Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1026/06.7TBALM.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: ARRENDATÁRIO
CÔNJUGE SOBREVIVO
DIREITO AO ARRENDAMENTO
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
ACÇÃO DE DESPEJO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
NÃO USO DO ARRENDADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCENTE
Sumário: I. Mercê do disposto no nº 4 do mesmo art. 85º do RAU (Disposição que reproduz o nº 4 do art. 1111º do Cód. Civil, na redacção introduzida pela cit. Lei nº 46/85), se, por morte do primitivo inquilino, a posição de arrendatário tiver sido transmitida para o cônjuge sobrevivo, quando este, por seu turno, falecer, o direito ao arrendamento volta a transmitir-se, mas agora pela última vez, para os parentes ou afins na linha recta do primitivo arrendatário, que, à data da morte deste, reunissem as condições para beneficiar dessa mesma transmissão.
II. Temos, pois, que o direito ao arrendamento para habitação se transmite apenas em um grau, ou seja, por morte do primitivo arrendatário (ou daquele a quem este houver cedido a sua posição contratual), só admitindo a lei uma transmissão em dois graus na hipótese prevista naquele nº 4 do art. 85º, em que o direito ao arrendamento, que por morte do primitivo arrendatário já se transmitira ao respectivo cônjuge, pode ainda transmitir-se, por morte deste, aos parentes ou afins na linha recta do primitivo arrendatário com menos de um ano de idade ou que vivessem pelo menos há um ano com o cônjuge falecido.
III. Assente que, por morte do primitivo arrendatário, lhe sobreviveu o respectivo cônjuge, porquanto ele faleceu no estado de casado, assim, existindo cônjuge sobrevivo do falecido arrendatário primitivo, não separado de pessoas e bens ou de facto o arrendamento não caducou por morte do referido arrendatário, mas a posição contratual deste transmitiu-se para o seu cônjuge sobrevivo, nos termos da cit. al. a) do nº 1 do art. 85º do R.A.U.
IV. Tendo-se provado que três meses após o óbito do primitivo arrendatário o cônjuge sobrevivo daquele passou a residir num Lar de Idosos, tal circunstância não obstou a que se lhe tivesse transmitido para ela, logo no momento do óbito do primitivo arrendatário, a posição contratual deste.
V. O facto de ela, três meses decorridos sobre essa transmissão da posição contratual de arrendatária, ter passado a residir num Lar de Idosos apenas pode, eventualmente, fundamentar a propositura, contra ela, duma acção de despejo, destinada a obter a resolução judicial do contrato de arrendamento em questão (nos termos do art. 1083º, nº 1, e nº 2, al. d), do Código Civil [na redacção introduzida pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, aplicável, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 26º, nº 1, 27º e 28º deste último diploma, aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes de 18/11/1990 – como o que está em discussão nos autos]).
VI. De todo o modo, o contrato de arrendamento celebrado em 1981 com o falecido JC, enquanto não cessar, por resolução ou por qualquer outra causa, tendo sido validamente transmitido para o cônjuge sobrevivo daquele (a referida MB), mantém-se plenamente em vigor.
VII. E, se assim é, a filha da actual arrendatária do imóvel, está legalmente autorizada a permanecer no imóvel reivindicado, nos termos do art.º 76.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do RAU (e do correspondente artigo 1093º, nº 1 e nº 2, al. a), do Código Civil, na redacção introduzida pela cit. Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que, entretanto, entrou em vigor).
VIII. Consequentemente, subsistindo em vigor o aludido arrendamento que tem por objecto a casa ora reivindicada pelos Autores/Apelantes e podendo a Ré JR residir no local arrendado, enquanto tal arrendamento não cessar a sua vigência, nomeadamente por resolução fundada no não uso do locado por parte da actual arrendatária, óbvio é que se está perante um dos tais casos, previstos no nº 2 do art. 1311º do Cód. Civil, em que, a despeito do reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre a coisa reivindicada, pode ser-lhe recusada a respectiva restituição.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

VM, viúva, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Estrada Nacional ..., ..., S..., LV e seu marido AV, contribuintes fiscais n.º ... e n.º ..., respectivamente, ambos residentes na Rua ..., Lote F – 4.º Esq.º, C..., intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum sumário, contra JC, residente na Rua ..., n.º ... – ...º, ..., peticionando que a Ré fosse condenada a restituir-lhes, devoluto de pessoas e bens, o imóvel sito na Rua ..., n.º ... – ...º, na freguesia de ..., concelho de A..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., bem como a indemnizar os Autores por todos os danos causados no imóvel, cujo montante, por não ser conhecido neste momento, será liquidado em execução de sentença.
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
- os autores são proprietários do referido imóvel, o qual, em 1981, foi dado de arrendamento a JC, mediante pagamento de rendas no valor mensal de € 28,46;
- o arrendatário faleceu há cerca de 4 ou 5 anos e, sendo embora casado, vivia sozinho no imóvel que lhe foi locado, pois o seu cônjuge vivia e vive num Lar de Idosos;
- a ré, intitulando-se filha do arrendatário, passou a ocupar aquele imóvel, o que fez sem autorização dos autores e sem qualquer título que o justifique, não tendo sequer os autores sido informados do óbito do arrendatário;
- a permanência da ré no seu imóvel causa-lhes prejuízos, cuja extensão e montantes não são conhecidos.

A Ré contestou, por excepção e por impugnação.
Defendendo-se por excepção, invocou, em suma, que o contrato de arrendamento celebrado há mais de 40 anos com seu pai transmitiu-se, por óbito deste, ao seu cônjuge, que lhe sobreviveu, sucedendo que a ré sempre viveu com seus pais, permanecendo no imóvel há mais de 40 anos, aí tendo casado e constituído família.
Ademais, sendo a Ré casada, a acção deveria ter sido proposta contra o seu cônjuge, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário, pois está em causa a casa de morada de família de ambos.
Defendendo-se por impugnação, impugnou todos os factos alegados pelos AA. na PI.

Os Autores responderam à matéria das excepções deduzidas pela Ré, defendendo que o arrendamento em causa caducou por morte do arrendatário, pois o cônjuge sobrevivo não tinha residência no locado à data do óbito, não tendo ocorrido a transmissão do arrendamento, além de também não residir a ré no imóvel nessa ocasião.

Findos os articulados, os AA. foram convidados a requerer a intervenção principal provocada do marido da Ré, a fim de sanar a ilegitimidade singular desta, decorrente do facto de a casa objecto da presente acção constituir a residência do seu agregado familiar – o que fizeram, ficando assim sanada esta excepção dilatória decorrente da preterição do litisconsórcio necessário imposto pelo art. 28º-A, nº 3, do C.P.C. de 1961.

Foi dispensada a selecção da matéria de facto controvertida (sob invocação da sua simplicidade), posto o que o processo foi instruído e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 5/4/2013) que julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu os réus JC e MM dos pedidos contra si deduzidos pelos autores VM, LV e AV.
 
Inconformados com o assim decidido, os Autores apelaram da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
(...)

Os Réus/Apelados não apresentaram contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O  OBJECTO  DO  RECURSO

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelos Autores ora Apelantes que o objecto da presente Apelação está circunscrito a uma única questão:
a) Se, à face do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo DL. nº 321-B/90, de 15-X, ainda que ao primitivo arrendatário habitacional sobreviva o respectivo cônjuge, não há lugar à transmissão para este da posição contratual daquele, se o cônjuge sobrevivo vai viver para um lar escassos meses após a morte do primitivo arrendatário, deixando assim de ter a sua habitação no imóvel arrendado, pelo que, não se operando uma transmissão válida do arrendamento para o cônjuge sobrevivo do arrendatário, também não existe título para a ocupação do imóvel por parte dos descendentes do arrendatário, sendo para este efeito irrelevante que esses descendentes tenham vivido no imóvel, independentemente do tempo em que lá viveram.

MATÉRIA DE FACTO
Factos  Considerados  Provados na 1ª Instância:

Não tendo sido impugnada a decisão sobre matéria de facto, nem havendo fundamento para a alterar oficiosamente, consideram-se definitivamente assentes os seguintes factos (que a sentença recorrida elenca como provados):

1. Encontra-se inscrita no registo predial, sob a Ap. ... de 2012/01/... 13:02:27 UTC a aquisição, por dissolução conjugal e sucessão hereditária, sem determinação de parte ou direito, a favor de VL, de LV e de AV, do prédio sito na Quinta ..., Rua ..., composto de casa de rés-do-chão com a área coberta de 53m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., alínea a); de casa de rés-do-chão com a área coberta de 43,51m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., alínea b); de casa de rés-do-chão com a área coberta de 19m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., alínea c); e de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 84m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., alínea d), com a área total coberta de 199,51 m2, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de A... sob o n.º .../..., desanexado do prédio n.º ..., descrito a fls. 142, do Livro ....

2. Pelo menos desde 1981 que o gozo da casa descrita na matriz sob o artigo ..., referida em 1., foi concedido a JC, mediante pagamento de contrapartida mensal, que ascende ao valor actual de € 28,46 por mês.

3. JC faleceu no dia ... de Fevereiro de 2002, no estado de casado com MB.

4. MB passou a residir num Lar de Idosos, o que sucedeu três meses após o óbito de JB.

5. A ré ocupa o imóvel referido em 2.

6. A ré é filha de JC e de MB.

7. A ré sempre viveu, de forma contínua, com JC e com MB, permanecendo no imóvel referido em 2. há cerca de 40 anos, local onde constituiu família.


Factos  Considerados  Não Provados na 1ª Instância.

Dentre os factos controvertidos invocados nos articulados, o tribunal  a quo considerou não provados os seguintes:

a. JC vivia sozinho na casa referida em 2. , pois, ainda em sua vida, a esposa passou a residir num Lar de Idosos.
b. Foi na casa descrita em 2. que a ré casou.
c. A ré tem uma filha com 36 anos.
d. O falecimento de JC foi de imediato comunicado à autora VM.


O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO

1) Se, à face do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo DL. nº 321-B/90, de 15-X, ainda que ao primitivo arrendatário habitacional sobreviva o respectivo cônjuge, não há lugar à transmissão para este da posição contratual daquele, se o cônjuge sobrevivo vai viver para um lar escassos meses após a morte do primitivo arrendatário, deixando assim de ter a sua habitação no imóvel arrendado, pelo que, não se operando uma transmissão válida do arrendamento para o cônjuge sobrevivo do arrendatário, também não existe título para a ocupação do imóvel por parte dos descendentes do arrendatário, sendo para este efeito irrelevante que esses descendentes tenham vivido no imóvel, independentemente do tempo em que lá viveram.


A sentença recorrida julgou improcedente a presente acção, com base no seguinte argumentário:
«antes do mais, afigura-se-me inquestionável que nos encontramos no específico domínio da acção de reivindicação, tal como vem configurada pelo art.º 1311.º, n.º 1, do Código Civil, ao abrigo do qual se preceitua que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. Decorre do n.º 2, do indicado normativo, que, havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.
Como se sabe, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas – cfr. art.º 1305.º, do Código Civil.
Da disposição legal contida no art.º 1311.º, n.º 1, do Código Civil, conjugada com o art.º 342.º, n.º 1, do mesmo Código, extrai-se que nas acções reivindicatórias é sobre o autor que incide o ónus de provar o seu direito de propriedade sobre a coisa cuja restituição peticiona e que esta se encontra (total ou parcialmente) na posse ou na detenção do réu.
Quando o autor não beneficie de nenhuma presunção legal relativamente ao direito invocado – cfr. art.º 7.º do Código do Registo Pedial e art.º 350.º, n.º 1, do Código Civil –, terá que alegar o factualismo do qual derive a aquisição originária do domínio do bem por si ou de um transmitente anterior.
Ao réu incumbe provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito, neles se incluindo a alegação e prova de que possui o bem por via da titularidade e exercício de um direito real ou obrigacional que lhe permite recusar a restituição e que legitima a sua posse ou a sua detenção (cfr. art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil), assim ilidindo a presunção legal de que o autor beneficie (art.º 350.º, n.º 2, do Código Civil).
Como se sabe, a propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (art.º 1316.º, do Código Civil).
Nessa confluência, sobre os autores impende o ónus de alegar e demonstrar os factos que traduzem a aquisição desse direito, por qualquer uma das formas previstas na lei.
Quando adquirida por sucessão por morte, o momento da aquisição da propriedade é o que vem previsto nos art.ºs 2031.º e 2050.º a 2056.º, do Código Civil (cfr. art.º 1317.º, alínea b), do mesmo Código), correspondendo ao da aceitação da herança.
Da factualidade demonstrada nos autos verifica-se que se encontra inscrita no registo predial a aquisição do prédio no qual se situa a casa detida pela ré, por dissolução conjugal e sucessão hereditária, a favor dos autores, sem determinação de parte ou direito, assim tendo os mesmos adquirido a propriedade desse imóvel.
No âmbito do que prescreve o art.º 1268.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil, o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto de existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse, sendo que, quando existe concorrência de presunções legais fundadas em registo, a prioridade entre essas presunções é fixada na legislação respectiva.
No que concerne à posse correlativa ao exercício do direito de propriedade sobre imóveis, a legislação aplicável corresponde ao Código do Registo Predial.
Esse Código, no seu art.º 7.º, estabelece que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.
Trata-se de um presunção iuris tantum, que decorre do art.º 350.º, n.º 1, do Código Civil, sendo, por isso, essa presunção registral ilidível mediante prova em contrário (cfr. dispõe o n.º 2 do indicado normativo).
Por seu lado, o art.º 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial estabelece que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, comportando excepção a esse princípio, entre outras, a aquisição do direito de propriedade por usucapião (art.ºs 5.º, n.º 2, alínea a) e 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial).
Da conjugação dos enunciados normativos resulta que, em caso de concurso entre duas presunções legais de titularidade do direito, prevalece a mais antiga, isto é:
- Se o registo for anterior ao início da posse, prevalece a presunção fundada no registo;
- Se a posse for anterior à data do registo, prevalece a presunção fundada na posse.
E é assim, excepto se alguma das presunções for objecto de ilisão mediante prova em contrário, mormente prova de se haver adquirido a titularidade do direito por usucapião, independentemente de ser anterior ou posterior ao registo.
Extraindo-se dos factos provados que a inscrição registral de aquisição, por dissolução conjugal e sucessão hereditária, do prédio cuja restituição se peticiona se encontra na titularidade dos autores, beneficiam estes da presunção de que o direito de propriedade sobre o imóvel em causa existe e lhes pertence nos precisos termos em que o registo o define.
Do que ficou dito, decorre que os autores cumpriram o ónus de alegação e prova do seu direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado (adveniente da presunção legal de que beneficiam – cfr. art.º 7.º do Código do Registo Pedial e art.ºs 350.º, n.º 1 e 344.º, n.º 1, do Código Civil – e a qual não foi objecto de ilisão), deste modo se preenchendo o primeiro dos pressupostos constitutivos da sua pretensão reivindicativa.
Também se apurou que a ré ocupa o imóvel em causa, ali tendo fixado a sua residência.
Importa, agora, averiguar se a ré dispõe de título válido que a habilite a permanecer no imóvel reivindicado, para o que se impõe analisar se subsiste uma relação jurídica locatícia relativamente a tal imóvel, da qual a ré beneficie, pois só com base em tal facto poderá neste caso ser recusada a restituição do imóvel aos autores, seus proprietários (cfr. art.º 1311.º, n.º 2, do Código Civil).
Nestes termos, impõe-se caracterizar o acordo negocial celebrado com o pai da ré e daí definir o regime jurídico que lhe é aplicável, com o propósito de dar solução ao litígio submetido a decisão.
Da factualidade apurada nos autos [sob 1., 2. e 6.] resulta que desde 1981 que o gozo da casa reivindicada pelos autores foi concedido pelos seus antecessores a JC, pai da ré, mediante pagamento de contrapartida mensal, que ascende ao valor actual de € 28,46 por mês.
A situação jurídica que nos é dada a decidir teve a sua origem no aventado contrato de arrendamento, celebrado entre os antecessores dos autores e o pai da ré, relação que perdurou no tempo, pelo menos até à morte do arrendatário, ocorrida em 24 de Fevereiro de 2002 [facto 3.], importando apurar se se perpetuou ulteriormente.
O regime normativo do arrendamento urbano sofreu alteração a nível legislativo (não olvidando as alterações pretéritas do art.º 1051º, do Código Civil, pelo Decreto-Lei n.º 67/75, de 19.02, pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25.11, pelo Decreto-Lei n.º 328/82, de 04.12 e pela Lei n.º 46/85, de 20.09), ficando revogados, os art.ºs 1083.º a 1120.º, do Código Civil – cfr. art.º 3.º, do diploma preambular do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro –, tendo essas regras passado a integrar um corpo regimental unitário (doravante designado RAU).
Sabemos que o Regime Jurídico do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (publicado em 18 de Outubro de 1990), entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, de acordo com o disposto no art.º 2.º, n.º 1, desse diploma legal (isto é, em 18 de Novembro de 1990).
Tendo esta acção sido proposta e distribuída no dia 13 de Fevereiro de 2006, não tinha à data aplicação a generalidade das normas contidas no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o qual entrou em vigor no dia 28 de Junho de 2006, conforme se extrai do teor do art.º 65.º, n.º 2, desse mesmo diploma legal, exceptuando o disposto nos art.ºs 63.º e 64.º, da mesma Lei, que entraram em vigor no dia 28 de Fevereiro de 2006 (cfr. seu art.º 65.º, n.º 1).
Neste âmbito, importa antes do mais atentar no regime contido no art.º 12.º, do Código Civil, o qual, sob a epígrafe “Aplicação das leis no tempo. Princípio Geral”, determina o seguinte:
1. A lei dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Assim, em matéria de sucessão de leis no tempo, veio o legislador estabelecer, no art.º 12.º, do Código Civil, os princípios basilares a ter presentes nesse domínio, distinguindo dois tipos de leis ou normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam às situações jurídicas constituídas antes da lei nova mas subsistentes ou em curso à data do seu início de vigência (Oliveira Ascensão, “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, FCG, 1980, págs. 422 e ss.).
Aquando da propositura da acção, tendo presente que o contrato em apreço data de 1981, isto é, de data anterior à da entrada em vigor do RAU, era-lhe este aplicável por força do disposto no art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, pois veio tal regime dispor directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas locatícias, abstraindo-se dos factos que lhes deram origem, e abrangendo, em consequência, as próprias relações já constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor.
Do leque das normas transitórias e finais contidas na mencionada Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (cfr. seus art.ºs 26.º a 65.º), extrai-se com clareza que se acompanhou no essencial o regime contido no art.º 12.º, do Código Civil, e que o propósito inequívoco do legislador foi o de aplicar a todos os contratos de arrendamento urbano, habitacionais e não habitacionais, celebrados antes e depois da sua entrada em vigor, o mesmo e único regime jurídico, ressalvadas algumas pontuais excepções.
Impõe-se, por isso, concluir que a regra, no que tange ao regime de aplicação da lei no tempo contido na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, é a de que o NRAU se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, mas também às relações contratuais anteriormente constituídas que subsistam nessa data.
A aplicação do NRAU às relações contratuais constituídas anteriormente à sua data de início de vigência comporta duas excepções, a saber:
- A excepção que resulta das normas transitórias dos art.ºs 26.º a 58.º, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, de acordo com o que prevê o seu art.º 59.º, n.º 1 in fine;
- A excepção atinente às normas supletivas contidas no NRAU, que só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei quando não sejam em sentido oposto aos de norma supletiva vigente aquando da celebração do contrato, caso em que é essa a norma aplicável, atento o teor do art.º 59.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Não se verificando nenhuma das excepções legalmente contempladas que permitem arredar a aplicação do NRAU aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, ter-se-ía que entender, por isso e em face do que preceitua o art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, conjugado com o art.º 59.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, ser o NRAU aplicável desde 28 de Junho de 2006 aos contratos de arrendamento urbano celebrados antes da sua entrada em vigor, nos quais se integraria o contrato em análise.
O legislador previu certamente a desarmonia que geraria com a imposição de um novo regime legal às relações contratuais locatícias estabelecidas anteriormente à data de entrada em vigor da «nova lei», mas ainda subsistentes aquando desse início de vigência, cujos termos se não regeram por esse inovador regime, parecendo-me, contudo, que tal circunstância o não demoveu de optar pela aplicação retroactiva da «lei nova», por ter considerado que a aplicação de um regime uniforme a todos os contratos de arrendamento urbano, quer para fins habitacionais, quer para fins não habitacionais, consistiria num valor superior a erigir e concretizar, pois entendeu ser “de mais simples apreensão e aplicação um sistema em que não coexistam, por tempo indeterminado, duas regulações sobre temas materialmente idênticos, sendo possível, com a devida cautela e tendencialmente, sujeitar todos os contratos à mesma lei.” – cfr. “Explicação sobre a Reforma do Arrendamento Urbano”, acessível in www.portugal.gov.pt.
Sucede que os factos alegadamente geradores da caducidade do contrato ocorreram ao abrigo da vigência do RAU (mais precisamente em 24 de Fevereiro de 2002 [facto 3.]), tendo as partes fundado a sua actuação e as suas posições com base no regime jurídico aí contido e esgrimido os seus argumentos no pressuposto de que seria essa a lei aplicável nesta acção.
Assim, não obstante o descrito teor das normas transitórias contidas no NRAU, as quais obrigam à aplicação imediata da «nova lei» a relações jurídicas locatícias anteriormente constituídas à data do seu início de vigência, verifica-se que os factos invocados como fundamento da resolução se produziram ao abrigo da vigência do RAU, cujos efeitos devem ficar salvaguardados e vir a reger-se pela lei aplicável à data da sua ocorrência, ao abrigo do que prescreve o art.º 12.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Civil.
Termos em que se conclui que não tem aplicação na solução do litígio o regime específico contido no NRAU, tal como já foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 28.06.2007 (com texto integral acessível in www.dgsi.pt – Processo n.º 07B1532, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Salvador da Costa), devendo a solução da questão sob análise vir a ser examinada e decidida à luz do RAU.
Atentando na materialidade que vem demonstrada nos autos cumpre, antes do mais, qualificar de forma mais rigorosa a apontada relação jurídica locatícia.
Regula a lei três tipos de arrendamento: o arrendamento urbano, o arrendamento rural e o arrendamento florestal.
É sobre o primeiro tipo que, logicamente, nos iremos debruçar.
Neste âmbito, preceitua o art.º 1.º, do RAU, que “Arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição.” Entende-se por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (art.ºs 204.º e 205.º, do Código Civil).
A antecedente definição é decalcada da noção geral de locação constante do art.º 1022.º, do Código Civil, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o qual dispõe que “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”
Prescreve, neste domínio, o art.º 1023.º, do Código Civil, que a locação se qualifica como «arrendamento» quando versa sobre coisa imóvel e se designa «aluguer» quando incide sobre coisa móvel.
A locação «tem um papel económico e social relevante, pois permite dissociar o direito de propriedade (ou outro direito real de gozo – p. ex., usufruto, superfície) do direito de gozo sobre a coisa. Por um lado, o proprietário (...), caso não utilize os seus bens, pode auferir uma quantia ao facultar o gozo deles a outrem; por outro, quem carece de coisas, não tendo meios para as adquirir ou interesse nisso, pode usufruir das vantagens de bens alheios,mediante uma contrapartida» (Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações”, (Parte Especial), Contratos, 2.ª Edição, 2001, Almedina, pág. 159).
De harmonia com tudo quanto já se expôs, apresentam-se como elementos essenciais (elementos que têm de existir, que a lei imperativamente estabelece e sem os quais o contrato não se forma, ou não se forma validamente) do contrato de arrendamento urbano a obrigação de proporcionar o gozo de um prédio urbano (que recai sobre o locador e está concretizada nos art.ºs 1031.º e 1037.º, do Código Civil, traduzindo-se nas obrigações de entrega do prédio ao locatário, de lhe assegurar o gozo do mesmo e de se abster de actos que impeçam ou diminuam esse gozo), o prazo (sendo a transitoriedade uma característica deste negócio jurídico, não obstante, muitas das vezes – como no caso dos autos – perdurar por vários anos, mantendo-se, no RAU, o princípio da renovação automática, relativamente ao senhorio, que só pode denunciar o arrendamento nos casos previstos na lei e pela forma nela estabelecida – art.ºs 63.º e ss., do RAU) e a retribuição (de onde se infere que se trata de um negócio jurídico oneroso, diferentemente do comodato, que implica também um gozo de bens alheios, mas de forma gratuita, inserindo-se o pagamento da renda nas obrigações do inquilino, as quais se encontram discriminadas no art.º 1038.º, do Código Civil) – sobre esta matéria, veja-se, por todos, Januário Gomes, “Arrendamentos para Habitação”, 2.ª Edição, 1996, Almedina, pág. 11 e a doutrina nacional e estrangeira aí citada e Almeida Costa, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4.ª Edição Actualizada, 2001, Almedina, págs. 361 e ss..
Na medida em que existe um vínculo de reciprocidade ou interdependência entre as obrigações do locador e as do locatário, o contrato de locação/arrendamento é, pelo menos no que toca às obrigações de cedência do prédio e pagamento da renda, um contrato bilateral ou sinalagmático.
O art.º 3.º, do RAU, sob a epígrafe “Fim do Contrato”, estabelece o seguinte:
1 – O arrendamento urbano pode ter como fim a habitação, a actividade comercial ou industrial, o exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio.
2 – Quando nada se estipule, o arrendatário só pode utilizar o prédio para habitação.”
O arrendamento urbano distingue-se, pois, à luz do RAU, em três tipos: o arrendamento para a habitação (art.ºs 74.º e ss., do RAU), o arrendamento para comércio e indústria (art.ºs 110.º e ss., do RAU) e o arrendamento para o exercício de profissões liberais (art.ºs 121.º e ss., do RAU), fazendo ainda a lei alusão aos arrendamentos para «outra aplicação lícita do prédio» (art.ºs 3.º, n.º 1 e 123.º, do RAU).
Decorre do quadro factual assente e mais precisamente do conteúdo das declarações negociais aí firmadas, que foi celebrado um contrato de arrendamento urbano para habitação, no qual figura como locatário o pai da ré, porquanto declararam as partes intervenientes nesse negócio jurídico que o dono do imóvel concedia ao segundo, a partir de uma concreta data, o gozo temporário desse prédio, tendo por fim a habitação do segundo, mediante pagamento de uma retribuição mensal concretizada.
No caso vertente, os autores são transmissários da posição jurídica do locador, por decorrência da aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel locado.
Com efeito, determina o art.º 1057.º, do Código Civil, sob a epígrafe “Transmissão da Posição de Locador”, que “O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.”.
A este propósito explicitou o Professor Antunes Varela (“Código Civil Anotado”, Volume II, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Ld.ª, pág. 424) que “A posição jurídica do locador só pode transmitir-se quando se transmita o direito com base no qual foi possível celebrar o contrato. A transmissão dos direitos e obrigações do locador (…) só pode produzir-se quando ao mesmo tempo se transfira o direito a cuja sombra foi celebrado e vive o contrato de locação. Em tal caso deve mesmo produzir-se ipso jure, como maneira de não romper o vínculo contratual em iníquo detrimento do locatário. A translação desse vínculo é um efeito da lei, sem necessidade de alienante e adquirente a clausularem, nem possibilidade de a excluírem. (…)
Não pode, por isso, falar-se com rigor, neste caso, de uma cessão da posição contratual do locador, ao contrário do que se passa com a posição do locatário, nem tão-pouco há que exigir o consentimento deste para a transmissão do direito (cfr. art. 424.º). ”.
Conforme já explicitado, quando adquirida por sucessão por morte, o momento da aquisição da propriedade é o que vem previsto nos art.ºs 2031.º e 2050.º a 2056.º, do Código Civil (cfr. art.º 1317.º, alínea b), do mesmo Código), correspondendo ao da aceitação da herança.
A aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel implicou necessariamente a transmissão a favor dos autores da relação jurídica locatícia, pois foi com base no direito de propriedade que ela se estabeleceu originariamente, pelo que aqueles assumem a qualidade de senhorios no contrato em causa.
Ficou oportunamente expresso que se extrai dos factos apurados, sem margem para dúvidas, que nos situamos in casu no plano do arrendamento urbano para habitação.
Ao negócio jurídico sub judice, assim caracterizado, aplicar-se-ão, pois, as normas do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU) e as dos art.º 1022.º e ss., do Código Civil, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, à luz das quais se irá, seguidamente, analisar a matéria integrante da excepção peremptória invocada pela ré, pois defende esta ter ocorrido facto impeditivo do direito dos autores de reaverem o imóvel que lhes pertence, por entender a ré ter direito a permanecer nessa casa por força da transmissão do arrendamento para a sua mãe, com quem sempre residiu.
Ora, conforme ficou já enunciado o locatário faleceu em 24 de Fevereiro de 2002 [facto 3.], o que, à luz do art.º 66.º, n.º 1, do RAU, em conjugação com o art.º 1051.º, alínea d), do Código Civil, determinaria a caducidade do arrendamento, a qual, excepto se o contrário tiver sido clausulado por escrito, opera ope legis, importando a extinção automática do contrato, como mera decorrência do evento ao qual a lei atribui tal efeito, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade privada ou declaração jurisdicional (cfr. Jorge de Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano”, 5.ª edição, Almedina, pág.s 409, 415 e 416).
No entanto, a lei, nos art.ºs 85.º e 86.º, do RAU, prevê um leque de situações mediante cuja verificação o arrendamento não caduca por morte do arrendatário. Como bem explica Jorge de Aragão Seia (in “Arrendamento Urbano”, 5.ª edição, Almedina, pág.s 415 e 416), “As várias hipóteses de transmissão por morte do arrendatário visam proteger os direitos e os interesses das pessoas que viviam com aquele e que ficaram numa posição económica debilitada ou enfraquecida em consequência do falecimento do arrendatário, tais como o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto, descendentes com menos de um ano de idade ou que com aquele convivessem há mais de um ano, ascendentes que com ele convivessem há mais de um ano, afins na linha recta que com o arrendatário convivessem há mais de um ano (…).
As excepções ao princípio da não caducidade do arrendamento por morte do arrendatário encontram a sua credencial constitucional não só no próprio direito à habitação do artigo 65.º mas também nos artigos 67.º e 69.º, que versam sobre o direito que a família e as crianças têm a protecção da sociedade e do Estado.”.
Neste preciso âmbito, prevê o art.º 85.º, n.º 1, alínea a), do RAU, que o arrendamento não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual se lhe sobrevier cônjuge não separado de pessoas e bens ou de facto, para quem o arrendamento se transmite.
De acordo com a disposição legal contida na alínea b), do precedentemente apontado normativo, por morte do arrendatário, o arrendamento não caduca e transmite-se para o descendente que com o arrendatário vivia há mais de um ano à data da sua morte.
No entanto, a posição de arrendatário não se transmite indiscriminada e concomitantemente para todas as pessoas mencionadas nas alíneas a) a e), do art.º 85.º, n.º 1, do RAU, mas sim pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nelas referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o parente ou afim mais próximo e mais idoso, conforme expressamente dispõe o n.º 3, do art.º 85.º, do RAU. Assim, existindo cônjuge sobrevivo do falecido arrendatário primitivo, não separado de pessoas e bens ou de facto, não se pode transmitir o arrendamento directamente para os descendentes daquele que habitem o locado há mais de um ano à data do óbito.
Por fim, estipula o art.º 86.º, do RAU, que o direito à transmissão do arrendamento previsto no art.º 85.º, do RAU, não se verifica se o titular desse direito tiver residência nas comarcas de Lisboa e Porto e suas limítrofes, ou na respectiva localidade quanto ao resto do País, à data da morte do primitivo arrendatário.
Retornando ao caso que nos ocupa, constatamos com clareza que decorre do factualismo assente sob 3. e 4. que o arrendatário faleceu e que o seu cônjuge, dele não separado de pessoas e bens ou de facto, continuou a residir no locado, pelo menos durante alguns meses, assim se transmitindo para o mesmo o arrendamento, tanto mais que não se provou que à data do óbito já residia noutro local.
Se, depois, a actual arrendatária deixou ou não de residir na casa locada e se existe fundamento para a resolução do arrendamento, por violação da obrigação de usar efectivamente o imóvel locado (cfr. art.ºs 1072.º, n.º 1, e 1083.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d) do Código Civil), terá que ser questão a apreciar na competente acção de despejo que contra a mesma poderá vir a ser instaurada, pois o arrendamento, enquanto não cessar, por resolução ou por qualquer outra causa, tendo sido validamente transmitido, mantém a sua vigência.
Também não obsta à validade e eficácia da aludida transmissão do arrendamento a falta de comunicação escrita e tempestiva ao locador, por parte da transmissária não enunciante, da ocorrência da morte do primitivo arrendatário, isto sem prejuízo da obrigação de indemnização por todos os danos derivados dessa omissão, o que, em todo o caso, não cumpre analisar nesta acção, tudo conforme previsto no art.º 89.º, do RAU, cujo n.º 3, embora revogado pelo art.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto, veio a ser repristinado, nos termos do art.º 282.º, n.º 1, da Constituição, pois aquela norma revogatória, na parte em que revogou o n.º 3, do art.º 89.º, do RAU, foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/97, de 23.05.1997.
Mais se apurou que a ré é filha da actual arrendatária e que reside no imóvel há mais de 40 anos (factos 5. a 7.).
E a ré, enquanto descendente da actual arrendatária, está legalmente autorizada a permanecer no imóvel reivindicado, conforme prevê o art.º 76.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do RAU.
Deflui da disposição legal contida no n.º 2, do art.º 1311.º, do Código Civil, que, havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição do bem sobre o qual incide tal direito só pode ser recusada nos casos previstos na lei.
Evidencia-se que a ré está, por ora, legalmente autorizada a permanecer no imóvel reivindicado, assim tendo a mesma logrado demonstrar, conforme lhe competia um facto impeditivo do direito dos autores à restituição do imóvel que lhes pertence (cfr. art.ºs 342.º, n.º 2 e 1311.º, n.º 2, do Código Civil).
Perante quanto ficou exarado, deve improceder a pretensão reivindicativa dos autores, devendo a ré ser absolvida do pedido de restituição do imóvel que ocupa, assim improcedendo nesta parte a acção.
No que concerne ao pedido de condenação em indemnização, verifica-se que não se apurou a produção de qualquer dano na esfera jurídica dos autores causado por conduta ou omissão ilícita da ré, assim falecendo desde logo um pressuposto essencial integrativo da sua responsabilidade civil extracontratual (cfr. art.º 483.º, do Código Civil), não tendo os autores cumprido o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito (cfr. art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que não resta outra alternativa que não seja a de considerar improcedente tal pedido, assim se absolvendo do mesmo a ré.»
Dissentindo do tribunal “a quo”, sustentam, porém, os Autores/Apelantes que, à face do Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.) aprovado pelo DL. nº 321-B/90, de 15-X, ainda que ao primitivo arrendatário habitacional sobreviva o respectivo cônjuge, não há lugar à transmissão para este da posição contratual daquele, se o cônjuge sobrevivo vai viver para um lar escassos meses após a morte do primitivo arrendatário, deixando assim de ter a sua habitação no imóvel arrendado, pelo que, não se operando uma transmissão válida do arrendamento para o cônjuge sobrevivo do arrendatário, também não existe título para a ocupação do imóvel por parte dos descendentes do arrendatário, sendo para este efeito irrelevante que esses descendentes tenham vivido no imóvel, independentemente do tempo em que lá viveram.
De sorte que, no caso dos autos, estando demonstrado que o cônjuge sobrevivo do primitivo arrendatário passou a viver de modo permanente num lar de idosos, dois meses após a morte do primitivo arrendatário, isto é, abandonou o imóvel com a intenção de não mais voltar a viver lá, deixando, assim, de ter residência no imóvel, não se lhe teria transmitido a posição contratual do falecido arrendatário, pelo que, como quem tem título para ocupar o imóvel é o arrendatário e não os descendentes deste, ainda que vivam há mais de um ano na sua companhia, não existindo, in casu, uma transmissão válida da posição contratual de arrendatário para a mãe da ora Ré mulher, também não existe título para a ocupação do imóvel por parte desta e do seu marido e ora co-Réu, não podendo, consequentemente, os ocupantes ora RR. recusar-se a entregar o dito imóvel aos legítimos proprietários ora Autores/Apelantes.
Quid juris ?
Nenhuma dúvida se suscita quanto à natureza da presente acção: trata-se, inequivocamente, de uma acção de reivindicação.
Na verdade, os AA. não se limitaram a pedir o reconhecimento, pelo Tribunal, do seu direito de propriedade sobre o imóvel em questão, porventura tornado duvidoso por qualquer circunstância, designadamente, pela eventual afirmação por parte dos RR. de que seriam titulares dum direito real sobre tal prédio, conflituante e/ou incompatível com o direito de propriedade dos AA. - caso em que não estaríamos frente a uma acção de reivindicação, mas perante uma acção declarativa de simples apreciação positiva (cfr. art. 4º, nº 2, al. a), do Cód. Proc. Civil).
Por outro lado, os AA. fundamentaram o pedido de condenação dos RR. a restituir-lhes imediatamente o imóvel por eles ocupado na afirmação peremptória de que eram titulares do direito de propriedade sobre o prédio em questão, e não na alegação de que teriam sido privados da posse do mesmo por actos de esbulho praticados pelos RR. - caso em que estaríamos frente a uma acção de restituição de posse (art. 1278º do Cód. Civil) -, tão pouco fazendo assentar o pedido de condenação dos RR. (na entrega do aludido prédio) na alegação de que teriam celebrado com estes um qualquer negócio jurídico do qual emergisse, como seu efeito, a obrigação para eles (RR.) de abrir mão do imóvel - hipótese em que a discussão a travar na acção não teria por tema o domínio do prédio em causa, tudo se cifrando, afinal, em apurar se os RR. teriam ou não cumprido essa obrigação a que estariam contratualmente adstritos [5].
Que o Cód. Civil português de 1966 acolhe a concepção segundo a qual, na acção de reivindicação, a restituição da posse depende do reconhecimento da propriedade do autor, visando, portanto, a acção este reconhecimento, do qual, depois (como de resto em todas as acções de condenação), decorre a ordem de restituir a coisa, é algo que ressalta transparentemente da redacção utilizada no art. 1311º, nº 1, do mesmo diploma:  «O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence».
No caso dos autos, elegendo os AA., como “causa petendi" do pedido de condenação dos RR. a abrir mão do prédio em questão e a entregar-lho (a eles AA.), a circunstância de - segundo alegaram - serem proprietários do mesmo prédio, isto é, titulares do direito de propriedade sobre o referido imóvel, está-se, inequivocamente, perante uma acção de reivindicação.
A circunstância de os AA. formularem, a par do pedido de condenação dos RR. a restituir-lhes o prédio urbano em questão que eles ocupam, o pedido de que se condene os mesmos RR. a pagar-lhes também uma indemnização pelos danos (rectius, pelos lucros cessantes) – a liquidar em execução de sentença -  causados com a ocupação do imóvel e consequente privação do seu uso e possibilidade de o arrendar e/ou alienar, tão pouco afecta a caracterização da acção como de reivindicação.
Na verdade - como bem observa ANTUNES VARELA[6] -, «nada surpreende que, na acção de reivindicação, ao lado das duas finalidades típicas que a caracterizam, o autor inclua ainda a indemnização dos danos causados pelo possuidor», indemnização essa que pode visar o ressarcimento de danos de vária ordem: «a coisa que deve ser restituída pode ter sofrido danos causados pelo possuidor; este pode ter tirado dela vantagens, que tenha de repor, ou ter realizado despesas ou benfeitorias, de que pretenda ser indemnizado»[7] [8].
Acresce que a cumulação de tais pedidos é permitida pelo art. 470º, nº 1, do Cód. de Proc. Civil, já que, por um lado, os mesmos não são entre si substancialmente contraditórios nem lhes correspondem formas de processo diferentes, e, por outro lado, o Tribunal onde a acção foi proposta é o competente, quer internacionalmente, quer em razão da matéria ou da hierarquia, para deles conhecer (vide arts. 31º, nº 1, ex vi do art. 470º, nº 1, 65º-A, al. a), 65º, nº 1, al. a), 74º, nº 2, 66º, 67º, 71º e 72º a contrario, todos do C.P.C.).
Só que, nas acções de reivindicação, a procedência do pedido de condenação do réu a entregar ao autor a coisa (por si possuída ou detida) depende - como vimos - absolutamente do reconhecimento judicial do direito real (de propriedade ou outro: cfr. art. 1315º do Cód. Civ.) cuja titularidade o reivindicante se arroga (cfr. cit. art. 1311º, nº 1). E, para o Tribunal poder reconhecer ao autor o direito real, há-de este invocar factos susceptíveis de gerar esse direito, segundo a ordem jurídica constituída.
Com efeito, nas acções reais - dentre as quais a acção de reivindicação constitui verdadeiro paradigma[9] -, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (art. 498º, nº 4, do C.P.C.), in casu o direito de propriedade. Temos, assim, que «a indicação da causa de pedir só estará completa se o reivindicante indicar uma aquisição originária, ou melhor, aclarar como se constituíu o seu direito real»[10].
Essa aclaração, terá o reivindicante de a fazer alegando factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou de qualquer um dos intervenientes na cadeia de transmissões verificadas até o direito se encontrar na sua titularidade. Por isso que, uma de duas: ou o reivindicante «invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão» - caso em que apenas necessitará de alegar e provar os factos de que emerge o seu direito, visto que, uma vez demonstrada, por exemplo, a usucapião, «a reivindicação procede sempre, uma vez que, por ela, se extinguem todos os direitos anteriores em contrário»[11] -, ou o reivindicante invoca como título do seu direito uma aquisição derivada (v.g. contrato de compra e venda, doação, sucessão hereditária, etc.) - hipótese em que terá de alegar os factos concretos tendentes a mostrar, não apenas que adquiriu a coisa por um título legítimo, mas ainda que o direito de propriedade já existia na esfera jurídica do transmitente[12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19].
No caso dos autos, os AA. não articularam factos concretos integradores de uma qualquer das diferentes formas de aquisição originária do direito de propriedade (v.g. ocupação, usucapião, acessão - cfr. art. 1316º do Cód. Civ.), tendo-se limitado a juntar aos autos uma certidão (passada pela Conservatória do Registo Predial competente) comprovativa de que a aquisição do prédio urbano objecto desta acção se encontra inscrita a seu favor no registo predial.
Perfilhando-se um critério rigorista, dir-se-ia ser a petição inicial inepta, por falta de alegação de qualquer modo de aquisição do domínio, numa acção que - como a presente - tem natureza real (cfr. cit. art. 498º, nº 4, do C.P.C.)[20].
Isto porque, pese embora a circunstância de os AA. beneficiarem da presunção estabelecida no art. 7º do Cód. do Reg. Predial - já que se encontra registada a favor deles,  na  Conservatória do Reg. Predial competente, a aquisição, por dissolução conjugal e sucessão hereditária, sem determinação de parte ou direito, do prédio sito na ... ao ..., Rua ..., composto de casa de rés-do-chão com a área coberta de 53m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., alínea a); de casa de rés-do-chão com a área coberta de 43,51m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., alínea b); de casa de rés-do-chão com a área coberta de 19m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., alínea c); e de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 84m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., alínea d), com a área total coberta de 199,51 m2, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../20120113, desanexado do prédio n.º ..., descrito a fls. 142, do Livro B-16  -, pode, com boas razões, entender-se que a presunção legal estabelecida naquele preceito respeita apenas ao onus probandi, isto é, só dispensa o autor de provar os factos concretos conducentes à aquisição, por ele ou pelos seus antecessores jurídicos, do domínio sobre o prédio reivindicado, não o isentando, porém, do ónus de alegar tais factos[21].
Outra tem sido, porém, a orientação que tem prevalecido ultimamente na jurisprudência.
Escreveu-se, por ex., no Ac. do S.T.J. de 17/1/85[22], que, «embora o Código Civil aluda às presunções legais com o sentido que deriva do texto claro do artigo 349º» - do qual transparece, como vimos, que quer as presunções legais, quer as judiciais são sempre ilações tiradas de um facto (conhecido) para firmar outro facto (desconhecido), residindo justamente o alcance das presunções, para os respectivos beneficiários, na dispensa da prova do facto presumido (cit. art. 350º, nº 1, do Cód. Civ.) -, «talvez não repugne acompanhar Rosenberg (Tratado de Derecho Processal Civil, ed. argentina de 1955, II, pág. 220) quando, referindo justamente como exemplo o direito inscrito num registo, observa que as presunções de direito são dirigidas à existência ou inexistência de um direito ou de uma relação jurídica, que o objecto destas presunções não são os factos, em particular, não é a tipicidade do nascimento (da aquisição) ou da extinção do direito (relação jurídica), mas sim directamente a existência ou a inexistência do direito e que, por isso, a parte favorecida com uma dessas presunções não necessita de fazer afirmações sobre o nascimento (aquisição) ou sobre a extinção, nem de oferecer provas disso».
De modo que, traduzindo o próprio registo uma presunção de direito (que não de meros factos), no sentido que Rosenberg dá a este conceito - entendimento a favor do qual fala a letra do próprio art. 7º do Cód. do Registo Predial -, o autor da acção de reivindicação, quando favorecido pela inscrição registral em seu nome da aquisição do prédio objecto da causa, estaria verdadeiramente dispensado do ónus de alegar todos os factos concretos de que deriva o seu direito de propriedade[23] [24] [25] [26] [27] [28] [29].
Eis por que, na linha da orientação maioritariamente sufragada pela jurisprudência, entendemos não ser caso de se considerar inepta a petição inicial (por falta de causa de pedir), com a consequente absolvição dos Réus da instância (nos termos dos arts. 510º, nº 1, al. a), 493º, nºs 1 e 2, 494º, nº 1, al. a), 288º, nº 1, al. b) e 193º, nºs 1 e 2, al. a), todos do Cód. Proc. Civil de 1961), sendo certo que, ultrapassada a fase do despacho liminar, e conquanto o Tribunal pudesse ainda conhecer dum vício da p. i. como a ineptidão, mesmo depois de ordenada a citação do réu (art. 479º, nº 3, do mesmo diploma), já não poderia agora indeferir-se liminarmente a petição, havendo antes lugar à absolvição dos Réus da instância (se disso fosse caso).
Os AA. beneficiam, pois, da presunção legal (estabelecida no cit. art. 7º do Cód. do Reg. Pred.) de que são titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano onde se situa a parcela (casa de rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 84 m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...º, alínea d)) objecto desta acção. Não era, por isso, necessário produzir-se prova, em audiência de discussão e julgamento, sobre os factos concretos integradores de um qualquer dos vários modos de aquisição originária do direito de propriedade sobre tal imóvel, por parte dos Autores. Isto, ainda mesmo que tais factos houvessem sido por eles (AA.) alegados (na petição inicial) e os RR. os tivessem impugnado (na contestação).
É certo que a presunção estabelecida no referido art. 7º do Cód. do Reg. Pred. é “juris tantum”, isto é, admite prova em contrário[30]. Simplesmente, as presunções legais importam, como vimos, a inversão do ónus da prova (art. 344º, nº 1, do Cód. Civ.).
Ora, recaíndo, em princípio, sobre o autor, na acção de reivindicação, o ónus de provar ou a sua aquisição originária do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada ou - caso invoque a seu favor uma aquisição derivada - que o direito de propriedade sobre tal coisa já existia na esfera jurídica do transmitente (cfr. supra), temos que, se a favor daquele existir uma presunção legal de existência e titularidade do domínio sobre a coisa objecto da acção - como ocorre no caso vertente - e ele estiver, portanto, isentado do ónus de provar os factos concretos integradores da aquisição, por parte dele ou do seu antecessor jurídico, de tal domínio - como, in casu, também sucede -, será sobre o réu que impenderá então o ónus de ilidir a presunção de existência do direito de propriedade do autor sobre a coisa - para o que terá de alegar e provar factos concretos demonstrativos de que a coisa pertence a outrem que não o autor, ou de que ela não pertence a ninguém, isto é, de que se trata de uma res nullius [31] [32], sendo certo, porém, que, tratando-se dum imóvel, só a 1ª alternativa enunciada tem cabimento, já que, atento o disposto no art. 1345º do Cód. Civil, é indemonstrável que uma coisa imóvel não pertence a ninguém.
No caso dos autos, porém, não obstante os AA. beneficiarem da referida presunção legal de que são titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano em causa na acção, os RR. não alegaram (na sua contestação) quaisquer factos concretos tendentes a demonstrar que tal prédio pertenceria a outrem que não os AA..
Acresce que os AA. - como lhes competia - alegaram que os RR. detêm materialmente uma parte do prédio urbano objecto do presumido direito de propriedade de que aqueles são titulares.
Com efeito, na acção de reivindicação, recai sobre o autor não apenas o ónus de provar que é titular do direito de propriedade sobre a coisa cuja restituição reclama, como também o de provar que ela é possuída (ou simplesmente detida materialmente) pelo réu: cfr., neste sentido, os Acórdãos do S.T.J. de 25/1/1974, de 24/2/1976, de 11/1/1979, de 2/12/1986, de 2/2/1990 e de 7/2/1995 (respectivamente in BMJ nºs 233 p. 195, 254 p. 167, 283 p. 234, 362 p. 537, 394 p. 481 e 444 p. 618), e os Acórdãos da Relação de Lisboa de 10/5/1978 (in Colect. de Jurispª, ano III, tomo 3, p. 931), da Relação do Porto de 31/1/1978 (in Colect. de Jurispª, ano III, tomo 1, p. 164), de 8/7/1982 (in Colect. de Jurispª, ano VII, tomo 4, p. 202), de 22/1/1994 (in Col. Jurispª, 1994, tomo 1, p. 216), da Relação de Coimbra de 9/12/1987 (in BMJ nº 372 p. 476), de 10/12/1991 (in BMJ nº 412, p. 559) e de 4/5/1993 (sumariado in BMJ nº 427, p. 592) e da Relação de Évora de 19/2/1987 (in Colect. de Jurispª, 1987, tomo 1, p. 306) e de 26/1/1989 (sumariado in BMJ nº 383, p. 632).
Ora, os RR., pelo seu lado, não põem em causa:
a) nem que ocupam materialmente uma parte dum determinado prédio;
b) nem que essa parcela é a mesma cuja restituição os AA. reclamam na presente acção;
c) nem que o prédio, de que eles ocupam uma parte, é o mesmo cuja aquisição se encontra registada na Conservatória do Registo Predial competente a favor dos AA..
De modo que, estando os AA. dispensados - como vimos - de provar os factos constitutivos do seu invocado direito de propriedade sobre o prédio urbano em questão, e não se mostrando controvertida entre as partes a identidade desse prédio com o que se encontra, em parte, na detenção material dos RR., os AA., pelo seu lado, não teriam, em princípio, de provar em julgamento nenhum facto mais, para lograr ver proceder o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o identificado imóvel, bem como o pedido de condenação dos RR. a restituir-lho.
Ainda assim, porém, a acção não teria fatalmente de proceder na íntegra.
É que, na acção de reivindicação, o demandado pode, mesmo sem impugnar a titularidade do direito de propriedade que o autor se arroga sobre a coisa, contestar o seu dever de a restituir a este. Para lograr evitar a sua condenação na entrega da coisa reivindicada ao autor, terá o demandado de alegar nos seus articulados (em ordem a poder prová-lo em audiência de julgamento):
a) ou que tem sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse (v.g., usufruto, penhor ou direito de retenção);
b) ou que detém a coisa por virtude de um direito obrigacional que lhe confira a detenção da mesma (v.g. arrendamento)[33].
Na verdade, como resulta do art. 1311º, nº 2, do Cód. Civ., a restituição da coisa será, em princípio, consequência directa do reconhecimento do direito de propriedade do autor, «salvo se o poder de gozo do proprietário está suspenso ou modificado pela constituição de um direito real ou obrigacional de outrem, caso em que se deve respeitar tal situação jurídica, só devendo ordenar-se a restituição se, e enquanto, não colidir com ela» (Acórdão da Relação do Porto de 3/3/1971, sumariado in BMJ nº 205, p. 263)[34].
A existência desses direitos reais ou obrigacionais, com relevância impeditiva da restituição da coisa ao proprietário, funciona, assim, como obstáculo ao exercício pleno da propriedade, isto é, como facto impeditivo do direito do proprietário de exigir a restituição da coisa.
A invocação dos respectivos factos consubstancia, por isso, uma excepção peremptória[35] (art. 493º, nº 3, do C.P.C.), recaindo o ónus da sua alegação e prova sobre o réu da acção de reivindicação (art. 342º, nº 2, do Cód. Civ.).
Ora, no caso sub judice, os RR., embora não impugnando o direito de propriedade que os AA. se arrogam sobre o andar reivindicado, invocaram precisamente a titularidade dum direito obrigacional que lhes conferiria o gozo do mesmo andar, ao excepcionarem a subsistência dum contrato de arrendamento que conferiria à co-Ré mulher o direito de habitar no imóvel em questão.
E, na verdade, ficou provado que desde 1981 que o gozo da casa ora reivindicada pelos Autores foi concedido pelos seus antecessores a JC, pai da Ré, mediante pagamento de contrapartida mensal, que ascende ao valor actual de € 28,46 por mês.
Perante esta factualidade, não pode deixar de reconhecer-se que os RR. lograram demonstrar a existência dum contrato de arrendamento tendo por objecto o imóvel ora reivindicado pelos Autores/Apelantes.
Uma vez provada, pelos RR., a existência desse contrato de arrendamento, competia à parte contrária (os Autores/Apelados) alegar e provar que tal contrato já se não encontra em vigor, por ter ocorrido qualquer causa apta a fazê-lo cessar (revogação, resolução, caducidade, etc.).
E foi isso que eles fizeram (logo na PI e depois na resposta à contestação) ao alegarem que tal contrato de arrendamento teria caducado, por morte do primitivo arrendatário.
Provou-se, efectivamente, que o primitivo arrendatário (o pai da ora Ré JR, de seu nome JC) faleceu no dia 24 de Fevereiro de 2002.
Nessa data (24FEV2002), estava ainda em vigor o Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.) aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro (cuja vigência, iniciada em 18/11/1990, só cessou no dia 28 de Junho de 2006 – data em que entrou em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (cfr. o art.º 65.º, n.º 2, deste último diploma).
Assim sendo, apesar de o arrendamento em questão ter tido o seu início de vigência em data ignorada do ano de 1981, isto é, ainda na vigência do artigo 1111º do Código Civil de 1966 (ou na redacção introduzida pelo art. 27º do DL. nº 293/77, de 20 de Julho, ou na que lhe foi dada pelo art. 1º do DL. nº 328/81, de 4 de Dezembro, consoante o arrendamento em questão tenha começado a vigorar antes ou depois de 9/12/1981, data da entrada em vigor deste último diploma), o regime jurídico aplicável à caducidade do mesmo é o que se encontrava em vigor na data em que teve lugar o decesso do primitivo arrendatário (24 de Fevereiro de 2002), ou seja, o constante do art. 85º do cit. Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.) aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, mas na redacção que lhe foi conferida pelas Leis nºs 6/2001 e 7/2001, de 11 de Maio.
Com efeito, muito embora a regra de conflitos que se extrai do art. 12º, nº 2, 1ª parte, do Cód. Civil seja a de que «a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores»[36], sendo «a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos: quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos»[37] [38] - o que, aplicado ao caso em apreço, faria com que a disciplina da caducidade (por morte do locatário) do contrato de arrendamento celebrado entre os antecessores dos ora AA., como senhorios, e o falecido JC, como inquilino, devesse ser procurada no artigo 1111º do Código Civil de 1966 (ora na redacção introduzida pelo art. 27º do DL. nº 293/77, de 20 de Julho, ora na que lhe foi dada pelo art. 1º do DL. nº 328/81, de 4 de Dezembro, consoante o arrendamento em questão tivesse começado a vigorar antes ou depois de 9/12/1981, data da entrada em vigor deste último diploma)  -, há que não olvidar que aquela regra de conflitos só é de considerar indiscutível quando os efeitos dos contratos sejam regulados por normas supletivas.
Não assim, porém, se a Lei Nova é de natureza imperativa. É que «toda a Lei Nova que seja de qualificar como respeitante ao estatuto das pessoas ou dos bens, ou como relativa à organização da economia, à defesa dos direitos das pessoas ou à tutela das categorias sociais “mais fracas” (de cariz dirigista ou de cariz proteccionista, portanto) restringe o domínio da autonomia contratual e será em regra de aplicação imediata»[39].
Por isso - conclui BAPTISTA MACHADO[40] - «a aplicação ou não aplicação imediata das disposições da Lei Nova ao conteúdo e efeitos dos contratos anteriores depende fundamentalmente duma qualificação dessas disposições: referirem-se elas a um estatuto legal ou a um estatuto contratual, ou então, na fórmula do nº 2 do art. 12º do nosso Código Civil: depende fundamentalmente do ângulo de incidência dessas disposições sobre as Situações Jurídicas visadas nas suas hipóteses legais, isto é, depende da resposta à questão de saber se elas abstraem ou não dos factos constitutivos das mesmas Situações Jurídicas»[41].
Ora, é incontroverso que as disposições legais onde se elencam as causas de caducidade do arrendamento habitacional são de qualificar como pertinentes a um “estatuto legal” e não a um “estatuto contratual”, sendo certo que elas são dirigidas «à tutela dos interesses duma generalidade de pessoas que se achem ou possam vir a achar ligadas por uma certa relação jurídica» (in casu, uma relação jurídica de arrendamento urbano habitacional), «de modo a poder dizer-se que tais disposições atingem essas pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo tipo de vínculo contratual (...enquanto senhorios e inquilinos...)»[42].
Tudo isto para concluir que, independentemente da data concreta em que foi celebrado o contrato de arrendamento para habitação concluído entre quem antecedeu os ora Autores na titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel objecto do arrendamento e o falecido JC (o pai da ora Ré JC), será sempre a Lei Nova entretanto (isto é, na sua vigência) sobrevinda a disciplinar vinculisticamente os efeitos do arrendamento urbano habitacional a competente para regular as causas de caducidade do referido contrato e as excepções a essas mesmas causas.
E, dentre os vários regimes legais que, entretanto, se sucederam no tempo, em matéria de caducidade do arrendamento urbano habitacional por morte do locatário[43] - é essa a única causa de caducidade invocada pelos AA. na presente acção e, portanto, a única que importa apreciar nesta sede -, o aplicável ao caso sub judice é o que estava em vigor à data em que ocorreu o facto determinante da caducidade [44] [45] [46] [47] [48] [49], ou seja, ou seja, o vigente em 24 de Fevereiro de 2002 (data do óbito do arrendatário JC).
Ora, naquela data (24 de Fevereiro de 2002), o regime legal em vigor, quanto à caducidade do contrato de arrendamento urbano para habitação, em caso de morte do arrendatário, era já o consagrado nos arts. 83º, 85º, 86º, 87º, 88º e 89º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro.
Dele resulta que, enquanto a locação, em geral, caduca por morte do locatário (art. 1051º, nº 1, al. e), do Cód. Civ.), salvo convenção escrita em contrário (art. 1059º, nº 1, do mesmo diploma), o arrendamento para habitação, embora, em princípio, também caduque por morte do arrendatário (art. 83º do R.A.U. - correspondente ao art. 1110º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil), não caduca, todavia, por morte do primitivo[50] arrendatário (ou daquele a quem este tiver cedido a sua posição contratual[51] [52]) em seis hipóteses:
a) se lhe sobreviver cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto (al. a) do nº 1 do art. 85º do R.A.U.);
b) se ele deixar descendente - filho, neto ou bisneto - com menos de 1 ano de idade[53] ou que com ele convivesse há mais de um ano à data da ocorrência da sua morte (al. b) do nº 1 do cit. art. 85º);
c) se lhe sobreviver pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, não sendo o arrendatário casado ou estando ele separado judicialmente de pessoas e bens do seu cônjuge (al. c) do nº 1 do cit. art. 85º, na redacção introduzida pelas Leis nºs 6/2001 e 7/2001, de 11 de Maio);
d) se lhe sobreviver ascendente - pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó - que com ele convivesse há mais de um ano à data da verificação do seu óbito (al. d) do nº 1 do cit. art. 85º);
e) se ele deixar afim na linha recta que com ele convivesse há mais de um ano à data do seu falecimento (al. e) do nº 1 do cit. art. 85º);
f) se lhe sobreviverem quaisquer pessoas que com ele vivessem em economia comum há mais de dois anos (al. f) do nº 1 do cit. art. 85º, na redacção introduzida pelas Leis nºs 6/2001 e 7/2001, de 11 de Maio).
Verificando-se alguma das mencionadas hipóteses, o arrendamento para habitação não caduca com a morte do arrendatário, antes a posição do arrendatário se transmite segundo uma ordem de precedências que a lei disciplina concretamente no nº 3 do cit. art. 85º do R.A.U., organizando o curso de devolução da posição de arrendatário consoante as situações em presença: assim, o direito ao arrendamento para habitação transmite-se, em primeiro lugar, ao cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto; na falta deste, ou não reunindo este as condições exigidas para beneficiar da transmissão, o direito ao arrendamento passa para o descendente com menos de um ano de idade ou que vivesse com o arrendatário há mais de um ano, preferindo os de grau mais próximo aos de grau ulterior e, dentro dos descendentes no mesmo grau, os mais idosos aos mais novos[54]; na ausência de descendentes ou não reunindo estes as condições requeridas para se operar a seu favor a transmissão da posição do arrendatário ou não pretendendo os descendentes essa transmissão, o direito ao arrendamento transmite-se para a pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, não sendo o arrendatário casado ou estando ele separado judicialmente de pessoas e bens do seu cônjuge (al. c) do nº 1 do cit. art. 85º, na redacção introduzida pelas Leis nºs 6/2001 e 7/2001, de 11 de Maio); na falta de descendentes ou de pessoa que vivesse com o arrendatário em união de facto há mais de dois anos, o direito ao arrendamento transmite-se ao ascendente que convivesse com o primitivo arrendatário há mais de um ano, preferindo os de grau mais próximo aos de grau ulterior e, dentro dos ascendentes no mesmo grau, os mais idosos aos mais novos; na falta de ascendentes ou não preenchendo estes as condições exigidas para poderem beneficiar da transmissão da posição do arrendatário, o direito ao arrendamento passa para o afim na linha recta com menos de um ano de idade ou que convivesse com o arrendatário há mais de um ano, preferindo os de grau mais próximo aos de grau ulterior e, dentro dos afins em linha recta no mesmo grau, os mais idosos aos mais novos; na falta de cônjuge, de descendentes, de pessoa que vivesse com o arrendatário em união de facto, de ascendentes ou de afins na linha recta, beneficia da transmissão do direito ao arrendamento a pessoa que vivesse com o arrendatário em economia comum há mais de dois anos.
Por outro lado, mercê do disposto no nº 4 do mesmo art. 85º[55], se, por morte do primitivo inquilino, a posição de arrendatário tiver sido transmitida para o cônjuge sobrevivo, quando este, por seu turno, falecer, o direito ao arrendamento volta a transmitir-se, mas agora pela última vez, para os parentes ou afins na linha recta do primitivo arrendatário, que, à data da morte deste, reunissem as condições para beneficiar dessa mesma transmissão. Temos, pois, que o direito ao arrendamento para habitação se transmite apenas em um grau, ou seja, por morte do primitivo arrendatário (ou daquele a quem este houver cedido a sua posição contratual), só admitindo a lei uma transmissão em dois graus na hipótese prevista naquele nº 4 do art. 85º, em que o direito ao arrendamento, que por morte do primitivo arrendatário já se transmitira ao respectivo cônjuge, pode ainda transmitir-se, por morte deste, aos parentes ou afins na linha recta do primitivo arrendatário com menos de um ano de idade ou que vivessem pelo menos há um ano com o cônjuge falecido [56].
No caso dos autos, está assente que, por morte do primitivo arrendatário (o mencionado JC), lhe sobreviveu o respectivo cônjuge, porquanto ele faleceu no estado de casado com MB.
Assim, existindo cônjuge sobrevivo do falecido arrendatário primitivo, não separado de pessoas e bens ou de facto, o arrendamento não se transmitiu directamente para a ora Ré JR, conquanto esta habitasse o locado há mais de um ano à data do óbito.
Ao invés, o arrendamento não caducou por morte do referido arrendatário JC, mas a posição contratual deste transmitiu-se para o seu cônjuge sobrevivo MB, nos termos da cit. al. a) do nº 1 do art. 85º do R.A.U. (e não para a ora Ré JR).
Provou-se – é certo – que, três meses após o óbito de JC, a mencionada MB (o cônjuge sobrevivo daquele) passou a residir num Lar de Idosos.
De todo o modo, tal circunstância não obstou a que se lhe tivesse transmitido para ela, logo no momento do óbito do primitivo arrendatário (em 24FEV2002), a posição contratual deste.
O facto de ela, três meses decorridos sobre essa transmissão da posição contratual de arrendatária, ter passado a residir num Lar de Idosos apenas pode, eventualmente, fundamentar a propositura, contra ela, duma acção de despejo, destinada a obter a resolução judicial do contrato de arrendamento em questão (nos termos do art. 1083º, nº 1, e nº 2, al. d), do Código Civil [na redacção introduzida pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, aplicável, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 26º, nº 1, 27º e 28º deste último diploma, aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes de 18/11/1990 – como o que está em discussão nos autos]).
De todo o modo, o contrato de arrendamento celebrado em 1981 com o falecido JC, enquanto não cessar, por resolução ou por qualquer outra causa, tendo sido validamente transmitido para o cônjuge sobrevivo daquele (a referida MB), mantém-se plenamente em vigor.
E, se assim é, a ora Ré JR, sendo – como é – filha da actual arrendatária do imóvel, está legalmente autorizada a permanecer no imóvel reivindicado, nos termos do art.º 76.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do RAU (e do correspondente artigo 1093º, nº 1 e nº 2, al. a), do Código Civil, na redacção introduzida pela cit. Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que, entretanto, entrou em vigor).
Consequentemente, subsistindo em vigor o aludido arrendamento que tem por objecto a casa ora reivindicada pelos Autores/Apelantes e podendo a Ré JR residir no local arrendado, enquanto tal arrendamento não cessar a sua vigência, nomeadamente por resolução fundada no não uso do locado por parte da actual arrendatária, óbvio é que se está perante um dos tais casos, previstos no nº 2 do art. 1311º do Cód. Civil, em que, a despeito do reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre a coisa reivindicada, pode ser-lhe recusada a respectiva restituição.
Consequentemente, nenhuma censura pode ser dirigida à sentença ora recorrida, por haver julgado a presente acção totalmente improcedente, por não provada.
Eis por que a presente apelação improcede, in totum.

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas da Apelação a cargo dos Autores/Apelantes, em partes iguais (art. 446º, nºs 1 e 2, e 446º-A, nº 1, ambos do CPC de 1961).

Lisboa, 28/1/2014

Rui Torres Vouga (relator)
Maria do Rosário Barbosa (1º Adjunto)
Maria do Rosário Gonçalves (2º Adjunto)
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in "Código Civil Anotado", vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1984, pág. 113) e MANUEL RODRIGUES JÚNIOR ("A Reivindicação no direito civil português", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 57º, págs. 114, 115 e 129).
[6] In Rev. de Leg. e de Jurispª, ano 116º, pág. 16, nota 2.
[7] Ibidem.
[8]  Cfr. também, no sentido de que nada impede que se acrescentem aos dois pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação (o pedido de reconhecimento do direito de propriedade e o da entrega do prédio) outros pedidos acessórios, tais como o pedido de indemnização por danos causados pelo demandado ou o pedido de demolição de obra indevidamente feita na coisa reivindicada, o Ac. da Rel. de Coimbra de 10/5/1988 (in Col. Jur. 1988, tomo 3, p. 63), o Ac. da Rel. do Porto de 16/3/1989 (sumariado in BMJ nº 385, p. 603), o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/1991 (in BMJ nº 411, p. 559) e os Acs. da Rel. de Coimbra de 7/1/1992 (sumariado in BMJ nº 413, p. 619) e de 12/7/1995 (sumariado in BMJ nº 449, p. 446).
[9] Cfr., neste sentido, MENESES CORDEIRO in “Direitos Reais”, II vol., 1979, p. 846.
[10] MENESES CORDEIRO in ob. e vol. citt., p. 847.
[11] MENESES CORDEIRO in ob. e vol. citt., p. 848.
[12] Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, in ob. e vol. citt., p. 115 e MANUEL RODRIGUES "A Reivindicação..." cit., in loc. cit., págs. 161-162 e 177-178.
[13] Cfr., também no sentido de que, nas acções de reivindicação, «para efeito de prova da propriedade, se a aquisição for derivada, não basta provar a que título a aquisição se operou, é preciso provar que o transmitente já era titular do direito», o Ac. da Rel. de Lisboa de 10/5/1978 (in Col. Jur., 1978, tomo 3, p. 931).
[14] Cfr., igualmente no sentido de que, «na acção de reivindicação, cabe ao demandante a prova do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada, a qual terá de ser feita através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou de qualquer dos antepossuidores: quando a aquisição for derivada, como sucede no caso da transmissão por compra e venda, têm de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, excepto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade, como a resultante da posse ou a resultante do registo», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 16/6/1983 (in BMJ nº 328, p. 546).
[15] Cfr., uma vez mais no sentido de que, «na acção de reivindicação, que é uma acção real, proposta por aquele que se arroga o domínio da coisa contra o possuidor dela, o autor tem de provar uma forma originária de aquisição, não sendo suficiente a alegação e a prova de que a coisa foi comprada ou doada, visto que a compra e venda e a doação são apenas translativas do direito e não constitutivas dele», o Ac. da Rel. do Porto de 20/9/1990 (sumariado in BMJ nº 399, p. 573).
[16] Cfr., ainda no sentido de que, «na acção de reivindicação de propriedade, a causa de pedir é o direito de propriedade violado pelo detentor da coisa», sendo que «a alegação e prova pertencem ao peticionante, a fazer conforme invoque uma forma de aquisição originária, como prova dos factos donde emerge o seu direito, ou uma forma de aquisição derivada, em que não basta provar a existência do negócio pretensamente translativo, mas em que é necessário provar o dominium auctoris ou a usucapião», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 4/2/1993 (in Col. Jur./Acs. do STJ, 1993, tomo 1, p. 137).
[17] Cfr., uma vez mais no sentido de que «o mero contrato de compra e venda, aquisição derivada, não confere a qualidade de proprietário para efeitos reivindicativos», o Ac. da Rel. do Porto de 22/1/1994 (in Col. Jur., 1994, tomo 1, p. 216).
[18] Cfr., todavia, no sentido de que, «apesar de competir ao autor, na acção de reivindicação, a prova do invocado direito de propriedade e de a aquisição derivada ser dominada pelo princípio nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet, deve admitir-se que a prova do direito do autor resulte de confissão do réu, nomeadamente quando o facto ficou a constar da especificação», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29/4/1992 (in BMJ nº 416, p. 595).
[19] Cfr., porém, no sentido de que, «numa acção de reivindicação proposta contra quem, alegadamente, se apropriou do imóvel por acto abusivo (ocupação por arrombamento), basta a invocação da aquisição derivada (compra e venda), o Ac. da Rel. de Lisboa de 7/5/1994 (sumariado in BMJ nº 437, p. 559).
[20]  Vide, nesta linha, o voto de vencido subscrito  pelo Conselheiro Abel de Campos no Acórdão do S.T.J. de 29/10/1974 (in BMJ nº 240, p. 220).
[21] É que - como se notou no Acórdão do S.T.J. de 17/1/1985 (in BMJ nº 343, p. 335) - da definição legal de presunção (constante do art. 349º do Cód. Civ.) resulta que quer as presunções legais, quer as judiciais, são ilações que se tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo certo que, segundo o art. 350º, nº 1, do mesmo Código, quem tiver a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. Por isso, o beneficiário da presunção estabelecida no art. 7º do Cód. do Reg. Pred. (presunção de que o direito de propriedade existe e de que pertence à pessoa em nome de quem está inscrito) apenas estaria dispensado do ónus de provar o facto desconhecido a que aquela presunção conduz; mas não estaria isentado do ónus de alegar os factos indispensáveis à procedência da acção de reivindicação em que seja autor. Isto é: visto que as presunções legais importam a inversão do ónus da prova (art. 344º, nº 1, do Cód. Civ.), o ónus da prova não acompanha, in casu, o ónus de alegação, pelo que não incumbe à parte favorecida com a prova mas onerada com a alegação a demonstração do facto (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in "Teoria Geral do Processo Declarativo", ed. policopiada da Associação Académica da Fac. de Dtº de Lisboa, 1982/83, pág. 344). De modo que, à luz deste critério rigorista, não suprindo a junção aos autos da certidão comprovativa da inscrição registral (da aquisição a favor do A.) a falta de alegação de qualquer modo de aquisição originária do domínio, a petição inicial deveria ter-se por inepta.
[22] Publicado   in  BMJ nº 343, p. 335.
[23] No Acórdão do S.T.J. de 28/5/1981 (publicado in BMJ nº 307, p. 266) - relatado, curiosamente, pelo subscritor do voto de vencido, supra aludido, no Ac. do mesmo Tribunal de 29/10/1974 -, entendeu-se igualmente que, «desde que, segundo a melhor doutrina, «o documento junto com a petição deve considerar-se parte integrante da mesma e por isso supre as lacunas de que a petição enferme» (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, pág. 364, nota, e Acórdão da Relação de Lisboa de 19/2/1971, citado Boletim nº 204, p. 193), também poderá atribuir-se idêntica virtualidade à certidão registral do domínio e causa da sua aquisição, ainda que apresentada ulteriormente, quando o seu conteúdo não for impugnado pela parte contrária».
Muito mais impressivos nos parecem, porém, os argumentos aduzidos no aresto primeiramente citado (o de 17/1/85, publicado in BMJ nº 343, p. 335). O texto do art. 7º do Cód. do Reg. Pred. coaduna-se, na verdade, melhor com a noção de presunção de direito, no sentido de presunção dirigida directamente à existência de um direito ou de uma relação jurídica, do que com a noção de presunção de facto subjacente ao art. 349º do Cód. Civil.
[24] Cfr., também no sentido de que «basta a presunção do registo predial para fundamentar a acção de reivindicação», o Ac. da Rel. de Lisboa de 20/2/1981 (sumariado in BMJ nº 309, p. 390).
[25] Cfr., de igual modo no sentido de que «o autor, em acção de reivindicação, terá sempre de alegar (e provar) uma forma de aquisição originária do direito de propriedade invocado, para além do título translativo, a não ser que invoque (e prove) a inscrição do prédio, objecto da lide, a seu favor», o Ac. da Rel. de Évora de 12/6/1986 (sumariado in BMJ nº 360, p. 677).
[26] Cfr., também no sentido de que, embora, «na acção de reivindicação, deva, em princípio, o autor provar (e, por isso, alegar) a existência de um título de aquisição originária», já «não será assim, porém, se não for contestada a aquisição derivada, se beneficiar da presunção resultante do registo (cabendo então ao réu ilidi-la) ou se a aquisição derivada invocada resulta da partilha em que o réu haja intervindo como interessado», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 26/5/1987 (in BMJ nº 367, p. 575).
[27] Cfr., igualmente no sentido de que «basta para a procedência da acção de reivindicação a presunção, não ilidida, do registo predial de inscrição de transmissão do prédio a favor do reivindicante se o transmitente for o último titular do direito inscrito no registo e isto se provar», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6/1/1988 (in BMJ nº 373, p. 532).
[28] Cfr., ainda no sentido de que embora  «na acção de reivindicação, o proprietário tenha de provar a aquisição originária para exigir o reconhecimento do seu direito de propriedade; no entanto, se a favor do autor se verifica presunção legal de propriedade, designadamente a resultante do registo, o pedido pode basear-se nela», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 18/2/1988 (in BMJ nº 374, p. 414).
[29] Cfr., uma vez mais no sentido de que, «demonstrando o autor de acção de reivindicação que o imóvel em causa se encontra definitivamente registado como sua propriedade, compete ao réu o ónus de ilidir a presunção legal derivada desse registo», o Ac. da Rel. de Coimbra de 10/1/1989 (sumariado in BMJ nº 383, p. 632).
[30]  Cfr., neste sentido, Alberto Catarino Nunes (in «Código do Registo Predial Anotado», 1968, pág. 222, em anotação ao art. 8º do Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 47611, de 28/3/1967 - disposição correspondente ao art. 7º do Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 224/84, de 6 de Julho, actualmente em vigor).
[31] Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, in ob. e vol. citt., p. 116.
[32] Simultaneamente, há-de então o réu formular, na contestação, em via de reconvenção, o pedido de cancelamento da inscrição registral do facto que corporiza a aquisição, por parte do autor, do direito de propriedade sobre a coisa objecto da acção, suposto que se trate de um prédio (art. 8º, nº 1, do Cód. do Reg. Predial), sob pena de a impugnação dos factos abonados pelo registo ser inoperante (cfr., neste sentido, Acórdão do S.T.J. de 4/7/1972, in BMJ nº 219, p. 196).
[33]  Com efeito - como bem observa MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “A Acção de Despejo”, Lx., 1991, p. 20) -, «a distinção entre o objecto da acção de reivindicação e da acção de despejo não obsta a que a subsistência de um contrato de arrendamento entre as partes possa ser excepcionada e discutida numa acção de reivindicação». «Conforme resulta do art. 1311º, nº 2, CC, se na acção de reivindicação houver o reconhecimento do direito de propriedade, a restituição da coisa só pode ser recusada se o demandado possuir um título legítimo de posse da coisa: esse título pode ser um contrato de arrendamento do prédio reivindicado, pelo que o réu da acção de reivindicação pode impedir a condenação na restituição da coisa se excepcionar aquele título de posse» (ibidem): cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. de Évora de 24/7/1974 (in BMJ nº 240, p. 279), o Ac. da Rel. de Lx. de 8/3/1978 (in BMJ nº 277, p. 307), os Acs. do STJ de 4/7/1980 (in BMJ nº 299, p. 320), de 18/12/1984 (in BMJ nº 342, p. 387) e de 26/1/1988 (in BMJ nº 373, p. 479) e o Ac. da Rel. de Lx. de 17/11/1983 (in Col. Jur. 1983, tomo 5, p. 113).
[34] Cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos da mesma Relação de  27/3/1974 (in BMJ nº 235, p.356) e de 26/10/1977 (in Col. Jur. 1977, tomo 5, p. 1199) e os Acórdãos do S.T.J. de 21/12/1978 (in BMJ nº 282, p.187), de 8/5/1979 (in BMJ nº 287, p.305), de 4/7/1980 (in BMJ nº 299, p. 320) e de 2/12/1986 (in BMJ nº 362, p. 537).
[35]  Cfr., no sentido de que se defende por excepção o réu em acção de reivindicação que alega ser locatário do prédio reivindicado, o Ac. da Rel. de Coimbra de 12/5/1987 (in BMJ nº 367, p. 576).
[36] BAPTISTA MACHADO in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Coimbra, 1968, p. 114.
[37]  Ibidem.
[38]  Assim, por exemplo, «a lei competente para regular as causas de rescisão ou resolução dos contratos é a lei que presidiu à celebração dos mesmos» (A. e ob. citt., p. 117).
[39] BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Coimbra, 1983, p. 241.
[40]  In ob. primeiramente cit., p. 122.
[41] É que «podem na verdade tais disposições referir-se a contratos e, todavia, não terem a natureza de regras próprias dum estatuto contratual: basta, por exemplo, que não encarem as partes, ou uma das partes, enquanto contratantes, mas enquanto membros duma determinada classe ou enquanto pessoas que se encontram em dada situação (v.g. como operário, e não como contratante, isto é, como simples contraparte num contrato de prestação de serviços)» (BAPTISTA MACHADO, ibidem).
[42]  BAPTISTA MACHADO in ob. primeiramente cit., p. 122.
[43]  Os consagrados no art. 1111º do Cód. Civil de 1966, nas redacções que sucessivamente lhe foram dadas pelo Decreto-Lei nº 293/77, de 20 de Julho, pelo Decreto-Lei nº 328/81, de 4 de Dezembro, e pela Lei nº 46/85, de 20 de Setembro, e nos arts. 83º a 89º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro.
[44]  Cfr., no sentido de que o regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determine, o Ac. da Rel. de Évora de 13/2/1987 (in Col. Jur. 1987, tomo 1, p. 316).
[45]  Cfr., no sentido de que, discutindo-se o problema de saber se pode haver uma ou mais transmissões, o regime aplicável aos contratos é o que estava em vigor à data em que faleceu o cônjuge do primitivo arrendatário, o Ac. da Rel. de Lisboa de 9/6/1983 (in Col. Jur. 1983, tomo 3, p. 147).
[46]  Cfr., no sentido de que a transmissão do direito ao arrendamento se rege pela lei vigente ao tempo em que a nova situação se subjectivou, o Ac. da Rel. de Lisboa de 25/10/1983 (in Col. Jur. 1983, tomo 4, p. 152).
[47] Cfr., no sentido de que «é a data da morte do arrendatário que releva para efeito da determinação das normas jurídicas aplicáveis quanto ao direito ao novo arrendamento por parte dos parentes do arrendatário falecido, que com ele vivam em economia comum, há mais de cinco anos», o Ac. da Rel. do Porto de 29/6/1995 (sumariado in BMJ nº 448, p. 429).
[48] Cfr., no sentido de que é o Cód. Civil de 1966 que regula a caducidade, por extinção do usufruto, dos contratos de arrendamento, desde que esta se verifique após a sua vigência, o Ac. da Rel. do Porto de 11/6/1981 (in Col. Jur. 1981, tomo 3, p. 158).
[49] Cfr., no sentido de que «a consequência da morte do senhorio usufrutuário, no que respeita à caducidade do arrendamento, terá que ser apreciada à luz do R.A.U.», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 4/3/1997 (in Col. Jur./STJ, 1997, tomo 1, p. 117).
[50]  A solução de limitar a transmissão mortis causa do direito ao arrendamento ao caso de morte do primitivo arrendatário - num único grau, portanto - já constava do nº 1 do art. 46º da Lei nº 2030 e foi mantida na redacção inicial do nº 1 do art. 1111º do Cód. Civil de 1966; porém, o Decreto-Lei nº 293/77, de 20 de Julho, ao eliminar o adjectivo “primitivo” que antecedia o substantivo arrendatário, veio admitir a transmissão do direito ao arrendamento para habitação em qualquer número de graus, solução que vigorou até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 328/81, de 4 de Dezembro, o qual repôs no texto daquela disposição o adjectivo “primitivo”, solução que a  Lei nº 46/85, de 20 de Setembro, e o R.A.U. mantiveram.
[51]  A razão de ser desta equiparação está em que - como nota JANUÁRIO GOMES (in “Arrendamentos para Habitação”, Coimbra, 1994, p. 164) - «exigindo a lei no art. 424º do Cód. Civil (cfr. art. 1059º, nº 2) o consentimento do senhorio para a cessão da posição de arrendatário, não se poderá dizer que o locador fique prejudicado com aquele regime, uma vez que só consente se quiser». «Nesta linha, parece ser de entender que o mecanismo da transmissão da posição de arrendatário funciona independentemente do número de cessões da posição contratual» (ibidem).
[52]  A expressão «ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual» empregue no art. 1111º, nº 1, do Cód. Civ. não pretende obviamente - como se notou no Ac. da Rel. de Lx. de 11/12/1972 (in BMJ nº 222, p. 459) - abranger a transmissão mortis causa, como resulta do art. 1059º, onde as duas transmissões se distinguem.
[53]  A referência aos parentes ou afins “com menos de um ano” foi acrescentada pelo Decreto-Lei nº 328/81, de 4 de Dezembro, a fim de - como bem observa PEREIRA COELHO (in “Arrendamento. Direito Substantivo e Processual”, Lições ao curso do 5º ano de Ciências Jurídicas no ano lectivo de 1988-1989, Coimbra-1988, p. 219 nota 3) - «proteger os filhos do arrendatário falecido de menos de um ano de idade, os quais, não vivendo com o arrendatário, obviamente, há um ano ou mais, não poderiam, segundo uma interpretação literal do preceito, beneficiar da protecção dispensada aos descendentes pelo art. 1111º CC».
[54]  Esta solução de relevar a idade é - como nota JANUÁRIO GOMES (in ob. cit., p. 164) - uma inovação do R.A.U. e constitui, aliás, a única modificação de regime nesta matéria, face ao art. 1111º do Cód. Civil.
[55]  Disposição que reproduz o nº 4 do art. 1111º do Cód. Civil, na redacção introduzida pela cit. Lei nº 46/85.
[56]  Cfr., neste sentido, JANUÁRIO GOMES (in ob. cit., pp.171-172).
Decisão Texto Integral: