Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
91/09.9T2MFR.L1-6
Relator: GILBERTO JORGE
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
DENÚNCIA DE CONTRATO
NULIDADE DE SENTENÇA
CONSTITUCIONALIDADE
OBRAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A não concordância com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto, de modo algum configuram causas de nulidade de sentença, nomeadamente a que decorre da oposição entre os fundamentos e a decisão.
2. Face às alterações introduzidas pelo Dec. Lei n.º 306/2009 (regime jurídico das obras em prédios urbanos) aprovado pelo Governo sob autorização legislativa da Assembleia da República, Lei n.º 95 – A/2009, a questão da inconstitucionalidade que atormentava o Dec. Lei n.º 157/2006 ficou sanada, deixando de se colocar.
3. Se o autor, nos seus articulados, fundamenta a extinção do contrato de arrendamento na necessidade de obras, demolição e restauro, não pode, em sede de recurso, fundamentar a extinção contratual no desaparecimento do prédio por força do mandado de demolição emanado da Câmara.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa

I –
Relatório
A intentou e fez seguir contra B a presente acção declarativa na forma sumária pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada, devendo declarar-se a cessação/extinção do contrato de arrendamento por denúncia justificada nos termos dos artigos 1101.º e 1103.º do Código Civil e demais legislação aplicável e, em consequência, o réu condenado a entregar o local arrendado livre e desocupado de pessoas e bens.
Para tanto e em síntese alegou ser proprietária de um prédio urbano sito em ..., sendo o réu locatário da cave e logradouro anexo.
Mais alegou que o réu deixou de habitar o locado há três anos, tendo arrendado outra casa.
Finalmente, adiantou ter o projecto de arquitectura aprovado para realização de obra nova, bem como a autorização para demolição da existente, conforme despacho da Câmara Municipal de ..., indo efectuar o depósito correspondente a dois anos de renda, no montante de € 89,76.
O réu contestou a acção, defendendo-se por excepção e por impugnação, bem como deduziu pedido reconvencional, tendo a final pugnado:
a) Pela ineptidão da petição inicial, sendo o réu absolvido do pedido;
b) Que seja reconhecido ao réu o direito ao realojamento e às indemnizações fixadas por lei;
c) Que seja reconhecida a opção pela indemnização em alternativa ao realojamento;
d) Que seja a autora condenada a pagar ao réu a quantia de € 59.940,00 a título de indemnização global acrescida de juros legais vincendos até total ressarcimento;
e) Que a autora seja condenada no pagamento das custas e demais encargos destes autos a apurar a final.
Para tanto e em síntese invocou a ineptidão da petição inicial por não ter sido junto aos autos qualquer contrato de arrendamento, nem o parecer invocado.
Alegou ser arrendatário de um prédio urbano composto de cave, sótão e logradouro, desde Maio de 1975.
Que, há cerca de 4 anos, foi abordado pela autora transmitindo-lhe que os imóveis que faziam uma correnteza de casas geminadas, onde a casa do réu se integra, estavam em mau estado de conservação e careciam de obras de restauro.
O réu dispôs-se a sair do locado apenas temporariamente a pedido da autora com o fundamento de que iria realizar obras de restauro, tendo esta assumido o custo da desocupação.
Pelo que, em Janeiro de 2005, tomou de arrendamento uma casa, por € 250,00/mês de renda, na mesma localidade, embora tenha mantido na casa da autora bens e haveres, incluindo animais domésticos (galinhas e coelhos) e onde toma algumas refeições e dorme por vezes, aguardando que a autora lhe diga quando vai iniciar obras de restauro.
Adianta que a autora foi protelando o arranjo das casas que faziam parte desse bloco habitacional, tendo as restantes casas que estavam desabitadas tido degradação rápida, enquanto que a casa do réu estava em razoável estado de conservação.
Mais alegou que, no dia 7 de Abril de 2009, uma máquina demoliu os imóveis contíguos ao locado e parte deste, tendo-se visto privado de bens que tinha na casa quando parte desta foi demolida.
Finalmente, sustenta o direito de lhe ser reconhecida a possibilidade de reocupar o locado após as obras de restauro, mas opta pela indemnização legal em detrimento do realojamento.
Pelo que pede a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 13.500,00 a título de rendas que tem estado a pagar, € 4.040,00 relativo ao valor dos bens que a autora destruiu, € 2.400,00 por ter deixado de ter a fonte de rendimento com a criação de galinhas, € 35.000,00 de indemnização alternativa à reocupação do locado e € 5.000,00 a título de danos morais.
A autora replicou pugnando pela improcedência da excepção da ineptidão da petição inicial e da acção reconvencional com a consequente absolvição do respectivo pedido e ainda condenação do réu como litigante de má-fé.
Findos os articulados, seguiu-se a audiência preliminar e despacho saneador no qual admitiu-se o pedido reconvencional, julgou-se improcedente a invocada excepção de ineptidão inicial, bem como fixou-se a matéria de facto dada como assente e organizou-se a base instrutória.
Percorrendo os autos, constatamos um outro despacho, proferido pelo Mm.º Juiz a quo, do seguinte teor:
«O depósito efectuado pela autora é o regular e o exigido por lei, correspondente a dois anos de renda e cujo comprovativo deve acompanhar a petição inicial apresentada.
Questão diferente é depois a de saber qual a indemnização a que o réu poderá ter direito, o que será apreciado e decidido em sede de sentença final com a definição do regime aplicável.
Indefere-se por isso o pretendido depósito da quantia de € 18.000,00 requerido pelo réu.
Notifique».
Posteriormente, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, seguiu-se a apresentação pelo réu de alegações escritas de direito, após o que foi proferida sentença cuja parte decisória é do seguinte teor:
«(…)
Pelo exposto, julgo a presente acção intentada por A contra B totalmente procedente por provada, declarando extinto o contrato de arrendamento em causa.
Julgo parcialmente procedente por provado o pedido reconvencional formulado pelo réu contra a autora condenando esta a pagar-lhe a quantia de € 16.400,00 (dezasseis mil e quatrocentos euros) sendo € 5.000,00 de indemnização a título de incumprimento contratual e € 11.400,00 de indemnização devida pela denúncia do contrato, em alternativa ao realojamento.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
(…)».
Inconformada com tal decisão dela a autora interpôs recurso que foi admitido como de apelação e com efeito suspensivo.
A apelante sintetizou as alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1 – Foi julgada incorrectamente a prova sobre a matéria do quesito 10 da base instrutória.
No presente recurso, entende a ora recorrente que toda a matéria de facto dada como provada no artigo 10, não deveria ter sido considerada provada, conforme vertido e indicado especificamente supra, foi incorrectamente julgada com base no confronto com os documentos juntos aos autos.
2 – Existe uma real contradição dos factos referidos nos documentos e que a própria sentença aponta como provados, com a norma jurídica aplicada, violando-se o artigo 668.º n.º 1 do C.P.C.
3 – A decisão da Câmara transitou em julgado e para a autora e réu era inatacável, depois do seu trânsito em julgado, pelo que tinha que se lhe dar cumprimento.
Não obstante esta prova concludente deu-se resposta de provado ao artigo 10.º, quando deveria ter sido dado como não provado.
4 – Devendo a Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
5 – O regime jurídico a aplicar à presente acção não é o que foi aplicado, na verdade.
Em matéria de fundamentos da resolução do contrato de arrendamento deve aplicar-se o regime em vigor à data da propositura da acção – Acordão Supremo Tribunal de Justiça 667/05.3TBCBT – 2 secção.
6 – É à data da apresentação do primeiro articulado que tem que se concretizar todos os requisitos de exercício do direito nele brandido, cfr. 268.º e 467.º n.º 1 alínea d) do C.P.C.. A acção entrou em 21.04.2009.
7 – À data da entrada da presente acção seriam aplicadas as normas do DL n.º 157/2006 na redacção primitiva, pois a nova redacção Decretos lei autorizados n.º 307/2009 e 306/2009 ambos de 23.10.09, com início de vigência a 60 e 30 dias após a sua publicação, não são aplicáveis a presente acção.
As normas do artigo 1.º n.º 1 alínea a), 4.º a 11.º e 24.º a 27.º do D.L. 157/2006 foram declaradas inconstitucionais.
8 – Ora o Acordão n.º 92/2009 de 11.02.2009, julgou organicamente inconstitucionais por violação do artigo 165.º n.º 1 al. h) da Constituição da República Portuguesa, as normas dos artigos 1.º n.º 1 al. a), 4.º a 11.º e 24.º a 27.º do Decreto Lei n.º 157/2006 de 8 de Agosto.
9 – Também o Acordão n.º 143/2009 de 24.03.2009 decidiu no sentido da inconstitucionalidade orgânica dos artigos 6.º, 7.º, 8 n.º 6 e 24.º e 25.º do DL 157/06 por violação do disposto no artigo 165.º n.º 1 al. h) da Constituição da República Portuguesa.
10 – Ou seja aquelas normas não podem ser aplicadas, conduzindo necessariamente à repristinação da Lei n.º 2088 de 03.06.1957, revogada pelo artigo 49.º do presente Diploma, até à entrada em vigor das alterações ora introduzidas pelo D.L. 307/2009.
11 – Ora a douta sentença em crise fundamentou-se na atribuição da indemnização nos artigos 23.º a 25.º do DL 157/06 na redacção dada pelo DL 306/2009 que como se viu não são aplicáveis à presente acção, dado que à data da sua entrada em juízo ainda este Decreto lei não estava em vigor e o Decreto lei 157/06 na redacção anterior foi declarado inconstitucional, incluindo estas normas em que se baseou a sentença.
O regime de indemnização aplicável é o que se encontra previsto na Lei n.º 2088 de 3 de Junho de 1957.
12- A sentença em crise violou os artigos 267.º e 268.º n.º 1 al. d) do C.P.C. e artigo 165.º n.º 1 al. h), por erro de aplicação e interpretação das normas em que se fundamentou.
13 – O réu sempre teria que sair do arrendado face à ordem de demolição compulsiva da Câmara Municipal que se necessário fosse e, em última a situação dos presentes autos enquadra-se numa situação de impossibilidade superveniente objectiva de continuação da relação contratual, por desaparecimento do prédio por força do mandado de demolição emanado da Câmara e que é causa de caducidade do contrato de arrendamento.
14 – O contrato de arrendamento extinguiu-se nos termos do artigo 1051.º al. e) do C.C. Como de resto tem sido em situações similares, vejam-se acórdãos de 11.12.1992, BMJ 414.º- 455 e também das Relações de Coimbra de 18.05.1999, C.J. ano XXIV 3.º, 20, 21, de Évora de 3.07.80 BMJ 302.º-327 e Porto 19.10.93, C.J. ano XVIII, t 4.º, 233.
A douta sentença violou também o artigo 1051.º al. e) do C.C.
Nestes termos e nos melhores de direito
Deve o presente recurso proceder e, em consequência, deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que julgue verificados os vícios supra enumerados.
Devendo a autora ser absolvida das condenações e, caso não proceda a conclusão 13 do presente recurso, que seja reconhecido apenas o direito de o réu ser ressarcido nos termos do regime da Lei n.º 2088 de 1957, alterado pelo artigo 42.º da Lei n.º 46/85 que alterou os n.ºs 1 e 2 do seu artigo 5.º, fixando o valor a receber pelo réu que se cifra em dez anos de renda, ou seja, 120 vezes € 3,74.
Contra alegando, o réu concluiu pela forma seguinte:
A) A prova produzida quer testemunhal quer documental foi correctamente apreciada, devendo ser mantida “in totum”.
B) O direito aplicável resulta do regime fixado a partir da aprovação do NRAU nomeadamente com o art. 1101.º e 1103.º do Código Civil assim como do art. 25.º do D.L. n.º 157/2006 e D.L. n.º 306/2006 por efeito da Lei n.º 95-A/2009.
C) Bem andou o tribunal a quo ao fixar a indemnização a pagar ao inquilino como condição para que possa ser decretado o despejo tal como peticionado.
D) Deve ser mantida a indemnização arbitrada porque legal e sem qualquer reparo.
Colhidos os vistos legais das Exm.ªs Juízes Desembargadoras Adjuntas cumpre agora apreciar e decidir ao que nada obsta.
II –
Fundamentação de facto
São os seguintes os factos descritos na sentença impugnada considerados como provados:
1. A autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º 0000, da freguesia da ..., concelho de ..., descrito na CRP de ... sob o art.º 00000 a fls. 21, do livro B-102, doc. n.º 1 junto aos autos a folhas 10 – alínea A) da matéria de facto dada como assente.
2. O réu é locatário da cave e logradouro anexo ao locado – alínea B), idem.
3. Há pelo menos cerca de três anos que o réu não vive no locado – alínea C), idem.
4. A renda mensal do locado é de € 3,74 (três euros e setenta e quatro cêntimos) – alínea D), idem.
5. Foi proferido despacho em 11.02.2008 pelo Município de ..., nos termos do documento junto aos autos a fls. 12 e segs. que se dá por inteiramente reproduzido – alínea E), idem.
6. Em 7 de Abril de 2009, uma máquina demoliu os imóveis contíguos ao locado – alínea F), idem.
7. O réu, em Janeiro de 2005, tomou de arrendamento uma casa no lugar de ...-Gare – resposta ao quesito 4.º, da base instrutória.
8. O réu mantém no locado alguns bens e haveres, incluindo animais domésticos, galinhas e coelhos, que trata diáriamente – resposta ao quesito 5.º, idem.
9. Em 7 de Abril de 2009 foi demolido o sótão – resposta ao quesito 6.º, idem.
10. O réu aufere uma pensão de € 1.045,12/mês e paga de renda de casa de pelo menos € 250,00/mês – resposta ao quesito 8.º, idem.
11. O réu sofre de doença que o incapacita em grau superior a 60 % – resposta ao quesito 9.º, idem.
12. O locado, estava antes da demolição, em condições de habitabilidade razoáveis, susceptíveis de reparação – resposta ao quesito 10.º, idem.
13. O réu sempre cuidou do imóvel fazendo nele os restauros necessários – resposta ao quesito 11.º, idem.
14. Desde Janeiro de 2005 até hoje, o réu despendeu em rendas do imóvel que ocupa € 250,00/mês – resposta ao quesito 12.º, idem.
15. O réu tem no quintal um conjunto de capoeiras onde cria galinhas – resposta ao quesito 14.º, idem.
16. O réu foi notificado pela edilidade de ..., do mandado de demolição, nos termos do documento cuja cópia é junta aos autos a fls. 60 – resposta ao quesito 19.º, idem.
III –
Fundamentação de direito
De acordo com as conclusões da alegação da apelante – delimitadoras do objecto do recurso, atento o disposto nos arts. 684.º n.º 3 e 685.º-A n.º 1, ambos do C.P.Civil – as questões a apreciar prendem-se com a nulidade da sentença, com a modificação da decisão de facto e com o mérito da decisão no qual se suscitou ainda a inconstitucionalidade do Dec. Lei n.º 157/2006, de 08.08.
*
- Quanto à invocada causa de nulidade da sentença prevista no art. 668.º n.º 1 alínea c) do C.P.C.
Vejamos.
Dispõe o art. 668.º n.º 1, alínea c), do C.P.C. que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in C.P.Civil Anotado, volume V, pag. 141, esta nulidade verifica-se quando «(…) a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…), quando a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam lógicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto (…)».
Por seu turno, escreveu o Prof. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, pág. 142 “… Com efeito se os fundamentos invocados conduzem lógicamente, não ao resultado expresso da decisão, mas a resultado oposto ou pelo menos diferente, em última análise a decisão carece de fundamento …”.
Refere a propósito José Lebre de Freitas, in C.P.Civil, Anotado, volume 2.º, pag. 670, que «(…) entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (…)».
Perante estas breves passagens dos ilustres processualistas, afigura-se-nos, salvo melhor entendimento, que a questão invocada pela recorrente não se enquadra em nenhuma causa de nulidade de sentença, designadamente na elencada na alínea c) do n.º 1 daquele preceito legal, antes se prendendo com a subsunção dos factos às normas jurídicas efectuada pelo Tribunal recorrido e com a qual não se conforma e, em última análise, com a decisão desse Tribunal sobre a matéria de facto dada como provada na resposta ao quesito 10.º da B.I. com a qual também não concorda.
Ora, como se disse, qualquer destas situações de modo algum configura uma causa de nulidade da sentença, nomeadamente a que decorre da oposição entre os fundamentos e a decisão.
Ainda assim, sempre se dirá que os fundamentos alinhados pela Mm.ª Juiz a quo impunham que se chegasse ao resultado a que se chegou na decisão constante da sentença, sob censura.
Neste sentido, pode ler-se na sentença recorrida, para além do mais, a dado passo o seguinte:
«(…)
Constata-se que o Município de ..., em 11.02.2008, proferiu despacho nos termos que constam do documento junto aos autos a fls. 12 e segs., autorizando a demolição de parte do imóvel e a realização de nova construção, tendo o réu sido notificado pelo Município do mandado de demolição, conforme consta do documento junto a fls. 60 mencionando a ameaça de ruína do imóvel e o facto de constituir um perigo para a segurança dos inquilinos.
Apurou-se que, em 7 de Abril de 2009, uma máquina demoliu os imóveis contíguos ao locado e o sótão, mas antes da demolição o locado estava, no entanto, em condições de habitabilidade razoável, susceptíveis de reparação, o que “a contrario”, deixou de se verificar a partir do momento em que aquela demolição teve lugar.
Conclui-se assim que o estado actual de degradação do prédio dá à senhoria a faculdade de denunciar o contrato de arrendamento celebrado com o réu, com vista à demolição e realização de nova construção., ficando naturalmente obrigada ao cumprimento das obrigações que a lei lhe impõe, face ao arrendatário.
O réu, que em face do regime já mencionado, tem o direito a optar entre o realojamento e o pagamento da indemnização a que alude o art. 6.º n.º 1 do diploma referido (D.L. n.º 157/2006, de 08.08), veio, na sua contestação, optar por esta última. Esta indemnização vem concretizada no n.º 2 do art. 6.º que estipula que o seu valor deve abranger todas as despesas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, suportados pelo arrendatário, incluindo o valor das benfeitorias realizadas e dos investimentos efectuados em função do locado, não podendo ser inferior a dois anos de renda – nesta última parte impõe-se o regime especial do art. 25.º n.º 4 que, em lugar de dois anos de renda (no caso a renda mensal é de € 3,74), fixa o limite mínimo da indemnização em 24 vezes a retribuição mínima mensal garantida, sendo que, actualmente, o valor da retribuição mínima mensal garantida é de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros).
(…)».
Perante o acabado de expôr, em síntese, é manifesto que a decisão recorrida foi proferida de harmonia com os seus fundamentos.
De todo o modo, impõe-se salientar que a inexistência da nulidade da sentença, ora apreciada, nada tem a ver e nada impede a existência de eventuais vícios de erro de julgamento.
Por tudo quanto se deixou dito, improcede pois a 2.ª conclusão da alegação de recurso relacionada com a arguida nulidade da sentença, por inexistência de violação do disposto na alínea c), do n.º 1 do art. 668.º, do C.P.C.
*
- Quanto à modificação da decisão de facto
De acordo com as conclusões da alegação de recurso, a apelante discorda da resposta afirmativa dada ao quesito 10.º da BI. (ponto 12 da fundamentação de facto) no qual se perguntava se o locado estava, antes da demolição, em condições de habitabilidade razoáveis susceptíveis de reparação.
Na fundamentação da resposta afirmativa a tal quesito, a Mm.ª Juiz a quo pronunciou-se do seguinte modo:
«(…)
A convicção do tribunal relativamente aos factos provados baseou-se nos documentos juntos aos autos a fls.…, conjugados com os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, que mostraram ter conhecimento dos factos a que depuseram.
(…)
As testemunhas (…) têm conhecimento dos factos a que depuseram por serem amigos do filho do réu e conhecerem o locado onde já se deslocaram. Informaram o tribunal sobre a utilização do locado pelo réu e sobre o seu estado, que referem ser cuidado e ter condições de habitabilidade.
(…)
Quanto às condições de habitabilidade e conservação do locado, foram determinantes os documentos juntos aos autos que se referem às vistorias realizadas pela Câmara Municipal de ..., uma vez que nesta parte o depoimento das testemunhas arroladas por cada uma das partes se mostrou contraditório.
A prova trazida aos autos não permitiu (…), apenas se apurando que o réu aí se desloca diariamente para cuidar da criação de galinhas que mantém e que mantém também no locado alguns bens que não se apurou quais, nem o seu valor, nem se ficaram ou não danificados com a demolição entretanto ocorrida em parte do prédio.
(…)».
Na óptica da apelante, a resposta a tal quesito deveria ser negativa.
Para tanto, limitou-se a invocar os documentos n.ºs 2 e 3 apresentados com a petição inicial, não indicando quaisquer outros concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação nele realizada, pois que, relativamente à prova testemunhal, cingiu-se a repetir a fundamentação da resposta afirmativa dada pelo tribunal recorrido “…. Quanto às condições de habitabilidade e conservação do locado, foram determinantes os documentos juntos aos autos que se referem às vistorias realizadas pela Câmara Municipal de ..., uma vez que nesta parte o depoimento das testemunhas arroladas por cada uma das partes se mostrou contraditório…”.
Vejamos os documentos:
- O documento n.º 2 (fls. 12/13), trata-se de um ofício n.º 33051, de 24.03.2008, enviado pela C.M. de ... à autora, constando como assunto “demolição de parte do existente e construção de habitação bifamiliar, garagem e arrumos com destaque – pedido de licenciamento”.
Em síntese, nele pode-se ler o seguinte: “… Fica V.Ex.ª notificada de que, por despacho do Sr. Vereador de 2008.02.11, …, foi deferido o pedido de licenciamento da obra mencionada em epígrafe. Assim, …, dispõe do prazo de 1 ano, …, para apresentar os elementos abaixo indicados e requerer, conforme minuta anexa, a emissão do respectivo alvará …”;
- O documento n.º 3 (fls. 14), trata-se também de um outro ofício n.º 02560, de 06.04.2009, enviado pela referida Câmara Municipal à autora, reportando-se ao mesmo assunto, dele constando, em síntese, que “… Fica V.Ex.ª notificada, …, de que foi decidido deferir o pedido de prorrogação de prazo para requerer a emissão do alvará de obras, pelo que dispõe de mais 365 dias, para além do prazo referido no ofício n.º 33051, datado de 2008.03.24 …”.
Compulsando os autos, deparamo-nos com um outro documento (fls. 60), intitulado “Mandado”, datado de 22.02.1999, emanado da C.M. de ..., no qual se pode ler “… notifique a Sr.ª A , na qualidade de comproprietária e herdeira de ….., …, em conformidade com a deliberação desta Câmara Municipal de dezanove de Fevereiro de mil novecentos e noventa e nove, …, para proceder de imediato à demolição do edifício situado na E.N. 375, Rua …., ... – Gare, freguesia da ..., dado que o mesmo ameaça ruína, constituindo assim, um perigo para a segurança dos inquilinos, na sequência de vistoria realizada em 04.02.99…”.
Ora, o teor de tais documentos, só por si, não impede a resposta afirmativa agora colocada em crise.
Com efeito, como salienta o apelado, nas contra alegações, “… porquanto a Câmara Municipal de ... licencia a demolição de um edifício. Licença que é concedida mediante pedido do titular do processo (proprietário). Ora, a licença camarária não prova mais do que isso. O mandado de demolição existe por questões de segurança pública e nunca porque a edilidade se possa sobrepor às decisões judiciais. (…). A licença de demolição e reconstrução emitida pela Câmara que não parte da análise da situação do objecto locado, mas do projecto urbanístico e pedido do proprietário…”.
Por outro, na convicção do julgador pesaram também os depoimentos das testemunhas ao ponto de terem sido dados como provados os quesitos 5.º, 11.º e 14.º da BI (pontos 8, 13 e 15 da fundamentação de facto), cujas respostas afirmativas não foram objecto de impugnação.
Nem mesmo se pode dizer que exista contradição entre as respostas afirmativas dadas aos quesitos 10.º e 19.º da BI (pontos 12 e 16 da fundamentação de facto) – pelas razões acima referidas e salientadas pelo apelado – e muito menos entre a resposta ao quesito 10.º e as respostas positivas dadas àqueles outros quesitos 5.º, 11.º e 14.º da BI.
Por fim, sempre se dirá para além do mais, não se entender o interesse da apelante na impugnação da resposta positiva dada ao quesito 10.º da B.I., já que tal matéria fáctica dada como assente impede o réu de receber a indemnização peticionada, em sede reconvencional, correspondente ao período de tempo que vai desde o arrendamento da nova casa (em Janeiro de 2005) até à demolição da casa da autora (em 7 de Abril de 2009), como mais adiante se verá.
Acresce que, o que está em causa não é a simples reavaliação da prova produzida e prolação de decisão com base na convicção então formada, como se de primeira decisão se tratasse, mas sim a alteração de uma decisão anterior que foi fundada na livre convicção de quem a proferiu, o que aconteceu com a clara vantagem de ter acompanhado e dirigido a produção de prova, numa relação de imediação que a gravação sonora não consente.
Assim, uma eventual alteração só deverá ocorrer se houver elementos que a imponham muito claramente, não bastando que a apreciação da prova disponível sugira respostas diferentes, conforme ressalta das alíneas b) e c), do n.º 1 do art. 712.º, do C.P.Civil, ao condicionarem a modificação da decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância à existência de elementos que, por si só, imponham decisão diversa da proferida.
O que vale por dizer que não deverá ser uma divergência qualquer, em relação à valoração da prova produzida, ou ao critério das respostas dadas à matéria de facto que justifica uma alteração dessas respostas. Essa alteração apenas deverá ter lugar se a reavaliação da prova o impuser.
Neste sentido, o Acórdão do S.T.J. de 10.03.2005, refere a dado passo: «(…) A plenitude do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas (…)».
Por tudo quanto se deixou dito, impõe-se a manutenção da resposta dada ao quesito 10.º da BI (ponto 12 da fundamentação de facto).
*
- Quanto ao mérito da decisão
A recorrente/autora não se conforma com a sentença na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, pugnando consequentemente pela sua absolvição e, caso assim não se entenda, que seja reconhecido ao réu/reconvinte apenas o direito a ser ressarcido na quantia correspondente a dez anos de renda, ou seja, 120 vezes € 3,74, por entender não ser aplicável ao caso o Dec. Lei n.º 157/06, de 08.08, mas sim o regime da Lei n.º 2088 de 03.07.1957.
Para tanto, suscitou a questão da inconstitucionalidade de várias normas do Dec. Lei n.º 157/2006, de 08.08, e a incorrecta aplicação do direito aos factos considerados provados.
A inconstitucionalidade do Dec. Lei n.º 157/2006, de 08.08.
Sustenta a apelante que as normas do Dec. Lei n.º 157/2006, constantes da sentença recorrida, não têm aplicação ao caso em análise, porque feridas do vício da inconstitucionalidade.
O apelada, por seu turno, defende que:
“(…)
Acontece que, decidida a eventual inconstitucionalidade orgânica do diploma veio a Lei n.º 95-A/2009 suprir tal enfermidade e em consequência publicado o Dec. Lei n.º 306/2009 que mantém o mesmo regime jurídico.
São por isso irrelevantes os acórdãos trazidos à colação pela apelante.
(…)
O direito aplicável resulta do regime fixado a partir da aprovação do NRAU nomeadamente com os arts. 1101.º e 1103.º do Código Civil assim como do art. 25.º do Dec. Lei n.º 157/2006 e Dec. Lei n.º 306/2006 por efeito da Lei n.º 95-A/2009.
(…)”.
Salvo melhor entendimento, o citado Dec. Lei n.º 157/2006 de 08.08 não padece da invocada inconstitucionalidade.
Dispõe o art. 277.º n.º 1 da C.R.P. que são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
Prescrevendo o art. 165.º da Lei Fundamental (Reserva relativa de competência legislativa) que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, sobre o regime geral do arrendamento rural e urbano (n.º 1 alínea h); que as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada (n.º 2); que as autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez sem prejuízo da sua execução parcelada (n.º 3); e que as autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedida, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República (n.º 4).
Ou seja, salvo autorização legislativa, sómente a Assembleia pode legislar sobre tais matérias.
Como refere Jorge Miranda, in Direito Constitucional, AAFDL, Lisboa 1977, pág. 55, “… O instituto não se traduz numa transferência ou alienação de poderes. A Assembleia da República não cede faculdades atribuídas pela Constituição, nem renuncia ao seu exercício. Apenas chama o Governo a também exercê-las e, por via disso, investe-o em competência a que doutro modo, teria de ficar estranho, …, a autorização legislativa não equivale, portanto, a inverter a competência, passando-a para o Governo no assunto e na circunstância em causa; equivale simplesmente a alargar o seu âmbito subjectivo, dentro da elasticidade criada pela Constituição…”.
Ora, a Lei n.º 95-A/2009 de 02.09, não só autorizou o Governo a aprovar o regime jurídico de reabilitação urbana e a proceder à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 157/2006 de 08.08 – que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados, regulando não só as obras efectuadas por iniciativa do senhorio, prevendo a possibilidade de suspensão do contrato ou a sua denúncia, mas também as obras coercivas realizadas pelo município em prédios arrendados, substituindo o que a este respeito se dispunha no RAU – como também fixa o objecto (artigo 1.º, relativo justamente ao regime de denúncia ou suspensão do contrato de arrendamento para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos e da actualização de rendas na sequência de obras com vista à reabilitação), o sentido e extensão (artigo 2.º) e duração (artigo 3.º).
Donde – mostrando-se acautelado o princípio da especialidade em conformidade com o disposto no citado artigo 165.º n.º 2 da C.R.P. (definição do objecto, determinação do sentido, indicação do prazo) – tal lei de autorização (Lei n.º 95-A/2009) não é inconstitucional, sobrepôs-se à autorização legislativa a que aludia o art. 63.º do NRAU aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02 e óbviamente igualmente não sendo inconstitucional o decreto-lei (Dec. Lei n.º 306/2009) emanado na base daquela autorização legislativa (inconstitucionalidade consequente).
Podendo ler-se no preâmbulo do Dec. Lei n.º 306/2009, de 23.10, que “… mostra-se necessário assegurar a compatibilização entre o novo regime da reabilitação urbana e o regime aplicável à denúncia ou suspensão do contrato de arrendamento para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos, nos termos do n.º 8 do art. 1103.º do Código Civil, e da actualização de rendas na sequencia de obras de reabilitação nos termos da secção II do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, constante do Dec. Lei n.º 157/2006, de 08 de Agosto…”.
Decreto-Lei n.º 306/2009 que introduziu alterações profundas no Dec. Lei n.º 157/2006 de 8 de Agosto, nomeadamente, ao nível da remodelação ou restauro profundos por iniciativa do senhorio (art. 4.º), da denúncia ou suspensão para remodelação ou restauro (art. 5.º), das obrigações impostas ao senhorio no caso de denúncia para remodelação ou restauro (art. 6.º), da denúncia para demolição (art. 7.º), da efectivação da denúncia mediante acção judicial (art. 8.º) e da suspensão da execução do contrato (art. 9.º).
Assim, tendo a referida autorização legislativa sido concedida pela Assembleia da República ao Governo para que este aprovasse, como aprovou, não só o regime jurídico das obras em prédios urbanos arrendados (Dec. Lei n.º 306/2009) como também o regime jurídico da reabilitação urbana (Dec. Lei n.º 307/2009), naturalmente que deixou de ser sustentável porque ficou sanada a questão de inconstitucionalidade que emergia anteriormente, aquando da publicação da redacção primitiva do Dec. Lei n.º 157/2006, face às alterações que a este diploma legal foram introduzidas pelo Dec. Lei n.º 306/2009 aprovado pelo Governo sob a citada autorização legislativa da Assembleia da República, Lei n.º 95-A/2009.
Termos em que improcedem as conclusões relacionadas com a questão da inconstitucionalidade.
*
Conforme se alcança das conclusões da alegação de recurso, a apelante admite – no caso da improcedência das restantes conclusões – que seja reconhecido ao apelado apenas o direito de ser ressarcido no valor correspondente a dez anos de renda, ou seja, 120 vezes € 3,74, nos termos do regime da Lei n.º 2088 de 1957, pelo que, na sua óptica, a sentença recorrida ao se socorrer do regime do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 08.08, fez incorrecta aplicação do direito aos factos dados como provados.
Sucede que tal diploma legal foi revogado pelo art. 49.º do Dec. Lei n.º 157/2006, de 08.08 que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados, diploma que, como vimos, não padece da invocada inconstitucionalidade.
Pode ler-se no preâmbulo desde diploma “… O presente decreto-lei regula as obras efectuadas por iniciativa do senhorio, prevendo a possibilidade de suspensão do contrato ou a sua denúncia. Nos contratos habitacionais anteriores a 1990, a denúncia terá sempre como contrapartida o realojamento. Revoga, pois, a Lei n.º 2088, de 3 de Julho de 1957, a qual, além de ser de difícil aplicação, visava promover a construção nova, objectivo que já não corresponde às necessidades actuais. O diploma regula ainda as obras coercivas realizadas pelos municípios em prédios arrendados, substituindo o que a este respeito se dispunha no RAU…”.
Por outro, o regime jurídico fixado nos arts. 1101.º e 1103.º do Cód. Civil completado pelo Dec. Lei n.º 157/2006 confere ao senhorio o direito a reabilitar o parque habitacional, mas também lhe atribui o dever de indemnizar o inquilino não só em termos gerais pelos danos e custos causados mas também em termos contratuais com o fim do arrendamento.
A Mm.ª Juiz a quo para se decidir, como se decidiu, pela extinção do contrato de arrendamento em causa por denuncia justificada (ponto sobre o qual não existe qualquer controvérsia) e condenação da autora a pagar ao réu a quantia de € 16.400,00, sendo € 5.000,00 de indemnização a título de incumprimento contratual e € 11.400,00 de indemnização devida pela denúncia do contrato, em alternativa ao realojamento, discreteriou do seguinte modo:
«(…)
O art. 1103.º n.º 3 estabelece a obrigação do senhorio que pretende exercer o direito de denúncia justificada para demolição do prédio, em alternativa a:
a) Ao pagamento de todas as despesas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, suportados pelo arrendatário, não podendo o valor da indemnização ser inferior a dois anos de renda;
b) A garantir o realojamento do arrendatário no mesmo concelho, em condições análogas às que este já detinha;
c) A assegurar o realojamento temporário do arrendatário no mesmo concelho, com vista a permitir a reocupação do prédio, em condições análogas às que este já detinha.
O n.º 4 deste artigo dispõe que, na falta de acordo das partes, aplica-se a alínea a), acrescentando o n.º 8 que a denúncia do contrato para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos é objecto de legislação especial. Ou seja, esta norma remete para o regime especial transitório previsto nos arts. 23.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 157/2006 de 8 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 306/2009 de 23 de Outubro, que se refere ao regime jurídico das obras em prédios arrendados.
Começa o art. 23.º n.º 1 deste diploma por estabelecer a sua aplicação aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de Outubro, onde se integra o contrato em causa nestes autos.
O legislador estabeleceu assim um regime especial aplicável aos contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do RAU e que se aplica por isso aos casos em presença.
O art. 25.º refere-se aos casos de denúncia no arrendamento para habitação, estabelecendo no seu n.º 1 o direito ao realojamento por parte do arrendatário em caso de denúncia do contrato para realização de obras de remodelação ou restauro profundo ou para demolição do prédio; acrescenta o n.º 4 que, na contestação, o arrendatário pode optar entre o realojamento ou a indemnização prevista no n.º 1 do art. 6.º que tem por limite mínimo o valor correspondente a 24 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
Constata-se que o Município de ..., em 11.02.2008, proferiu despacho (…) autorizando a demolição de parte do imóvel e a realização de nova construção, tendo o réu sido notificado pelo Município do mandado de demolição (…) mencionando a ameaça de ruína do imóvel e o facto de constituir um perigo para a segurança dos inquilinos.
Apurou-se que, em 7 de Abril de 2009, uma máquina demoliu os imóveis contíguos ao locado e o sótão, mas antes da demolição o locado estava, no entanto, em condições de habitabilidade razoável, susceptíveis de reparação, o que “a contrario” deixou de se verificar a partir do momento em que aquela demolição teve lugar.
Conclui-se assim que o estado actual de degradação do prédio dá à senhoria a faculdade de denunciar o contrato de arrendamento celebrado com o réu com vista à demolição e realização de nova construção, ficando naturalmente obrigada ao cumprimento dos obrigações que a lei lhe impõe, face ao arrendatário.
O réu que, em face do regime já mencionado, tem o direito a optar entre o realojamento e o pagamento da indemnização a que alude o art. 6.º n.º 1 do diploma referido, veio, na sua contestação, optar por esta última. Esta indemnização vem concretizada no n.º 2 do art. 6.º que estipula que o seu valor deve abranger todas as despesas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, suportados pelo arrendatário (…) não podendo ser inferior a dois anos de renda – nesta última parte impõe-se o regime especial do art. 25.º n.º 4 que, em lugar de dois anos de renda (no caso a renda mensal é de € 3,74), fixa o limite mínimo da indemnização em 24 vezes a retribuição mínima garantida, sendo que, actualmente, o valor da retribuição mínima mensal garantida é de € 475,00.
(…)
Passemos então à apreciação dos danos invocados e a averiguar a medida da indemnização.
Os arts. 562.º a 572.º do C.Civil estabelecem o regime da obrigação de indemnizar seja qual for a fonte de onde ela proceda.
Logo o art. 562.º do C.Civil dispõe que a indemnização tem o objectivo de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, acrescentando o art. 563.º com a epígrafe “nexo de causalidade” que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Importa aqui também ter em conta o art. 496.º n.º 1 do C.Civil que estende a obrigação de indemnizar aos danos não patrimoniais desde que estes, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Trata-se mais de dar ao lesado uma compensação do dano sofrido uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente.
Por esta razão, devido à sua natureza, a indemnização é fixada equitativamente pelo tribunal – art. 496.º n.º 3 C.Civil – tendo em conta o grau de culpa do responsável, a sua situação económica, bem como a do lesado, a gravidade dos danos e quaisquer outras circunstâncias que devam ser ponderadas – art. 494.º do C.Civil.
(…)
O art. 566.º n.º 3 do C.Civil estabelece que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Vejamos então em que é que se traduzem os prejuízos concretamente sofridos pelo réu em virtude da denúncia do contrato.
Quanto a esta questão o que temos é que, em virtude da denúncia do contrato de arrendamento, o réu tem de arranjar uma residência alternativa, o que aliás já fez, uma vez que há pelo menos três anos que não vive no locado, pagando de renda de casa € 250,00 mensais. De ponderar também que antes da demolição que teve lugar a 7 de Abril de 2009, o locado estava em razoáveis condições de habitabilidade, susceptíveis de reparação e que não obstante isso o réu já havia deixado de habitar no mesmo.
No que se refere ao prejuízo invocado pelo réu e que o mesmo pretende ver ressarcido pelo facto de estar a pagar uma renda de € 250,00 pela casa que entretanto arrendou, há que distinguir dois momentos: até à realização da demolição dos imóveis contíguos e do sótão, em 7 de Abril de 2009, data até à qual o locado dispunha de condições de habitabilidade razoáveis e depois dessa data. Na verdade, até 7 de Abril de 2009 não há qualquer razão que possa ser imputada à senhoria que permita dizer que a mesma é responsável pelo facto do réu ter saído do locado e arrendado outra casa – a denúncia do contrato de arrendamento tem lugar em acção judicial, pelo que até aí o locatário conserva a possibilidade de permanecer no locado, sem prejuízo de poder chegar a um qualquer acordo com o senhorio, o que no caso em presença não ficou minimamente provado.
A partir de 7 de Abril de 2009 e na sequência da demolição efectuada, é a senhoria responsável pelo facto de ter deixado de proporcionar ao locatário o gozo do locado nas condições necessárias à sua utilização, conforme é sua obrigação nos termos do art. 1031.º alínea b) do Cód. Civil, sendo por isso responsável pelos prejuízos causados nesta parte, ao abrigo do incumprimento das obrigações que para si resultam do contrato de arrendamento. Tal incumprimento fá-la incorrer na obrigação de indemnizar o réu pelos prejuízos causados, de acordo com o disposto no art. 798.º do Cód. Civil e que, no caso concreto, se traduzem no valor pago pelo réu para fazer face a uma residência alternativa. Está assim a autora obrigada a pagar ao réu a quantia de € 250,00 mensais que corresponde ao valor da renda que por ele é paga, desde Abril de 2009 e até ao decretamento de denúncia do contrato de arrendamento. Sendo que, até à data se liquida tal indemnização em € 5.000,00 correspondente a 20 meses (de Abril de 2009 a Janeiro de 2011) x € 250,00.
Esta indemnização é devida pelo incumprimento do contrato de arrendamento pela senhoria, não se integrando na indemnização devida pela denúncia do contrato de arrendamento prevista nos arts. 24.º n.ºs 4 e 6 e 6.º n.ºs 1 e 2 do Dec. Lei n.º 157/2006, podendo o tribunal dela conhecer, uma vez que é peticionada, ainda que com um fundamento diferente.
(…)
Em face do exposto e conforme se referiu não se tendo apurado em concreto o valor exacto dos danos que para o réu resultam da denúncia do contrato de arrendamento, ponderando os elementos referidos no art. 6.º e fazendo apelo a juízo de equidade que leva em linha de conta as questões já referidas, tem-se como adequado o valor de € 7.500,00 a fixar a título de indemnização, sem prejuízo do limite estabelecido no art. 25.º n.º 4.
Nestes termos, verifica-se que o réu não logrou provar que com a denúncia do contrato de arrendamento tem um prejuízo superior a 24 vezes o rendimento mensal garantido, que tem o valor de € 475,00, ou seja, superior a € 11.400,00 pelo que é esta a indemnização a que tem direito por força da denúncia do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no art. 25.º n.º 4 do Decreto Lei n.º 157/2006.
«(…)».
Perante todo o exposto, afigura-se-nos que a decisão não é merecedora de qualquer reparo, uma vez que houve correcta subsunção do quadro factual apurado e dado como provado às normas e princípios jurídicos ao caso aplicáveis e que constam da sentença recorrida.
Finalmente, sempre se dirá que, enquanto nos articulados da autora esta fundamentou o pedido de cessação/extinção do contrato de arrendamento alegando como causa de pedir a necessidade de obras, demolição e restauro, já em sede de recurso invocou, como causa de pedir, o desaparecimento do prédio por força do mandado de demolição emanado da Câmara, alteração de todo inadmissível porquanto a possibilidade de alteração da causa de pedir teria de ocorrer durante a fase dos articulados e nunca em sede de recurso que, como é sabido, visa modificar a decisão recorrida e não criar decisão sobre matéria nova, não sendo, pois, lícito invocar no mesmo questões que não tenham sido objecto da decisão recorrida nem devendo nele conhecer-se de questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.
Termos em que improcedem as conclusões da alegação de recurso.

IV –
Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.

Lisboa, 17 de Maio de 2012

Gilberto Martinho dos Santos Jorge
Maria Teresa Batalha Pires Soares
Ana Lucinda Mendes Cabral