Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
399/20.2YHLSB.L1-PICRS
Relator: MARIA DA LUZ TELES MENESES DE SEABRA
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
USO DE MARCA ALHEIA
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
DANO INDEMNIZÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Nos termos do art. 347º nº 1, 4 e 5 do CPI, quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial ou segredo comercial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação.
II. O uso, por terceiro, dos sinais que compõem as marcas registadas da titular, sem o consentimento desta, na publicidade que aquele faz ao seu estabelecimento comercial e serviços que presta, constitui um uso proibido por força do art. 249º nº 2 al. e) do CPI.
III. O dano indemnizável transcende os limites do puro prejuízo sofrido pelo lesado, traduzido em perda de clientela ou vendas, não estando limitado pela teoria da diferença.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
1. Gil … & Filhos, Lda intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Rita …, Unipessoal, Lda, formulando os seguintes pedidos:
- a) condenar-se a R. a abster-se de usar, para se identificar ou promover na sua actividade comercial e em qualquer suporte ou meio de comunicação, as expressões e marcas registadas ‘GIL …’, ‘MESTRE GIL’ ou ‘GILINHO’;
b) condenar-se a R. a pagar à A. a quantia indemnizatória a estabelecer pelo Tribunal com recurso à equidade, considerando não ser possível fixar o montante dos prejuízos efectivamente sofridos pela A. e, bem assim, a conduta gravosa e reiterada da R., nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 347º do CPI;
c) determinar-se a sanção pecuniária compulsória no valor de 500,00€ por dia no sentido de ser assegurada a execução da decisão.
Como fundamento das referidas pretensões, alegou, em síntese que, existe como sociedade comercial desde 1986, é titular da marca nacional registada “Gil … e Filhos”, com o nº 618509, de 11.09.2019, para a actividade de serviço de vendas a retalho ou a grosso de peças e acessórios para veículos terrestres e serviços de oficinas para reparação de veículos motorizados, nas Classes 35 e 37 da Classificação Internacional de Nice, assim como é titular da marca nacional registada com o nº 573486 “Mestre Gil, Rectificação e Torneiro Mecânico” desde 1955”, desde 10 de Março de 2017, com a actividade de peças e acessórios para veículos na Classe 10 da Classificação Internacional de Nice, bem como é titular da marca nacional registada “Gilinho” sob nº 636031, desde 4 de maio de 2020, para as actividades 12 e 37 da Classificação Internacional de Nice e, que a Ré desde que foi criada em 2015, com oficina a cerca de 100 m da oficina da Autora, na mesma cidade e concelho, e com um colaborador que tem o mesmo nome do fundador da Autora, tem provocado e fomentado a confusão nos clientes das duas empresas, usando o nome do colaborador como forma de atrair a clientela, fazendo-se passar pela empresa “Gil … e filhos”, “oficina do Mestre Gil” e “Gilinho”, usando o nome GIL em diferentes meios e objectos, visando objectiva e inequivocamente criar o erro e a confusão a seu favor e em prejuízo da Autora, com grande impacto porque ambas têm o mesmo ramo de actividade- torneiro mecânico e rectificação- e actuam no mesmo meio geográfico.
A Ré tentou, através do registo de logótipo “RS Retificadora Gil ...” , adquirir algum direito sobre a utilização comercial do nome cuja marca já se encontra registada a favor da Autora, o que lhe foi recusado pelo INPI em 11.07.2019, no entanto é público que a Ré tem usado como modo de se apresentar aos clientes a expressão “Gil …/Gilinho”, nomeadamente nas fachadas e portas da oficina, em veículos, na rede social Facebook na qual tem página com essa designação e, perante o uso abusivo da referida marca por parte da Ré, muitos clientes confundem as duas empresas recorrendo aos serviços da Ré pensando que estão a recorrer a serviços da Autora, clientes habituais da Autora passaram a solicitar serviços á Ré porque lhes faziam chegar a falsa informação de que a Autora teria cessado a sua actividade ou teria falido e teria sido substituída pela Ré.
Após o início de actividade da Ré, a Autora teve uma redução dos seus lucros na sequência da diminuição de facturação e de actividade, prejuízos causados pelo benefício que a Ré tira do uso das marcas registadas a favor da Autora, violando os seus direitos protegidos por lei, sendo que a utilização das expressões “Gil ...” e “Gilinho” corresponde às marcas registadas a favor da Autora e a expressão “Gil …” corresponde à sua denominação social, não se tratando de confundibilidade mas da mesma denominação, para o mesmo tipo de actividade, que leva a uma associação evidente entre a actividade desenvolvida e serviços prestados pela Ré e as marcas registadas a favor da Autora, devendo ser determinada a inibição da violação desse direito de marca e da continuação dessa violação, que continua a ocorrer apesar da decisão de proibição imposta à aqui Ré na providência cautelar prévia a esta acção, tendo a Autora direito a ser indemnizada na sequência da conduta reiterada e gravosa da Ré, em importância a fixar pelo tribunal com recurso á equidade.
2. A Ré/Apelada deduziu contestação, impugnando os factos que fundamentam as pretensões da Autora/Apelante, sustentando que o uso da identificação “Gil”, que resulta do nome de baptismo do seu colaborador (filho do antigo fundador da Autora) insere-se no âmbito do direito de publicidade de que goza a requerida e visa promover a qualidade dos seus serviços por causa da experiência e reconhecimento público de que goza aquele seu colaborador, inexistindo qualquer confusão entre ambas as entidades; as marcas registadas pela Autora revelam-se idênticas ao nome do reputado colaborador da Ré, que é, aos olhos da clientela a grande mais valia da oficina da Ré, não existindo quaisquer sinais capazes de induzir os consumidores em erro ou confusão, nem nunca tendo a Ré pretendido criar qualquer confusão, sendo que, o legislador não terá pretendido que o uso de um nome próprio possa, por si só constituir-se como elemento distintivo de referência, não tendo a Autora concretizado quaisquer danos que se relacionem com a conduta da Ré.
Alegou ainda que, os registos das marcas “Gil ... e Filhos” e “Mestre Gil, Rectificação e Torneiro Mecânico desde 1955”, apresentam menções ao falecido Gil ..., sem que tenha sido prestada qualquer autorização por parte dos seus herdeiros, tornando tais registos anuláveis e, que quanto ao registo da marca “Gilinho” trata-se de um comportamento abusivo da Autora, guiado por evidente má-fé.
Concluiu, formulando dois pedidos reconvencionais:
-pedido reconvencional de anulação do registo de marca “Gilinho” nº 636031, por constituir a usurpação de uma menção, alcunha, designação que se refere única e exclusivamente ao colaborador da Ré Gil MT ..., tal como é conhecido na ilha e na região por ocasião da actividade que desenvolve e das qualidades que lhe são reconhecidas enquanto profissional de mecânica, nos termos do art. 232º nº 1 al. g) do PI;
-pedido de anulação do registo das marcas “Mestre Gil” nº 573486 e “Gil ... e Filhos”nº 618519, nos termos do art. 232º nº 1 al.g) do CPI por não ter sido obtida dos herdeiros, em particular do colaborador da Ré e da sua filha, qualquer autorização que tornasse lícito o uso das expressões, menções e figurações referentes ao falecido Gil ... (falecido em 2011), sendo a sócia gerente da Ré Rita … herdeira do falecido Gil ….
3. A Autora apresentou réplica, deduzindo oposição aos pedidos reconvencionais, sustentando que é titular do nome comercial que lhe dá proteção às designações em causa nos autos, bem como registou as marcas sem que a Ré ou o dito colaborador da Ré tenha contestado esses registos, concluindo como na PI.
4. Foi realizada audiência prévia, com elaboração de despacho saneador, no âmbito do qual foi absolvida a Autora/Reconvinda da instância reconvencional por ilegitimidade da Ré/Reconvinte, foi fixado o objecto do litígio, bem como os temas de prova, que não foram objecto de reclamação.
5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença pela qual se decretou o seguinte:
“Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente e provada a presente acção e, em consequência, condena-se a R. Rita …, Unipessoal, Lda.:
a) a abster-se de usar, para se identificar ou promover na sua actividade comercial e em qualquer suporte ou meio de comunicação, as expressões ‘GIL ...’, ‘MESTRE GIL’ ou ‘GILINHO’;
b) a pagar à A. a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização pelos prejuízos causados em resultado da utilização das ditas expressões.
Absolve-se a R. do demais peticionado.
Custas pela A. e R., na proporção do decaimento, que fixo em ¼ para aquela e ¾ para esta (artigo 539º, 1 e 2, e 527º, 1 e 2, do CPC).
Valor: o indicado pela A..
Notifique e registe.”
6. Inconformada, a Ré/Apelante interpôs recurso de apelação da sentença final, em que, nas conclusões:
i) suscita a nulidade da sentença, nos termos do art. 607º nº 4 do CPC;
ii) requer a ampliação de dois factos aos factos provados;
ii) impugna a decisão de direito, com fundamento em errada interpretação do art. 249º nº 1 do CPI e inexistência de danos a indemnizar.
Conclui, pedindo que seja declarada a nulidade da sentença, nos termos do n.º4 do art.º 607.º do CPC, em alternativa ser o tribunal de primeira instância convidado ao suprimento da falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, conforme peticionado; em todo o caso, e se assim não se entender, deve a decisão impugnada ser substituída por outra que, face à requerida alteração da matéria de facto a operar nos termos do n.º1 do art.º 662.ºn.º 1 do CPC, considere improcedente a presente ação, com absolvição da recorrente dos pedidos contra si formulados.
