo, demonstra que previamente ao envio do e-mail existiu uma troca de impressões com a Ré sobre a proposta apresentada.
16.Atestando que o Dr. João actuou em representação da Ré – e nunca contra as suas instruções – veja-se ainda o doc. 15 da petição inicial, enviado pelo para Sebastião, no qual é comunicado a este último a desistência do negócio por parte da Ré.

17.Desde logo, se lermos o primeiro parágrafo do referido e-mail (datado de 05.02.2013 e junto como doc. 15 à petição inicial) resulta evidente que o motivo pelo qual a Ré desistiu de vender a referida fracção prendeu-se apenas com motivos fiscais:
A Tia Mafalda pede-me para explicar o que decidiu sobre a fracção da Almirante Reis, em face do constrangimento financeiro determinado pela sujeição a mais-valia.

18.Sendo que o e-mail seguinte, enviado pela própria Ré, no dia 06.02.2013, a Sebastião, com conhecimento de João, é ainda mais revelador das intenções da Ré:
“Sebastião,
Sou a primeira pessoa a lamentar o tempo que perdeu com o andar. Mas, estas questões dos impostos e taxas não são nunca um dado imutável, variando conforme as alterações jurídicas. (…) De facto faço as contas e sendo o valor de venda baixo e com todas as deduções e impostos, acabaria por ficar em muito pouco, não se justificando assim a venda.”

19.Não só o referido e-mail confirma que a testemunha João actuava e actuou sempre neste processo em representação da Ré – no sentido em que nunca transmitiu à Autora nada que estivesse em dissonância com a vontade daquela – como demonstra que a Ré tinha consciência de que o negócio estava firmado e que se encontrava a desistir do mesmo, referindo-se inclusivamente ao valor baixo (referindo-se aos €132.000,00) da venda…
20.Desde logo, tais documentos, cujo conteúdo não foi impugnado, evidenciam as contradições e fragilidades das declarações de parte da Ré (que depôs, naturalmente, com interesse directo na improcedência da presente acção).
21.Para além da prova documental, existe ainda a prova testemunhal produzida nos autos que veio confirmar que a Ré não só acompanhou o processo negocial, como assentiu na venda do imóvel por €132.000,00.

22.O depoimento de Sebastião (aos 21:32 a 21:53 e 38:00 a 39:12) descreve o processo negocial que mediou entre compradora e vendedora e refere de forma explícita ao acordo fechado entre as partes:
Estávamos em 135 mil euros e uma proposta de 130 mil euros, tentamos chegar a um consenso de metade, não chegamos à metade e por acaso na altura, pelo que eu me recordo, é que houve cedência até aos 132 mil euros, e depois eu no fundo informei a compradora, “olhe ou sobe até aos 132 mil euros, ou então eu não consigo aqui arrancar mais, não consigo descer dos 132 mil euros…Isto é um processo normal, quer dizer…
Sra. Dra., aqui existe um negócio que é feito, é fechado, é selado entre ambas as partes, depois, após isso, é discutido o valor de comissão, o valor de comissão já está assinado, está feito, e independentemente de eu ter 200 visitas a uma casa ou ter 1, a comissão que está proposta em contrato é uma comissão que é cobrada.

23.Para além disso, e ao contrário do alegado pela Recorrida, não decorre das suas declarações 6 que a mesma não tenha consentido na venda do referido imóvel por €132.000,00. Se atentarmos designadamente na passagem do seu depoimento onde é confrontada pela Mma. Juiz com este processo de concordância com o valor dos 132.000 euros, verificamos que a mesma é hesitante, tentando fugir às questões que lhe são colocadas, designadamente quando é confrontada com os e-mails enviados pelo Dr. João, no qual este manda avançar com a marcação da escritura e faz cálculos com base no valor de 132.000 euros.
Oh Sra. Dra., eu até, feito um bocadinho a retrospetiva da minha vida, eu naquela ocasião era Vereadora na Câmara de Lisboa, tinha reuniões públicas ou provadas às quartas-feiras, e lembro-me que esse dia 29 o Sr. Sebastião diz que foi o dia em que falou comigo, em que eu aceitei, trata-se exatamente de uma véspera de uma reunião de Câmara, que ele me terá telefonado à noite, com esse valor e não sei quê. Eu digo Sebastião, falaremos depois. Falaremos depois. Presumo que ele tenha entrado em contato com o Dr. João, apresentando esses, esses valores, na cabeça dele (…)

24.A verdade é que concatenada toda a prova produzida, resulta evidente que por via da mediação da Autora, chegou-se a um valor de venda aceite por vendedora e compradora e avançou-se com os procedimentos necessários à outorga da escritura; nesse momento a Ré, certamente alertada pelo Dr. João relativamente aos valores de mais valias que teria que suportar, “faz contas” e desinteressa-se do negócio…
25.Esta é a realidade que está espelhada na documentação junta aos autos e é confirmada pela prova testemunhal produzida.
26.E que a Ré por mais que tente não consegue desmentir.
27.Motivo pelo qual não merece qualquer censura a resposta dada à matéria provada e não provada, ao contrário do que defende a Ré.
A apelante terminou pedindo a improcedência da ampliação do objeto do recurso e a consequente manutenção da matéria de facto nos precisos termos em que foi julgada pelo Tribunal a quo.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

As questões suscitadas neste recurso são as seguintes: se a R. deve, face ao factualismo dado como provado na sentença recorrida, pagar à A. a remuneração que fora acordada no contrato celebrado; no caso de se responder afirmativamente a esta questão, deverá apreciar-se a impugnação da matéria de facto subsidiariamente deduzida pela apelada ao abrigo do n.º 2 do art.º 636.º do CPC, a fim de se manter ou não o juízo primeiramente formado.

Primeira questão (se a R. deve, face ao factualismo dado como provado na sentença recorrida, pagar à A. a remuneração que fora acordada no contrato celebrado)

O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto:

1.A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de mediação imobiliária.
2.A Ré é proprietária e legítima possuidora da fracção autónoma sita na Avenida Almirante Reis, n.º 129A, 2.º dto., freguesia de São Jorge de Arroios e concelho de Lisboa, destinada a habitação, constituída por 8 assoalhadas, com a área total de 140m2, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º (…), e inscrita na matriz predial urbana com o artigo n.º (…) da freguesia de São Jorge de Arroios.
3.Em 5 de Janeiro de 2012, entre a Autora e a Ré foi celebrado o acordo escrito, cuja cópia se mostra inserta a fls. 18, denominado “contrato de mediação imobiliária”, através do qual a segunda encarregou a primeira e esta se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra da fracção identificada em 2), pelo preço de € 180.000 (cento e oitenta mil euros).
4.O referido acordo foi celebrado em regime de exclusividade.
5.Ficou estabelecido na Cláusula 5.ª do contrato celebrado que a Ré pagaria à Autora, a título de comissão, “a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor.”
6. Ficou ainda estabelecido nos termos do ponto 3) da Cláusula 5.ª do contrato celebrado que “o pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: 50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio”.
7.A partir da assinatura do contrato a Autora, através do angariador Sebastião, praticou uma série de actos de mediação com vista à concretização do negócio visado pelo Contrato.
8.A Autora deslocou-se à fracção a fim de recolher imagens da mesma, com o consentimento da Ré, por forma a proceder à sua divulgação junto de potenciais interessados.
9.Entre outros, a Autora publicitou a fracção na Revista Remax Lisboa n.º 41, 2012.
10.Foi feita também publicidade à fracção através de folha de montra.
11.Assim como na internet, no site da Autora, o que deu origem a vários pedidos de visita à fracção.
12.Em 17 de Setembro de 2012 a Ré enviou a Sebastião o e-mail de fls. 42, de cujo teor consta: “De acordo com o nosso contacto telefónico venho confirmar a descida do valor para 145.000,00 € do andar da Av. Almirante Reis, solicitando que tente vender por esse valor ou negociável para valor próximo”.
13.Na sequência dos actos de mediação acima referidos a Autora angariou uma interessada - Diana - na compra da fracção.
14.Tendo, no dia 29 de Janeiro de 2013, Diana aceite, após negociação, adquirir a fracção por € 132.000,00 (cento e trinta e dois mil euros), o que comunicou com o envio do e-mail de fls. 28, que aqui se dá por integralmente reproduzido, ao angariador Sebastião.
15.A Ré esteve envolvida no processo de negociação levado a cabo entre a Autora e Diana, tendo manifestando concordância com o valor de venda de € 132.000,00 (cento e trinta e dois mil euros).
16.Consequentemente a Autora começou a diligenciar no sentido de ser agendada a escritura de compra e venda da fracção e obtida a documentação necessária para esse efeito.
17.Foi apresentado na Câmara Municipal de Lisboa e no IPPAR comunicação para o exercício do direito legal de preferência, conferido por lei.
18.Foram tomadas pela Autora diversas diligências com vista à certificação energética da fracção, necessária à realização da escritura de compra e venda da fracção, tendo sido pedido orçamento e agendamento de vistoria.
19.Por e-mail de 31 de Janeiro de 2013, enviado pelo Sr. Dr. João, Advogado, na qualidade de amigo da Ré, em nome desta, foi referido pela primeira vez que a Ré estava “arrelampada” com o valor da comissão.
20.Em resposta, por e-mail de 1 de Fevereiro de 2013, o angariador Sebastião referiu que o valor da comissão de 5 % pelos serviços de mediação da Autora estava previsto no Contrato e que, além do mais, a comissão era justa e devida pelo intenso trabalho de mediação desenvolvido pela Autora.
21.Em resposta, por e-mail de 1 de Fevereiro de 2013, o Sr. Dr. João veio afirmar: “…porque pelos vistos a Tia Mafalda assinou o contrato de mediação com essa expressão de remuneração [5%] e agora há que cumpri-lo.
Como ela não se lembrava, é legítimo que no momento actual se preocupe com o valor da comissão, sempre agravada com o valor do IVA que obviamente nem se questiona, para além da mais-valia que, também, está sempre presente, e que pode até contribuir para que se reflicta sobre a oportunidade de negócio.
Em conclusão, sem que eu tenha falado com ela esta manhã, avance com todas as diligências para a outorga da escritura.”

22.Atento o teor deste e-mail de 1 de Fevereiro de 2013, foi com grande admiração que a Autora recebeu o e-mail de 5 de Fevereiro de 2013, do Sr. Dr. João, em nome da Ré, transmitindo a desistência do negócio por parte da Ré e invocando para o efeito a sua sujeição a mais-valias após a venda da fracção.
23.O Sr. Dr. João enviou o e-mail datado de 05.02.2013, de fls. 53, que aqui se dá por integralmente reproduzido, em nome da Ré, ao angariador Sebastião Lancastre Sousa, de cujo teor consta: “
(…) A Tia Mafalda pede-me para explicar o que decidiu sobre a fracção da Almirante Reis, em face do constrangimento financeiro determinado pela sujeição a mais-valia. (…) o fisco iria recolher liquido cerca de € 30.000,00. Este valor desmotiva a Tia Mafalda na venda, sendo assim alternativa, manter o património, investir em beneficiação e rentabilizar mediante arrendamento (…)”.
24.Em resposta o angariador Sebastião enviou ao Sr. Dr. João e à Ré o e-mail datado de 05.02.2013, de fls. 54, de cujo teor consta: “A explicação é muito clara, mas estes factos são sempre dados que o proprietário deverá inteirar-se antes de colocar um imóvel à venda, muito mais quando podia condicionar a decisão de venda já tomada no dia 29.01. No meu ver foram 2 anos do meu trabalho deitado à rua, pela explicação abaixo dada era de todo impossível vender o apartamento. Mas os factos estão consumados e por tal peço uma explicação escrita para enviar à cliente compradora, pois se a desistência fosse do outro lado pediria o mesmo, a explicação não necessitará de ser tão pormenorizada mas deverá conter o motivo da desistência.
(…)
Aguardo o mail para dar uma explicação à compradora”.
25.A Ré, por e-mail de 6 de Fevereiro de 2013, enviado ao angariador Sebastião, veio justificar-se, o que fez nos seguintes termos:
Sou a primeira a lamentar o tempo que perdeu com o andar. Mas, estas questões dos impostos e taxas não são nunca um dado imutável, variando conforme as alterações jurídicas. E sempre considerei que o valor do imóvel seria o do registo e actualização logo feita pelas Finanças em 2004/2005 que se reflectiu nos IMI’s subsequentes. Mas pelos vistos, o valor é aquele pelo qual veio à minha posse. De facto, feitas as contas sendo o valor de venda baixo e com toda as deduções e impostos, acabaria por ficar em muito pouco, não se justificando assim a venda.”
26.A Ré enviou o e-mail datado de 8 de Fevereiro de 2013, de fls. 55, ao angariador Sebastião, de cujo teor consta: “Tal como tive oportunidade de lhe comunicar telefonicamente não tenciono vender o andar da Almirante Reis pois, apesar de o valor de venda não ser muito elevado, não significando grande receita, no entanto, tal montante teria que ser englobado no rendimento do ano.
O valor pelo qual me veio à posse o andar em termos de herança, menos de 3 mil euros, significaria que a minha taxa de IRS subiria para o valor máximo, sofrendo, como consequência das consideradas “mais-valias”, uma brutal sobrecarga. O facto de cerca de 50% do montante considerado com a venda do andar ficar em comissões, IVA e IRS leva-me a desistir da mesma. Lamento o tempo que perdeu com este assunto, mas enquanto as taxas penalizarem deste modo os proprietários não me parece razoável, nestas condições, desfazer-me deste bem”.

