Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL CARTA DE PORTE PERDA DAS MERCADORIAS INDEMNIZAÇÃO CULPA GRAVE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/06/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | - Tendo as partes acordado no transporte de um documento desde o Prior Velho, em Portugal, até Foz do Iguaçu, no Brasil, por via aérea e num prazo máximo de seis dias, são aplicáveis as disposições da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal em 28 de Maio de 1999. - Em caso de perda da mercadoria, em princípio e por força de tal Convenção, a responsabilidade da transportadora está limitada a 17 direitos de saque especiais por quilograma. - Em caso de declaração especial de interesse na entrega no destino feita pelo expedidor no momento da entrega da mercadoria à transportadora e mediante o pagamento de um montante suplementar eventual, a transportadora será responsável pelo pagamento de um montante igual ou inferior ao montante declarado, excepto se provar que tal montante é superior ao real interesse do expedidor na entrega no destino. - As cláusulas constantes da carta de porte não são nulas por remeterem para as disposições da aludida Convenção. - Sendo completamente desconhecidas as circunstâncias, o local, o momento e o modo como ocorreu o extravio da encomenda, mostra-se praticamente inviabilizada a conclusão em como a transportadora agiu com dolo ou culpa grave. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório. 1.1. A autora A demandou a ré … - Transportes Internacionais de Mercadorias, Sociedade Unipessoal, Lda., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia total de € 7.272,19, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, correspondente aos danos sofridos pelo extravio dum envelope que lhe confiara para transporte e entrega no Brasil. * 1.2. A ré contestou a acção, aceitando a celebração de contrato para o transporte, mas sem oferecer qualquer explicação para o invocado extravio do envelope em causa. No tocante aos custos imputados pela autora, declinou a sua responsabilidade invocando os termos e condições gerais que estabeleceu. Terminou peticionando a total improcedência da presente acção e a sua absolvição do pedido. Ou a sua absolvição do pedido na medida da limitação da responsabilidade contratual da ré, enquanto transportadora. * 1.3. A autora respondeu, reiterando a posição expressa na petição inicial. * 1.4. Após saneamento e julgamento da causa, foi proferida sentença que decidiu: a) Condenar a R. … -Transportes Internacionais de Mercadorias, Sociedade Unipessoal, Lda. no pagamento à A. A da quantia de € 68,79 (sessenta e oito euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros moratórios legais, à taxa comercial em vigor, contabilizados desde a data da citação até integral pagamento; e, b) absolver a R. do demais peticionado. * 1.5. A autora interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões: A- A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser considerada nula, por omissão de pronúncia quanto à questão de facto e de direito atinente à existência, ou não existência de actuação culposa da recorrida, e eventuais consequências de tal facto. B- Mesmo que fosse para afastar tal responsabilidade, era dever do Tribunal a quo apreciar todo o iter relativo à responsabilidade civil contratual, independentemente de, após esse percurso, vir a excluir a existência de culpa, ou sequer considerá-la, pelas normas internacionais aplicáveis. C- Quanto à culpa grave ou mesmo dolo na actuação da recorrida, impõe-se a modificação da matéria de facto dada como provada na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, com aditamento dos factos seguintes: • A Ré sabia que a encomenda se tinha extraviado, pelo menos, desde 08-08- 2022, pelo que a encomenda não podia estar “a caminho”, conforme aposto no “tracking” existente no sítio eletrónico (documento n.º4 junto com a PI); • A ré apenas assumiu o seu extravio a 30-08-2022, perante as inúmeras insistências da autora. • A ré omitiu esta informação da autora, arrastando a admissão de tal facto, vinte e dois dias após o extravio/destruição do documento; • A ré alegou uma greve que sabia não estar relacionada com o extravio do documento em causa, com o intuito de se dirimir as suas responsabilidades. • Nunca foi accionada a … Brasil, para que iniciasse um procedimento tendente à resolução do assunto. D. Justifica-se tal aditamento, porque prova foi produzida, quanto à existência pressuposto da responsabilidade civil contratual, culpa grave, e mesmo dolo, na actuação da recorrida, porquanto a informação e “desinformação” constante dos documentos n.º 4, 5, 6, 7, 9 a 12 junto com a P.I., a noticia junta aos autos com a contestação (artigo 26.º), e, principalmente, pelas declarações prestadas pela testemunha B, cujas passagens essenciais, ora se discriminam, assim o atestam (Testemunha B (chefe da equipa de apoio ao cliente da Ré), passagem de dia 23-05-2024, das 14:11m às 15:11m, com inicio aos 7:00 minutos, 10:40 minutos, 20:30 minutos, 25:00 minutos, e 35 minutos, 43:00 minutos). E. Deve, igualmente, o facto - A ré sabia que se tratava de uma procuração, tendo informado a autora, por intermédio do seu marido, qual o melhor serviço para a entrega do documento em questão - ser levado à matéria de facto dada como provada, ampliando-a, ao abrigo do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil. F. Para tal conclusão são preponderantes as declarações da testemunha já identificada, B, ao minuto 15:36 do seu depoimento, que atestam um diálogo concreto entre cliente e ..., quanto ao conteúdo do objecto postal a enviar, e qual o melhor modo de o fazer. G. O próprio funcionário ao balcão na data dos factos, a testemunha C, confirma o diálogo que é trocado com o cliente, e o facto de ser a … a aconselhar a modalidade do transporte do objecto postal (passagem de dia 08- 05-2023, das 16h41m, às 17h00m, aos minutos 4, 16). H. A testemunha D também corrobora o diálogo mantido com o funcionário da ré, que passava por aconselhamento da melhor forma de fazer chegar ao destino uma procuração (passagem de dia 08-05-2023, das 16h41m, às 17h00m, aos minutos 5, 27, 30). I. O facto provado 9. deve ter a redacção seguinte: ficou acordado que o transporte do documento seria feito por via aérea e terrestre, porquanto o tipo de serviço contratado, foi entrega na porta do destinatário, o serviço “Courrier”, tendo actuado também como agente expedidor, transitário, e intermediário de transportes terrestres, efectuando todos os actos relativos ao manuseamento, guarda, expedição, transporte, armazenamento, seguro e alfandegamento de encomendas e bens seja e que espécie for, conforme factos provados 1., 10., 11, e 32. J. A testemunha B assegurou que o sucedido com o documento ocorreu em terra (47:15minutos do seus depoimento), fazendo com que qualquer presunção legal de ocorrência de danos no âmbito do transporte aéreo, fosse ilidida, ao contrário do que expõe a douta sentença na fundamentação da matéria de direito. K. O facto provado 27. deveria ter a redação seguinte: No dia 30-08-2022, a A. realizou um pedido de agendamento através do sítio electrónico do Consulado Geral do Brasil em Lisboa para outorga de nova procuração, mas não existiam datas disponíveis nos meses subsequentes. L. Apor a data neste facto dado como provado, ou seja, que a tentativa de agendamento no Consulado ocorreu no exacto dia do recebimento por parte da ré da assunção de extravio, (conforme documento n.º 4 junto com a contestação, e documento n.º16 junto com a PI, e facto provado 27.), tem repercussões a nível de escrutínio jurídico quanto ao conteúdo da indemnização por danos não patrimoniais. M. Deveriam ter sido dados como provado os pontos A. B. e C da matéria de facto dada como não provada, quanto ao sucedido bloqueio da conta bancária da recorrente. N. A procuração é muito explicita quanto aos poderes que confere ao irmão do recorrente, e que dizem respeito, apenas, à sua representação junto do Banco Caixa económica Federal. O. Tanto nas declarações da recorrente, como da testemunha D e E, são referidos os telefonemas trocados com o gerente do Banco, e a ida do irmão ao Banco, onde foi esclarecido sobre a necessidade de procuração oriunda do Consulado, ou então, a presença física da recorrente (Passagem de dia 08-05-2024, das 16h00, às 16h21, Testemunha: E, ao minuto 12:00, e Passagem a 08-05-2024, das 10h39m às 11h25 m, das declarações da autora A, minuto 9:00). P. A atitude preocupada e ansiosa dos intervenientes, demonstrada pelas diversas e repetitivas tentativas de apuramento da situação por parte da recorrente desde o dia 09-08-2022, dadas como provadas (documentos n.º 4, 5, e 7 junto da PI); a imediata tentativa de agendamento no Consulado, dada como provada, no mesmo dia em que a recorrida assume o extravio da procuração (documento n.º 8 junto com a PI, e documento n.º4 junto com a contestação); o facto público e notório, carreado aos autos através do link de uma notícia, o atraso de seis meses nos agendamentos para o consulado do Brasil, bem como as comunicações telefónicas trocadas com o gerente do Banco, e necessidade de elaborar um documento físico com todo o formalismo exigido, demonstram à saciedade a existência de um bloqueio na conta bancária em causa. Q. Num juízo de um homem mediano, acaso fosse debelada a situação pela possibilidade de o documento ser elaborado num notário português, e sujeito a apostilha, actos muito mais fácil de serem realizados, e não sujeitos a demoras, dada a urgência comprovada na utilização do documento pedido pelo banco, a autora teria optado por aquela via. R. Os factos não provados H e J deveriam ter sido dado como provados, pois, o douto tribunal dá como provadas as deslocações até ao estabelecimento comercial da recorrida no prior velho, três vezes (factos provados 2., 18., 23.), o que, sendo as deslocações uma realidade, fez-se prova do valor despendido aplicando como referencial o artigo 9.º, alínea a) da Portaria n.º 424/2005, de 17 de Janeiro, o que perfez o montante global de 13 euros, conforme documento n.º 19 junto com a PI., o mesmo se afirmando quanto à sua ida para o aeroporto (4,97 euros). S. Deveria o douto tribunal dar como provado o estado de ansiedade e pânico “nos meses subsequentes”, reportado ao facto não provado K, e quantificar tal prejuízo conforme peticionado. T. Os actos praticados pela recorrente e seu marido, em seu nome, ao longo de todo o processo, evidenciam a ansiedade e desespero da recorrente, pelo menos, durante dois meses, e estão bem patentes nos depoimentos das testemunhas, e declarações da recorrente, bem como nos documentos juntos aos autos. U. Todas estas provas comprovam as várias comunicações, vários registos várias chamadas telefónicas, vários emails do cliente de cá, do expedidor; os números emails e contactos presenciais da recorrente, junto aos autos como documentos 4 a 7, e 9 a 12 juntos com a Pi; a informação errática e contraditória durante mais de três semanas , já após os seis dias em que garantia a entrega, constar lmpossível Entreqar- A ... contactou o destinatário ou o importador para saber sobre o desalfandegamento- Ao receber a ... submeterár. / Não é possível entregar o pacote e este foi eliminado de acordo com as diretrizes locais, até ao dia seguinte, como que por milagre, estar A Caminho, para depois, no imediato dia a este, permanecer Em armazém, para aí “ficar” mais 22 dias, aquando da assunção do extravio; a imediata tentativa de agendamento no Consulado no mesmo dia da assunção tardia do extravio por parte da recorrida. V. Ao contrário do que, na douta motivação refere, o marido da autora foi bem explicito acerca dos sentimentos que a sua esposa detinha naqueles meses. É o atraso!, a minha mulher estava em pânico, a minha mulher estava em pânico... 17:30m estávamos desesperados todos... W. Embora parte interessada, a recorrente foi credível quando, perante o Tribunal veicula: Eu comecei a ficar ansiosa e desesperado pelo facto de naquela procuração estavam todos os meus documentos e os documentos do meu irmão! Até hoje eu tenho medo disso, eu estou preocupadíssima, em que mão estão os nossos documentos? Aonde é que foi parar?, porque são documentos que podem abrir empresas, fazer empréstimos... e eu sei que fazem isso no Brasil, uma funcionária da nossa escola aconteceu isso com ela...abriram uma conta porque ela perdeu os documento dela, eu fiquei ansiosa desesperada eu não dormia mais... X. O estado de nervosismo e preocupação é corroborado pelas declarações do seu irmão E Após constatar que a procuração não estava chegando ela ficou muito nervosa muito preocupada, porque as contas estavam chegando, e ela fazia o que?...Essa procuração causou muito transtorno para ela, não é só o extravio da procuração, o problema é que, quem pegasse essa procuração podia fazer um estrago muito grande para ela. Y. O estado de ansiedade da recorrente também se afere pelos factos provados pelo tribunal (facto provados de 17 a 25, 26,27, e32). Z. Não existe de prova quanto ao facto dado como provado 16, pois a autora não manifestou concordar com os Termos e Condições da ..., expressos no verso da Carta de Porte destinada ao expedidor, que contém cláusulas contratuais gerais ilegais, cujo teor não foi transmitido à recorrente, pois o funcionário apenas diz que aconselhou o tipo de serviço de acordo com a vontade do cliente (Vide depoimento supra de C), e também a testemunha D foi exacta ao afirmar que não teve conhecimento, desta exclusão ou limitação de responsabilidade (minuto 30 das declarações prestadas a 08-05-2024). AA. A douta sentença incorreu no erro de determinação da norma aplicável ao caso sub iudicio, pois as normas contantes da Convenção de Montreal não se aplicam ao caso concreto. BB. Sendo um transporte multimodal, e ocorrendo o extravio na fase terrestre aplicar-se-iam as normas da CMR, caso o Brasil fosse parte contratante. CC. Não sendo o Brasil parte contratante, aplicam-se as normas do direito interno português, em especial as normas constantes na Lei do Consumidor, Código Civil, Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e Constituição da República Portuguesa. DD. Independentemente da eventual convocação de cláusulas de Convenções Internacionais, estas não poderiam ser aplicadas, pois este contrato foi celebrado entre um consumidor e uma sociedade comercial, estando subsumido às normas imperativas da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, a Lei de defesa do consumidor, e às constitucionalmente preceituadas no artigo 60.º da CRP. EE. Está em causa a nulidade prevista no artigo 16.º da LDC, pelo que o tribunal teria de atender aos danos patrimoniais e não patrimoniais, em conformidade com o preceituado no artigo 12.º do mesmo diploma legal. FF. A douta sentença sofre de contradição quando, no final do segmento da fundamentação de direito, convoca e aplica o artigo 801.º do Código Civil, que prevê a falta culposa ao cumprimento da obrigação, caso ocorra impossibilidade de incumprimento da prestação por parte do devedor, apesar de concluir a exclusiva subsunção da quaestio às normas da citada Convenção, e Cláusula Contratual Geral constante da carta de porte. GG. Subsidiariamente, as normas da Convenção aplicável, excluem, no caso concreto, a aplicação da limitação da responsabilidade civil contratual a montantes pré-definidos. HH. As cláusulas constantes da carta de porte são nulas, porquanto se reproduzem em cláusulas contratuais gerais ínsitas no contrato de adesão celebrado pelas partes, que excluem a responsabilidade da transportadora, conforme artigo 809.º do CC. II. Não houve qualquer informação sobre as clausulas de limitação ou exclusão de responsabilidade, que apenas se encontram no sitio electronico da recorrida, sobretudo a 9.1 e 9.5 (termos e condições previstos no sítio eletrónico para 2022), sobretudo, quando, neste ultimo se prevê que “a ... não se responsabiliza por qualquer dano ou perda de qualquer embalagem (?!)”. Terminou peticionando a procedência do recurso e condenação a ré no pedido formulado pela autora. * 1.6. A ré contra-alegou, sustentando, em síntese, que: - Perante as doutas considerações vertidas na sentença (cf. supra II), é manifesto que tal arguição da nulidade por omissão de pronúncia não deve proceder, aproximando-se da lide temerária ou de má fé (esperando a Recorrida que tal comportamento venha a ser sancionado pelo tribunal de recurso); - As alegações da Recorrente contra o julgamento da matéria de facto não merecem qualquer acolhimento; - É lapidar a confissão vertida pela Recorrente no artigo 37.º da sua Resposta (Ref.ª 47186081), a saber: «Aqui, um parêntesis se impõe, em resposta a uma afirmação da contestação: a autora escreveu docs, e não procuração, obviamente por uma questão de segurança (imagine-se o perigo de uma procuração cair em mãos de terceiros…)»; - O processo civil está sujeito a regras de alegação e ónus da prova (cf. artigo 342.º do Código Civil) e que não podem ser subvertidas pelas Partes, a seu belo prazer e consoante o prosseguimento da lide. Neste contexto, a pretensão recursiva da Autora não tem qualquer respaldo na lei e deve ser indeferida, confirmando-se a decisão da primeira instância. * 1.7. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se no seguinte: - Se a sentença é nula por não se ter pronunciado quanto à actuação culposa da ré; - Se a matéria de facto deverá ser modificada ou aditada; - Se é de aplicar ao presente caso as disposições da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrado em Montreal em 28 de Maio de 1999; e, - Se as cláusulas constantes da carta de porte são nulas, nomeadamente se reproduzem cláusulas contratuais gerais ínsitas no contrato de adesão celebrado pelas partes. * 2. Fundamentação. * 2.1. A questão prévia da arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia. O artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, preceitua que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”. Se o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a sentença será nula, conforme estatuí o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. No presente caso, a apelante sustenta que a sentença é nula, por omissão de pronúncia quanto à questão de facto e de direito atinente à existência, ou não existência de actuação culposa da recorrida, e eventuais consequências de tal facto. E ainda que, mesmo que fosse para afastar tal responsabilidade, era dever do tribunal a quo apreciar todo o iter relativo à responsabilidade civil contratual, independentemente de, após esse percurso, vir a excluir a existência de culpa, ou sequer considerá-la, pelas normas internacionais aplicáveis. Afigura-se que o fundamento para a arguição desta nulidade sempre seria bizarro e contraditório, considerando que a sentença decidiu condenar a ré a pagar uma indemnização à autora pelo dano decorrente da falta de cumprimento do contrato. Ora, o artigo 798.º, do Código Civil, exige a culpa do devedor como pressuposto da sua responsabilidade pelo prejuízo que causa ao credor. Terá a sentença decidido responsabilizar o devedor sem assumir a sua culpa? A resposta a esta questão e à arguição da nulidade é claramente negativa, na medida em que aí se exarou expressamente que: “Em suma, a Convenção estabelece uma presunção de culpa da transportadora pela produção do evento danoso, dispensando a Autora da sua prova – cfr. os arts. 798.º e 999.º do Código Civil. Cotejada a matéria de facto provada constata-se que a Ré não logrou provar qualquer dos eventos supra mencionados por forma a ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, pelo que a mesma é responsável pelos danos decorrentes do incumprimento contratual” – cfr. pág. 15. Ou seja, a sentença claramente pronunciou-se no sentido de considerar que a actuação da ré se presume legalmente culposa. E quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz – art.º 350.º, n.º 1, do Código Civil. Logo, a arguição desta nulidade apenas pode assentar na falta de serenidade ou de seriedade da recorrente, seja pela forma desatenta com que leu a sentença, seja pela lide temerária ou de má fé, que lhe foi apontada nas contra-alegações. Neste particular, apenas cumpre notar que a primeira questão colocada pela recorrente não se mostra auspiciosa e que improcede a arguida nulidade. * 2.2. O aditamento de factos. O citado artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, igualmente impõe que o juiz fundamente a sentença, descriminando os factos que considera provados. A apelante considera que a sentença se revela insuficiente, pretendendo o aditamento dos seguintes factos: • A Ré sabia que a encomenda se tinha extraviado, pelo menos, desde 08-08-2022, pelo que a encomenda não podia estar “a caminho”, conforme aposto no “tracking” existente no sítio eletrónico (documento n.º 4 junto com a PI); • A ré apenas assumiu o seu extravio a 30-08-2022, perante as inúmeras insistências da autora. • A ré omitiu esta informação da autora, arrastando a admissão de tal facto, vinte e dois dias após o extravio/destruição do documento; • A ré alegou uma greve que sabia não estar relacionada com o extravio do documento em causa, com o intuito de se dirimir as suas responsabilidades. • Nunca foi accionada a ... Brasil, para que iniciasse um procedimento tendente à resolução do assunto. Entende-se que não se justifica o pretendido aditamento, por uma série de razões, que se resumem da seguinte forma: Em primeiro lugar, ficou já estabelecido na sentença que a actuação da ré se revelou culposa, pelo que não se vislumbra utilidade na reintrodução da discussão dessa questão. Em segundo lugar, tal matéria, em grande parte, revela-se conclusiva. Não resulta da petição inicial que a ré soubesse o que sucedeu à encomenda e quando é que a mesma se extraviou. A autora constrói a ideia da constatação do extravio da encomenda no dia 8/8/2022 com base na informação disponibilizada na plataforma de rastreio da ré – cfr. doc. n.º 4 da petição inicial. Porém, essa mesma informação revela-se algo vaga, ambígua e contraditória, nomeadamente ao referir que “ao receber a ... submeterá” e que o pacote “foi eliminado de acordo com as directrizes locais”. O extravio da encomenda não é compatível com a sua eliminação, nem com a ideia de que a ... submeterá seja o que for. O que tal informação indicia é apenas que nesse dia a ré não sabia esclarecer de forma clara e perentória o que sucedera à encomenda, tendo aí indicado laconicamente que era “Impossível entregar”. Em terceiro lugar, o que resulta dos articulados das partes é simplesmente que as mesmas não sabem o que sucedeu com a encomenda, designadamente quando e de que modo se extraviou. Tal circunstância desautoriza por completo a ulterior construção da apelante em como a apelada agiu com dolo, ou seja que quis extraviar a encomenda ou que quis obstar ao conhecimento do extravio. A ré simplesmente extraviou a encomenda e não soube informar das razões para o sucedido. E tal é quanto basta para se presumir a sua culpa, sem necessidade de outras considerações ou do pretendido aditamento. Como, entre muitos outros, refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/2023: “de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º, do CPC)” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 835/15.0T8LRA.C4.S1. A apelante pugna ainda pelo aditamento da seguinte matéria ao elenco dos factos provados: “A ré sabia que se tratava de uma procuração, tendo informado a autora, por intermédio do seu marido, qual o melhor serviço para a entrega do documento em questão”. Sucede que cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e tal matéria não foi alegada pelas partes – cfr. art.º 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Tal matéria não é instrumental de nenhuma outra (qual?), nem é complementou ou concretização de outros factos. A apelante não suscitou perante o tribunal de primeira instância a pertinência de introduzir a discussão contraditória relativamente ao aditamento de tal matéria. Aliás, dificilmente a autora poderia suscitar a introdução de tais factos, considerando que se presume que esteve sempre conhecedora dos mesmos e apenas optou por não os alegar. O tribunal tão pouco relevou a sua importância para considerar a sua inclusão na sentença. A própria enunciação dessa matéria revela-se convenientemente vaga e ambígua, considerando a importância que a apelante lhe atribui, nomeadamente quando apenas refere que informou a ré que se tratava de uma procuração. Como é que o marido (ou companheiro, como se identificou na sessão de julgamento no dia 8/5/2024) da autora informou a ré que se tratava de uma procuração? Prestou essa informação verbalmente? A algum representante da ré? Quem? Fê-lo por escrito? Ou omitiu essa informação que seria importante na carta de porte? E se essa informação era importante, porque razão foi omitida da descrição da mercadoria na carta de porte – doc. n.º 2 da petição inicial? A autora referiu no articulado de resposta que aí “escreveu docs, e não procuração, obviamente por uma questão de segurança (imagine-se o perigo de uma procuração cair em mãos de terceiros...)”. Trata-se de uma justificação plausível, mas que desautoriza a ideia de que “A ré sabia que se tratava de uma procuração, tendo informado a autora, por intermédio do seu marido”. A autora não revela qualquer coerência na conduta que invoca e manifesta comportamentos contraditórios: terá dito (verbalmente?) a alguém (representante da ré?) que a encomenda continha uma procuração, supostamente para acautelarem da especial importância do seu conteúdo. Porém, entrega a encomenda com uma carta de porte que omite essa importante informação! Será que quem recebeu a encomenda ficou com o encargo de a entregar pessoalmente e em mão no Brasil?! Só assim se compreenderia que o marido/companheiro da autora tenha prestado e omitido tal informação. A fragilidade e ambiguidade da autora sobre esta questão é manifesta e já foi exposta nas doutas contra-alegações. Por conseguinte, vai desatendido o pretendido aditamento. * 2.3. A impugnação da matéria de facto. O artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o dever de obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/1/2022 sintetizou a orientação jurisprudencial aí seguida, ao referir que: “No que diz respeito ao enquadramento processual da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 3/12/2015, proferido no processo n.º 3217/12.1 TTLSB.L1.S1 (Revista-4.ª Secção), que se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia. No mesmo acórdão refere-se que o art.º 640.º, do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Acrescenta-se que este conjunto de exigências se reporta especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC. Por fim, conclui-se que versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados. A propósito do conteúdo das conclusões, o acórdão de 11-02-2016, proferido no processo n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, refere que tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna (Cfr. no mesmo sentido acórdãos de 18/02/2016, proferido no processo n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 03/03/2016, proferido no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 324/10.9 TTALM.L1.S1 e de 13/10/2016, proferido no processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, todos da 4.ª Secção). No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2 TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 417/18.4T8PNF.P1.S1. Porém, não há que conhecer da impugnação da matéria de facto, quando a mesma se mostra prejudicada por outras questões que logicamente a precedem. Como refere o acórdão desta Relação de 11-5-2023: “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC)” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 8312/19.3T8ALM.L1-2. * 2.4. Importa assim conhecer da questão, tendo presente que o tribunal aprecia livremente a prova em função dos meios de prova globalmente produzidos, começando logo pelo facto provado # 9, em que a apelante sustenta que deverá ser alterado para a seguinte redacção seguinte: ficou acordado que o transporte do documento seria feito por via aérea e terrestre (quando aí constava que seria por via aérea). A apelante convoca o depoimento da testemunha B e defende que assim qualquer presunção legal de ocorrência de danos no âmbito do transporte aéreo seria ilidida, ao contrário do que expõe a douta sentença na fundamentação da matéria de direito. Entende-se que se trata de uma falsa questão quanto ao julgamento de facto, em que o depoimento da testemunha não releva. Aliás, a testemunha apenas disse: “Sim, sim, sim…” a uma pergunta da Ilustre Mandatária da autora. Trata-se, nesta parte, de um depoimento de mera adesão a um facto que lhe foi sugerido e sem qualquer espontaneidade. Mas não é esse o principal problema. A questão fundamental, que se evidencia da petição inicial e não vem contrariado, é que as partes apenas acordaram em como a ré transportaria uma encomenda contendo documentos desde o Prior Velho, em Portugal, até Foz do Iguaçu, no interior do Estado do Paraná, no Brasil. Não consta que as partes tenham expressamente indicado qual seria o meio de transporte, nomeadamente terrestre, aéreo ou marítimo. Não obstante, considerando que a ré se comprometeu a realizar a entrega no prazo máximo de seis dias (cfr. facto # 4), afigura-se de afastar a possibilidade do transporte poder ser assegurado maioritariamente através da via marítima (Oceano Atlântico e Rio Paraná). Do mesmo modo, considerando o prazo estabelecido para o transporte e ainda que em finais de Julho o estreito de Bering não estará coberto de gelo, afigura-se de afastar a possibilidade do transporte ser integralmente realizado por via terrestre. O que as regras da experiência comum nos dizem é que esse transporte rápido só poderá ser realizado de forma prática por via aérea, tal como resulta do ponto # 9 da sentença. Também se afigura evidente que, ao mencionar-se que o transporte seria por via aérea, não estamos a excluir a circunstância de vários trechos da viagem se realizarem por terra, considerando que a autora não terá entregue a encomenda em vôo e que a ré não a iria largar sobre o destino. O transporte de uma encomenda porta a porta pressupõe que serão utilizados meios terrestres nalguns trechos do percurso. A distinção pretendida pela autora revela-se especiosa, mas não carece de assentar noutros factos. A questão não é, assim, de facto, mas da interpretação do facto. Além disso, a pretendida alteração visa – no entender da apelante – ilidir “a presunção legal de ocorrência de danos no âmbito do transporte aéreo”. Ora, mesmo que se considerasse que “ficou acordado que o transporte do documento seria feito por via aérea e terrestre” sempre se manteria a mesma conclusão em como a encomenda foi extraviada e não se sabe onde, quando ou como ocorreu o extravio. O que apenas evidencia igualmente a inutilidade da pretendida alteração. * A apelante impugna ainda a redacção do facto # 27: “A A. realizou um pedido de agendamento através do sítio eletrónico e-consular no Consulado-Geral do Brasil em Lisboa para outorga de nova procuração, mas não existiam datas disponíveis nos meses subsequentes”. Pugna que deverá ter a seguinte redacção: “No dia 30-08-2022, a A. realizou um pedido de agendamento através do sítio electrónico do Consulado Geral do Brasil em Lisboa para outorga de nova procuração, mas não existiam datas disponíveis nos meses subsequentes”. A novidade traduz-se na indicação da data em que a autora realizou tal pedido junto do Consulado Geral do Brasil em Lisboa. Sucede que a autora apenas alegou na douta petição inicial que realizou tal pedido, sem concretizar a data em que ocorreu. Ou seja, a autora estava conhecedora do facto, mas simplesmente considerou que não era relevante em termos de alegação. Comunga-se do entendimento que transparece da petição, na medida em que não é exigível tal precisão, considerando que a autora já tinha anteriormente a outorgado a procuração. Logo, é de presumir, em face das evidenciadas circunstâncias, que a tentativa de outorgar nova procuração se deveu ao extravio da anterior. Não tendo sido alegado o facto em discussão, nem tão pouco se destacado a sua relevância em termos da solução possível em direito, é de desatender a pretendida alteração. * A apelante também pretende que sejam dados como provado os pontos A. B. e C. da matéria de facto dada como não provada, quanto ao sucedido bloqueio da conta bancária da recorrente. Entende-se que a autora complica excessivamente algo que se apresenta como muito simples, senão vejamos: Já foi dado como provado que a autora outorgou uma procuração a conferir poderes ao seu irmão para a representar perante o Banco Caixa Económica Federal – cfr. facto # 5. A simples outorga da procuração faz presumir a sua necessidade (efectiva ou eventual). Não é de supor que a autora teve esse trabalho e despesa por qualquer capricho, mas porque entendeu que necessitava de ter um representante para a prática de determinados actos. E isto é quanto basta para evidenciar o dano da autora, sem necessidade de outros acrescentos, considerações ou justificações. Por outro lado, a redacção da alínea C) vai muito além do que seria normal em face das premissas conhecidas, pois carecendo a autora de um representante para movimentar a conta (e não as contas ou todas as contas) indicada na procuração e não dispondo de representante munido de procuração com poderes bastantes, o que se pode presumir é apenas que o representante não podia movimentar tal conta. Mas a autora vai muito além dessa mera evidência, ao invocar que não podia realizar quaisquer pagamentos no Brasil (nomeadamente despesas com o seu imóvel). Sucede que tudo o que excede a mera evidência carece de ser demonstrado de forma convincente. Ora, no século XXI existem formas rápidas, fáceis e cómodas de transferir dinheiro entre dois países civilizados, como Portugal e o Brasil. Tendo a autora urgência na realização desses pagamentos, não parece que, em termos normais, o extravio da procuração causasse tão prolongados, extensos e perturbadores danos. A autora é quem tem o ónus de demonstrar que não podia pagar as despesas mensais que indicou – cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. A mera circunstância de não poder movimentar a sua conta na Caixa Económica Federal não legitima a imediata conclusão ou presunção em como não podia de todo fazer tais pagamentos. Impunha-se determinar de forma conveniente outros factos elementares ou instrumentais, tais como saber se dispunha de saldos noutras contas no Brasil; se poderia movimentar outras eventuais contas no Brasil; se as outras contas também estavam sujeitas às restrições impostas pela Caixa Económica Federal; se dispunha de dinheiro ou de saldo bastante em contas bancárias em Portugal; se podia realizar tais pagamentos directamente de Portugal ou se podia transferir dinheiro para um representante da sua confiança no Brasil; qual o montante das despesas que estavam a pagamento; etc. Tais aspectos não foram evidenciados e prova documental indicada pela recorrente em suporte da sua tese não autoriza o tribunal a ir além e concluir que o extravio da procuração, além de naturalmente impedir o representante de movimentar a conta da autora na Caixa Económica Federal, frustrou absolutamente a realização dos pagamentos. Por conseguinte, é de manter a resposta de não provado. * A apelante impugna igualmente a decisão quanto aos factos não provados indicados nas alíneas H), J) e K). A primeira destas alíneas afirma que a A. deslocou-se de sua casa ao aeroporto em viatura própria. A argumentação da apelante assenta na ideia de que, não havendo recibo de transportes públicos e sendo as deslocações uma realidade, fez-se prova do valor despendido aplicando como referencial o artigo 9.º, alínea a) da Portaria n.º 424/2005(?), de 17 de Janeiro. Dir-se-á que o melhor será não apresentar recibos de transporte e reclamar uma tarifa fixa. A circunstância da autora ter adquirido uma passagem aérea para o Brasil e aí ter outorgado nova procuração, faz presumir que se deslocou até ao aeroporto. É igualmente razoável supor que partiu de sua casa e não de qualquer outro local. Porém, apenas perante a invocação da falta de apresentação de recibos de transporte não podemos presumir que se deslocou em viatura própria e que suportou a reclamada despesa de € 4,97. É que presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art.º 349.º, n.º 1, do Código Civil. A autora pretende que o tribunal presuma um facto desconhecido (a autora despendeu € 4,97 em transporte) com base noutro facto desconhecido (a autora não apresentou recibo de transporte). Não obstante a modéstia da reclamada despesa e de a mesma não se revelar irrazoável, não se afigura que haja fundamento bastante para alterar o decido pela primeira instância perante a debilidade da argumentação da apelante. A segunda destas alíneas refere que a A. sentia-se triste, inútil, e colocada em causa pelos seus familiares. E a terceira alínea refere que, durante três meses, a A. não dormia, não tinha fome, e os seus dias eram passados em ansiedade constante à espera de respostas, e, de modo desenfreado, a procurar soluções. Subjacente a esta matéria também estará necessária e implicitamente o nexo causal com a conduta da ré, ao extraviar a encomenda que continha a procuração. Afigura-se que a conduta da ré conduzirá razoavelmente ao agastamento da cliente, que pagou a realização de um serviço, viu as suas expectativas goradas e não recebeu sequer uma explicação satisfatória sobre o que sucedeu, desde logo porque aquela não sabe o que fez à encomenda, nem sabe gerir a informação ou assumir prontamente o extravio. O tribunal julga sobretudo em função de padrões de normalidade e qualquer desvio significativo terá que ser especialmente fundamentado. Parece que só o juiz é que terá que extrair dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência – cfr. art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Todos os outros estarão dispensados desde elementar exercício de bom senso? Ora, as regras da experiência comum dizem-nos que, se a autora foi colocada em causa pelos seus familiares, a pretexto do extravio da procuração, o problema da mesma será sobretudo do foro familiar e não do foro da responsabilidade civil. Admite-se que a conduta da ré poderá gerar frustração, incómodos, perturbação e até alguma fúria ou vexame à sua cliente, em face do manifesto incumprimento da obrigação assumida. Porém, a afectação que caracteriza a autora [triste, inútil, colocada em causa pelos seus familiares, sem dormir durante três meses, sem fome, em ansiedade constante à espera de respostas, e, de modo desenfreado, a procurar soluções] não é compatível com os demais factos apurados. A autora não convence, até porque resulta provado que custeou o bilhete de avião de ida e de volta no valor de € 2.164,38 – facto # 29. Admitindo que a autora dispunha dessa quantia, parece que poderia utilizar uma parte da mesma para a transferir prontamente para uma pessoa de confiança no Brasil e realizar os pagamentos mensais com água, luz, net e tv cabo associadas ao seu imóvel (no pressuposto que não seriam superiores ao dinheiro que teria à sua disposição). Resolveria temporariamente os problemas com os pagamentos e ganhava tempo para, eventualmente, de forma mais económica e rápida, outorgar nova procuração e enviá-la para o Brasil (de preferência, usando os serviços de outra empresa mais fiável). Assim, apenas há que salientar a ausência de prova convincente para demonstrar a grave e exorbitante (considerando as circunstâncias conhecidas) afectação invocada pela autora. E reafirmar o acerto da decisão recorrida. * A apelante impugna ainda o facto julgado provado sob o # 16, considerando que não existe prova quanto ao facto dado como provado, pois a autora não manifestou concordar com os Termos e Condições da ... e convoca os depoimentos das testemunhas C e D. O tribunal a quo julgou provado que, na carta de porte, a Autora, através de D, manifestou concordar com «os Termos e Condições da ...». Como se observa da petição inicial, foi a própria autora quem apresentou nos autos a carta de porte – doc. n.º 2. Aí consta um formulário com a redacção em causa, seguida da aposição da assinatura do representante da remetente. Por conseguinte, não é de estranhar ou censurar a sentença quando motivou a resposta a este facto: adveio da análise do documento n.º 2 junto pela autora com a petição inicial, correspondente à carta de porte que titulou o contrato de transporte em discussão nos autos, sendo certo que tal documento encontra-se preenchido e assinado por D, marido da A., o qual actuou em nome da A.. Tendo o D subscrito tal declaração, é de presumir que aderiu a essa declaração. E essa presunção não foi convincentemente ilidida. Algo bem diferente é saber se a autora, através do seu representante, tinha ou não tinha conhecimento das cláusulas aí referidas. Como se verá infra, a solução do caso não passa pelo conhecimento pela autora das cláusulas contratuais impostas pela ré, mas sim das disposições legais pertinentes, sendo que para a ignorância destas últimas vale o princípio consagrado no artigo 6.º, do Código Civil. Por conseguinte, julga-se que deverá subsistir a redacção do facto # 16. * 2.5. Foi julgado provado que: 1. A Ré tem por objecto «o exercício, por sua conta ou por conta de outrem, das atividades de transportes rápidos, nacionais e internacionais, de mercadorias, documentos e encomendas, porta a porta ou complementares a esta, conhecidos como atividades de “courier”, bem como qualquer forma de prestação de serviços de logística, incluindo as atividades acessórias de declarar por conta de outrem perante alfândegas e de prestação de serviços de “handling” a terceiros e à própria. A sociedade poderá, por sua conta ou por conta de outrem, atuar como agente transitário, agente e intermediário de transportes em todos os atos de transportes terrestre, marítimo e aéreo. A sociedade poderá, por sua conta ou por conta de outrem, efetuar todos os atos relativos ao manuseamento, guarda, expedição, transporte, armazenamento, seguro e desalfandegamento de encomendas e bens seja de que espécie for. A sociedade pode, por sua conta ou por conta de outrem, executar todos as transações ou prestar todos os serviços de qualquer espécie, direta ou indiretamente relacionados com o seu objeto social». 2. No dia 27 de Julho de 2022, pelas 14h15m a Autora, através do seu marido, D, procurou os serviços da Ré, nas instalações desta, sitas no Prior Velho, para que transportasse e entregasse um documento a E, na morada Rua (…) Foz do Iguaçu/ PR … Brasil. 3. O tipo de serviço contratado denominava-se “Express Saver”, tendo sido emitida a carta de porte n.º (…). 4. Através deste serviço, a Ré comprometeu-se a entregar o documento ao destinatário num prazo máximo de seis dias. 5. O documento correspondia a uma procuração outorgada em nome do seu irmão, E para a representar perante o Banco Caixa Económica Federal, conta bancária n.º (…), da agência 0589, sito na rua …, Centro Foz do Iguaçu, Paraná podendo abrir, movimentar, transferir, fazer recadastramento e encerrar contas bancárias, emitir, endossar, sacar, e assinar cheques, fazer depósitos e retiradas mediante recibos, receber e utilizar cartões de débito/crédito, e receber e utilizar as respectivas senhas, solicitar saldos e extratos de contas, requisitar talões de cheques, ordenando pagamento por carta ou qualquer outro meio, realizar incorporações, praticar, enfim todos os demais atos necessários para o fiel e cabal cumprimento do presente mandato. Vedado o substabelecimento. Mandato por prazo indeterminado. 6. O referido documento foi acondicionado num envelope fornecido pela Ré. 7. Pelo serviço contratado, foram pedidos e saldados 58,45 euros. 8. Na carta de porte foi indicado o n.º de telefone do destinatário, bem como o do remetente. 9. Ficou acordado que o transporte do documento seria feito por via aérea. 10. Autora e Ré acordaram serviços de desalfandegamento de rotina de forma gratuita. 11. A Autora autorizou a Ré a agir como agente expedidor para controlo e exportação e para fins alfandegários. 12. Na carta de porte, na «descrição da mercadoria», foi aposta a expressão «Docs.». 13. A embalagem tinha o peso total de 0,5 kg. 14. A Autora não preencheu a secção referente ao «valor declarado para efeitos de transporte», deixando-o em branco. 15. A Autora não procedeu ao pagamento de um montante suplementar, além do frete. 16. Na carta de porte, a Autora, através de D, manifestou concordar com «os Termos e Condições da ..., expressos no verso da Carta de Porte destinada ao Expedidor. A não ser que seja declarado na Carta de Porte um valor de transporte superior, aplicar-se-ão os limites de responsabilidade especificados nas Convenções de Varsóvia, Montreal ou de CMR (se aplicável) ou descritos na cláusula 9 dos Termos e Condições. Os prazos para apresentar reclamações encontram-se expressos na cláusula 12. O remetente autoriza a ... a agir como agente expedidor para controlo de exportação e para fins alfandegários». 17. No dia 08-08-2023, constava do sítio eletrónico da Ré quanto à encomenda da A. o seguinte: «impossível entregar - a ... contactou o destinatário ou o importador para saber sobre desalfandegamento. Não é possível entregar o pacote e este foi eliminado de acordo com as directizes locais». 18. O marido da A. dirigiu-se às instalações da Ré sitas no Prior Velho, onde lhe foi comunicado que a alfândega brasileira pretendia o número do CPF do destinatário, o qual foi disponibilizado. 19. Após, o marido da A. contactou telefonicamente o funcionário da R. F, através da linha verde. 20. A Autora dirigiu um correio eletrónico à R. a fim de dar andamento à questão do fornecimento do CPF do destinatário. 21. A 10-08-2022, a Autora recebeu um e-mail da Ré, através da sua funcionária …, no qual lhe comunicou que a questão foi encaminhada para a ... Brasil. 22. A 09-08-2022, o estado da encomenda passou de “impossível de entregar” para “a caminho”. 23. O marido da Ré deslocou-se novamente às instalações da Ré no Prior Velho, onde lhe é dito que o problema tinha que ver com uma greve na alfandega do aeroporto de S. Paulo, no Brasil. 24. No dia 18-08-2022, a Ré respondeu referindo que a questão tinha sido transferida para o país de destino. 25. Em 22-08-2022, a Ré solicitou o número de telefone do destinatário, o qual foi disponibilizado. 26. A A. contactou o seu irmão, destinatário e representante da autora na procuração, para que se dirija à Caixa Federal no Brasil com a cópia da Procuração emitida em 27/07/2022, alertando esta entidade do extravio por parte da ... do envelope com a procuração. 27. A A. realizou um pedido de agendamento através do sítio eletrónico e-consular no Consulado-Geral do Brasil em Lisboa para outorga de nova procuração, mas não existiam datas disponíveis nos meses subsequentes. 28. A A. comprou passagem aérea para o Brasil com partida a 15 de Novembro de 2022. 29. A A. custeou o bilhete de avião de ida e de volta no valor de € 2.164,38. 30. A A. outorgou uma procuração idêntica na sua cidade, em 5 de Janeiro de 2023. 31. Com a realização do instrumento público no Brasil, a A. despendeu R$ 126,94 equivalente a € 22,25. 32. O documento referido em 5. não foi entregue no destinatário. * 2.6. A questão do regime jurídico aplicável. A apelante começa por sustentar que, ao contrário do decido, sendo um transporte multimodal e ocorrendo o extravio na fase terrestre aplicar-se-iam as normas da CMR, caso o Brasil fosse parte contratante. Não se vê que as normas da Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada ou a adesão do Brasil à mesma tenham qualquer relevância para o caso. Na verdade, a autora invocou a realização em Portugal de um contrato de transporte entre duas pessoas aqui domiciliadas. O único elemento internacional é o destino do transporte. A verdade, a perfeição, interpretação e integração da declaração negocial são reguladas pela lei aplicável à substância do negócio – art.º 35.º, n.º 1, do Código Civil. E de acordo com o disposto no artigo 41.º, do Código Civil: 1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista. 2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado. Assim, em face das apontadas circunstâncias, afigura-se indiferente que o Brasil não tenha aderido a tal Convenção. Além disso, tal Convenção “aplica-se a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes” – cfr. art.º 1.º, n.º 1. Resultou provado que as partes acordaram no transporte de um documento desde o Prior Velho, em Portugal, até Foz do Iguaçu, no Brasil, por via aérea e num prazo máximo de seis dias. O elemento que se destaca quanto ao modo de transporte é a via aérea, nomeadamente porque é a própria apelante que claramente indicou no artigo 13.º, da douta petição inicial, que “Ficou acordado que o transporte do documento seria feito por via aérea”. Por outro lado, são completamente desconhecidas as circunstâncias, o local, o momento e o modo como ocorreu o extravio da encomenda, de maneira a afastar as regras que regem o contrato de transporte internacional e, especialmente, a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional. Assim, apenas se concorda com a conclusão CC) das doutas alegações na parte em que reconhece serem aplicáveis as normas do direito português. Porém, a apelante logo convoca as normas constantes na Lei do Consumidor, Código Civil, Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e Constituição da República Portuguesa. E desconsidera o direito convencional com a lapidar afirmação de que “independentemente da eventual convocação de cláusulas de Convenções Internacionais, estas não poderiam ser aplicadas, pois este contrato foi celebrado entre um consumidor e uma sociedade comercial, estando subsumido às normas imperativas da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, a Lei de defesa do consumidor, e às constitucionalmente preceituadas no artigo 60.º da CRP”. Afigura-se que a apelante, uma vez mais, não atentou no que judiciosamente foi apontado na douta sentença recorrida, nomeadamente que a “Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrado em Montreal em 28 de Maio de 1999 e aprovada em Portugal pelo Decreto n.º 39/2002, de 27 de Novembro, vigorando, na ordem interna, com primazia sobre as normas de direito interno – cfr. o art. 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa” – nosso sublinhado. Tal preceito constitucional refere que as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. Logo, as cláusulas da Convenção de Montreal não podem ser afastadas sob o pretexto do contrato ter sido celebrado entre um consumidor e uma sociedade comercial. Esta Convenção invoca como postulado o reconhecimento da “importância de assegurar a protecção dos interesses dos utilizadores do transporte aéreo internacional, bem como a necessidade de uma indemnização equitativa com base no princípio da restituição”. E aplica-se a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efectuadas a título oneroso – art.º 1.º, n.º 1. Prevê que no transporte de mercadorias será emitida uma carta de porte aéreo – art.º 4.º, n.º 1. E o art.º 22.º, n.º 3, estipula que: “No transporte de mercadorias, a responsabilidade da transportadora em caso de destruição, perda, avaria ou atraso está limitada a 17 direitos de saque especiais por quilograma, salvo declaração especial de interesse na entrega no destino feita pelo expedidor no momento da entrega da mercadoria à transportadora e mediante o pagamento de um montante suplementar eventual. Nesse caso, a transportadora será responsável pelo pagamento de um montante igual ou inferior ao montante declarado, excepto se provar que tal montante é superior ao real interesse do expedidor na entrega no destino”. No caso dos autos, a autora, através do seu representante, entendeu não declarar que o interesse na entrega no destino seria superior a 17 direitos de saque especiais e não quis pagar o eventual montante suplementar. Pressupõe-se que a equidade da indemnização não residirá apenas na apontada restituição, mas igualmente na proporcionalidade com o preço cobrado pelo serviço prestado. O preço cobrado pelo serviço deverá refletir os riscos inerentes à actividade, designadamente quanto ao extravio das mercadorias. Como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/9/2014: “O espírito da referida Convenção e do Decreto que a aprova para vigorar na ordem jurídica portuguesa parece ser o de regular, de forma segura e previsível, todos os danos resultantes para as pessoas na sequência de utilização deste meio de transporte, visando também dessa forma o desenvolvimento deste meio de transporte” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 300/13.0YXLSB.L1-6. * 2.7. A questão da nulidade das cláusulas constantes da carta de porte. A apelante invoca ainda que as cláusulas constantes da carta de porte são nulas, porquanto se reproduzem em cláusulas contratuais gerais ínsitas no contrato de adesão celebrado pelas partes, que excluem a responsabilidade da transportadora, conforme artigo 809.º do CC – cfr. conclusão HH) das doutas alegações. Não se adere a esta argumentação, na medida em que o que limita a responsabilidade da ré é uma disposição constante da convenção e não uma cláusula contratual geral elaborada sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar. Nem tão pouco uma cláusula inserida em contrato individualizado, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar – cfr. art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. Obviamente, a ré não é parte contratante na Convenção de Montreal. O que consta na carta de porte é apenas a informação em como se aplicarão os limites de responsabilidade especificados nas Convenções de Varsóvia, Montreal ou de CMR (se aplicável) ou descritos na cláusula 9 dos Termos e Condições – cfr. facto # 16. Ou seja, o contrato está sujeito às disposições da Convenção de Montreal. Por outro lado e como já foi anteriormente salientado, a autora não pode invocar o desconhecimento das disposições da Convenção que regula o negócio celebrado com a ré – cfr. art.º 6.º, do Código Civil. E não se evidencia que as disposições da Convenção de Montreal – particularmente o citado art.º 22.º, n.º 3 – sejam nulas. * 2.8. A questão da culpa. A apelante convoca ainda a questão da culpa, nomeadamente ao referir ser “notória, a falta de diligência consciente da recorrida no tratamento da questão, pelo que a culpa grave, e até dolo estão provadas”. E ainda que “as normas da Convenção aplicável, excluem, no caso concreto, a aplicação da limitação da responsabilidade civil contratual a montantes pré-definidos” – conclusão GG). Deste logo, esta conclusão evidencia que a apelante acaba as alegações a aceitar o que antes expressamente afastara: “as normas contantes da Convenção de Montreal não se aplicam ao caso concreto” – conclusão AA) das doutas alegações. Efectivamente, o artigo 22.º, n.º 5, da Convenção de Montreal, estipula que: “As disposições previstas nos n.os 1 e 2 não são aplicáveis se se provar que o dano resultou de acto ou omissão da transportadora, seus trabalhadores ou agentes, cometido com a intenção de causar dano ou de forma imprudente e com consciência de que poderia provavelmente ocorrer dano; caso tal acto ou omissão tenha sido cometido por um trabalhador ou agente, deve igualmente ser provado que o trabalhador ou agente agia no exercício das suas funções”. Porém, os n.os 1 e 2 referem-se apenas aos casos de dano causado por atraso no transporte de pessoas e à destruição, perda, avaria ou atraso no transporte de bagagens. Os limites da responsabilidade no transporte de mercadorias estão previstos no n.º 3. E novamente se salienta que é sobre o lesado que incumbia o ónus da prova do dolo ou culpa grave do transportador – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/12/2023, disponível na base de dados da DGSI, processo nº 5397/19.6T8LRS.L1-2, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/11/2006 (ainda no domínio da Convenção de Varsóvia de 1929), disponível na base de dados da DGSI, processo nº 06A2847. O facto ilícito traduz-se no extravio da mercadoria. E, como já foi repetidamente salientado, são completamente desconhecidas as circunstâncias, o local, o momento e o modo como ocorreu o extravio da encomenda. O que dificulta sobremaneira a construção fundamentada do dolo ou culpa grave da transportadora. Daí que a própria autora tente deslocar o problema do dolo para “o tratamento da questão”. Realmente, considerando que a ré extraviou a encomenda; não a conseguiu recuperar; não parece saber o que aconteceu; e não soube gerir o fiasco em termos informativos (cfr. factos # 17, 22, 23 e 24), afigura-se que “o tratamento da questão” se revelou medíocre. Porém, as evidentes falhas da ré são subsequentes ao extravio e não evidenciam qualquer intenção de praticar ou de se conformar com o facto ilícito. Também não se afigura que a ré tenha agido dessa forma para provocar outros danos ou para agravar os danos da autora em termos de esclarecimento da situação. O que se evidencia dos factos provados e se pode razoavelmente presumir desses mesmos factos é que a ré simplesmente não sabe o que fez à encomenda. Logo, não estaria em condições de prestar informações fiáveis em tempo oportuno. Sucede que essa notória incapacidade da ré no “tratamento da questão” é insuficiente para se poder afirmar que agiu com dolo ou culpa grave. Em suma, a sentença recorrida limitou correctamente a responsabilidade da ré ao valor da fixada indemnização à autora, pelo que improcede a apelação. * 3. Decisão: 3.1. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença. 3.2. As custas são a suportar pela apelante. 3.3. Notifique. Lisboa, 6 de Março de 2025 Nuno Gonçalves Jorge Almeida Esteves Adeodato Brotas |