7. A Autora/Apelada ofereceu contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.
8. Foram observados os vistos legais.
9. No presente recurso de apelação, a Ré/Apelante formulou as seguintes
CONCLUSÕES
1-Não efetuando o tribunal recorrido o exame crítico da prova, limitando-se a remeter a fundamentação acerca da decisão sobre a matéria de facto para os documentos juntos e para o teor dos depoimentos gravados, verifica-se violação do disposto no art.º 607.º, n.º4 do CPC, o que acarreta nulidade da sentença com as legais consequências.
2-Caso assim não se entenda, o que por dever de ofício se equaciona, haverá que proceder em conformidade com o disposto no art.º 662.º, n.º 2 al. d), o tribunal de 1.ª instância fundamente tal decisão tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3-Da prova produzida, revela-se inexistir qualquer confusão entre os clientes gerada por algum sinal utilizado pela recorrente.
4-A designação Gilinho ou Gil é utilizada como instrumento publicitário dos serviços disponibilizados pela recorrente, fazendo-se valer das qualidades e aptidões do colaborador Gil MT…, por coincidência, filho do fundador da oficina operada pela recorrida.
5-Deve ser aditado aos factos dados por provados, como sentido e alcance do disposto no art.º662.º,n.º1doCPC que a) O uso da identificação ‘Gil’ ou ‘Gilinho’ pela R. visa promover a qualidade dos seus serviços, contando para tal com a experiência e reconhecimento público de que goza o colaborador em causa e que b) Os clientes tanto efectivos como potenciais têm perfeita noção das características, qualidades e aptidões da A. e R. e de onde se situa o estabelecimento de uma e de outra ou quem aí labora.
6-Inexistindo qualquer perigo de confusão ou associação no espírito dos consumidores, errou o tribunal recorrido ao subsumir a conduta da recorrente na al.b) do n.º1 do art.º 249 do CPI, certo sendo, reitera-se, que tal conduta, na óptica da recorrente, não se subsume em nenhum dos comandos legais insertos no referido preceito.
7-Em todo o caso, inexistem danos concretos produzidos na esfera jurídica da recorrida, e bem assim, quaisquer danos em termos de imagem ou reconduzidos a qualquer confusão gerada nos consumidores, pelo que nenhum valor deve ser devido à recorrida a título de indemnização.
8-Termos em que deve ser declarada a nulidade da sentença, nos termos do n.º4 do art.º 607.º do CPC, em alternativa ser o tribunal de primeira instância convidado o suprimento da falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, conforme peticionado; em todo o caso, e se assim não se entender, deve a decisão impugnada ser substituída por outra que, face à requerida alteração da matéria de facto a operar nos termos do n.º1 do art.º 662.ºn.º 1 do CPC, considere improcedente a presente ação, com absolvição da recorrente dos pedidos contra si formulados.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
De acordo com o disposto no art. 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. ([1]).
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No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª- Nulidade da sentença;
2ª- Ampliação da matéria de facto provada;
3ª- Inexistência do requisito da confusão ou associação previsto no art. 249º nº 1 al. b) do CPI;
4ª- Inexistência de danos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A A. é uma sociedade comercial constituída em 12.12.1986 que se dedica à ‘serralharia, tornearia e afins’, cfr. doc. 1 junto a fls. 8v-13v dos autos, que se dá por reproduzido.
2. A empresa Gil ... e Filhos, Lda., existente desde 1986 como referido supra (ponto 1 do presente enunciado de factos), foi constituída para dar formato societário a uma actividade que já era exercida pelo sócio fundador Gil ... desde 1955, como torneiro mecânico e rectificação, numa oficina sita na Rua …, freguesia de Nossa Senhora da Conceição, Angra do Heroísmo.
3. No âmbito da sua actividade, a requerente é titular dos seguintes registos de marcas, cfr. docs. 2, 3, 4 e 5 juntos a fls. 14-29v dos autos, que se dão por reproduzidos:
- marca nacional n° 573486 , solicitado em 22.11.2016 e concedido em 7.03.2017 para assinalar ‘peças e acessórios para veículos’ na classe 12 da Classificação de Nice;
- marca nacional n° 618509 GIL ... E FILHOS, solicitado em 8.02.2019 e concedido em 6.09.2019 para assinalar ‘serviços de venda a retalho ou a grosso de peças e acessórios para veículos terrestres’ na classe 35 e ‘serviços de oficinas para reparação de veículos motorizados’ na classe 37 da Classificação de Nice;
- marca nacional n° 636031 GILINHO, solicitado em 9.01.2020 e concedido em 4.05.2020 para assinalar ‘peças e acessórios para veículos terrestres’ na classe 12 e manutenção de peças e acessórios para veículos terrestres motorizados comerciais; manutenção e reparação de peças e acessórios para barcos’ na classe 37 da Classificação de Nice;
4. A R. foi criada em 11.03.2015 na mesma cidade e concelho e com a mesma actividade que a A., e oficina a 100 metros da oficina desta.
5. Um dos colaboradores da R., que aí trabalha desde o início (ponto 3 do presente enunciado de factos) chama-se Gil MT ... como o referido sócio fundador da A. (ponto 2 do presente enunciado de factos), seu pai, tendo até então sempre trabalhado na oficina deste, ora A..
6. Na fachada e portas da oficina da R., sita na Av. …, freguesia de Nossa Senhora da Conceição, 9700-098 Angra do Heroísmo, bem como nas respectivas viaturas existem painéis, placas ou autocolantes identificadores e/ou publicitários onde constam as expressões ‘Gil ...’, integrada num sinal misto, sob ou sobre a expressão ‘RS RETIFICADORA’ contornada na sua parte superior por uma figura em forma de duplo arco de círculo com uma chave de bocas representada no canto superior direito, cfr. docs. 7, 9, 10 e 11 juntos a fls. 32, 33 e 37-37v dos autos, que se dão por reproduzidos.
7. No painel publicitário aposto sobre a fachada da oficina da R. consta ainda a expressão ‘Gil … (Gilinho)’ inscrita em letras de grande dimensão sobre uma faixa rectangular escura na parte superior do dito painel, cfr. doc. 8 junto a fls. 32v dos autos.
8.Na página da R. na rede social facebook https://www.facebook.com/rsretificadora/aparece várias vezes a expressão ‘Gil …: RS Retificadora’, o sinal , ou a expressão ‘RS Retificadora: Gilinho’, cfr. impressões extraídas da mesma juntas como docs. 12, 13 e 19 a fls. 38-38v e 42 dos autos, que se dão por reproduzidos.
9. Por despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) de 11.07.2019, publicado no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) de 16.07.2019, foi recusado o pedido de registo do logótipo n° 47974 apresentado pela R. e contra o qual a requerente reclamou com fundamento em imitação da sua designação social ‘Gil ... e Filhos, Lda.’, cfr. doc. 6 junto a fls. 30-31v dos autos, que se dá por reproduzido.
10. Por mensagem de correio electrónico de 8.02.2019, a A. reclamou junto do transportador com quem trabalha há muito, pelo facto de equipamentos enviados para reparação à A. por clientes desta provenientes de outras ilhas terem sido aí levantados pela R., cfr. doc. 15 junto a fls. 33v dos autos, que se dá por reproduzido.
11. A A. tem recebido contactos de pessoas a reclamar por serviços excessivamente caros ou mal efectuados, mas que foram enviados à R., cfr. doc. 16 junto a fls. 39v-40 dos autos, que se dá por reproduzido.
12. Clientes habituais da A. passaram a solicitar serviços à R..
13. A A. tem sofrido uma redução da sua facturação nos últimos anos.
14. Passou a reparar em média duas cabeças de motor por dia, em vez de quatro e uma cambota por mês em vez de duas.
15. A A. tem compromissos, responsabilidades e obrigações bancárias que ascendem a € 29.517,00 e têm de ser cumpridos pontualmente, cfr. docs. 17 e 18 juntos a fls. 41-41v dos autos, que se dão por reproduzidos.
16. O referido colaborador Gil MT ... (ponto 4 do presente enunciado de factos) é um reconhecido rectificador de motores na Ilha Terceira, que atrai muitos clientes à oficina da R., sendo ele quem pela sua vasta experiência e conhecimento técnico na área orienta e supervisiona o trabalho dos demais trabalhadores desta.
17. O referido colaborador da R. é há muito conhecido pela alcunha de ‘Gilinho’, sendo o seu pai e fundador da requerente, falecido há cerca de 9 anos, conhecido por ‘Mestre Gil’.
2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
A) A A. sempre foi conhecida pela sua qualidade e fiabilidade.
B) O uso da identificação ‘Gil’ ou ‘Gilinho’ pela R. visa promover a qualidade dos seus serviços, contando para tal com a experiência e reconhecimento público de que goza o colaborador em causa (pontos 4, 15 e 16 do enunciado de factos indiciariamente provados supra).
C) Os clientes tanto efectivos como potenciais têm perfeita noção das características, qualidades e aptidões da A. e R. e de onde se situa o estabelecimento de uma e de outra ou quem aí labora.
D) Nas menções constantes da entrada da oficina da R., e bem assim de todas as plataformas publicitárias, nos veículos por ela utilizados, nas redes sociais, mesmo quando é utilizado o nome Gil ..., é logo colocado em parêntesis ‘Gilinho’.
E) A A. tem manifestado múltiplas insuficiências no que respeita à qualidade na prestação dos seus serviços.
F) A impreparação dos seus colaboradores e o défice de experiência dos elementos da gerência nesta área em particular são aspetos que concorrem para que a A. perca clientes.
G) Um elevado número de clientes da A. recorrem à requerida em função de reparações deficientes ou de trabalhos defeituosos efectuados por aquela, que a R. é incumbida de corrigir.
H) A A. tem seis colaboradores ao seu serviço.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ª Questão- Nulidade da sentença.
Alegou a Apelante que a sentença é nula por ter sido violado o disposto no art. 607º nº 4 do CPC, não tendo o tribunal recorrido efectuado o exame crítico da prova, tendo-se limitado a remeter a fundamentação acerca da matéria de facto para os documentos juntos e para o teor dos depoimentos gravados (Conclusão 1.).
O art. 607º nº 4 do CPC rege os termos da elaboração da sentença, fazendo menção, no nº 4, que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Por seu turno, o art. 615º do CPC consagra especificamente as causas de nulidade da sentença.
Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo [2], só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença.
Segundo o referido art. 615º nº 1 do CPC:
“É nula a sentença quando:
(…)
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…).”
Do confronto dos referidos preceitos legais retira-se a conclusão de que a violação do art. 607º nº 4 do CPC não constitui causa de nulidade da sentença, isto é, a falta de exame crítico da prova pelo juiz, quando se limita a remeter a fundamentação acerca da matéria de facto para os documentos juntos e para o teor dos depoimentos gravados não constitui uma nulidade da sentença, por não consubstanciar nenhuma das hipóteses taxativamente consagradas no art. 615º nº 1 do CPC.
Em abono desta posição, cita-se o recente Ac STJ de 8/4/2021, segundo o qual “Muito embora o atual Código de Processo Civil tenha concentrado, na sentença final, o julgamento da matéria de facto, há que distinguir os vícios de que possa enfermar a decisão de facto dos que possam afetar a decisão sobre o mérito, uma vez que as patologias ocorridas no plano da decisão de facto (cf. art. 607º,  nºs 1 a 4 do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do estatuído no art. 663º, nº2, do mesmo Código) não constituem as nulidades previstas no art. 615º, do CPC que enuncia – com caráter taxativo – as causas de nulidade da sentença.”[3]
O juiz a quo, no despacho de admissão do recurso, respondeu à arguição da nulidade da sentença, fazendo alusão a que não se verificava a nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. b) do CPC, uma vez que a sentença especificava os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito, embora relacionada com o disposto no art. 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC, restringe-se ao dever do juiz discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
E mesmo essa nulidade, prevista na al. b) do n.º 1 do citado art. 615º do CPC, como é entendimento pacífico da Jurisprudência e Doutrina, diz apenas respeito à falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito.
A mera fundamentação deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a sua nulidade. [4]
A propósito da fundamentação da decisão, ensina Anselmo de Castro, que a fundamentação “está ligada ao princípio da livre convicção do juiz, entendido tal princípio não como uma pura convicção íntima e imotivada, mas antes como uma convicção motivada, lógica e racional. Livre convicção não significa desrespeito de toda a lógica, de todo o motivo discursivo.
De outra forma, a livre convicção era susceptível de redundar em puro arbítrio, pois o juiz, sabendo-se desligado da obrigação de motivar as suas decisões, seria naturalmente conduzido a deixar de auto-controlar-se. “
É evidente que a lei exige que o juiz ao declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analise criticamente as provas e especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, dever que o juiz a quo cumpriu de forma muito incipiente, diríamos quase deficiente, porquanto a motivação reconduziu-se basicamente à identificação dos documentos e à identificação das testemunhas (cujos depoimentos foram gravados), sem que esteja convenientemente especificado porque foram aqueles depoimentos decisivos para a prova daqueles factos e não outros, no entanto é feita alusão de forma discriminada, facto a facto, aos concretos meios de prova valorados pelo tribunal de entre toda a prova produzida em julgamento.
Existe de facto um vício, todavia, esse vício ao nível da motivação, não constitui nulidade da sentença.  
Neste sentido, Francisco Ferreira de Almeida, “Não há que confundir o dever de motivação da matéria de facto, a que se reportam os nºs 3 e 4 do art. 607º do CPC, com o dever de fundamentação da sentença nos termos e para os efeitos da causa de nulidade contemplada na al. b) do nº 1 do art. 615º do mesmo diploma.”[5]
O vício consistente na deficiente motivação da matéria de facto, nos casos em que se verifique uma falta de análise crítica da prova que não permita ao seu destinatário perceber como foi formada a convicção do juiz na valoração que fez da prova, poderá implicar a possibilidade de reapreciação da matéria de facto dada como provada ou não provada , nos casos em que a parte com esse motivo impugne a própria decisão sobre a matéria de facto, invocando erro de julgamento quanto aos concretos pontos de facto.
E, mesmo a verificar-se falta de motivação ou análise crítica da prova nesses concretos pontos de facto impugnados não seria anulada a sentença (o que aconteceria se fosse uma verdadeira nulidade da sentença) mas remetidos os autos à 1ª Instância apenas para ser suprido esse vício.
