Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2320/11.0YYLSB-B.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: ASSINATURA
PERÍCIA
ENCARGOS
OMISSÃO DE PAGAMENTO
PAGAMENTO PELA PARTE CONTRÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.–O Não pagamento dos encargos devidos pela requerida realização de uma perícia, e a cargo do requerente do meio de prova, implica a não realização da diligência requerida;
2.– Não efectuado o pagamento referido em 1, pode a parte realizá-lo nos cinco dias posteriores ao termo do prazo inicial devido, devendo então proceder também ao pagamento de uma sanção de valor igual ao montante em falta, com o limite máximo de 3UC.
3.– Omitidos ambos os pagamentos indicados em 1 e 2, não deve de imediato o Juiz dar sem efeito a realização da diligência requerida, antes deve notificar a parte contrária para, querendo , substituir-se à requerente do meio de prova , procedendo ela ao pagamento, em cinco dias do encargo não liquidado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



A [Delfim …..], Oponente nos autos em que é exequente Sofinloc – Sociedade Financeira de Locação, notificado do despacho saneador apresentou o seu requerimento probatório, nomeadamente requerendo, ao abrigo dos artigos 568º e 577º do CPC, a realização de exame pericial à letra e assinatura constante da livrança junta à execução, imputada à ora oponente, a efectuar por organismo oficial (público ou privado) no sentido de determinar se tal assinatura que foi aí aposta é do oponente.

Vindo a ser proferido despacho do qual consta, além do mais, que:
Prova pericial requerida pelo oponente (fls. 88): notifique a exequente para, em 10 dias, pronunciar-se sobre o objecto proposto, podendo aderir ao mesmo ou propor a sua ampliação ou restrição, bem como para se pronunciar sobre o perito indicado pela oponente (arts. 578 nº. 1 e 568 n°. 2 do C. P. Civil).”

Notificada, a exequente veio  dizer que:
“ Sofinloc - Instituição Financeira de Crédito, S.A., exequente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada do despacho de fls. atento o teor do mesmo, vem requerer que o exame pericial solicitado pelo Oponente, tenha como objecto, o reconhecimento da letra e assinatura do oponente A, devendo esclarecer se a assinatura aposta na livrança, que serve de título executivo nos presentes autos foi manuscrita pela Oponente.
Mais se informa que a Exequente nada tem a opor quanto à "nomeação de organismo oficial (público ou privado) " para desempenhar funções de perito, conforme requerido pela Oponente.”

Sendo então proferido despacho no qual se refere:
“ Nos termos do art. 476 n°. 1 do C.P.Civil, admite-se a realização da perícia requerida pelo executado (fls. 88), tendo-se a exequente pronunciado a fls. 101, e considerando a sua pertinência face ao alegado pelo oponente no artigo 4°. do articulado de oposição. 
Fixa-se como objecto da perícia: determinar se a assinatura que consta do documento constantes de fls. 6 do processo de execução (1ivrança), no local destinado a "assinatura do subscritor", foi aposta pelo punho de A.
Perito: designa-se perito o Laboratório de Polícia Científica, entidade vocacionada para tal - art. 467 nº, 1 do C. P. Civil.
Notifique a exequente para juntar o original da livrança, a fim de possibilitar a perícia.
A audiência de discussão e julgamento será designada quando estiver junto o relatório pericial.
Depreque a recolha de autógrafos.”

A 21/01/2014 foi proferido o seguinte despacho:
“Assiste razão à exequente, uma vez que a perícia foi requerida pelo executado e, nos termos do art. 20 n°. 1 do R. C. Processuais, é a esta que cabe o pagamento dos encargos.
A exequente, caso assim pretendesse - o que claramente não pretende -, na omissão de pagamento dos encargos por parte do executado, poderia proceder ao pagamento nos termos do art. 23 nº. 3 do R. C. Processuais.
Assim, julgando-se procedente a reclamação apresentada, dá-se sem efeito a guia para pagamento em nome daquela emitida.
Uma vez que o oponente não procedeu ao pagamento dos encargos, não há lugar à realização da perícia - art. 23 n°. 1 do R. C. Processuais.”

Inconformada recorre a Sofinloc, concluindo que:
A)–A conclusão do MM Juiz de Direito a quo, qual seja a de que claramente a Exequente não pretende, na omissão de pagamento dos encargos por parte da executada, proceder ao pagamento nos termos do art. 23 nº 3 do RCP, carece de factos que a suportem e não se extrai do douto despacho ou de qualquer outro requerimento apresentado pela Exequente, qualquer fundamentacão que a sustente. O MM Juiz de Direito a quo extrapola, erradamente, que atento o requerimento da Exequente apresentado em 03/01/2014, a mesma não pretendia na circunstância de não ser efectuado o pagamento dos encargos pela Executada, ser a própria a efectuar o pagamento.
B)–Na realidade, o requerimento em causa esgotou-se no pedido aí formulado, ou seja que fosse dado sem efeito a guia emitida em seu nome.
C)–É pacífico que o Exequente em 03/01/2014 se pronunciou apenas sobre a responsabilidade de pagamento de 50% do preparo, responsabilidade que entende ser inicialmente da Oponente. Diga-se pacífica porque mereceu a concordância do MM Juiz de Direito (despacho datado de 21/01/2014).
D)–A Exequente, ora recorrente, nunca se pronunciou quanto ao pagamento dos encargos antecipados caso o responsável pelas mesmas não efectuasse o seu pagamento, até porque, diga-se, aquando do seu requerimento de 03/01/2014, o Tribunal não havia esclarecido quem era o responsável pelo pagamento dos encargos.
E)–Nem a Exequente, ora recorrente sabia que o Oponente, ora Recorrido não havia liquidado o valor devido, nem poderia saber, à data em que apresentou o requerimento de 03/01/2014, uma vez que a respectiva guia ainda não havia expirado.
F)–Tendo verificado a omissão de pagamento do Oponente, deveria o Tribunal a quo, ter informado o Recorrente, para este poder exercer a faculdade prevista no artigo 23 nº 3 do RCP, e no prazo de cinco dias, pagar o encargo que a outra parte não realizou, solicitando guias para o depósito imediato, sendo que só o poderia fazer após 18/01/2014, data em terminaria o prazo para pagamento da guia pelo Oponente, com multa.
G)–Ainda que assim não se entenda, o despacho proferido é intempestivo porque proferido antes de decorrido o prazo legal da Exequente para solicitar a emissão das guias nos termos do nº 3 do artigo 23º do RCP, e que terminaria em 23/01/2014.
H)– Logo, o MM Juiz do Tribunal a quo ainda antes de decorrido na íntegra o prazo atribuído à Exequente, determinou que a Exequente não poderia exercer o seu direito, conforme notificação elaborada em 22/01/2014, em clara violação do princípio do contraditório, previsto no nº 3 do artigo 3º do CPC, e também do artigo 23º do RCP, quer porque não ter notificado nos termos atrás descritos a Exequente, quer porque se mostra intempestivo o despacho recorrido, por não se mostrar esgotado o prazo da Exequente para solicitar a emissão das guias, nos termos da referida norma legal.

Sem prejuízo do exposto e sem conceder sempre se dirá:
I) O próprio Tribunal a quo entendeu que a referida perícia é relevante e útil para a decisão da  causa, motivo pelo qual deferiu a sua realização.
J)Poderia, e deveria ter ordenado que a perícia fosse realizada, passando o pagamento a ocorrer a final e não antecipadamente, determinando que a falta de pagamento não inviabilizasse a      realização da perícia.
K)A diligência deveria ser realizada, por força do princípio do inquisitório (artigo 411º do CPC), já quanto ao adiantamento dos encargos, na falta de previsão expressa sobre a matéria, reputar-se-ia ser aplicável, por analogia, o disposto no Artigo 116º do CPPT, cabendo ao tribunal (isto  é , ao Instituto de Gestão Financeira e dos Equipamentos da Justiça, IP) adiantar o encargo das   diligências, o qual entraria no final em regra de custas.
L)Razão pela qual o despacho recorrido violou, também o artigo 411º do Código de Processo Civil devendo ser revogado, o que a final se requer.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o despacho ser revogado e substituído por outro que mantendo a realização da perícia, conceda prazo à Exequente para liquidar o preparo devido nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 23º do RCP.

Cumpre apreciar.

Está em causa saber se a ora recorrente, simultaneamente exequente, deveria ter tido oportunidade de pagar o preparo que permitisse a realização da perícia que fora requerida pelo oponente/executado e que este não pagou.

O oponente havia negado que a assinatura aposta na livrança, que constitui o título executivo, fosse do seu punho. Deste modo veio requerer prova pericial à sua assinatura. Notificada a exequente, esta, em 03/01/2014, não se opôs a tal prova pericial, estabelecendo até aquele que a seu ver deveria ser o objecto da perícia.

Contudo, fez notar que a perícia não havia sido requerida  por ela mas antes pelo oponente, e assim a responsabilidade pelo pagamento antecipado dos encargos era do oponente por ter sido este e só este a requerer a perícia.

No despacho em causa, de 21/01/2014, o Mº juiz a quo dá razão à exequente e, considerando que o oponente não efectuara o pagamento dos encargos, “não há lugar à realização da perícia”. E fê-lo assumindo que a exequente não pretendia proceder ao pagamento dos encargos nos termos do art. 23º nº 3 do RC Processuais.

Ora, há que separar duas realidades distintas. Uma, consiste no recebimento pela exequente da notificação das guias para pagamento dos preparos devidos por conta da prova pericial requerida pelo oponente, como se também a exequente houvesse requerido a perícia, quando o requerimento da exequente de 03/01/2014 se limita a cumprir o disposto no art. 476º nº 1 do CPC. Neste requerimento, a exequente nunca refere que não pretende a perícia, sendo que não podia, à data, saber se o oponente pagara ou não os encargos antecipados. 

O que a exequente e ora recorrente rejeita nesse requerimento de 03/01/2014 é que lhe caiba o dever de pagar o preparo devido para realização da prova pericial, ou mesmo metade dele.

Outra realidade é a de saber o que devia ser feito se o requerente da diligência probatória não pagasse o respectivo preparo, nos termos do art. 20º nº 1 do RCP.
                                                                                                               
Desde logo, o art. 23º nº 1 do mesmo diploma estabelece que “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o não pagamento dos encargos nos termos fixados no nº 1 do art. 20º implica a não realização da diligência requerida”.

Contudo o nº 3 desse art. 23º estipula que “à parte contrária é permitido pagar o encargo que a outra não realizou, solicitando guias para o depósito imediato nos cinco dias posteriores ao termo do prazo referido no número anterior”.

Sucede que a exequente nunca teve oportunidade de se substituir ao requerente da perícia, no pagamento dos encargos que este não efectuou.

Como refere Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais” anotado e comentado, pág. 381, prevê o nº 3 deste artigo o pagamento pela parte contrária do encargo ou preparo para despesas omitido pela parte responsável pelo seu pagamento, e estatui que ela o pode fazer, solicitando guias para o depósito imediato (...). Prevê, pois, a faculdade de a parte contrária realizar o pagamento do referido encargo que a outra, requerente da diligência lato sensu, não realizou até ao termo do prazo previsto no art. 20º nº 1 deste Regulamento (...)”.

O problema é que o Mº juiz a quo no seu despacho de 21/01/2014, assumiu expressamente – sem qualquer razão para tal - que o exequente não pretendia proceder ao pagamento nos termos do art. 23º nº 3 do RCP. Na verdade, o exequente não queria ser responsabilizado pelo pagamento dos encargos nos termos do art. 20º nº 1 do RCP, mas nunca referiu não estar disposto a, caso o oponente não efectuasse tal pagamento (que lhe cabia), pagar ele próprio tais encargos para assegurar a realização da diligência.

Contudo o Mº juiz a quo, depois de assumir que o exequente não pretendia efectuar o pagamento nos termos do art. 23º nº 3, decidiu, no mesmo despacho, dar sem efeito a perícia e marcar data para a realização do julgamento.

Acresce ainda que aquando do requerimento do exequente, em 03/01/2014, o prazo para pagamento das guias emitidas pela secretaria para efeitos do pagamento dos encargos, ainda não expirara, o que só aconteceu em 13/01/2014. E atento o disposto no art. 23º nº 2 do RCP, mesmo findo este prazo, dispunha o oponente, requerente da perícia, de mais cinco dias para efectuar tal pagamento acrescido de uma sanção de igual montante ao do valor em falta. Assim tal prazo só terminaria em 18/01/2014. E só a partir de então, não efectuado o pagamento, começariam a correr os cinco dias para a exequente se substituir ao requerente da diligência no pagamento dos encargos, terminando tal prazo em 23/01/2014.

Assim, quando é proferido o despacho de 21/01/2014 dando sem efeito a perícia, ainda nem sequer decorrera o prazo para a exequente dar cumprimento ao mencionado nº 3 do art. 23º do RCP.

E, ao dar sem efeito a diligência probatória, o Mº juiz a quo inviabilizou a possibilidade da exequente de dar cumprimento ao nº 3 do art. 23º do RGP.

A qual, diga-se, acabaria por ser decisiva em sede da sentença, nomeadamente ao considerar como provado o nº 7 da decisão fáctica.

Urge pois fazer cumprir o disposto no art. 23º nº 3 do RCP.

Neste sentido, revoga-se o despacho de fls. 117, devendo ser proferido novo despacho que mantenha a realização da perícia, fixando prazo para a exequente liquidar o preparo devido nos termos do art. 23º nº 3 do RCP.
Dá-se igualmente sem efeito o julgamento e sentença constantes dos autos, devendo o julgamento ter de novo lugar após a realização da perícia.
Custas pelo vencido a final.



LISBOA, 11/2/2021



António Valente
Teresa Prazeres Pais
Rui Vouga