Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
859/2008-1
Relator: JOSÉ GABRIEL SILVA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
AVALIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
NOMEAÇÃO DE ÁRBITROS
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Sumário: I - Sem esquecer que o julgador aprecia livremente as provas, inclusive pericial, o Tribunal, na falta de outros elementos, não deve afastar-se das conclusões ou resultados a que cheguem os peritos, sobretudo quando oriundos de uma maioria, excepto se for de concluir que os peritos assentaram o seu raciocínio em erro manifesto ou critério ostensivamente inadmissível.
II - Em sede de processo de expropriação, na fase administrativa, havendo necessidade de arbitragem, a designação dos árbitros cabe ao Presidente do Tribunal da Relação respectivo, que os deverá escolher de lista oficial, indicando desde logo quem presidirá.
III - Quanto ao sentido da norma, releva a mesma de aspecto garantístico primacial, ao atribuir a Entidade Jurisdicional, a designação dos árbitros, sendo que a sua actividade de arbitragem, é uma trave mestra na economia de todo o processo de expropriação, no que de importante tem, para a boa (justa) avaliação do bem a expropriar, necessariamente conectada com a atribuição de indemnização que terá lugar mais à frente.
IV - Dos textos dos artigos 43 e 44 do C. Exp. de 1991, decorre o seguinte:
- Poderão ser designados mais de um grupo de árbitros permanentes sempre que, em virtude da extensão e do número de bens a expropriar, um único grupo de árbitros se mostre manifestamente insuficiente para assegurar o normal andamento de todos os processos.
- tal decisão é da competência do Presidente do Tribunal da Relação da situação dos bens a expropriar ou da sua maior parte, mediante proposta fundamentada da entidade expropriante.
- a distribuição dos processos pelos grupos de árbitros permanentes é da competência do Presidente do Tribunal da Relação, ouvida a entidade expropriante.
V – Em caso de omissão desta sequência de actos, se essa irregularidade processual puder influir decisivamente no exame e na decisão da causa, inquinando a sucessão de actos que substancial e processualmente estão dependentes do acto omitido, ou cujo sentido normativo é adulterado sem remissão, pondo em crise o resultado obtido ou a obter, também dependente dessa série de actos.
FG
Decisão Texto Integral: 1) Relatório.
1.1) Por despacho de 28/07/1999 foi adjudicada à Expropriante a posse e propriedade das parcelas nºs 107 e 107.1 com área de 85.454 m2, correspondente a parte dos prédios denominados “C” e “M”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete.

1.2) Inconformados com a decisão arbitral constante dos autos a fls. 175 a 186, Expropriante e Expropriada vieram dela interpor o competente recurso junto deste Tribunal, a fls. 386 a 590 e 303 a 385, respectivamente.

1.3) Notificados a Expropriada e Expropriante dos recursos interpostos pela parte contrária, a Expropriada respondeu a fls. 592 a 614 e a Expropriante a fls. 679 a 809.

1.4) Pela expropriada foi ainda interposto recurso da decisão que decidiu as questões prévias por esta suscitadas, recurso esse que foi admitido como sendo de agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo.


1.5) A propósito do referido em 1.4, é necessário explicitar que por peça processual, que consta a fls. 236 e seguintes do II volume, a S apresentou questões prévias, que em síntese foram:
a) Inexistência jurídica da arbitragem por falecimento de um dos árbitros;
b) Inexistência jurídica da arbitragem por falta de distribuição jurisdicional do processo aos árbitros;
c) Falta de DUP.

1.6) A essas questões respondeu a L a fls. 250 e seguintes do II volume.

1.7) Tais pontos controvertidos foram objecto de decisão pela Primeira Instância, considerados improcedentes, a fls.266 e seguintes do II volume.

1.8) A S interpôs recurso de agravo dessa decisão a fls. 275.

1.9) Admitido a fls. 277.

1.10) A fls. 280 a S apresentou as suas alegações de agravo, e explicitou as seguintes conclusões:
" 1-- O acórdão arbitral em que a expropriante fundamenta o processo judicial de expropriação, é o constante de fls. 201 à 213, o qual está assinado apenas por 2 dos 3 árbitros que, nos termos do art° 43° do C E constituem o Tribunal Arbitral.
2 -- Aquele “acórdão” não constitui correcção de mero lapso ou erro de escuta ou de, cálculo do acórdão constante de fls. 175 à 186, porquanto, os signatários daquele “acórdão quiseram e efectuaram com ele, uma alteração à área das parcelas expropriadas, adoptando agora o critério das descrições prediais, porque, erradamente não tinham procedido segundo esse critério, no 1° acórdão.
3 -- Tal alteração daquela decisão jurisdicional, não se enquadra no disposto no art° 249° do C C pois trata-se de um erro intelectual, segundo os próprios autores dessa correcção (fls. 213).
4 -- O falecimento do árbitro, e a consequente falta de assinatura, face ao disposto no art° 13° da Lei  31/86 aplicável ex vi n° 1 art° 1.527° e 1.528° do Cod. Proc. Civil, determina a inexistência do “acórdão” assinado apenas pelos outros dois — ou a sua nulidade, conforme o disposto na al. f), nº 1, art° 23, e al. c), nº 1, art° 27° da Lei 31/86 [normativo igual ao da al. a), nº 1, art° 668° do Cod. Proc. Civil].
5 -- A decisão recorrida, nesta parte, efectuou uma interpretação inconstitucional do disposto no art. 43, do C.E., 249° do C.C., e do disposto na al. f), nº 1, art° 23° e al. c) n° 1 art° 27° da Lei 3 1/86 aplicável por força dos art°s 1.527° e 1.528° do CPC — em ofensa do direito à Justiça e Jurisdição, consagrados quanto ao caso sub judice, sob o nº 1 art° 20° e n° 2 art° 209° da Constituição.
6 --Sem prescindir do que antecede, a decisão recorrida faz uma interpretação do n° 4 do art° 44° do CE, violadora dos direitos constitucionais da expropriada, nomeadamente, os direitos ao processo equitativo e à independência e imparcialidade dos árbitros, consagrados no n° 4 do art° 20° e art° 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como violadora ainda, do disposto em nº 1, art° 110, n°s 1 e 2 do art° 202° e alt° 203° da Constituição, ao aceitar que as funções do n° 4 do art° 44° do CE, possam ser exercidas por quem é parte no próprio litígio e não tem qualquer poder jurisdicional.
7 - Sem prescindir, a decisão recorrida, ao interpretar o n° 3 do art° 100 do C E no sentido de que os prazos ali previstos, contam-se a partir da data em que a expropiante aceitou o pedido de expropriação total, viola o direito de propriedade, garantido no art° 62° da Constituição, porquanto, dessa forma, o ónus da expropriação pode durar o tempo que a expropriante entender.
8 -- Além disso, a decisão recorrida aplica erradamente o direito, porquanto, tendo transitado em julgado em 24.7.97 a decisão judicial em cujo processo, fora interrompido o prazo de caducidade da DUP, face ao disposto no nº 1, do art° 332, e nº 3 do art° 327° do C.C.,quando em 17.9.1999 a expropriante remete o processo ao tribunal, já tinha há muito tempo, esgotado o prazo máximo dos 2 anos.
9 -- Desta forma, por esta conclusão ou pela anterior, a DUP fundante desta expropriação, já estava caduca, à data de 17.9.1999.
10 -- A procedência das conclusões que antecedem determinam sempre — em qualquer dos casos — que a instância expropriativa não pode prosseguir, por lhe faltar um elemento essencial, seja o acordão arbitral, seja a DUP, fundantes do pedido e causa de pedir desta via judicial, devendo declarar-se a sua extinção, face, nomeadamente, ao disposto na al. e), do art° 287° do Cod. Proc. Civil."

1.10-A) A L contra-minutou o recurso de agravo a fls. 616 e seguintes do III volume.  

1.11) Posteriormente, procedeu-se à avaliação prevista na lei, tendo os Srs. Peritos do Tribunal e da Expropriante junto o relatório que consta de fls. 1090 a 1137, e o da Expropriada juntou o relatório que consta de fls. 1134 a 1341.

1.12) O relatório apresentado pelos peritos do Tribunal e da Expropriante sofreu reclamação por parte da Expropriada, a fls. 1145 a 1151, tendo a mesma sido atendida parcialmente.

1.13) Os Senhores Peritos apresentaram esclarecimentos a fls. 1406 a 1431.

1.14) Notificadas para o efeito, a Expropriante veio juntar as suas alegações aos autos a fls. 1463 a 1477 e a Expropriada a fls. 1481 a 1523.

1.15) Foi proferida sentença que na sua parte decisória exarou:
"Pelo exposto, julgo o recurso interposto pela expropriante parcialmente procedente e o recurso interposto pela expropriada improcedente e, em consequência, atribui-se à expropriada a indemnização de € 287.033,86 ( duzentos e oitenta e sete mil e trinta e três euros e oitenta e seis cêntimos ).
O montante indemnizatório será actualizado, nos termos do art.º 23º, nº1, actualmente art.º 24º, n.º 1 do Cod. Exp. à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
Custas pela expropriante e expropriada na proporção dos respectivos decaimentos e sem prejuízo de isenção, sendo a taxa de justiça reduzida a metade, conforme o disposto no artigo 14.º, alínea j), do Código das Custas Judiciais.
Registe e notifique."

1.16) Da sentença proferida foi interposto recurso de apelação pela L SA, a fls. 1553, do VI volume.

1.17) Pela S foi pedida a aclaração da sentença a fls.1555 do VI volume.

1.18) A fls. 1564 foi admitido o recurso da L e concretizada a aclaração pedida, após contraditório.

1.19) A S veio interpor recurso de apelação subordinado a fls. 1572, envolvendo ampliação do âmbito do recurso. 

1.20) Que foi igualmente admitido a fls.1573.

1.21) Na sua peça recursória a L apresentou as seguintes conclusões:
"- No presente processo expropriativo chegaram os Srs. Peritos – quer os nomeados pelo Tribunal, quer o nomeado pela expropriante – a um consenso sobre o valor real e corrente das parcelas expropriada, valor este quantificado em Euros 111.761,16.

- O Tribunal a quo fixou, porém, um valor superior, correspondente a mais do dobro da indemnização, concretamente em Euros 287.033,86.
Para tanto, o Tribunal a quo, depois de fundamentar, e bem, a preferência dada ao laudo maioritário dos Srs. Peritos, afastou-se deste laudo num único factor – o preço médio ponderado de 1 kg de peixe – em prol dos dados estatísticos do INE, dados esses que, conforme explicitado nas presentes alegações, e expressamente reconhecido na sentença em crise, não têm aplicabilidade in casu.
- Trata-se, pois, de matéria puramente técnica, que foi ponderada e avaliada no laudo maioritário subscrito pelos Srs. Peritos do Tribunal e da expropriante, não existindo fundamentos sérios, de facto ou de direito, que justificassem tal divergência.
- Na verdade, quanto à questão da avaliação, decidiu o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Junho de 2006, que “sem esquecer que o julgador aprecia livremente as provas, inclusive pericial, afigura-se-nos que o Tribunal, na falta de outros elementos, não deve afastar-se das conclusões ou resultados a que cheguem os peritos, sobretudo quando oriundos de uma maioria, excepto se for de concluir que os peritos assentaram o seu raciocínio em erro manifesto ou critério ostensivamente inadmissível [Neste sentido vide acórdão desta Relação e Secção, proc. n.º 3028/04 (Manuela Gomes) e subscrito pela aqui relatora].” (ênfase nosso).
- Em sentido idêntico, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 10 de Novembro de 2004, processo n.º 890/04-2, in www.dgsi.pt, ao considerar que “(…) o problema que se coloca ao julgador nos processos de expropriação tem sido equacionado como um problema de adesão, na medida em que deve aderir à avaliação técnica efectuada pelos peritos ou ao parecer maioritário destes, a menos que se suscitem questões de direito com relevância para o cálculo do valor da coisa ou que o processo contenha elementos de prova suficientemente sólidos – para além da avaliação – que o habilitem a divergir.” (destaque nosso). [Vide, neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 22-05-86, in CJ, Ano 1986, Tomo III, p. 1999 e de 27-05-80, in CJ, Ano 1980, Tomo II, p. 82].” (ênfase nosso).
- No que respeita à avaliação das parcelas com base no rendimento para piscicultura extensiva, o Tribunal a quo começa por seguir o relatório maioritário, partindo de um valor de produção de 500kg/h/ano.
- Não obstante, no que respeita ao factor preço médio ponderado de 1 kg de peixe, o Tribunal a quo segue, inexplicavelmente, e em absoluto desrespeito pelas normas processuais aplicáveis sobre o regime da prova, a estatística da pesca fornecida pelo INE, ou seja, os dados que anteriormente referira não serem aplicáveis ao caso em apreço, tendo em atenção as condicionantes legais específicas da zona.
- A verdade, porém, é que as referidas condicionantes legais não só limitam a capacidade de produção, designadamente as espécies em causa, como igualmente influenciam o preço, pois, como referem os Srs. Peritos, o valor comercial dos peixes criados em viveiro é inferior ao dos exemplares criados naturalmente, sendo, por outro lado, o seu tamanho mais reduzido.
- Ao exposto acresce que na determinação do referido preço médio o Tribunal a quo não tomou em consideração a seguinte realidade salientada pelos Srs. Peritos e evidenciada nos recentes acórdãos do Tribunal da Relação oportunamente citados: a tainha, sendo a espécie de valor comercial mais reduzido, é das espécies mais significativas em termos de produção na zona das Salinas do Samouco, ao contrário daquilo que sucede a nível nacional, pelo que o preço médio ponderado fornecido pelo INE nunca poderia traduzir a realidade da zona em questão.
- O Tribunal a quo não suscita uma única questão de direito com relevância para o cálculo do valor do solo, ou qualquer outra razão válida que pusesse em causa a opinião técnica dos Srs. Peritos maioritários, padecendo, por tudo o exposto, a sentença recorrida de erro de julgamento.
- A sentença em crise padece, assim, de vício de violação de lei e de erro de julgamento por desrespeito das disposições relevantes do CE que delimitam o cálculo do montante indemnizatório, designadamente os artigos 22.º e 26.º do CE de 91."

1.22) A S apresentou as suas alegações, por seu turno perfilando as seguintes conclusões:
" 1ª - Não está demonstrado pela expropriante – ónus que lhe competia – que as mesmas «condicionantes legais» que terão levado a sentença a seguir a opinião dos peritos maioritários, e nesse sentido, a desconsiderar o valor médio da produtividade, constante das estatísticas do INE relativas à piscicultura, (cf. relatório do perito Mário), imponham a desconsideração do preço de venda, isto é, o valor de comercialização referido nas mesmas estatísticas: a apelante dá por demonstrado o que não demonstrou – a produção e os factores que a determinam não se confundem com o preço de venda.
2ª - Contudo, além dessa falta de demonstração, a expropriante faz de conta – e, falaciosamente, tenta pressupor – que produtividade e preço de comercialização sejam conceitos ou realidades iguais e, sobretudo, dependentes dos mesmos factores. Ora, a capacidade de produção, ou produtividade, constitui matéria e conceito totalmente diferente de preço/comercialização: aquele depende do local, de factores de produção e refere-se à quantidade; este refere-se ao valor económico que o mercado proporciona ao produto, logo, não depende directa ou imediatamente do produtor.
3ª - Com efeito, a capacidade de produção (500 kg/ha/ano, ou 1.400 kg/ha/ano) depende de tecnologias, recursos naturais e outros factores inerentes ao processo de fabrico; o preço final, ou o valor de comercialização, depende essencialmente do mercado, ou seja, da concorrência, dos níveis de consumo, do preço do pescado importado, etc.
4ª - Ora, a apelante não alega razões, factos concretos demonstrativos de que os motivos pelos quais, na sentença, o Julgador aceitou o valor da produtividade de 500 kg/ha/ano, indicado pela maioria dos peritos, e desprezou o respectivo valor das estatísticas, devam, em lógica coerência e sensatez, justificar, de igual modo, a exclusão dos dados estatísticos da comercialização... num estudo/previsão da rentabilidade de hipotética piscicultura no local, exposto na avaliação do relatório maioritário
5ª - De toda a maneira, o raciocínio da apelante é desonesto e ilógico (maxime em concl. 9ª): nenhuma relação de causalidade existe, entre a constatação de o preço do peixe de piscicultura ser inferior ao selvagem, e as «condicionantes legais» da capacidade de produção numa hipotética exploração no local.
6ª - Aquela relação de causalidade invocada na dita conclusão 9ª só faz sentido lógico e coerente, se as estatísticas se referissem ao preço do pescado selvagem, contudo, as estatísticas invocadas na sentença respeitam a piscicultura: logo, a «peixes criados em cativeiro», cujo valor comercial – sabe-se de conhecimento notório/experiência prática, é inferior ao preço dos exemplares selvagens, ou seja, a falácia daquela conclusão reside em pressupor-se nela um facto, um termo de comparação ao peixe/preço das estatísticas consideradas, o qual, contudo, obviamente, não existe: os peritos não afirmam que o peixe da hipotética piscicultura da parcela viesse a ser mais pequeno ou de pior qualidade alimentar do que aquele considerado nas estatísticas oficiais da piscicultura nacional.
7ª - Ora, se as condicionantes legais, pelo menos em abstracto, podem determinar menor quantidade de produção do que a indicada na média estatística, já por outro lado, não está demonstrado nem se encontram no relatório dos peritos maioritários razões sérias que levem o Julgador a considerar que tal peixe seja vendável a preços de saldo, isto é, muito mais baixo do que o valor médio das estatísticas oficiais (como já neste sentido foi julgado nesta Relação: apelação 5071/05-7, e apelação 2276/06-1).
8ª - Nem se diga que o resultado concreto deste raciocínio seguido na sentença é chocante porque aumenta o valor ditado pela maioria dos peritos: é que nessa mesma lógica, chocante é que estes tenham «achado» um valor mais do que 100% inferior àquele que a L e o G (expropriante inicial), inicialmente, ofereciam à expropriada [500$00/m2, em expropriação amigável, como consta de docs. 1 e 2 do req. inicial do recurso da expropriada e doc. 7 (final da 3ª pág.) do recurso da expropriante].
9ª - De resto, a conclusão 9ª da expropriante, ao afirmar que a tainha é a principal espécie na «zona das Salinas do Samouco», contém factualidade não provada, por isso inaceitável, de acordo com o disposto em arts. 664º, 659º nº 3 do Cód. Proc. Civil.
10ª- Pelo contrário, a descrição física da parcela evidencia que... nela não há tainha ou outras espécies. Mesmo no relatório dos peritos, embora se diga que, na «zona», a tainha é a principal das espécies preponderantes, nada se esclarece sobre a composição percentual das espécies ditas predominantes – sendo manifesto tratar-se de um palpite estimado a «olhómetro», sem qualquer razão de ciência credível, idónea,  não fundamentado objectivamente, que por isso tudo não pode ter-se em conta como o facto central da tese da expropriante, como ela pretende.
11ª- Tanto mais que, a alegada «dominância» da tainha é «facto» absolutamente desconhecido de um específico relatório de estudo de todo o habitat natural das Salinas do Samouco, «Estratégia de Ordenamento e Plano de Zonamento das Salinas do Samouco», contemporâneo da avaliação, referenciado e conhecido dos peritos: pela especificidade e objectivos do estudo, se a tainha fosse a principal espécie, tal ocorrência haveria de constar registada num estudo como o referido, o que não sucede.
12ª- Mesmo que não se julgue assim, o próprio relatório pericial em causa admite que a produção e qualidade do peixe poderia ser melhorada, através de reforço da alimentação dos peixes, desde que esta não fosse ração industrial – ou seja, é falso, e por ele mesmo contrariado, que não se possa alcançar produtividade e preços melhores do que os resultantes da simples manutenção e sustento dos peixinhos com o material dos respectivos tanques.
13ª- Por outro lado, não vem indicada, nem existe condicionante legal alguma que impeça a selecção natural do peixe/espécies naturais da zona, de modo a afastar as (miseráveis) tainhas e, assim, deixando espaço e alimento para os (nobres) linguados, robalos, quiçá as douradas: às avezinhas protegidas não consta que a lei mande comer, principalmente, tainha, portanto é falsa a pressuposição factual da composição (da tainha, como principal) da futura «carteira» de espécies de tal piscicultura: 1) Nenhuma norma legal vem invocada – pelos peritos ou pela L – que permita concluir ser proibido seleccionar as espécies naturais de tal exploração; 2) O regime legal da piscicultura, que os peritos invocam, não contém preceito que proíba tal selecção; 3) Não existe prova de que o dono de tal piscicultura não pudesse «mondar» as tainhas, permitindo assim, maior espaço e alimento para as demais espécies – como faria um qualquer médio e diligente piscicultor.
14ª- Sendo assim, a apreciação que a sentença efectuou, na parte em causa, ao seguir aquela previsão de rendimentos possíveis o preço médio das estatísticas de piscicultura, não encerra erro algum: os peritos maioritários é que, infundadamente, ilegal e ilogicamente, afastam este critério, e por isso, devem ser corrigidos.
15ª- Nessa parte, contudo, a sentença deve interpretar-se correctamente: o Julgador não quis dizer que, num caso (a produtividade) não aplicava as estatísticas por serem menos sérias e, noutro (o preço comercial), as aplicava, por aí já serem isentas. Com efeito a sentença fundamenta a opção pelo cálculo da indemnização considerando os valores/preços das estatísticas, pois, que numa possível exploração piscícola, para além das tainhas, também se poderiam criar outras espécies de maior valor comercial baseando esta afirmação no próprio relatório dos peritos.
16ª- Tal raciocínio mostra-se correcto, pois, mesmo que fosse provado que actualmente no local expropriado existisse preponderância de tainha – o que não é o caso, pois se trata de imóvel que, na sua maior parte esteve a uso/exploração de sal – o que está em causa é o cálculo de uma hipótese de exploração de piscicultura, possível no local, não existindo impedimento legal nem factual que, de entre as espécies existentes no estuário do Tejo, tal exploração seleccionasse as de preço mais elevado.
17ª- De resto, e neste sentido, o relatório pericial declara que a alimentação das espécies a criar poderia ser reforçada, com «plâncton, camarinha e minhocas, parte produzida na própria marinha, parte capturada no exterior e fornecida para alimentação dos peixes».
18ª- Para o caso de proceder a apelação da expropriante, e concluindo-se que deva seguir-se o preço de comercialização e os demais critérios fixados pelos peritos maioritários, e portanto, estabelecer-se o preço de 275$00/m2, como indemnização, de uma parte ou de toda a parcela – argúi-se a ilegalidade e nulidade da sentença, ampliando-se o objecto do recurso, nos termos de art. 684º-A, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, por se basear em relatório viciado, no tocante à fundamentação dos pressupostos numéricos subjacentes ao cálculo do valor indemnizatório, e por se efectuar, desse modo, a aplicação de normas inconstitucionais.
19ª- Na verdade a sentença apela à avaliação da maioria dos peritos, a qual, contudo, nos seus aspectos nucleares, não está fundamentada em factos, racionais, controláveis, susceptíveis de defesa e contraditório por parte dos interessados – pois: 1) A possível produção de peixe (500 kg/ha/ano), estimou-se em «inquérito generalizado», tal como a ocorrência das espécies de peixe ditas predominantes; 2) O preço da possível comercialização (800$00/kg) teve por base o mesmo “inquérito”; 3) Nos esclarecimentos que efectuaram, tais peritos escudaram-se em inquirição local de ex-trabalhadores, da exploração de sal terminada 12 anos antes, sem qualquer experiência ou razão de ciência em matéria de produção de piscicultura.
20ª- Tal género de fundamentação não pode ser considerada como aquela que o art. 585º nº 1 do CPC exige, e a que o DL 44/94 de 19/2, especialmente relativo à actividade dos peritos avaliadores, impõe, no seu art. 8º nº 1, ao exigir que os peritos devam «fundamentar claramente o cálculo do valor atribuído».
21ª- É infundada e arbitrária a pressuposição de 500 Kg/ha/ano de produção piscícola em hipotética exploração no local, porquanto: 1) Eles próprios referem que, sendo exploração piscícola extensiva, mesmo assim, os peixes poderiam ter um reforço alimentar, com «camarinha e minhocas, parte produzida na própria marinha, parte capturada no exterior»; 2) Eles próprios juntaram uma notícia, onde sob o título «Burocracia e ambientalistas» se refere, na zona da Reserva Natural do Estuário do Sado, de acordo com a respectiva tutela administrativa, seria autorizado a produzir, anualmente, «uma produção de até três toneladas por hectare»; 3) Uma análise de dois especialistas em piscicultura (publicada no Expresso de 30.09.2006) refere igualmente, que, «em Setúbal as explorações aquícolas estão sujeitas a limitações à produção, impostas pela RNES [Reserva Natural do Estuário do Sado] que nalguns casos impõem valores máximos de 3 toneladas de peixe por hectare/ano» – texto ora anexo, e cuja junção, se requer como parecer técnico sobre esta questão (doc. 2, junto só agora, dada a data da sua publicação).
22ª - Se não se concluir como antecede e se julgar procedente a apelação, impõe-se verificar que, a generalidade e a falta de indicação concreta dos meios probatórios referidos pelos peritos como causa de dois pressupostos nucleares do cálculo da indemnização – produtividade, preço – permitem quaisquer valores: «é pau que dá para toda a obra».
23ª- Ora, ao aceitar aqueles pressupostos – logo, a respectiva fundamentação – o Tribunal aceitou, em parte, e aceitará agora (se proceder a apelação da expropriante), que se extraía do disposto no art. 585º nº 1 do CPC e no art. 8º nº 1 do DL 44/94, de 4/2, um sentido normativo-aplicativo, segundo o qual, a fundamentação da perícia, sobre de preços, e produtividade, aspectos centrais de todo o cálculo indemnizatório, basta-se com a singela invocação de um «inquérito generalizado», não constante nos autos, nem ali expressos os seus termos ou os inquiridos.
24ª- Contudo, a densidade normativa-constitucional do direito a um processo equitativo, do princípio do contraditório, e da proibição de indefesa, impõem a rejeição de tal norma, de tal law in action extraída daqueles preceitos.
25ª- Pois, se a decisão destes autos atribuir primazia àquela avaliação maioritária, cuja fundamentação factual não pôde ser contrariada – pois não se pode saber o que é, ou em que consistiu o tal «inquérito», nem quais foram os tais inquiridos, nem estes foram ouvidos pela expropriada – e se, assim, se validar tal meio de prova, considerando-a resultante do teor de art. 585º nº 1 do CPC, e art. 8º nº 1 do DL 44/94, no tocante à sua fundamentação, far-se-á uma interpretação destes preceitos violadora daqueles direitos fundamentais, ao contraditório, à proibição de indefesa, e ao processo equitativo: tal decisão sustentar-se-á  em meios de prova em relação aos quais a expropriada, processual e substancialmente não tem a menor hipótese de contrariar/impugnar, por não constarem nos autos. Nem sequer o Julgador pode avaliar a objectividade de tal «avaliação»!
26ª- Portanto, viola a Constituição, arts.20º nº 4, 204º e 205º nº 1, uma norma que, supostamente intrínseca naquelas acima referidas, autorize que numa decisão prevaleça uma avaliação fundamentada em cálculos e pressupostos não verificáveis, não controláveis, não contraditáveis, ditos como resultantes de inquérito ou recolha de dados, ocultos, não expressos em tal relatório.
27ª- Sem prescindir do que antecede, a indemnização calculada na avaliação e defendida pela expropriante, baseia-se numa avaliação da parcela, para um possível/hipotético uso a piscicultura, porém, concretamente menos lucrativo do que o uso efectivo a que ela se destinava e era usada antes da posse da expropriante, isto é, salinicultura, como se verifica pelo teor da arbitragem.
28ª- Deste modo, a prevalecer tal tese, efectuar-se-á uma interpretação do art, 26º nº 1 do Código das Expropriações em termos que se considera decorrer de tal preceito a possibilidade de a indemnização justa e devida resultar da avaliação do imóvel para um uso possível menos lucrativo, ou menos valorizante, que o uso efectivo do imóvel anterior á expropriação.
29ª- Ora, neste sentido interpretativo, aquele preceito é violador quer do princípio da igualdade entre expropriados e não expropriados – pois aqueles não têm de ser sacrificados, face a estes, pela expropriação – bem como do direito à justa indemnização, densificado na jurisprudência pertinente e resultante do art. 62º da Constituição: atribuir o valor resultante do uso possível, menos lucrativo do que o uso efectivo, corresponde a indemnizar por um valor inferior ao da utilidade corrente, real e efectiva do imóvel.
-- Termos nos quais deve julgar-se totalmente improcedente a apelação da expropriante – caso assim não suceda, deve ampliar-se o objecto desta mesma apelação, nos termos de art. 684º-a, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, concluindo-se, então, pela rejeição dos pressupostos do cálculo indemnizatório seguido na avaliação maioritária, ordenando-se que sejam corrigidos e fundamentados."