27.A Ré desistiu de avançar para a realização da escritura pública, cujas diligências preparatórias já haviam sido tomadas pela Autora.
28.Tal desfecho desagradou a Diana, na qualidade de interessada na aquisição da fracção, o que esta fez constar nos mails que enviou ao angariador Sebastião e que se mostram juntos aos autos, de fls. 56 a 58, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, uma vez que nada fazia antever que a Ré voltasse com a sua palavra atrás.
29.A Autora remeteu à Ré a factura n.º 50/2013L [FA], no valor de € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros), emitida e com vencimento no dia 14 de Fevereiro de 2013, referente à comissão pelos serviços de mediação prestados à Ré.
30.Por carta datada de 11 de Março de 2013, a Ré procedeu à devolução da referida factura, afirmando que a mesma lhe deve ter sido enviada por lapso.
31.A Autora, através do seu mandatário, voltou a remeter à Ré a factura n.º 50/2013L [FA] esclarecendo que “(…) nos termos do regime jurídico a que fica sujeita a actividade de mediação imobiliária, num contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, o direito à remuneração da empresa de mediação existe mesmo que não se concretize o negócio, desde que a não concretização se deva a causa imputável ao cliente” (…).
32.E deu à Ré um prazo de 30 dias para que procedesse à liquidação da factura em causa, sob pena da Autora accionar os meios legais ao seu dispor.
33.A Ré veio, novamente, devolver a factura, por carta de 17 de Abril de 2013, na qual declara que o conteúdo da comunicação (acima mencionada) do mandatário da Autora, “suscita a minha inteira recusa e repúdio”.
34.Até ao presente a Ré não procedeu ao pagamento da quantia reclamada pela Autora.
35.Consta dos termos do n.º 1 da Cláusula 5.ª do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes [Remuneração], “a remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no art. 18.º do DL 211/2004, 20.8.”
36.A Ré outorgou o contrato na convicção de que a remuneração pela mediação só seria devida em caso de concretização do negócio.
37.O Dr. João, como o angariador Sebastião sabia, viveu em união de facto com a Ré durante 14 anos, e este casal dois filhos em comum.
38.Em 2010, a Ré e o Dr. João venderam a Sebastião o imóvel onde este vive.

O tribunal a quo enumerou ainda, como
Matéria de facto não provada.

A)Em 05 de Janeiro de 2012, aquando da subscrição do contrato acima identificado, a Autora informou a Ré que seria igualmente devida à empresa (F, Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A.) a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação, celebrado em regime de exclusividade, não se concretizasse por causa imputável ao cliente proprietário, ao arrendatário trespassante do bem imóvel (…).”
B)Em 05 de Janeiro de 2012, aquando da subscrição do contrato acima identificado, a Autora esclareceu a Ré sobre os termos da remuneração devida.
C)A Ré não aceitou a venda por causa do preço proposto (€ 132.000,00).
D) A Ré não aceitou proceder ao pagamento da comissão de 5% caso o preço da venda da fracção não fosse de € 180.000,00.

O Direito.

À data dos factos a atividade de mediação imobiliária encontrava-se regulada pelo Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20.8.
Nos termos do art.º 2.º desse diploma, “a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.”

Essa atividade traduz-se na prática de atos materiais, que nos termos do diploma “consubstancia-se no desenvolvimento de:
a)Acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente;
b) Acções de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.” (n.º 2 do art.º 2.º).

Nos termos do art.º 19.º o contrato deve ser reduzido a escrito e conter, obrigatoriamente e nomeadamente, a identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, a identificação do negócio visado pelo exercício de mediação, as condições de remuneração, nomeadamente montante ou percentagem e forma de pagamento (alíneas a) a c) do n.º 2 do art.º 19.º). Quando o contrato é omisso relativamente ao respetivo prazo de duração, considera-se o mesmo celebrado por um período de seis meses (n.º 3 do art.º 19.º).

Nos termos do art.º 18.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 211/2004, “a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.” Trata-se da regra geral, que, porém, admite exceções. Assim, excetuam-se do disposto no referido n.º 1:
a)“Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora”: se assim for, a empresa mediadora terá direito a remuneração (n.º 2 alínea a) do art.º 18.º);
b)“Os casos em que tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação”: nestes casos “as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração” (n.º 2 alínea b) do art.º 18.º).

Resulta da matéria provada que entre a A. e a R. foi celebrado um contrato com as características supra referidas, ou seja, um contrato mediante o qual a A. se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra de um determinado imóvel da R., pelo preço que inicialmente foi fixado em € 180 000,00, desenvolvendo para o efeito as necessárias ações de promoção e divulgação. Em contrapartida a R. obrigou-se a pagar à A., a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, acrescida do IVA à taxa legal em vigor. O contrato teria uma validade de seis meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo caso não fosse denunciado por qualquer das partes.

O documento subscrito pelas partes como contrato é, como dele resulta (doc. n.º 1 junto com a petição inicial, fls 18), um impresso com texto pré-escrito, com alguns espaços em branco para ajustamento ao caso concreto, tais como para a identificação das partes, do imóvel a transacionar, identificação do negócio a mediar e indicação do respetivo preço, valor da remuneração e modo do seu pagamento.

Aparenta ser um modelo contratual que a A. apresenta a todos os seus clientes, utilizando-o invariavelmente no exercício da sua atividade.
Nele consta uma cláusula 4.ª onde, sob a epígrafe “Regime de contratação”, se exara que “O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade” (n.º 1)e ainda que “Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência” (n.º 2).

