Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ISOLETA COSTA | ||
| Descritores: | RESERVA DE PROPRIEDADE EXECUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/08/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | Penhorado, ao executado bem sujeito a registo onde consta cláusula de reserva de propriedade a favor do exequente nos autos, o conservador deverá efectuar o respectivo registo de penhora como provisório por natureza, nos termos alínea a) do n.° 2 do artigo 92. Segue-se a notificação do artigoº 119º nº 4 do CRPredial apesar da reserva ser constituída a favor do exequente nos autos Declarando o exequente nos autos que renuncia à reserva da propriedade o Tribunal deve dar cumprimento oficioso ao artigoº 119 do CRP remetendo certidões à CRPredial. Este procedimento mantém-se mesmo nos casos em que o registo foi efectuado definitivamente, já que aqui se trata de registo que enferma de vicio (artigoº 18º e 120º do CRPredial impondo-se a sua rectificação. Esta invalidade deve ser declarada oficiosamente pelo Tribunal se face à respectiva certidão de ónus e encargos vem a constatá-la. (I.A.C.) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: B SA, exequente nos autos de execução de sentença nº 634-A/07, pendentes na 3ª Secção do 4º Juízo Cível de Lisboa, em que são executados R e M, tendo declarado nos autos renunciar à clausula de reserva de propriedade do veículo penhorado nos autos, e inscrita a qual registada a seu favor, interpôs recurso do despacho judicial, que o notificou para proceder ao cancelamento da mesma reserva. O recorrente lavrou as conclusões que sumariadas se seguem: 1. Nos autos em que sobe o presente recurso foi logo de início requerida a penhora sobre o veículo automóvel com a matricula 95-11-NB, penhora que foi ordenada pelo Senhor Juiz a quo 2. Não é por existir uma reserva de propriedade sobre o veículo dos autos em nome do ora recorrente que é necessário que este requeira o cancelamento da dita reserva, não tendo, aliás, o Senhor Juiz a quo competência para proceder a tal notificação ao exequente, ora recorrente …. No caso de surgirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora, se deve agir de acordo com o que se prescreve no artigo 119º do Código do Registo Predial caso a penhora já tenha sido realizada …. Caso, assim, não se entenda, sempre se dirá, que deveria a exequente - titular da reserva de propriedade - ter sido notificada para se pronunciar pela renúncia ou não à propriedade do veículo, como o foi, tendo respondido, mas não ser notificada para requerer o seu cancelamento. ….No despacho recorrido, ao decidir-se pela forma como se decidiu e ao claramente se violou e erradamente se interpretou e aplicou o disposto no artigo 888º do Código de Processo Civil, violou também o disposto nos artigos 5º, nº 1, alínea b) e 29º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, artigos 7º e 119º do Código do Registo Predial e artigos 408º, 409º, nº 1, 601º e 879º, alínea a), todos do Código Civil. Não houve contra alegações O despacho agravado foi tabelarmente sustentado. Tal despacho é do seguinte teor: «Notificada a exequente para vir dizer se renuncia ao encargo de reserva de propriedade e, em caso afirmativo, proceder ao cancelamento do respectivo registo, veio a exequente responder que renuncia à reserva de propriedade a seu favor registada sobre o veículo penhorado. Mais alega que não tem que proceder ao cancelamento do registo de reserva de propriedade para efeitos de prosseguimento da acção, atento o disposto no art. 888° do Cód. de Processo Civil. …Considera-se não assistir razão à exequente. O ónus de reserva de propriedade que impende sobre o veículo penhorado não se enquadra na previsão do artigo 888° do Cód. de Processo Civil, uma vez que este apenas se refere aos registos de direitos reais. Ora considerando que a reserva de propriedade não constitui um direito real registado sobre o veículo, tal ónus não caduca por efeito da venda, pelo que o mesmo deverá ser objecto de renúncia e ser cancelado o seu registo, sob pena de não se poder prosseguir, nos presentes autos, para a sua venda. Perfilhando tal entendimento, já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, nomeadamente nos doutos acórdãos de 16-01-2003, processo n00095882; 20-03-2003, processo n00004856; 5-12-2002, processo n00089506; e 11-04-2002, processo n00024576, ( todos em www.dgsi.com) entre outros. Acresce que mesmo que assim se não entendesse, pensa-se que o ónus de proceder ao cancelamento de tal registo sempre caberia ao exequente, pois nisso tem interesse directo. Outro