Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7958/2003-1
Relator: FERREIRA PASCOAL
Descritores: DIREITO DE VISITA
MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/17/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Sumário: I - A todos, incluindo os menores, é reconhecido o direito constitucional ao desenvolvimento da personalidade – art.º 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Como titulares deste direito os menores podem relacionar-se e conviver com quem entenderem, nomeadamente, com os irmãos e ascendentes.

II - Os pais, na sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (art.º 68.º, n.º 1, da Constituição), só poderão privar os filhos daquele relacionamento e convívio havendo motivo justificado – citado art.º 26.º, n.º 1, da Constituição e art.º 1887.º-A do Código Civil.

III - Não existe, consequentemente, nenhum direito de visita que tenha por objecto os menores, nomeadamente, não existe o direito de visita dos avós. O que existe é o direito da criança de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com os pais, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança – art.º 9.º, n.º 3, da Convenção sobre os Direitos da Criança – podendo as suas relações pessoais e contactos directos ser com outras pessoas, salvo se tal se mostrar também contrário ao interesse da criança e, por essa razão, os pais – a quem cabe primacialmente a responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento - a privarem desse convívio – art.º 18.º da mesma Convenção.

IV - A criança com capacidade de discernimento tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitam, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade – art.º 12.º, n.º 1, da mesma Convenção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

M... e mulher A... propuseram contra J... acção declarativa, com processo ordinário, com vista à fixação judicial do regime de visitas relativamente aos menores G... e A..., filhos do requerido, invocando a qualidade de avós maternos dos menores e o disposto no art.º 1887.º-A do Código Civil, e pedindo que os requerentes sejam mantidos informados da situa­ção dos seus netos e que sejam ouvidos nas decisões mais importantes da vida dos meno­res, tal como é ouvido, por imperativo legal, o progenitor que não tem à sua guarda o menor, seu filho. Pediram ainda que o regime de visitas fosse fixado nos termos sugeridos no art.º 35.º do requerimento inicial, a fls. 7-8 dos autos.
Alegaram, em síntese, o seguinte:
A mãe dos menores, ...., filha dos requerentes, faleceu em 4/3/2001, em consequência de queda do 11.º andar do prédio onde vivia.
Desde o início do casamento de sua filha sempre os requerentes acompa­nharam assiduamente o casal e filhos, numa convivência harmoniosa facilitada pela proximidade das respectivas residências.
Nos primeiros tempos, após o falecimento da mãe, os menores ficaram com os avós paternos, também eles residentes perto, à guarda exclusiva de seu pai.
Em Dezembro de 2001 o pai adquiriu casa própria em Lisboa e os menores foram viver com o pai e com uma companheira deste. A partir de então tem vindo a dificultar-se, de forma crescente, a convivên­cia entre os requerentes e os netos, reduzindo-se essa convivência a visitas esporádicas e a cerimónias formais, deixando os menores de pernoitar frequentemente em casa dos requerentes, passando com estes curtos períodos de férias em Janeiro e na Páscoa e 15 dias em Julho de 2001.
Desde Julho de 2001 até à Páscoa de 2002 os menores não tiveram férias com os avós.
Para manterem contacto com os seus netos os requerentes começaram a visitá-los no colégio que frequentam, mas também este vínculo veio a ser mais recentemente proibido pelo pai dos menores.
Atentas as circunstâncias do faleci­mento da mãe dos menores e a actual ligação do pai com outra mulher, é aconse­lhável que os requerentes tenham, na vida dos netos, uma intervenção maior do que a que se justificaria em condições normais.

Por despacho de fls. 25-26 dos autos, foi ordenada a prosse­cução dos autos como "Acção Tutelar Comum", a tramitar nos termos dos art.º 210.º e segs. da OTM.

Foi realizada conferência com a presença dos requerentes e do pai dos me­nores, não tendo sido possível estabelecer qualquer acordo.

As partes foram notificadas para apresentarem alegações e meios de prova, o que fizeram.
Procedeu-se à realização de inquérito à situação pessoal e moral do pai e dos requerentes.
Por despacho de fls. 317 foi julgada desnecessária a realização de outros meios de prova.
O Digno Magistrado do M.º P.º emitiu o parecer de fls. 319 a 326.

Proferida sentença, foi aí decidido “estipular o seguinte regime de visitas dos requerentes, ...., relativamente a seus netos menores, ..., com início em Outubro de 2003:
I) O pai dos menores providenciará no sentido de os seus filhos meno­res:
a) Conviverem com os avós maternos um dia de fim de semana por mês, Sábado ou Domingo, em casa dos avós maternos, podendo aí almoçar e ou jantar.
b) Conviverem com os avós maternos nos dias dos aniversários destes; e no dia dos aniversários dos menores (ou em dia próximo da mesma semana ou fim de semana).
c) Conviverem com os avós nos períodos festivos do Natal e Páscoa, de­vendo tomar uma refeição com os avós no dia escolhido.
d) Conviverem com os avós no período de férias escolares de Verão, po­dendo os menores passar com os avós uma semana de férias.
e)Conviverem com os avós em quaisquer outros períodos que os meno­res desejarem, obtido o prévio consentimento do pai.
f) Manterem com os avós contacto por via telefónica sempre que o de­sejarem”.
Foi ainda decidido:
“II Provisoriamente, e até que entre em vigor o regime de visitas supra indicado, deverá o pai dos menores providenciar pela prestação aos filhos de apoio psicoterápeutico, e deverá frisar junto de seus filhos a importância do papel dos avós e sua afectividade, e tentar restabelecer o mais cedo possível os convívios entre os avós e netos, pela forma que tiver por conveniente e gradativamente, mesmo antes da data acima indicada, e, preferencialmente, tendo em consideração os termos supra fixados, com vista à preparação dos menores para o regime de visitas estipulado”.

Inconformado com a decisão, traz o pai dos menores este recurso de apelação, pedindo nas suas alegações que se revogue a sentença recorrida.
Apresentou para esse efeito as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença, no âmbito da qual o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo estipulou um regime de visitas dos Requerentes relativamente aos seus netos menores Gonçalo José e Ana Maria, com início em Outubro de 2003.
II. O "direito de visita" dos avós – consagrado no artigo 1887.º-A do Código Civil - não é ilimitado e só pode ser exercido na medida em que for benéfico para os netos, ou seja, salvaguardado que esteja o superior interesse dos menores.
III. Ficou demonstrado nos presentes autos que, apesar de terem sido alertados para as consequências nefastas da sua conduta, os Requerentes sujeitaram os menores a maus tratos e agressões diversos, assumindo uma atitude gravemente persecutória de toda a família.
IV. Entendeu o Tribunal a quo que  "(...) dúvidas não surgem a este Tribunal, e assim ficou provado, que os menores manifestam e verbalizam sentir desconforto, inibição e pressão psicológica no convívio com os avós.”
V. E, bem assim, que, atendendo ao superior interesse dos menores, o convívio entre avós e netos, face à perturbação emocional evidenciada pelos menores, deverá ocorrer “tão  só após recuperação psicológica destes”.
VI. Também o Digníssimo Magistrado do Ministério Público foi, a este propósito, claro:
"resulta exuberantemente dos autos que, de momento, não é de todo aconselhável a fixação de um direito de visitas dos avós.
 VII. De acordo com as avaliações do psicólogo e da pediatra dos menores, a conduta dos Requerentes causou aos menores sérias perturbações e danos psicológicos que justificam a supressão provisória do referido direito de visitas, por um período nunca inferior a um ano, até à total recuperação destes, mediante o acompanhamento do seu psicólogo e o acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico dos avós.
VIII. Sucede, porém, que o Meritíssimo Juiz a quo considerou “desnecessária, e até desadequada, a prossecução dos autos e realização de outras diligências probatórias” e decidiu estipular um regime de visitas com início em Outubro de 2003.
IX. O que fez, sem que se vislumbre qual o critério subjacente à fixação de tal data e quando a “recuperação psicológica” – que o Tribunal a quo julgou indispensável – apenas poderá ser comprovada, claro está, por técnicos devidamente habilitados para o efeito.
X. Salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não considerou devidamente o estipulado no artigo 1887.º-A do Código Civil.
XI. Porquanto, no interesse dos menores e de acordo com a vontade manifestada por estes, o direito de visitas dos avós deverá ser suprimido até (i) à total recuperação dos menores mediante acompanhamento do seu psicólogo e (ii) à rigorosa avaliação psicológica dos Requerentes e seus netos, por forma a verificar que todos eles possuem a robustez psicológica necessária à salvaguarda dos interesses dos menores.
 Nas suas contra-alegações os apelados e o M.º P.º defendem a confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) G..., nascido em 29 de Março de 1989, e A..., nascida em 17 de Abril de 1996, são filhos de J... e de A..., falecida em 4 de Março de 2001.
B) Os requerentes ....... são os avós maternos dos menores...
C) Os avós maternos dos menores desde sempre mantiveram frequente e estreito convívio com os netos e com a filha, sendo próximas a residência dos avós e do casal e netos, em Mem-Martins e Massamá, respectiva­mente.
D) Existia, igualmente, frequente e regular convívio dos menores e pais com os avós paternos.
E) Após o falecimento da mãe dos menores estes ficaram a viver com o pai em casa dos avós paternos.
F) Em Dezembro de 2001 os menores ...... passaram a vi­ver em Lisboa com o pai e uma companheira deste.
G) Os menores no ano de 2001 passaram com os avós alguns dias de férias em Janeiro e na Páscoa e 15 dias em Julho e conviveram com os avós noutras datas ocasionais e cerimónias festivas, com o conhecimento e autorização do pai das crianças.
H) No ano de 2002 os menores passaram com os avós o período de 11/5/2002 a 1/6/2002 e de 28/6 a 6/7, de férias no Algarve e foram por estes visitados na escola frequentemente.
I) O pai dos menores dirigiu ao Ex.mo Curador de Menores, junto deste Tri­bunal, o escrito que constitui fls. 46/50 dos autos, no qual informa que, pelas razões que aí expõe, e a partir da data indicada, 15/7/2002, deci­diu suspender provisoriamente as visitas e contactos entre os avós ma­ternos e os menores.
J) Em declarações prestadas nos autos, a fls. 271 e 314, perante magistrado judicial os menores verbalizaram não querer conviver com os seus avós, aceitando, após insistência do magistrado (acta de fls. 314) no futuro re­ver tal posição, declarando os menores sentirem afecto e respeito pelos avós maternos.
K) Igualmente os menores verbalizam tal intenção de não querer conviver com os avós perante os Srs. Técnicos do IRS.
L) Os menores alegam sentir receio e pressão psicológica e inibição no con­vívio actual com os avós.
M) O menor Gonçalo descreve situação de perturbação nervosa da irmã, por alteração comportamental - birras - e comichão, desmedidas, e diz que a mesma ocorre após períodos de convivência com os avós e por referên­cias repetidas à morte da mãe, em especial por parte da avó materna, e que, alega, os menores sentem de forma muito dolorosa.
N) Os menores vivem com o seu pai com o qual mantêm um relacionamento estreito e afectuoso.
O) Todos os intervenientes na presente acção são socialmente considerados pessoas idóneas e de bem, nada havendo que desabone as suas condu­tas, e todos demonstram sentir verdadeiro afecto pelos menores...

Apreciemos agora, perante estes factos, o mérito do recurso.

O apelante suscita a questão da violação do disposto no art.º 1887.º-A do Código Civil.
 Apreciemos essa questão.
Aquele art.º 1887.º-A, que tem a epígrafe “Convívio com irmãos e ascendentes”, preceitua: “Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”.
Daqui concluiu a sentença pela existência de um “direito de visitas” dos avós, tendo fixado o regime de visitas atrás referido.
A existência desse direito foi também reconhecida no acórdão do STJ, de 3 de Março de 1998, BMJ 475, pág. 705, CJ/STJ, 1998, 1.º, pág. 119, e www.dgsi.pt/jstj, que seguiu a doutrina defendida por Maria Clara Sottomayor, in “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, 1997, págs. 15, 16, 21 e 47. Na 4.ª edição dessa obra, publicada em 2002, pela Almedina, a autora diz expressamente (na pág. 125, nota 301): “Esta posição foi adoptada pelo Acórdão do STJ de 3 de Março de 1998, CJ, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, Tomo I, p. 119-121”. Defendendo a constitucionalidade da proibição aos pais de impedirem a relação do menor com os ascendentes e irmãos, a mesma autora escreve que “a intenção da lei é atribuir ao menor mais um espaço de autonomia face aos seus pais, e aos avós e irmãos do menor, uma tutela jurídica dos seus interesses em se relacionarem com o menor, que ultrapassa a que lhes era concedida pelo direito anterior” (ob. cit., 4.ª edição, pág. 133). E mais à frente, embora opine que “a possibilidade de impor judicialmente um direito de visita contra a vontade dos pais só deve concretizar-se em casos extremos”, escreve que o art.º 1887.º-A “justifica-se não só no interesse do menor mas também no interesse dos irmãos e dos avós” (vide pág. 134).
 Noutra obra, a mesma autora continua a defender que o art.º 1887.º-A permite que os avós podem reclamar “judicialmente um direito a estabelecer relações com os netos que vivem com ambos os pais, mesmo contra a vontade destes, no caso de os avós terem auxiliado os pais da criança a cuidar desta e terem estabelecido com a criança uma relação significativa e importante para o seu desenvolvimento”, isto “Apesar  dos problemas constitucionais que possa levantar esta questão, pois os pais têm um direito fundamental a educar os seus filhos” (“Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, págs. 278-279, nota 311).   
Também o acórdão de 7-1-1999, da Relação do Porto, Col. Jur., I, 180, citado pelo Dr. Tomé d’Almeida Ramião, in Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, Quid Juris Sociedade Editora, Outubro de 2003, pág. 90, reconheceu o direito de uma avó conviver com uma neta.
Será assim?
A mesma autora define o direito de visita como o “direito de o progenitor sem a guarda dos filhos se relacionar e conviver com estes”, acrescentando que “o direito de visita confere ao seu titular a faculdade de alojar a criança durante alguns dias em sua casa, normalmente aos fins-de-semana ou até durante algumas semanas, por exemplo, durante as férias”. E logo a seguir escreve: “Esta manifestação do direito de visita visa aprofundar as relações entre o menor e o beneficiário do direito de visita e pode ter lugar na residência deste, de um seu parente ou amigo, num hotel ou em qualquer outro local” (Regulação do Exercício ..., pág. 71-72). Mas, como a mesma autora reconhece, “Entre nós, a lei nunca atribuiu directamente um direito de visita ao progenitor sem a guarda” e actualmente a lei – no art.º 1905.º do Código Civil - apenas faz “referência ao interesse da criança em manter relações de grande proximidade com o progenitor a quem não é confiada” (“Regulação do Exercício ...”, pág. 73). Na nota 220 (na pág. 93 desta obra) refere a autora: “A jurisprudência italiana defendeu recentemente que o direito de visita não é uma mera faculdade mas antes um dever”. E mais à frente (pág. 108) escreve que “a doutrina tem entendido que o direito de visita não é um verdadeiro direito subjectivo mas antes um direito a que estão ligados deveres, nomeadamente, o dever de se relacionar com os filhos com regularidade em ordem a promover o seu desenvolvimento psíquico e físico e o dever de colaborar com o progenitor guarda no cuidado dos filhos e na assistência prestada a estes”. Porém, na pág. 123 dessa obra, diz que o direito de visita é “um direito subjectivo baseado na afeição e nos sentimentos de amizade normalmente existentes entre pessoas do mesmo sangue”.   
  Na 2.ª edição, de 2003, da citada obra “Exercício do Poder Paternal”, a autora continua a defender que no direito português, “o direito de visita dos avós e dos irmãos foi consagrado pela Lei 84/95, de 31 de Agosto (art. 1887.º-A do C.C.)” – vide pág. 275, nota 305, e págs. 278-279, nota 311.
Será assim? Existirá o direito de visita e os avós serão titulares desse direito?   
Vejamos.
O n.º 6 do art.º 36.º da Constituição da República Portuguesa preceitua: “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”.
Segundo a citada autora, o referido art.º 1887.º-A introduziu “um limite ao direito dos pais à companhia e educação dos filhos”, previsto no art.º 36.º, n.ºs 5 e 6 da Constituição (“Regulação do Exercício do Poder Paternal Nos Casos de Divórcio” 4.ª edição, 2002, Almedina, pág. 126). Se assim fosse, aquele art.º 1887.º-A seria manifestamente inconstitucional. Mas tal inconstitucionalidade não se verifica. Com efeito, aquele artigo não estabelece nenhum limite ao que preceituam os n.ºs 5 e 6 do art.º 36.º da Constituição. Apenas explicita o que já resultava do art.º 1878, n.º 2, in fine: os pais devem, de acordo com a maturidade dos filhos, reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida. E depois da revisão constitucional de 1997, que introduziu no n.º 1 do art.º 26.º da Constituição o direito ao desenvolvimento da personalidade, mais clara ficou a “limitação da margem de intervenção do Estado e da sociedade na esfera individual” (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e Dr. José de Melo Alexandrino, Constituição da República Portuguesa Comentada). Por isso, os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes (ou com qualquer outra pessoa). Mas tal não significa que os irmãos ou ascendentes (ou qualquer outra pessoa) sejam titulares de um direito de visita relativamente aos menores. Se assim fosse, seria violado o dito direito ao desenvolvimento da personalidade. O menor pode, pois, escolher livremente as pessoas com quem quiser conviver, sejam ou não familiares seus, e os pais não podem injustificadamente opor-se a essa escolha. Como reconhece a autora da citada obra “Exercício do poder paternal”, “os laços familiares apenas são consagrados se livremente aceites” e não pode haver “cadeias familiares” (pág. 295). O exercício abusivo da autoridade na família está, aliás, constitucionalmente proibido (n.º 1 do art.º 69.º da Constituição).
Sendo insubstituível a acção dos pais em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (n.º 1 do art.º 68.º da Constituição), podem os pais, porém, proibir o convívio dos filhos com familiares ou qualquer outra pessoa sempre que exista motivo justificado, mas mesmo então, ao procederem à avaliação do circunstancialismo que se lhes deparar, não poderão deixar de ter em consideração a idade e a maturidade dos filhos e o direito constitucional destes ao desenvolvimento da própria personalidade. Questão essa que, por vezes, não encontrará decisão fácil.                   
Não há, pois, nenhum direito de visita. O menor tem o direito de conviver com quem quiser, excepto nos casos em que houver motivo justificado para ser privado desse convívio, mas mesmo nestes casos terão de ser tidas em consideração a sua idade e maturidade. E ninguém, por isso mesmo, o pode obrigar a qualquer convívio: o menor não é objecto de qualquer direito de visita. Tem direito ao desenvolvimento da sua própria personalidade, podendo escolher as pessoas com quiser conviver, salvo se essa escolha se mostrar contrária ao seu interesse.  
No caso dos autos, não se apurou que o pai dos menores não cumpre os seus deveres fundamentais para com eles. Logo, não podem os menores ser separados do pai (ainda que só nalguns períodos do ano).  
 Por outro lado, segundo a citada autora, a realização das visitas deve depender do consentimento do menor adolescente (Regulação do Exercício do Poder Paternal..., pág. 76). Efectivamente, a criança (que é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo – art.º 1.º da Convenção sobre os Direitos da Criança) com capacidade de discernimento tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade – art.º 12.º, n.º 1, da mesma Convenção. 
Ora, o menor Gonçalo tem 14 anos de idade e a menor Ana Maria tem 7 anos de idade. Assim, não se tendo provado que não tenham maturidade suficiente para formar uma opinião autónoma, e tendo ambos manifestado a sua vontade de não quererem conviver com os avós maternos, ora apelados, o que fizeram tanto no Tribunal, em declarações prestadas nos autos, como perante Técnicos do IRS, essa sua vontade não pode deixar de ser tida em consideração, como impõe o respeito pelo seu direito constitucional ao desenvolvimento da personalidade, e resulta do citado art.º 12.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Em conclusão:
1. A todos, incluindo os menores, é reconhecido o direito constitucional ao desenvolvimento da personalidade – art.º 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;
2. Como titulares desse direito, os menores podem relacionar-se e conviver com quem entenderem, nomeadamente, com os irmãos e ascendentes;
3. Os pais, na sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (art.º 68.º, n.º 1, da Constituição), só poderão privar os filhos daquele relacionamento e convívio havendo motivo justificado – citado art.º 26.º, n.º 1, da Constituição e art.º 1887.º-A do Código Civil;
4. Não existe, consequentemente, nenhum direito de visita que tenha por objecto os menores, nomeadamente, não existe o direito de visita dos avós;
5. O que existe é o direito da criança de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com os pais, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança – art.º 9.º, n.º 3, da Convenção sobre os Direitos da Criança – podendo as suas relações pessoais e contactos directos ser com outras pessoas, salvo se tal se mostrar também contrário ao interesse da criança e, por essa razão, os pais – a quem cabe primacialmente a responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento - a privarem desse convívio – art.º 18.º da mesma Convenção.
6. A criança com capacidade de discernimento tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitam, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade – art.º 12.º, n.º 1, da mesma Convenção.
7. No caso dos autos, ambos os menores manifestaram a sua vontade no sentido de desenvolverem a sua personalidade sem o convívio com os avós maternos, tendo em tal matéria, nesta fase da vida, o acordo do pai, com quem vivem e com o qual mantêm um relacionamento estreito e afectuoso;
8.Não podia, nem pode, pois, ser imposto aos menores o convívio com os requerentes.      

Nestes termos, julgando-se procedente a apelação, revoga-se a sentença recorrida e indeferem-se os pedidos formulados pelos requerentes.    
Custas, em ambas as instâncias, pelos requerentes/apelados.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2004.
Ferreira Pascoal
Pereira da Silva
Pais do Amaral