E consta igualmente uma cláusula 5.ª onde, sob a epígrafe “Remuneração” consta, no n.º 1, que “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artº 18 do DL 211/2004, 20.8”. No n.º 2 desta cláusula consta que “O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:”, seguindo-se a opção, mediante a aposição de um “xis”, pela modalidade em que, preenchendo-se um espaço em branco para a indicação do montante da comissão, ficou estipulado o pagamento de “a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor”. No n.º 3 da mesma cláusula 5.ª consta que “O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições:”, seguindo-se, mediante a aposição de um “xis” no quadrado assinalando a respetiva opção e o preenchimento do espaço em branco quanto à percentagem de pagamento, a indicação de que será pago “50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.

O tribunal a quo considerou que o contrato sub judice era, pelo menos quanto às supra referidas cláusulas 4.ª e 5.ª, um contrato de adesão, devendo aplicar-se-lhe o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais. Assim, impunha-se à A. o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação prescritos nos artigos 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10 (LCCG, com as alterações publicitadas). Uma vez que não se provou que a A. cumpriu esses deveres, quanto à explicitação dos termos em que era devida a remuneração acordada (nomeadamente que, uma vez que o contrato havia sido celebrado em regime de exclusividade, a remuneração seria devida se o negócio visado no contrato de mediação não se concretizasse por causa imputável ao cliente), tal cláusula deveria ser excluída do contrato, não tendo assim a A. direito à remuneração reclamada.

A apelante defende que procedeu à comunicação que se revelava necessária e, por outro lado, que o contrato se limita a reproduzir a lei e a remeter para a mesma no tocante aos aspetos relacionados com a remuneração das empresas de mediação, constituindo inclusivamente a aludida cláusula 5.ª do contrato uma mera reprodução da cláusula 5.ª contida numa minuta de contrato de mediação aprovada pelo atual Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e Construção e pela Direção-Geral do Consumidor. Daí que, acrescenta a apelante, as referidas cláusulas caiam na exceção de aplicação prevista na alínea a) do art.º 3.º da LCCG, que dispõe que o referido regime não se aplica às cláusulas típicas aprovadas pelo legislador.

Vejamos.

Foi a partir do Dec.-Lei n.º 77/99, de 16.3 (diploma que regulou o exercício de atividade de mediação imobiliária em substituição do Dec.-Lei n.º 285/92, de 19.12 e que antecedeu o Dec.-Lei n.º 211/2004), que o legislador veio estabelecer que a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (n.º 1 do art.º 19.º desse diploma), admitindo como exceções o já supra referido quanto à contratação em regime de exclusividade e nos casos de celebração de contrato-promessa (n.º 2, alíneas a) e b) do art.º 19.º). Procurou-se, como consta no Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 77/99, clarificar “questões que no domínio da anterior legislação motivaram inúmeras reclamações por parte dos consumidores”. Conforme dizia Sara Gouveia, representante do Instituto do Consumidor no I Congresso da Associação das Mediadoras Imobiliárias do Norte, “as queixas que o Instituto do Consumidor recebe provêm de pessoas que muitas vezes não percebem quais são as consequências da celebração de um contrato em regime de exclusividade e em regime de não exclusividade, nomeadamente no que se refere ao pagamento da comissão e da remuneração ao mediador imobiliário” (edição de Vida Económica, setembro de 2002, pág. 34).

Como é sabido, o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (LCCG) enfrenta o problema emergente da celebração de contratos cujas cláusulas são apostas sem prévia negociação de uma das partes, que a elas adere sem possibilidade de contrapor disposições mais adequadas aos seus interesses. Tal situação determina que o aderente se obriga a regras que desconhece ou não compreende e que, frequentemente, desequilibram o programa contratual em benefício do predisponente.

A LCCT indica, no art.º 3.º, sob a epígrafe “excepções”, situações a que o diploma não se aplica:
a)A cláusulas típicas aprovadas pelo legislador;
b)A cláusulas que resultem de tratados ou convenções internacionais vigentes em Portugal;
c)A contratos submetidos a normas de direito público;
d)A actos do direito da família ou do direito das sucessões;
e)A cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

A atual redação foi introduzida pelo Dec.-Lei n.º 220/95, de 31.8, que visou adequar o regime aos princípios consignados na Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 05.4.1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados entre consumidores. Conforme se assinala no Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 220/95, em relação à redação primitiva do art.º 3.º da LCCG “eliminou-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º, que excluía da fiscalização judicial as «cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada». Não parece que a excepção faça hoje sentido. Na verdade, assiste-se, não só à equiparação tendencial da Administração Pública, enquanto fornecedora de prestações e produtora de bens, aos profissionais da esfera privada, mas também à progressiva desregulamentação dos mercados onde intervêm as empresas abrangidas pelo condicionamento previsto na antiga alínea c). Em consonância, suprimiu-se o n.º 2 do mesmo artigo 3.º, onde se atenuava aquele preceito.” Conforme bem assinala Ana Prata (Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, Almedina, pág. 196) “por um lado, aquela aprovação não assegurava o conhecimento do clausulado contratual e a consequente liberdade e consciência da declaração de adesão, questão essencial no quadro deste regime; por outro, ela também não garantia, na maior parte dos casos, a natureza não abusiva das cláusulas.”

Assim, a circunstância de a A., na formulação do texto que apresentava aos seus clientes para estes assinarem, se ter inspirado ou transcrito elementos contidos numa minuta aprovada pelo organismo público encarregado de intervir na atividade de mediação imobiliária não determinava a subtração dessas cláusulas ao regime da LCCG.

Quanto à exceção contida na alínea a) do art.º 3.º - “cláusulas típicas aprovadas pelo legislador”. Estão em causa “heterolimitações legais da autonomia privada” (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, “Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro”, Almedina, 1986, páginas 20 e 21). Entende-se que nas cláusulas previstas na lei o legislador procedeu a uma adequada ponderação dos interesses em presença. Presunção, porém, que “não garante que sejam conhecidas e/ou compreendidas pelos aderentes. Muito passado vai o tempo em que se entendia que o erro de direito era necessariamente culposo, o mesmo é dizer que se exigiria a um sujeito de diligência média o conhecimento dele” (Ana Prata, obra citada, pág. 195).

Há que compaginar este preceito com o teor da supracitada Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 05.4.1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados entre consumidores, e atender à correspondente jurisprudência do Tribunal de Justiça.

No n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva estipula-se que “As disposições da presente directiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas, bem como das disposições ou dos princípios previstos nas convenções internacionais de que os Estados-membros ou a Comunidade sejam parte, nomeadamente no domínio dos transportes.”

No considerando 13.º do respetivo preâmbulo consignou-se o seguinte:
Considerando que se parte do princípio de que as disposições legislativas ou regulamentares dos Estados-membros que estabelecem, directa ou indirectamente, as cláusulas contratuais com os consumidores não contêm cláusulas abusivas; que, consequentemente, se revela desnecessário submeter ao disposto na presente directiva as cláusulas que reflectem as disposições legislativas ou regulamentares imperativas bem como os princípios ou as disposições de convenções internacionais de que são parte os Estados-membros da Comunidade ; que, neste contexto, a expressão «disposições legislativas ou regulamentares imperativas» que consta do n.º 2 do artigo 1.º abrange igualmente as normas aplicáveis por lei às partes contratantes quando não tiverem sido acordadas quaisquer outras disposições”.

No acórdão proferido em 21.3.2013, no processo C-92/11, que teve por objeto um pedido de decisão prejudicial, o TJ exarou  que “como resulta do décimo terceiro considerando da Diretiva 93/13, a exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 abrange as cláusulas que refletem as disposições do direito nacional aplicáveis entre as partes contratantes, independentemente da sua escolha, ou as das referidas disposições aplicáveis supletivamente, isto é, na falta de um acordo diferente entre as partes a este respeito” (n.º 26 do acórdão – negrito nosso).

Reportando-se a este acórdão e a este preceito da Diretiva 93/13, o TJ, no acórdão proferido em 10.9.2014, no processo C-34/13 (também atinente a um pedido de decisão prejudicial), escreveu o seguinte:

74-Enquanto o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 estabelece o âmbito de aplicação desta diretiva, o n.o 2 do mesmo artigo prevê a exclusão das cláusulas decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas.
(…)
76-O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de recordar que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 estabelece uma exceção ao seu âmbito de aplicação, aplicável às cláusulas decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas (v., neste sentido, acórdão RWE Vertrieb, C-92/11, EU:C:2013:180, n.o 25).
77-Importa recordar que, tendo em conta o objetivo da referida diretiva, ou seja, a proteção dos consumidores contra as cláusulas abusivas inseridas nos contratos celebrados com estes últimos por profissionais, esta exceção, como qualquer outra, é de interpretação estrita.
78-No caso em apreço, resulta do acórdão RWE Vertrieb (EU:C:2013:180) que esta exclusão pressupõe que se encontrem reunidas duas condições. Por um lado, que a cláusula contratual decorra de uma disposição legislativa ou regulamentar e, por outro, que essa disposição seja imperativa.
79-A este respeito, importa referir que, para determinar se uma cláusula contratual deve ser excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, compete ao juiz nacional apreciar se essa cláusula decorre de disposições de direito nacional aplicáveis entre as partes contratantes independentemente da sua escolha, ou de disposições aplicáveis supletivamente, isto é, na falta de um acordo diferente entre as partes a este respeito (v., neste sentido, acórdão RWE Vertrieb, EU:C:2013:180, n.o 26).
80-Tendo em conta estas considerações, há que responder à quarta questão que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual, inserida num contrato celebrado por um profissional com um consumidor, só deve ser excluída do âmbito de aplicação desta diretiva se a referida cláusula contratual decorrer do conteúdo de uma disposição legislativa ou regulamentar imperativa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.”

Em suma, deve excluir-se do regime da LCCG cláusulas contratuais que sejam aplicáveis ao contrato não por vontade manifestada pelas partes mas por força de norma legal, seja ela norma imperativa em sentido estrito (que deva aplicar-se ao contrato, ainda que contra a vontade das partes), seja imperativa no sentido aqui também tido em vista, ou seja, norma supletiva que é aplicável porque as partes não estipularam em sentido diverso.

Revertendo ao caso concreto destes autos.

No contrato apresentado pela A. para que os seus clientes assinassem constava que a mediação seria exercida pela A. em regime de exclusividade.

A lei da mediação imobiliária não impunha nem impõe (atualmente, vide Lei n.º 15/2013, de 08.02) que os contratos de mediação imobiliária sejam sujeitos ao regime de exclusividade. E também não estipula que tal regime deve vigorar no contrato, no caso de as partes nada acordarem quanto a essa matéria. Ou seja, no contrato sub judice a cláusula da exclusividade não resulta de norma imperativa em sentido estrito ou de norma supletiva. Dimana, tão só, da iniciativa da predisponente, a que a aderente deu assentimento pela subscrição formalizada no contrato.

A adesão ao regime de exclusividade não escapa, pois, ao controlo próprio da LCCG (cfr., neste sentido, Higina Orvalho Castelo, “Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária”, 2015, Almedina, pág. 100, onde se escreveu: “o teor das normas que o RJAMI [regime jurídico da atividade de mediação imobiliária] destina à regulação do acordo de exclusividade não impede que este acordo seja inserido em cláusula contratual geral e que os contratos de mediação com acordo de exclusividade possam ser simultaneamente contratos de adesão. As duas situações estão em planos distintos, ainda que intersetáveis: o regime de exclusividade previsto no RJAMI é estabelecido por causa do conteúdo da cláusula de exclusividade; a disciplina da LCCG é conferida por causa de um especial modo de formação do contrato (através de cláusulas contratuais gerais).

Nos termos do n.º 3 do art.º 1.º da LCCG, “o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”

Ou seja, se alguma das partes quiser furtar ao regime da LCCG alguma cláusula contratual ou, mesmo, a totalidade de um contrato, por entender que no caso não ocorrem os pressupostos daquele regime, recai sobre si o ónus de demonstrar que tal ou tais cláusulas foram alvo de negociação prévia, isto é, que a respetiva fixação é fruto do clássico exercício da liberdade contratual tido em vista no art.º 405.º n.º 1 do Código Civil. Se não satisfizer essa exigência, a cláusula ou negócio sujeitar-se-á às restrições impostas pela LCCG.

Tal regra faz sentido em situações em que o negócio em causa aparenta ser de adesão ou conter cláusulas pré-determinadas. Se o contrato aparentar ter sido antecedido de negociação prévia e ninguém alegar o contrário, não se justifica trazer à liça o disposto no n.º 3 do art.º 1.º da LCCG, uma vez que não se suscita a questão cuja resolução ele visa.

No caso dos autos, como se viu, o documento apresentado configura-se como um contrato de adesão, não tendo sido produzida prova em sentido contrário.

Nos termos do n.º 1 do art.º 5.º da LCCG “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.”

Tal comunicação “deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência” (n.º 2 do art.º 5.º).

É sobre o contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais que cabe o “ónus da prova da comunicação adequada e efectiva” (n.º 3 do art.º 5.º).

Além da comunicação das cláusulas contratuais gerais, o contratante que a elas recorra “deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” (n.º 1 do art.º 6.º), assim como “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados” (n.º 2 do art.º 6.º).

A violação destes deveres implica a exclusão da cláusula afetada.
Assim, nos termos do art.º 8.º da LCCG, “consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a)As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b)As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;
c)As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;
d)As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes”.

No caso dos autos, deu-se expressamente como não provado que “Em 05 de Janeiro de 2012, aquando da subscrição do contrato acima identificado, a Autora informou a Ré que seria igualmente devida à empresa (FCGM, Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A.) a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação, celebrado em regime de exclusividade, não se concretizasse por causa imputável ao cliente proprietário, ao arrendatário trespassante do bem imóvel (…)” (alínea A) e ainda que “Em 05 de Janeiro de 2012, aquando da subscrição do contrato acima identificado, a Autora esclareceu a Ré sobre os termos da remuneração devida” (alínea B).