1.23) A L apresentou as suas contra-alegações, atendendo à ampliação do recurso, propugnada pela S, esquematizando as conclusões que seguem:
"1.ª A decisão recorrida encontra-se bem fundamentada, conforme demonstrado na presente Resposta, pelo que deve improceder a alegada nulidade da sentença por falta de motivação, até porque, conforme é jurisprudência constante, a nulidade prevista na alínea b) do art. 668.º do CPC verifica-se apenas nos casos em que há falta absoluta de motivação (neste sentido, entre outros, Ac. R.P. de 8.7.1982, BMJ, 320.º, 462), o que, manifestamente, não ocorre no caso em apreço, com o que improcede a conclusão 18.ª das contra-alegações sob resposta.
2.ª No que se refere à alegada arbitrariedade por falta de fundamentação da avaliação, importa concluir que os Senhores Peritos maioritários ao fundarem a sua avaliação num “inquérito generalizado” demonstraram rigor e cuidado na avaliação de uma zona ecologicamente sensível, sendo que “esta razão de ciência não é de somenos, antes pelo contrário, revela-se porventura a mais consentânea com o apuramento, de um correcto valor, na medida em que dimana da realidade local, reflectindo os seus concretos condicionalismos e especificidades, os quais poderão e normalmente serão condicionantes do uso, rentabilidade e produtividade da parcela”, conforme decidido no Acórdão da Relação de Lisboa acima citado.
3.ª Com efeito, estamos perante uma zona em que, por traduzirem uma representação meramente teórica da realidade, a qual não se coaduna com a realidade concreta em presença, as estatísticas disponíveis não são aplicáveis, uma vez que se trata, insiste-se, de uma área ecologicamente sensível, com todas as limitações daí decorrentes, pelo que o método de avaliação mais responsável foi aquele adoptado pelos Senhores Peritos maioritários, que “auscultaram” in loco os agentes económicos.
4.ª Face ao exposto, não podemos senão concluir que no presente processo não foram, de modo algum, violadas as disposições constitucionais invocadas pela expropriada, seja porque a sentença se encontra devidamente fundamentada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, seja porque o direito da expropriada a um processo equitativo foi manifestamente respeitado, conforme o disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Lei Fundamental, razão pela qual improcedem conclusões 19.ª a 26.ª das contra-alegações sob resposta.
5.ª Quanto à questão da indemnização atribuída na sentença, por se basear numa avaliação das Parcelas para um possível/hipotético uso para piscicultura, alegadamente violar o princípio da igualdade entre expropriados e não expropriados e o direito à justa indemnização, cumpre dizer que o critério da exploração piscícola deve perspectivar-se, não só, como um critério possível para a avaliação da área em questão, mas também como sendo aquele que é mais consentâneo com o princípio da justa indemnização.
6.ª Recorde-se que de acordo com o entendimento do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 390/91, in www.tribunalconstitucional.pt: “(…) tem de haver respeito pela pelo princípio de equivalência de valores, isto é, «nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação» (…).” (ênfase nosso).
7.ª Mais, importa salientar que a metodologia de avaliação da área molhada de acordo com o seu aproveitamento piscícola propugnada pelo Tribunal a quo é aquela que tem vindo a ser seguida pelos Tribunais nos demais processos de expropriação desta zona das Salinas do Samouco.
8.ª A este propósito atente-se, nas palavras de Fernando Alves correia, que “o princípio da igualdade não permite que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados” (in Fernando Alves Correia, “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, Coimbra, 1997, pág. 535), devendo, consequentemente, improceder tudo quanto a este propósito alega a expropriada no ponto 20 do capítulo VI, e bem assim nas conclusões 27.ª a 29.ª das suas contra-alegações.
9.ª Por último, cumpre ainda dar conta que os dois documentos juntos pela expropriada são extemporâneos, já que, sendo o processo de expropriação um processo especial, o doc. n.º 1 apenas poderia ter sido ser junto aquando do recurso da decisão arbitral da expropriada ou da resposta desta ao recurso da decisão arbitral apresentada pela expropriante, e o doc. n.º 2 porque havia a oportunidade de ter sido junto pela expropriada no momento de apresentação das suas alegações do artigo 63.º.
-- Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser julgada improcedente a matéria da ampliação do objecto do recurso requerida pela expropriada, com todas as consequências legais, assim como se requer que V. Ex.a. se digne ordenar o desentranhamento dos dois documentos juntos pela expropriada às suas contra alegações de recurso."

1.24) Com interesse quanto à tramitação dos autos, há que ter em conta os dois despachos proferidos na primeira parte de fls. 1535 do VI volume.

1.25) Correram e foram tomados os vistos legais. 

2) Matéria de Facto dada como provada pela Primeira Instância. 
2.1) Foi publicada no DR II Série, n.º 68 de 21/3/95 a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência das parcelas do troço do “Viaduto Sul” identificados pelos nºs. 11.1 a 13.2.
2.2) As parcelas nºs 107 a 107.1 em causa nos autos são parte integrante desse conjunto de prédios.
2.3) Tais parcelas ( nº 107 e 107.1 ) tem a área de 85.454 m2, correspondente a parte dos prédios denominados “C” e “M”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete.
2.4) Estas parcelas encontram-se registadas a favor da expropriada na respectiva conservatória do registo predial pela inscrição G-1.
2.5) Na sequência de um pedido de expropriação total por parte da expropriada, o qual veio a ser deferido, o Secretário de Estado das Obras Públicas, por despacho datado de 27.6.97 e publicado no DR nº 148, IIª Série de 30.6.97, autorizou a expropriante a tomar posse administrativa das propriedades pertencentes à S, identificadas em quadro anexo ao despacho, apenas pela sua denominação, número de artigo matricial e da descrição predial, sem qualquer referência ao número de parcela e à integração da mesma nos terrenos parcial e inicialmente expropriados.
2.6) Pelo que a expropriante tomou posse administrativa da parcela dos autos, aí referida, por auto lavrado de 20.10.97.
2.7) O prédio que constitui as parcelas não está dotado de quaisquer infra-estruturas urbanísticas.
2.8) A parcela é composta por 28 talhões, 4 caldeirões, 2 reservas, 2 viveiros, 6 corredores, barachas e muros.
2.9) A marinha encontra-se desactivada.
2.10) Possui uma área submersa, de 72.954 m2.
2.11) A restante área de 12.500 m2 é constituída fundamentalmente pelos muros e barachas de marinhas, onde era exercida a pastorícia.
2.12) Esta área está sujeita ao ciclo de marés que se fazem sentir quinzenalmente no local, ficando submersa por águas salgadas e salobras, que circulam no esteiro do Samouco, aquando das marés vivas.
2.13) A vegetação natural existente na área não submersa é tolerante ao cloreto de sódio (sal de cozinha), nomeadamente a salgadeira que existe com grande representatividade e a tamargueira. A vegetação herbácea é constituída pela erva azeda.
2.14) De acordo com a carta de capacidade de uso do solo, publicada pelo então denominado Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, actual Instituto Hidráulica Engenharia Rural e Ambiente – Direcção de Serviço de Recursos Naturais e dos Aproveitamentos Hidro-Agrícolas, Ordenamento e Estruturação Agrária – Divisão de Solos do Ministério da Agricultura, os solos da parcela não possuem aptidão agrícola.
2.15) A parcela está abrangida na Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo.
2.16) O prédio dista cerca de 250 m da Estrada Municipal do Samouco.
2.17) O prédio dista cerca de 900 metros do rio Tejo.
2.18) As culturas predominantes na região, a Sul da EM 501, são hortícolas.
2.19) Parte do prédio acima referido tem potencialidade para piscicultura extensiva.
2.20) O aglomerado urbano do Samouco dista cerca de 600 metros da parcela.
2.21) Existem infra-estruturas de electricidade a cerca de 300 metros da parcela.
2.22) Por Acórdão unânime dos Árbitros nomeados, a fls. 175 a 186 dos autos, foi atribuído o valor total de indemnização de 20.491.640$00, considerando a classificação de solo, para efeitos de justa indemnização, como “solo para outros fins”.
2.23) A expropriante veio recorrer, entendendo dever fixar-se a indemnização em 4.272.700$00.
2.24) Os expropriados recorreram, entendendo dever fixar-se a indemnização em 256.362.000$00.
2.25) Procedeu-se à avaliação, tendo os Srs. peritos do Tribunal e da expropriante apresentado relatório a fls. 1090 a 1137, que se dá por integralmente reproduzido, entendendo adequada a indemnização de 22.406.100$00, tendo em conta a utilização do terreno, parte para pastorícia e parte para piscicultura extensiva.
2.26) O Sr. Perito da expropriada apresentou relatório a fls. 1154 a 1341, que se dá por integralmente reproduzido, entendendo adequada a indemnização de € 740.031,64, considerando as condições por excelência, para a exploração piscícola, exploração agrícola – tipo hortícola, a produção de sal e ainda o aproveitamento da parcela para área de lazer, turismo e aprendizagem ambiental.
2.27) Todos os Srs. peritos classificaram a parcela como “Solo para outros fins”.

3) Apreciando.

3.1) Em primeiro lugar há que mencionar, que tendo em apreço o que se disse de 1.4 a 1.10 do relatório, bem como a conjugação normativa dos números 1 e 2 do artigo 710 do CPC, teremos de dirigir a nossa atenção para as questões postas por tal agravo (ver também o assinalado em 1.24).     

3.2) Já se referiu em 1.5, que as questões postas pelo requerimento entrado, e sobre as quais se debruçou a decisão agravada, eram (e agora são-no também), sinteticamente:
 a) Inexistência jurídica da arbitragem por falecimento de um dos árbitros;
b) Inexistência jurídica da arbitragem por falta de distribuição jurisdicional do processo aos árbitros;
c) Falta de DUP.
O corpo alegatório e as conclusões expressamente às mesmas se referem.

3.2.1) Quanto à eventual falta de DUP, releva sublinhar o teor do despacho de fls. 822 do IV volume, em que se suspendeu a instância ao abrigo do artigo 279, nº 1, do CPC, por força de acção de contencioso de anulação a correr no Tribunal Administrativo, tendo por objecto o despacho de declaração de utilidade pública referente aos autos.
Em sequência de tramitação foi junto acórdão da 1ª secção do STA, a fls. 830 e seguintes do IV volume.
Depois, foi junto acórdão do pleno da 1ª secção do STA, a fls. 871 e seguintes, do IV volume.
Por fim, foi junto acórdão da 1ª secção do STA, a fls. 891 e seguintes, do V volume, em que ficou resolvida a questão da DUP, como se alcança do teor de tal aresto, prosseguindo depois os autos.

3.3) Pelo que o objecto do recurso de agravo fica limitado às questões recenseadas nas alíneas a) e b) de 3.2 supra.
Confrontados com o seu teor, temos que se posta como questão primeira a aludida inexistência jurídica da arbitragem por falta de distribuição jurisdicional dos árbitros, como acto primeiro e fundador da própria constituição do colégio arbitral.
Só depois de se resolver esta questão, é que será curial apurar se a decisão arbitral (distinta da existência do colégio) poderá ser ou não inexistente.         

3.4) Como assim, importa alinhar os factos processuais que podem sustentar a decisão que é necessário prolatar, neste particular.

3.4.1) Recorrendo ao I volume, temos que a L dirigiu ao Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, o ofício que consta a fls. 157 e 158 dos autos.

3.4.2) A fls. 158 foi escrito:
"Com vista à realização das Arbitragens sobre que versa o artigo 42 do Código das Expropriações, requer-se a VExa. se digne, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43 do referido Código, designar três Colégios Arbitrais com vista à realização das competentes parcelas 11.1, 12.1, 12.2 e, 12.3, bem como, das parcelas objecto de expropriação total identificadas no extracto do Diário da República –anexo III:"

3.4.3) Consta a fls. 171 e 172 o ofício-resposta do Tribunal da Relação de Lisboa, em que se dá conta da nomeação de três grupos de peritos avaliadores, com a identificação e grupagem dos mesmos.
No ponto 2 do ofício diz-se:
"Mais informo V.Exa. que será presidente de cada grupo o árbitro indicado em primeiro lugar."

3.4.4) Em termos de tramitação segue-se o auto de posse administrativa – fls. 174, e logo depois, a arbitragem – fls. 175 e seguintes.

3.4.5) Já no segundo volume, e a seguir ao requerimento em que a S levantou as questões prévias que mencionámos, encontramos a resposta da L, em que se diz, no ponto 9 (fls. 251):
" O Tribunal da Relação – como é aliás habitual – nomeou tais Colégios sem indicar a qual ou quais parcelas ficariam adstritas, tendo consequentemente a expropriante procedido à repartição das parcelas pelos Colégios nomeados por aquele Tribunal".        

3.4.6) É facto assente que foi a Expropriante que afectou as parcelas em causa aos Colégios Arbitrais respectivos.
(Nem isso foi posto em causa, posteriormente, em toda a tramitação havida.)

                            -------------------------------------------------------------

3.5) Quanto à aplicação do Direito, comecemos pela Lei.

3.5.1) O texto do artigo 43 do C. Exp. (de 1991, aqui aplicável) é o seguinte:
"Designação dos árbitros (epígrafe).
1. Na arbitragem intervirão três árbitros designados pelo presidente do tribunal da relação da situação dos prédios ou da sua maior parte.
2. Os árbitros são escolhidos da lista oficial, devendo o presidente do tribunal da relação indicar logo o que presidirá.
3. Para o efeito do disposto nos números precedentes será feita solicitação, directamente, ao presidente do tribunal da relação.

-- O âmbito de previsão da norma é imediatamente apreensível: em sede de processo de expropriação, na fase administrativa, havendo necessidade de arbitragem, a designação dos árbitros cabe ao Presidente do Tribunal da Relação respectivo, que os deverá escolher de lista oficial, indicando desde logo quem presidirá.
Quanto ao sentido da norma, releva a mesma de aspecto garantístico primacial, ao atribuir a Entidade Jurisdicional, a designação dos árbitros, sendo que a sua actividade de arbitragem, é uma trave mestra na economia de todo o processo de expropriação, no que de importante tem, para a boa (justa) avaliação do bem a expropriar, necessariamente conectada com a atribuição de indemnização que terá lugar mais à frente. 
A natural (legal) independência e imparcialidade de quem designa, é um primeiro escalão de garantia para as partes em litigio, escolha que o Legislador tomou, visando uma tutela reforçada em sede de matéria tão sensível em termos de direitos das partes, e que é o reflexo indirecto, por sua vez, da dignidade constitucional que é atribuída ao direito de propriedade.    

3.5.1.1) Este artigo quebrou a tradição em relação à forma de nomeação dos árbitros.
O Código de Expropriações de 1976 e o Decreto 43857 de 8.4.61 estabeleciam que a expropriante nomearia um árbitro, o expropriado outro, e o terceiro árbitro, no Código de 1976 era nomeado pelo Presidente da Relação, enquanto no diploma de 1961 era nomeado pelo Tribunal. A nomeação dos árbitros funcionava inicialmente dentro dos mesmos moldes que a arbitragem necessária, regulada nos artigos 1525 e seguintes do CPC, tendo-se vindo a criar um regime em que os três árbitros passam a ser nomeados pelo Presidente da Relação.
A nova (então) redacção dada ao artigo 1525 do CPC, pelo DL 329-A/95, de 12.12, harmonizou o regime.        

3.5.2) Por sua vez, o artigo 44 do mesmo Código exara: 
"Designação de grupos de árbitros (epígrafe).
1. Poderá ser designado mais de um grupo de árbitros permanentes sempre que, em virtude da extensão e do número de bens a expropriar, um único grupo de árbitros se mostre manifestamente insuficiente para assegurar o normal andamento de todos os processos.
2. A decisão prevista no número anterior é da competência do presidente do tribunal da relação da situação dos bens a expropriar ou da sua maior parte, mediante proposta fundamentada da entidade expropriante.
3. Se os peritos da lista forem insuficientes para a constituição do conveniente número de grupos de árbitros permanentes, recorrer-se-á a peritos incluídos nas listas de outros distritos, com preferência, quando possível, para os das listas dos distritos contíguos.
4. A distribuição dos processos pelos grupos de árbitros permanentes é da competência do presidente do tribunal da relação, ouvida a entidade expropriante."

-- Aqui o âmbito da norma prevê um mesmo tipo de situação base, mas atendendo a algumas particularidades, quais sejam as que estão descritas na 2ª parte do seu número 1.
A designação continua a caber ao Presidente da Relação.
Mas o nº 4, introduz uma especialidade de monta. No caso em que haja necessidade de nomear vários colégios de árbitros, então, a afectação dos vários grupos a parcelas ou grupos de parcelas em causa, é também da competência do Presidente da Relação.
Este particular, expressamente previsto pelo Legislador, tem duas justificações:
a) Uma, puramente funcional, ou de racionalização de meios. Com efeito, desenhando-se trabalho acrescido por várias parcelas envolvidas, a distribuição tornará as funções dos árbitros menos pesadas, mais rigorosas, mais rápidas.

b) Outra, ainda e decisivamente, também de garantia, em consonância com o sentido primeiro do anterior artigo.
A pluralidade de parcelas, e assim de Colégios, não posterga a necessidade de imparcialidade e independência "a priori", quanto às arbitragens a concretizar.
Não faria sentido que o Legislador, quando estivesse apenas em causa a expropriação de uma "unidade" a expropriar, estipulasse uma garantia de processo expropriativo, e abandonasse esse desiderato, quanto se postasse a necessidade de expropriação de plúrimas "unidades".    

E podia aquele, confiando que se interpretasse a "ratio" dos preceitos do artigo 43, não ter plasmado em letra de Lei, o teor daquele nº 4, do artigo 44.
Para que dúvidas não houvessem, não teve hesitações em sublinhar, em consagrar essa dimensão de garantia, conferida em primeira linha às partes na expropriação.
Assim, se em sede do artigo 43, é fora de dúvida que cabe apenas ao Presidente da Relação a nomeação dos árbitros e a designação do presidente, estando em causa, tão só, um Colégio Arbitral, no espectro de previsão do artigo 44, as mesmas competências cabem ao Presidente, como, acrescidamente, lhe compete a atribuição, a correspondência designativa, quanto aos Colégios e às parcelas a expropriar.   

3.6) Se se atentar na evolução legislativa nesta matéria, surpreenderemos diacrònicamente uma tendência ou preocupação no sentido de rodear o processo de expropriação de garantias efectivas, em particular no que respeita ao expropriado, de modo a que o processo fosse sendo um instrumento adequado para que se respeitasse, apesar das circunstâncias tendencialmente negativas para aquele, o seu direito de propriedade, minimizando a possibilidade de decisões que deitassem completamente por terra, a substância desse direito, a compleição patrimonial que lhe coubesse, de modo a que a expropriação não redundasse em actividade atrabiliária ou arbitrária por parte do Estado, contra o cidadão indirectamente objecto da expropriação.     

3.6.1) Já no bem antigo regulamento das expropriações por utilidade pública, consignado no Decreto de 15.2.1913, no artigo 12, dizia-se que não conseguindo o expropriante fixar a indemnização amigavelmente, promoveria o competente processo na Comarca ou vara cível da situação do prédio a expropriar ou da maior parte dele, se estivesse em mais de uma Comarca ou vara.
Depois, no artigo 14, podia-se ler que logo que o Juiz recebesse o requerimento, procederia à sua distribuição pelos seus escrivães (não o escolhia), abrindo escala especial no livro a que se referia o artigo 6º.
Procedendo-se a tentativa de conciliação e se a mesma se gorasse, mandava o parágrafo 4º do mesmo artigo que não havendo conciliação, seriam no mesmo auto nomeados os louvados, um pelo expropriante, outro pelos interessados, e o terceiro pelo Juiz.
O parágrafo 5º dizia que o louvado nomeado pelo Juiz nunca seria de categoria profissional inferior ao mais graduado nomeado pelas partes, e podia ser recusado pelo expropriante ou pelos interessados.
Oposta a recusa, o Juiz nomearia outro louvado, e contra aquela nomeação não seria admissível recusa.  

3.6.2) Já mais perto de nós, o DL 71/76 de 27.1, que ensaiou uma primeira sistematização legislativa em sede de expropriações, depois de 1974, manteve a nomeação tripartida dos árbitros, sendo que mandava aplicar a estes, atendendo às suas funções e actividade, o regime civil e criminal aplicado aos Magistrados pelo irregular exercício das suas funções (vd. artigos 48, nº 1, 49, nº 1, e 54 daquele diploma).
O Código de Expropriações aprovado pelo DL 845/76 de 11.12, manteve nestes aspectos as orientações adoptadas pelo DL 71/76 (vd. artigos 51, 52 e 57).

3.6.3) E que opções tomou o Legislador, no Código de Expropriações de 1999, aprovado pelo DL 168/99 de 18.9, alterado pelas Leis 13/02 de 19.2 e 4-A/03 de 19.2?
Agora a designação dos árbitros consta do artigo 45 e manteve no fundamental a redacção do anterior artigo 43.
Acrescentou-se o nº4, com o intuito de tornar mais expedita a referida nomeação.

-- No artigo 46 continua a prever-se a designação de grupo de árbitros, mantendo-se a previsão circunstancial antes existente, conservando-se no nº4 a competência do Presidente da Relação quanto à distribuição dos processos pelos grupos de árbitros, mas regista-se que o Legislador densificou o próprio acto de grupagem, uma vez que indica ao Presidente um critério que antes não existia, e que tem a ver com a sequência geográfica das parcelas, impondo ao expropriante a obrigação de enumerar essa especificação, no pedido que fizer. 
Ou seja, reforça a valência garantística quanto à nomeação e agrupamento, mantendo a competência do Presidente da Relação, como introduzindo um factor de especificação racional.         
3.7) "A expropriação constitui manifestação significativa do poder administrativo, altamente ingerente no direito de propriedade dos administrados.
Consequentemente, e além de se conformar com os princípios constitucionais estruturantes, o procedimento expropriativo tem de respeitar os princípios reguladores da actividade administrativa enunciados na lei fundamental, também desenvolvidos no CPA.
Na verdade, o procedimento administrativo constitui agora uma figura nuclear do moderno Direito Administrativo importando articular as normas e princípios constitucionais ou, se preferirmos, a dimensão material – institucional com a dimensão procedimental, salientando Gomes Canotilho que um procedimento justo, isto é, um "due process" expropriativo deverá ser:
1. Um procedimento preceptivo e estrito, consagrador de dimensões procedimentais/materiais básicas cuja omissão implicará a nulidade de todo o procedimento ablatório;
2. Um procedimento claramente individualizador da causa expropriante;
3. Um procedimento que garanta a audiência dos interessados, de modo a que estes fiquem voluntariamente convencidos da necessidade, adequação e proporcionalidade da medida ablatória e não voluntarìsticamente submetidos a actos autoritários unilaterais do Estado;
4. Um procedimento que proteja o núcleo essencial do direito de propriedade, o que se traduzirá não apenas na exigência de uma concreta utilidade pública, mas também numa justa indemnização (justo preço), não necessariamente prévia, mas paga num prazo razoavelmente útil; .
5. Um procedimento que protele dimensões essenciais do «instituto», que se podem revelar em algo mais do que o direito a uma justa e temporalmente adequada indemnização, como, por exemplo, no direito à retrocessão dos bens expropriados;
6. Um procedimento justo quanto à abertura da via judiciária que permita aos interessados solicitar a fiscalização por órgãos independentes de todos os momentos do procedimento ablatório subjectivamente relevantes (desde o controlo da causa "expropriandi" até à verificação do direito de reversão)" – vd. José Osvaldo Gomes, "Expropriações por Utilidade Pública", Texto Editora, Porto, 1997, página 106. 
(O sublinhado é nosso.)

3.8) Analisados os textos dos preceitos incorrentes na situação em apreço (artigos 43 e 44 do C. Exp. de 1991), podemos extraír a norma jurídica adveniente dessa análise, comportando tal norma uma determinante positiva e um limite negativo.

-- Poderão ser designados mais de um grupo de árbitros permanentes sempre que, em virtude da extensão e do número de bens a expropriar, um único grupo de árbitros se mostre manifestamente insuficiente para assegurar o normal andamento de todos os processos.
A ser assim, tal decisão é da competência do Presidente do Tribunal da Relação da situação dos bens a expropriar ou da sua maior parte, mediante proposta fundamentada da entidade expropriante.
Reunidos estes factores previsivos, segue-se que a distribuição dos processos pelos grupos de árbitros permanentes é da competência do Presidente do Tribunal da Relação, ouvida a entidade expropriante.
Este é o sector ou âmbito normativo determinante da norma alcançada.

-- Isto adquirido, temos também que os destinatários da norma têm que observar o comportamento injuntivamente explicitado, não podem deixar de o acatar, e porque o mesmo se insere numa sequência de actos que se interligam para a objectivação de certo resultado, tal processo não pode deixar de comportar positivamente tal comportamento ou acatamento.
 A Lei não permite que se omita essa injunção.
O comportamento imposto tem de manifestar-se, como não pode deixar de manifestar-se, reunindo esta parametrização normativa a integralidade do programa legal da norma, fixando-se a sua interpretação literal, sistemática e teleológica.
Mas, acresce, que ao comportamento propriamente dito, concorre também a forma ou o modo como aquele deve efectivar-se, não só como emanação da normatividade exposta legalmente, mas também porque tanto redunda numa precipitação constitucional na lei ordinária, uma vez que a dimensão garantística envolvida se revela no procedimento e na sua forma.
Haverão os árbitros e grupos deles ser nomeados, como a afectação dos grupos às diversas parcelas (ou grupos delas) seguirão essa metodologia, através de competência própria atribuída por Lei ao Presidente da Relação.

3.8.1) Se o acto de nomeação e agrupamento de árbitros e parcelas envolvidas, se integra num processo, deverá entender-se o mesmo como parte de um todo, o que por seu turno envolve a compreensão da inserção dessa parte no todo, de modo a que hermenêuticamente se estabeleça o entendimento dessa relação, firmando-se um postulado de coerência que releva da unidade e da conformidade lógica do sistema jurídico.
Poderemos, portanto, afirmar que estamos perante omissão de acto processual que a Lei prescreve, que no caso concreto, influi decisivamente no exame e na decisão da causa.
Tal omissão, porque violadora de valor primacial contemplado na Lei, com conformação delimitada pelo Texto Fundamental, e que se manifesta na preservação da independência e imparcialidade de quem pratica certo acto, que também ele deve revestir-se de tais características (a independência e imparcialidade dele, são consubstanciais à daqueles), inquina para lá de qualquer dúvida razoável, a sucessão de actos que substancial e processualmente estão dependentes do acto omitido, ou cujo sentido normativo é adulterado sem remissão, pondo em crise o resultado obtido ou a obter, também dependente dessa série de actos.      
A relação absoluta dos actos não é apenas naturalística, cronológica, ou processual. 
É sobretudo, e incontornavelmente, de natureza jurídico-valorativa.
Falhando, num primeiro momento, o estabelecido legalmente, a defesa do valor protegido, o que vier a suceder, por uma espécie de entropia normativa, de degradação jurídico-valorativa em cascata, apenas concorre, ou acentua essa perda inicial.

3.8.2) Em consonância com o que se tem vindo a expor, verificamos que não foi cumprida a injunção da norma complexa emergente da concatenação dos números 1, 2 e 4, do artigo 44, e número 1, do artigo 43,ambos do C. Exp. de 1991, aqui aplicável.   
Tal omissão concretiza nulidade processual, de acordo com o disposto no artigo 201, nº 1, e nº 2, 1ª parte, do CPC. 

3.8.3) Atentando na solução jurídica propugnada, não haverá que conhecer da segunda questão posta pelo agravo, nem dos teores das questões colocadas pelas apelações.

(Sem prejuízo de melhor opinião, e com o devido respeito pela proficiência argumentativa desenvolvida pelas Partes, ao longo do processo.)

4) Decisão.
Por tudo o exposto, acordam em conferência os Juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar provido o recurso de agravo interposto pela Sociedade Produtora de Sal Ldª, e em consequência, ao abrigo do artigo 201, nº1 e nº 2 do CPC, declarar a nulidade de todo o processado a partir do ofício de fls. 157 e 158, do I volume do processo.
Custas do agravo a cargo da L SA.
Notifique-se.
DN.
               Lisboa, aos 29 de Abril de 2008
José Gabriel Silva
Maria do Rosário Barbosa
Maria do Rosário Gonçalves