Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9427/11.1T2SNT.L2-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERENCIA
Decisão: ATENDIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário: I. Nos casos em que a seguradora não tenha participado o acidente de trabalho por a sinistrada ter sido considerada curada sem desvalorização – caso em que a participação ao tribunal é facultativa, nos termos do art. 18, nº1 do DL 143/99, de 30.4 (RLAT) – a sinistrada pode vir requerer a revisão dessa incapacidade, conforme resulta do nº8 do art. 145 do CPT.

II – A tal não obsta o facto de ter sido declarada a caducidade do direito de acção da sinistrada, quando esta pretendeu vir discutir a avaliação da incapacidade (nula) feita pela seguradora à data da alta.

III - É que o incidente de revisão corre de forma autónoma, não estando a coberto dos efeitos de caso julgado daquela decisão, já que encerra um pedido distinto, sendo que à revisão da incapacidade não se aplica o prazo de um ano previsto no art. 32 da Lei 100/97, de 13.9 (LAT), mas sim o do art. 25, nº2 desta lei, que é de 10 anos a contar da data da alta clínica.

(Elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa

Veio a Autora reclamar para a conferência da decisão singular proferida nos autos com o seguinte teor:

AA instaurou contra BB, SA e CC , SA a presente acção com forma de processo especial emergente de acidente de trabalho, pedindo a condenação da Ré Seguradora a pagar-lhe a pensão anual, vitalícia e remível de € 8.380,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Citadas as Rés, apenas a Seguradora apresentou contestação, alegando, além do mais, que, na medida em que o acidente só foi participado ao tribunal no dia 12/4/2011 e a Autora teve alta das lesões que sofreu no acidente no dia 26/11/2009, a qual lhe foi comunicada nesse mesmo dia, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 1 da L.A.T. caducaram os direitos que a A. pretende fazer valer com a presente acção.

Por sentença proferida a fls. 205-207, transitada em julgado, foi julgada procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção respeitante aos direitos decorrentes do acidente de trabalho a que se reportam os autos, com a consequente absolvição das Rés dos pedidos.

A fls. 221, por requerimento apresentado em juízo em 1.8.2013, veio a Requerente/Sinistrada formular o pedido de “reavaliação da incapacidade”.

Ouvidas as Requeridas/Entidades Responsáveis, pronunciaram-se ambas no sentido do indeferimento da pretensão da Requerente.

Sobre o aludido requerimento recaiu o seguinte despacho:

“ Neste processo, as Rés foram absolvidas do pedido, tendo o processo findado, por decisão transitada em julgado, sem que tenha sido reconhecida a existência de um acidente de trabalho e, em consequência, sem que tenha sido fixada uma qualquer incapacidade à sinistrada ou reconhecido o direito a uma qualquer indemnização.

Por isso, não pode ter lugar o incidente de revisão de uma incapacidade que não foi apreciada.

Pelo exposto, indefiro ao pedido de revisão deduzido pela sinistrada.

Sem custas, considerando o apoio judiciário de que a sinistrada beneficia.

Notifique.

Dê baixa.”

Inconformada, interpôs a Autora/Requerente recurso para esta Relação, no qual formulou as seguintes

Conclusões

(…)

Contra-alegou a Requerida/Seguradora sustentando a improcedência do recurso.

Subidos os autos a esta Relação, atenta a simplicidade da questão a decidir, passa-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do disposto no art.

II – FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos e ocorrências processuais com interesse para a decisão são os que constam do precedente relatório e que aqui se dão por reproduzidos.

III -  APRECIAÇÃO

A única questão suscitada no recurso é a de saber se, tendo sido declarada a caducidade do direito de acção, pelo facto da Autora ter deixado transcorrer período superior a um ano após comunicação da alta, com a consequente absolvição das Rés do pedido, podia aquela requerer a revisão da incapacidade de que alega ser portadora, invocando o seu agravamento.

Vejamos.

O instituto da revisão das prestações que vem previsto no art. 25 da Lei 100/97, de 13.9 (LAT), que é a aplicável visto o acidente participado ter ocorrido em 23.3.2009, destina-se à verificação das situações em que o estado de saúde do sinistrado, como consequência directa do acidente, evolui, quer no sentido do agravamento, quer no da melhoria, modificando-se por isso a sua capacidade de ganho.

Trata-se, pois, de rever a (mesma) incapacidade resultante de um acidente de trabalho, embora possa vir a ser fixada em grau diferente.

Porém, no caso vertente, foi declarada a caducidade do direito de acção respeitante ao acidente de trabalho participado nos autos, por decisão transitada em julgado.

Por essa razão, não foi apreciado o mérito das pretensões formuladas pela Autora, mormente o reconhecimento do acidente dos autos como de trabalho ou a fixação de incapacidade à sinistrada, sendo irrelevante que a seguradora o tenha feito em momento anterior à propositura da acção. É que a caracterização de um acidente como de trabalho só é vinculativa para as partes se for reconhecida por decisão judicial que assim o declare (no despacho homologatório do acordo efectuado na fase conciliatória ou na sentença proferida na fase contenciosa).

No caso vertente, não tendo sido reconhecida a existência de um acidente de trabalho por decisão judicial, por ter sido declarada a caducidade do direito de acção, está vedada à Autora a possibilidade de reclamar qualquer direito respeitante ao mesmo acidente, que pressupõe aquele prévio reconhecimento.

Assim, não merece qualquer reparo a decisão recorrida, que é de manter.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, julgo improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Sustenta a Apelante que a prescrição do seu direito para ver reapreciada a sua incapacidade, em incidente de revisão, ainda não ocorreu, uma vez que este prazo é de 10 anos a partir da data da alta, detendo este incidente autonomia dentro do processo reparatório.

E - adianta-se – revendo a posição assumida na decisão singular, entendemos que lhe assiste razão.

Na decisão recorrida foi entendido que, tendo o processo findado por decisão transitada em julgado (que declarou a caducidade do direito de acção da sinistrada), sem que tenha sido reconhecida a existência de um acidente de trabalho e, em consequência, sem que tenha sido fixada uma qualquer incapacidade à sinistrada ou reconhecido o direito a uma indemnização, não pode ter lugar o incidente de revisão.

  Vejamos então.

A revisão da incapacidade é possível nos casos, como o dos autos, em que a sinistrada foi dada como curada sem desvalorização (após lhe terem sido reconhecidas incapacidades temporárias absoluta e parcial para o trabalho entre a data do acidente e a da alta), já que aquela é susceptível de se modificar, agravando-se, como decorre do disposto no art. 25, nº1 da LAT (Lei nº100/97, de 13.11).

A finalidade do art. 25, nº1 da LAT é que as prestações correspondam ao grau de incapacidade de ganho. Assim, se a incapacidade decorrente do acidente de trabalho se modificar, devem as prestações correspondentes ser alteradas em conformidade.

Dispõe, por seu turno, o nº2 do mesmo art. 25 que a revisão só pode ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano nos anos imediatos.

O art. 25 da LAT está adjectivado no art. 145 do CPT que, sob a epígrafe “Revisão da incapacidade em juízo”, prescreve:

1 – Quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz manda submeter o sinistrado a perícia médica.

2 – O pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.

3 - O local de realização da perícia médica é definido nos termos da lei que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses.

 4 – Finda a perícia, o seu resultado é notificado ao sinistrado e à entidade responsável pela reparação dos danos resultantes do acidente.

5 – Se alguma das partes não se conformar com o resultado da perícia, pode requerer, no prazo de 10 dias, perícia por junta médica nos termos previstos no nº 2; se nenhuma das partes o requerer, pode a perícia ser ordenado pelo juiz, se a considerar indispensável para a boa decisão do incidente.

6 – Se não for realizado perícia por junta médica, ou feita esta, e efectuadas quaisquer diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.

7 – O incidente corre no apenso previsto na alínea b) do artigo 118º, quando o houver.

8 – O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade.                                                                                

Ora, no que ao caso interessa, verifica-se que o nº 8 manda aplicar o disposto nos números anteriores, com as necessárias adaptações, aos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade.

Com efeito, e resulta do art. 18 do RLAT (Lei 143/99, de 30.4), as entidades seguradoras só são obrigadas a participar ao tribunal competente acidentes de trabalho, em três circunstâncias:

a) nos acidentes de que tenha resultado a morte;

b) nos acidentes de que tenha resultado incapacidade permanente;

c) nos casos de incapacidade temporária que ultrapasse doze meses.

No caso vertente o acidente ocorreu em 23.3.09 e a sinistrada foi considerada curada sem desvalorização em 26.11.2009, data da alta.

Assim, não estava a seguradora obrigada a participar o acidente dos autos, dispondo a sinistrada do prazo de dez anos, a contar da data da alta, para vir suscitar o incidente de revisão, no caso de haver agravamento da sua situação clínica, carecendo de base legal a afirmação feita na decisão sindicada, de que seria necessário haver decisão judicial prévia, a reconhecer o acidente em causa como de trabalho.

A tal não obsta o facto de ter sido declarada a caducidade do direito de acção da sinistrada, quando esta pretendeu vir discutir a avaliação da incapacidade (nula) feita pela seguradora à data da alta, por considerar que lhe devia ter sido atribuída uma desvalorização.

É que o incidente de revisão corre de forma autónoma, não estando a coberto dos efeitos de caso julgado daquela decisão, já que encerra um pedido distinto, sendo que à revisão da incapacidade não se aplica o prazo de caducidade previsto no art. 32 da LAT, mas sim o do art. 25 – 10 anos a contar da fixação da pensão ou da alta clínica, no caso de não ter sido atribuída desvalorização.

Há, pois, que dar razão ao reclamante e revogar o despacho recorrido,

Pelo exposto, acorda-se em atender a reclamação da Apelante/Reclamante, pelo que se julga procedente a apelação, revogando-se consequentemente o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento do incidente de revisão apresentado pela sinistrada.

Custas pela Apelada

Lisboa, 17 de Dezembro de 2014

Filomena Manso

Duro Mateus Cardoso

Isabel Tapadinhas

Decisão Texto Integral: