Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA ORDEM PÚBLICA DELEGAÇÃO EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL RENÚNCIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/12/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | ACÇÃO DE REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISÃO | ||
Sumário: | A delegação de poder paternal a favor de terceiro não constitui renúncia ao exercício do poder paternal e, por conseguinte, não há ofensa de ordem pública internacional do Estado Português, impondo-se, portanto, a revisão e confirmação da sentença estrangeira que a reconheceu (artigos 1094º e 1096º, alínea f) do Código de Processo Civil) (SC) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa : 1. Maria […] veio requerer, contra P. […] e R.[…], a revisão e confirmação da sentença, proferida pelo Tribunal de Grande Instância de Kinshasa-Gombe - República Democrática do Congo, que reconheceu a delegação na requerente do poder paternal sobre o menor D. […], filho dos requeridos. Citados, não deduziram aqueles oposição. Em alegações, pronunciou-se o Mº Público no sentido de ser negada a pretendida revisão. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Está provado, através da certidão junta, a fls. 13 e segs. que, por sentença proferida, em 16/4/04, pelo Tribunal de Grande Instância de Kinshasa-Gombe - República Democrática do Congo, foi deferida a delegação, na ora requerente, do poder paternal sobre o menor D. […], filho dos requeridos. Inexistem dúvidas sobre a autenticidade do documento donde consta a sentença a rever e a inteligência da decisão, considerando-se verificados os pressupostos da revisão, constantes das al. b), d) e e) do art. 1096º do C.P.Civil. E, não se tratando de matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses, nem se demonstrando a ocorrência de fraude à lei, tendo em vista provocar a competência de tribunal estrangeiro, haver-se-á de, não obstante ser o menor detentor de nacionalidade portuguesa, ter igualmente por verificado o pressuposto constante da al. c) do aludido preceito. A questão a decidir centra-se, assim, em saber se, conforme sustenta o MºPº, a sentença revidenda contém decisão manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português - não obedecendo, pois, ao pressuposto enunciado na al. f) do citado art. 1096º. A ordem pública internacional, noção própria do direito internacional privado, “exprime um conceito indeterminado, que não é possível definir pelo seu conteúdo, mas apenas pela sua função e pelas características gerais da sua actuação" (Baptista Machado, "Lições de Direito Internacional Privado", pág. 259). Sendo que, conforme, relativamente à interpretação da norma em causa, se entendeu em acórdão do STJ, de 4/10/94 (www.dgsi.pt - JSTJ00025322) : "O art.1096º al. f) do Cód. Proc. Civil de 1967 visa salvaguardar a ordem pública internacional portuguesa, i.e., evitar a aplicação de preceitos jurídicos estrangeiros de que resultaria uma situação absolutamente intolerável para o sistema ético-jurídico dominante, ou lesão grave de interesses de primeira grandeza da comunidade social". E, como se decidiu em acórdão desta Relação, de 12/5/93 (JTRL00010144) : "Na verificação do requisito do art.1096º al. f) do Cód.Proc.Civil é de atender à ordem pública internacional, e não à interna, leis rigorosamente imperativas que consagram interesses superiores locais e estão em divergência profunda com as leis estrangeiras a cuja aplicação servem de limite, por razões políticas, morais e económicas". No caso, resultaria a invocada ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português do facto de, contrariando as normas, a tal respeito, vigentes no nosso ordenamento jurídico, haver a sentença a rever deferido a delegação do poder paternal sobre menor cujos pais se encontram vivos e não foram declarados incapazes. Entende-se, ao invés, que tal delegação - e tanto mais quanto a mesma se traduza na consagração de uma situação de facto - não implicando necessariamente uma renúncia ao poder paternal, não contende com interesses de primeira grandeza da ordem jurídica portuguesa. Não se mostrando, em consequência - pese embora a divergência, em abstracto, com o nosso direito vigente - o resultado concreto da aplicação da norma estrangeira, em que se terá fundado a sentença a rever, incompatível com os princípios que constituem os alicerces do direito nacional. Em conformidade com a orientação acima expendida, dever-se-á, pois, concluir que, não contendo a sentença em causa decisão susceptível de ofender os princípios da ordem pública internacional do Estado português, nada obstará a que seja a mesma acolhida. 3. Pelo que fica exposto, se acorda em conceder a revisão, confirmando-se a aludida sentença. Custas pela requerente. 12-10-2006 (Ferreira de Almeida - relator) (Salazar Casanova - 1º adjunto) (Silva Santos - 2º adjunto) |