entendimento implicaria que fosse o eventual adquirente do veículo a arcar com a despesa e trabalho de proceder a tal cancelamento quando, ao adquirir o veículo, o deveria fazer livre de quaisquer ónus e encargos, com tal situação bem patente no registo. Perfilhando tal entendimento, mantém-se nos seus precisos termos o teor do despacho de fis. 105, aguardando os autos o devido impulso processual.» Colhidos os vistos legais cumpre decidir. Objecto do recurso Não se questiona que foi junta pelo exequente certidão de registo definitivo da penhora do veiculo dos autos e sobre o qual incide registo de reserva de propriedade a favor do próprio exequente. A questão colocada incide unicamente sobre os efeitos da declaração feita pelo exequente nos autos, de renuncia à reserva de propriedade do bem penhorado, inscrita a seu favor. Em tal caso como se entende no despacho agravado l deve seguir-se o cancelamento da inscrição respectiva a cargo do exequente, ou como sustenta o exequente trata-se de conversão oficiosa, nos termos do artigoº 119º do Código de Registo Predial? Sobre os efeitos do registo na tramitação da acção executiva poder-se-à acentuar que «Nos termos do artº 7º do Código de Registo Predial o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define». Esta presunção é assaz importante porque exprime o conceito de presunção «juris tantum» que decorre dos arts. 349 e segs. do Código Civil. A presunção registral, sendo ilídivel, por prova em contrário, actua no sentido de que o direito registado: Existe e emerge do facto inscrito; Pertence ao titular inscrito; A sua inscrição tem determinado substância (objecto e conteúdo dos direitos ou ónus ou encargos nela definidos - vide art. 100. °, n.º 2 cit. diploma). A presunção registral actua pois de modo relevante em relação ao facto inscrito e aos sujeitos e objecto da relação jurídica dele emergente. Acresce que quaisquer omissões ou inexactidões quanto aos sujeitos ou ao objecto da relação jurídica são relevantes e determinam a nulidade do registo se delas resulta incerteza quanto aos mesmos, (código de registo predial 16.°. aI. a)) enquanto as demais omissões e inexactidões porquanto não afectam de forma tão significativa a presunção registral, podem ser rectificadas através do processo arts. 120.° e segs código de registo predial Daqui a importância do regime das invalidades registrais: Artº18.° sob a epigrafe (Inexactidão do registo) prevê 1 — O registo é inexacto quando se mostre lavrado em descon¬formidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de defi¬ciências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade. 2 — Os registos inexactos são rectificados nos termos dos artigos 120.0 e seguintes. Estão previstas em tal norma as duas categorias de erro de registo existentes no Código de 1967 (arts. 82.° e 226.° e segs.): erro de registo em sentido próprio ou restrito, por desacordo entre o registo e o título que lhe serviu de base, e erro de registo em sentido impróprio ou lato, por deficiências provenientes do título que o originou. Certo é que os registos inexactos e os indevidamente lavrados em sentido lato são rectificados nos termos dos arts. 120 do código de registo predial É pois de chamar à colacção o artº 92º do código de registo predial enquanto dispõe sob a epigrafe (Provisoriedade por natureza no nº1 «São pedidas como provisórias por natureza … e nº 2 a) As inscrições de penhora, arresto ou apreensão em processo de falência, se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado ou requerido.» vde AC da RL 1ª Sec 7995.06 (mesmo desemb) Por seu lado o Parecer do Conselho Técnico da D.G.R.N. de 26-2-1988 Proc. 2/88 in «Pareceres do Conselho Técnico» vol. 11 p. 9, onde se escreveu a propósito de caso idêntico: I — A inscrição de penhora é lavrada como provisória por natureza se existir sobre os bens um registo de aquisição a favor de pessoa diversa do executado. II — Inclui-se na hipótese prevista na conclusão anterior a inscrição feita a favor de determinado indivíduo no estado de casado num regime de comunhão e que veio a ser executado como divorciado. III — A conversão em definitiva da inscrição de penhora provisória por natureza tem lugar depois de cumpridos os trâmites previstos no art. 119.° do C.R,R, declarando o co-titular inscrito, ex-cônjuge do executado, que os bens lhe não pertencem, ou não fazendo declaração alguma» No caso destes autos a reserva de propriedade estipulada em contrato de alienação, implica que o efeito translativo do contrato fica subordinado a uma condição suspensiva. (art. 409º do CC) No mesmo sentido aponta a Directiva 2000/35/CE de 29.06 artº 2º nº3 é definida “Reserva de propriedade" o acordo contratual segundo o qual o vendedor continua o proprietário dos bens em questão até o preço ter sido pago integralmente.” No artº 4 dispõe-se ainda que «Os Estados-Membros permitirão, em conformidade com as disposições nacionais aplicáveis e previstas no direito internacional privado, que o vendedor conserve os bens duradouros até terem sido totalmente pagos desde que tenha sido explicitamente acordada uma cláusula de reserva de propriedade entre comprador e vendedor antes da entrega dos bens duradouros». Idem cit ac. Assente pois, que não se verificou ainda a transferência da propriedade que permite concentrar na pessoa do executado, adquirente, a propriedade do bem penhorado e mais direitos que terão emergido do contrato, importa retirar daqui as consequências legais. Note-se, que tratando-se de venda judicial o exequente será sempre terceiro para estes efeitos sendo que em tal caso o vendedor embora com a intermediação do Tribunal é o executado, logo é indispensável que este seja o titular do bem a vender. Daí que, movida a execução contra o adquirente, ora executado, sujeito activo tal contrato, tendo por objecto o bem registado com submissão à mencionada cláusula, o conservador deverá efectuar o respectivo registo de penhora como provisório por natureza, nos termos alínea a) do n.° 2 do artigo 92.°. Com efeito, o executado não é, nesse caso, o titular do bem, por em face do conteúdo do registo, a condição ainda não estar cumprida, E subsequentemente haverá lugar ao procedimento previsto no artigo 119 Código de Registo Predial , para que alienante possa defender o seu direito, declarando que o bem ainda lhe pertence mesmo tratando-se do próprio exequente, ou não . É que declarando este, que o bem já não lhe pertence ou nada declarando será expedida certidão do facto à conservatória, para conversão oficiosa do registo de penhora (artigo 119º n.° 3).» cifra citado acórdão cujo entendimento se reitera. Não se vê por isso mesmo razão para neste caso, ao contrário de todos os outros em que a situação de terceiro proprietário do bem penhorado é solucionada de acordo com as diversas alíneas do artº 119º do CRPredial, o Tribunal não utilizar os instrumentos que a lei dispõe, cuja oficiosidade consta aliás da respectiva previsão normativa. É certo que não obstante a reserva de propriedade a Conservatória de Registo automóvel inscreveu a titulo definitivo a penhora. Mas fê-lo como se vê do exposto, mal. Na verdade «O registo da penhora enferma de um vício. Trata-se de um daqueles vícios acima referidos como fazendo parte do elenco dos constantes do artº 18º que não são causa determinante da sua nulidade mas impõem a sua rectificação nos termos do artº 120º do Código de registo predial. Na presença de um registo que deveria ser provisório por natureza (artigoº 92º nº1 e 2 do código de registo predial e se encontra definitivo, constatando tal invalidade o tribunal não pode deixar de a declarar porquanto é manifesto que a execução não poderá prosseguir sem que tal situação se encontre sanada (através da rectificação do registo da penhora que e uma vez declarado provisório a manter-se a inscrição da reserva de propriedade a favor do exequente determinará a sua notificação nos termos do artº 119º nº 3 do código de registo predial e actos subsequentes. É o que lei de registo e de processo determina». Cfra cit ac. E também por isso, é que se torna necessário, agora remeter certidão à mesma Conservatória nos termos do artº 119º nº 3 do CRP a fim de ser dada sem efeito a reserva (porque definitiva a penhora já está.) Flui do exposto e consequentemente do artº 119º nº 3 do CRP que esse acto é oficioso e compete ao Tribunal recorrido, após o que a execução prosseguirá e o bem pode vir a ser adquirido pelo exequente ou por terceiro que poderão obter o registo de aquisição a seu favor. Este será o regime legal adequado à situação constante dos autos (neste mesmo sentido Isabel Pereira Mendes, Código de Registo Predial, Anot 14ª ed. pg 340 anot ao artigoº 94º) Para o caso, é até irrelevante todo o demais, isto é se a venda judicial determina ou não o cancelamento da reserva… Em face do exposto é que segue deliberação: Revoga-se o despacho recorrido e determina-se a sua substituição por outro que determine a remessa de certidão à CRP conforme o artº 119ºnº3 do CRP, para efeitos de rectificação de registo da penhora e conversão válida do mesmo em definitivo. Sem custas Lisboa, 8 de Maio de 2007 Isoleta Almeida Costa Rosário Gonçalves Maria José Simões |