Não havendo recurso de impugnação sobre qualquer ponto concreto de facto que a recorrente considere erradamente julgado, a pretendida remessa dos autos à 1ª Instância afigura-se-nos inútil, pois que o tribunal a quo apenas suprirá a falta de motivação, porque os factos provados e não provados permanecerão os mesmos e o objecto do recurso também.
Ora, a Apelante, a título subsidiário, requereu a remessa dos autos ao tribunal de 1ª Instância para que fundamente a decisão sobre a matéria de facto tendo em conta os depoimentos gravados e registados, conforme disposto no art. 662º nº 2 al. d) do CPC.
Nas conclusões de recurso não é feita referência aos concretos pontos de facto objecto da alegada falta de motivação, apesar de no corpo das alegações a Apelante ter mencionado essa falta relativamente aos pontos 4 a 8, 11 a 14 dos factos provados e alíneas A) a H) dos factos não provados.
Acontece que, a síntese conclusiva apresentada pela Apelante é balizadora do objecto do recurso, balizadora do âmbito do conhecimento do Tribunal da Relação, conforme consagram os arts. 635º nº 4 e 639º nº 1 do CPC.
Dessa forma, se das conclusões de recurso apresentadas pela Apelante não é impugnada a decisão da matéria de facto quanto àqueles pontos concretos, se não é pedido nas conclusões de recurso a alteração daqueles específicos factos dados como provados, ou daqueles factos dados como não provados, é perfeitamente inútil a remessa dos autos à 1ªinstância para ser feita constar de forma especificada a análise crítica da prova, uma vez que aquela decisão sobre a matéria de facto manter-se-á a mesma, isto é, manter-se-ão inalterados aqueles factos por deles não se poder conhecer neste recurso.
Assim sendo, não se concluindo pela verificação de causa de nulidade da sentença, nem existindo falta de fundamentação de decisão sobre facto que a Recorrente tenha impugnado nas conclusões de recurso, improcede, nesta parte, o recurso.
2ª Questão- Ampliação da matéria de facto provada
A Apelante requereu, na Conclusão 5, que sejam aditados aos factos dados como provados, os seguintes factos:
a) O uso da identificação ‘Gil’ ou ‘Gilinho’ pela R. visa promover a qualidade dos seus serviços, contando para tal com a experiência e reconhecimento público de que goza o colaborador em causa;
b) Os clientes tanto efectivos como potenciais têm perfeita noção das características, qualidades e aptidões da A. e R. e de onde se situa o estabelecimento de uma e de outra ou quem aí labora.
No corpo das alegações a Apelante fez alusão à impugnação da matéria de facto (art. 640º do CPC), alegando que considera ter existido erro de julgamento relativamente a alguns pontos de facto, designadamente aos pontos B) e C) dos factos não provados, invocando os depoimentos testemunhais gravados que infirmam a decisão sobre aquela matéria de facto, sem que, como se disse, o tenha feito constar das conclusões.
Tal como acima se fez menção, sendo as conclusões de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação, o poder de cognição do Tribunal de 2ª Instância está limitado por essas conclusões, pelo que, não estando suscitada, nas conclusões, impugnação sobre a decisão que recaiu sobre os concretos factos dados como não provados sob as alíneas B) e C), essa matéria de facto considera-se estabilizada.
Não constando das conclusões de recurso apresentadas pela Apelante como incorrectamente julgados os concretos pontos de facto das referidas alíneas B) e C) dos factos não provados, de que a recorrente pretenderia impugnar, o Tribunal da Relação não pode conhecer dessa parte da decisão da matéria de facto, face à expressa cominação prevista no nº 1 do art. 640º do CPC. [6]
Conforme defende a Jurisprudência maioritária, o disposto no art. 639º nº 3 do CPC, aplica-se apenas à matéria de direito, pelo que, nas situações como aquela que agora se aprecia, a lei impede a formulação de um prévio convite ao aperfeiçoamento das conclusões recursórias, designadamente para, serem acrescentadas novas conclusões, reportadas a essa matéria de facto alegada no corpo das alegações (impugnação da matéria de facto), mas não vertida nas conclusões de recurso.[7] 
Assim sendo, não tendo a Apelante, nas conclusões de recurso, considerado incorrectamente julgados os factos vertidos nas alíneas B) e C) dos factos dados como não provados, os mesmos terão de se manter como não provados, não podendo, consequentemente, ser ampliada a matéria de facto provada nos termos pretendidos, sob pena de contradição entre os fundamentos de facto da decisão.
Por tais motivos, improcede, também nesta parte, o recurso.
3ª Questão- Inexistência do requisito da confusão ou associação previstos no art. 249º nº 1 al. b) do CPI
Sob a Conclusão 6 sustenta a Apelante que inexiste qualquer perigo de confusão ou associação no espírito dos consumidores, tendo o tribunal a quo errado ao subsumir a conduta da Recorrente na al. b) do nº 1 do art. 249º do CPI.
Segundo o art. 210º nº 1 do CPI “O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina.”
Consequentemente, nos termos do art. 249º nº 1 al. b) do CPI “(…) o registo da marca, confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal se:
c) Esse sinal for idêntico à marca e for usado em relação a produtos ou serviços afins aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo ou se esse sinal for semelhante à marca e for usado em relação a produtos ou serviços idênticos ou afins aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo, caso exista um risco de confusão ou associação no espírito do consumidor; “
Esse conceito de confusão também surge no art. 311º nº 1 do CPI, segundo o qual, “Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente:
a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;”
Alegou a Apelante que é pacífico que a Apelada/Autora goza dos direitos legalmente protegidos configurados no art. 249º do CPI, insurgindo-se apenas quanto ao facto de o tribunal a quo ter entendido que existe risco de confusão ou associação, por estar convencida que, da prova produzida, tal risco inexiste.
No entanto, sem razão, porquanto tal entendimento não encontra arrimo nos factos provados, pelo contrário, os factos provados sob os pontos 10 e 11 são evidências de que a utilização pela Apelante de expressões iguais às vertidas nas marcas de que é titular a Apelada- Gil ... e Gilinho- têm gerado confusão entre os clientes/consumidores.
De acordo com a factualidade dada como provada, bem andou o tribunal a quo ao concluir que " Ficou assim provado que a R. se encontra a usar os sinais da A., em violação do exclusivo que lhe é conferido pelo citado artigo 249º, nº 1, alínea b) do CPI, uma vez que se tal uso ocorre no âmbito da mesma actividade e para sinalizar os mesmos serviços de torneiro mecânico, rectificação e reparação/manutenção de peças e acessórios para veículos motorizados que as marcas registadas da A..
O que aliás tem suscitado situações de confusão entre os respectivos clientes e parceiros, como vem demonstrado.”
Salienta-se que o art. 249º nº 2 inclui um elenco, meramente exemplificativo, dos usos por terceiros que podem ser proibidos pelo titular da marca registada, mencionando na al. e),” é proibido, nomeadamente, o seguinte:
e) a utilização do sinal (…) na publicidade.”
 Ora, conforme resulta inequivocamente dos pontos 6 a 8 dos factos provados, a Apelante, no exercício da sua actividade económica, faz uso dos sinais que compõem as marcas registadas da Apelada, na publicidade que faz ao seu estabelecimento comercial e serviços que presta, uso proibido por força do art. 249º nº 2 al. e) do CPI.
Importa também elucidar que o risco de confusão, referido no mencionado preceito legal, compreende o risco de associação, não consubstanciando hipóteses alternativas, isto é, não pode haver risco de associação se não existir risco de confusão[8].
«O risco de associação abrange as situações em que o consumidor, apesar de não confundir os sinais, os imputa à mesma empresa (risco de confusão indireto) ou supõe que entre as diferentes empresas existam especiais relações jurídicas, económicas ou comerciais (risco de confusão em sentido lato).»[9]
O risco que se pretende evitar é o risco de indução dos consumidores em erro ou confusão sobre a origem dos produtos ou serviços, uma vez que a marca é um sinal que se destina a distinguir os produtos/serviços de uma determinada empresa dos de outras empresas, distinção que não é facilmente perceptível pelo consumidor médio se uma empresa concorrente faz uso não autorizado de sinais que compõem a marca registada de outra empresa distinta, como é o caso dos autos.
Assim sendo, concluindo-se pela verificação do mencionado requisito previsto no art. 249º nº 1 al. b) do CPI nenhum reparo merece, nesta parte, a sentença recorrida.
4ª Questão- Inexistência de danos.
Sob a Conclusão 7 sustenta a Apelante que inexistem danos concretos produzidos na esfera jurídica da recorrida, e bem assim, quaisquer danos em termos de imagem ou reconduzidos a qualquer confusão gerada nos consumidores, concluindo que nenhum valor deve ser devido à recorrida a título de indemnização.
Também esta conclusão está manifestamente desfasada da matéria de facto apurada nos autos, porquanto extraem-se tais danos da articulação dos factos vertidos nos pontos 10 a 14 dos factos provados, que o tribunal a quo valorou como “prejuízo em termos de imagem decorrente da confusão gerada e de reclamações de clientes ou descaminho ao nível do transportador de trabalhos encomendados”, tendo para o efeito fixado uma indemnização por equidade, possibilidade consagrada no art. 347º, nº 5 do CPI, que prescinde da quantificação exacta do prejuízo efectivamente sofrido pela parte lesada.
De facto, segundo o art. 347º nº 1, 4 e 5 do CPI:
1-“Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial ou segredo comercial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação.
(…)
4- O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infractor.
5- Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efetivamente sofrido pela parte lesada, e desde que esta não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade (…)”
Este preceito legal resulta do art. 13º da Directiva 2004/48/CE que veio a ser transposta através da Lei nº 16/08 de 1, a qual aditou ao CPI o art. 338º-L com a epígrafe “indemnização por perdas e danos”, que corresponde, no essencial, ao actual art. 347º do CPI, tendo sido preocupação do legislador reforçar a proteção dos direitos industriais, também em termos ressarcitórios.
« O reforço da posição do lesado, a nível indemnizatório, verificou-se em diversos planos, como sublinha Adelaide Menezes Leitão, traduzindo-se quer num “conceito de dano mais abrangente, quer, ainda, num aligeiramento do ónus da sua prova, na medida em que se pode recorrer a elementos sucedâneos para o computo do dano”(…).
No que respeita ao dano indemnizável, assinale-se a consagração de um conceito normativo de dano que transcende os limites estritos do prejuízo sofrido pelo lesado, medido pela tradicional teoria da diferença. A violação de um direito privativo industrial não tem como única consequência a perda de vendas pelo titular do direito. Vai para além disso, pondo em causa a integridade económica do direito exclusivo, afetando as diversas virtualidades inerentes ao gozo de uma posição única no mercado, pelo que a intromissão do infractor tem múltiplas repercussões negativas na esfera jurídica do titular e nas expectativas, actuais e futuras, de retorno económico do bem imaterial protegido.».[10]
Contrariamente ao que parece sustentar a Apelante, para que seja atribuída indemnização por perdas e danos pela violação do direito privativo industrial da Apelada não era imprescindível que tivessem sido apurados danos concretos de perda de clientela, perda de vendas, prejuízos patrimoniais, não se estando no âmbito da teoria da diferença consagrada em termos gerais no art. 562º do CCivil, podendo atender-se, à luz do art. 347º do CPI, aos danos infligidos no direito exclusivo, inclusivamente de natureza não patrimonial, “no desprestígio, banalização e degradação da imagem de um produto ou serviço, ou dos respectivos sinais distintivos, a que acresce o dano inerente à turbação da exclusividade (desvalorizando a mais-valia resultante da titularidade de uma posição única no mercado. (…) a mera violação da integridade económica do direito industrial, afetando necessariamente a exclusividade que o caracteriza, representa por si só um dano não patrimonial, cuja gravidade merece a tutela do direito”.[11]( a esse propósito leia-se também, António Abrantes Geraldes, Violação de Direitos Industriais e Responsabilidade civil, Direito Industrial, Vol III, APDI, p.
Em suma, o prejuízo/dano é concretizado quando a função distintiva da marca deixa de existir em função de um uso indevido efectuado por terceiro, sem consentimento do titular da marca, que gera confusão no consumidor, no cliente, o qual passa a confundir a empresa titular da marca e o terceiro que abusivamente a utiliza, como aconteceu no caso em apreço.
Ficou suficientemente demonstrado que, existiram situações em que equipamentos que foram enviados para reparação à Apelada/Autora acabaram por ter sido encaminhados para a Apelante/Ré e, em que a Apelada recebeu reclamações por serviços efectuados pela Apelante, evidenciando tais situações que os clientes laboravam em erro sobre a origem dos serviços, erro esse induzido pela conduta da Apelante e que necessariamente afectou a integridade económica do direito da Apelada, dano pelo qual tem, por isso, direito a ser indemnizada.
Deste modo, também quanto a esta questão não merece reparo a sentença recorrida.
*
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, julgar improcedente o recurso de apelação, interposto pela Apelante/Ré Rita …, Unipessoal, Lda, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Custas pela Apelante, que ficou vencida – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Lisboa, 10-2-2022
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
Eurico José Marques dos Reis
Carlos M G de Melo Marinho

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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([1]) F. AMÂNCIO FERREIRA, “ Manual dos Recursos em Processo Civil ”, 8ª edição, pág. 147 e A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos no Novo Código de Processo Civil ”, 2ª edição, pág. 92-93.
([2]) A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 686.
[3] Proc. Nº 1544/16.8T8ALM.L1.S1, www.dgsi.pt
([4])A. VARELA, M. BEZERRA, S. NORA,  Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 687-688; AC STJ de 14.12.2016,  www.dgsi.pt.
[5] Direito Processual Civil, Vol. II, p. 352
[6] Neste sentido Ac STJ de 8/4/2021, Proc. Nº 1544/16.8T8ALM.L1.S1, www.dgsi.pt
[7] Ac STJ de 19/12/2018, Proc. Nº 2364/11.1TBVCD.P2.S2; Ac STJ de 2/6/2016, Proc. Nº 781/07.0TYLSB.L1.S1; Ac STJ de 27/9/2018, Proc. Nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1; Ac STJ de 24/5/2018, Proc. nº4386/07.8TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt
[8] Ac TJUE proferido no Proc. C-251/95 ( Caso Sabel)
[9] CPI Anotado, Coord. Luis Couto Gonçalves, p. 966
[10] CPI Anotado, Coord. Luís Couto Gonçalves, p. 1262
[11] CPI Anotado, ob.cit,p. 1266