Ora, a prestação de tal informação era tanto mais importante quanto o texto expresso no contrato só reportava o pagamento da remuneração aos momentos de concretização efetiva do negócio mediado (“A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…) – n.º 1 da cláusula 5.ª); “O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: (…) a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor” – n.º 2 da cláusula 5.ª; “O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: (…) 50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio” – n.º 3 da cláusula 5.ª).

E, quanto aos efeitos da contratação da A. em regime de exclusividade, no contrato apenas se afirma que “Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência” (n.º 2 da cláusula 4.ª). Omitindo-se, afinal, o efeito mais relevante e gravoso para o cliente-aderente, que era a sujeição à obrigação de pagamento da remuneração no caso de desistência da celebração de contrato com cliente angariado pela mediadora (solução diferente da imposta pelo legislador para os contratos sem exclusividade, conforme já supra assinalado). Com efeito, a mera remissão para normas legais, contida no supra transcrito n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato, não satisfaz as exigências legais de informação e esclarecimento do contraente aderente (e consumidor).

Tanto assim foi que, conforme se provou, “a Ré outorgou o contrato na convicção de que a remuneração pela mediação só seria devida em caso de concretização do negócio” (n.º 36 da matéria de facto).

Mais, aquando da desistência da venda do imóvel, a A. não só não foi esclarecida quanto à pretensa obrigação de pagamento da remuneração, apesar de o seu “erro” a esse respeito ser evidente, como até lhe foi implicitamente dado a entender que a remuneração não lhe seria exigida:

No mail referido no n.º 24 da matéria de facto, o angariador da A., referindo-se à desistência do negócio por parte da R., lamenta-se por alegadamente terem sido dois anos do seu trabalho deitados à rua;
Em resposta, no mail referido no n.º 25 da matéria de facto (doc. 16 junto com a p.i., fls 54), dirigido ao angariador da A., a R., após explicar as razões da desistência do negócio, escreve o seguinte: Entretanto gostava de saber como poderia compensar alguma despesa que fez por minha causa”. E, a isto, conforme decorre do mail da R. mencionado no n.º 26 da matéria de facto e do maildo angariador da A. constante a fls 55 dos autos (doc. n.º 17 junto com a p.i.), o angariador da A. não interpôs qualquer reclamação de pagamento de remuneração.

Note-se que, tendo em vista o padrão de boa-fé que deve prevalecer não só na formação dos contratos (art.º 227.º n.º 1 do Código Civil), como também na sua execução e no exercício dos direitos (artigos 762.º n.º 2 e 334.º do Código Civil), que a desistência do negócio por parte da R. não se apresenta como um capricho mas ocorre no contexto de uma hipótese de venda por um preço (€ 132 000,00) muito inferior ao que fora perspetivado aquando da celebração do contrato de mediação (€ 180 000,00), e ainda claramente inferior ao preço posteriormente estabelecido como meta (€ 145 000,00, n.º 12 da matéria de facto), o que justificou que a R., poucos dias após se ter ajustado verbalmente o negócio (29.01.2013 e 05.02.2013, n.ºs 14 e 22 da matéria de facto), tenha reconsiderado, após ponderar o que sobejava deduzidos os encargos, devendo assinalar-se que nessa ponderação se incluía o pressuposto, não desmentido pela A., de que a desistência do negócio não acarretaria a obrigação de pagamento da remuneração à A..

Por tudo isto, afigura-se-nos que se deve manter a decisão recorrida, de não aplicação da cláusula do contrato que determinava a obrigação de pagamento da remuneração à A. no caso de não concretização do negócio mediado por facto imputável à R.. Note-se que, nos termos do art.º 9.º da LCCG, os contratos com cláusulas excluídas por violação do dever de comunicação e/ou informação mantêm-se, “vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.” As “normas supletivas” que aqui seriam aplicáveis não são aquelas que, nos casos de angariação em regime de exclusividade, concedem à mediadora o direito à remuneração no caso de desistência do negócio por parte do cliente (trata-se de norma supletiva, porque nada obsta a que as partes convencionem solução mais favorável ao cliente da angariadora), mas as normas aplicáveis quando não há que considerar o regime de exclusividade, ou seja, a não exigibilidade de remuneração em caso de não concretização do negócio tido em vista no contrato de mediação. Sendo certo que, no caso destes autos, a A. não deixou de beneficiar da situação de exclusividade, ou seja, do monopólio, ao longo de mais de um ano, na busca de comprador para o imóvel em causa. E sendo certo, também, que nestes autos não está em apreciação o direito da A. a ser compensada pelas despesas eventualmente suportadas com a execução do contrato.

Conclui-se, assim, que a sentença recorrida deve manter-se. Tal prejudica a apreciação da subsidiária impugnação da matéria de facto.

DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante, que nela decaiu.


Lisboa, 29.9.2016


Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins