Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CAETANO DUARTE | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE VISTAS USUCAPIÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/18/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | - A servidão de vistas não dá ao seu beneficiário a possibilidade de avistar o mar mas tão só a de, num espaço de metro e meio, não ver coarctado o seu direito de ver e devassar; - A eventual redução de horas de exposição ao Sol não afecta o direito concedido pela servidão de vistas. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa E intentou acção com processo ordinário pedindo a condenação de M a reconhecer a sua propriedade sobre o prédio que identifica e a alinhar o prédio confinante posteriormente construído ou a pagar-lhe € 50 000,00. A Ré contestou impugnando os factos. Proferido despacho saneador fixados os factos assentes e elaborada base instrutória, procedeu-se ao julgamento com as formalidade legais vendo a ser proferida a sentença de fls. 186 a 192 em que se julgou a acção parcialmente procedente e se condenou a Ré a demolir a parte da casa que construiu nos 4 metros para além do alinhamento traseiro da casa do Autor. Desta sentença vem o presente recurso de apelação, interposto pela Ré. A Apelante alega, em resumo: - O logradouro e as duas janelas dos quartos traseiros da casa do Autor estão localizados a nascente e não a sul; - Nascendo o Sol a este (nascente) e pondo-se a oeste (poente), aquele logradouro e aquelas janelas só beneficiavam dos raios solares matinais; - Esta situação não se alterou com a construção do prédio da Ré; - Além disso, o prédio da Ré não tinha que estar alinhado com o do Autor porque não fazem parte de qualquer loteamento urbano; - Para se falar em servidão de vistas é necessário que as obras sejam construídas em contravenção com a lei e que se verifiquem todos os requisitos de posse; - Ou seja, apenas merecem protecção as vistas que deitem sobre o prédio vizinho e não as que se alongam para a linha do horizonte, in casu, para o mar; - A desvalorização de € 50 000,00 referida na sentença não tem por base qualquer avaliação pericial e não se compreende que uma construção lícita possa dar origem a tal desvalorização. O apelado contralegou, dizendo: - A casa do Autor situa-se numa zona balnear, próxima da praia e do mar, escolhida precisamente por esse facto; - A fruição dessa proximidade não deixa de constituir um direito à saúde, ao descanso, à calma, ao ambiente e fundamentalmente à qualidade de vida de quem o desfruta há mais de 20 anos; - O facto da casa da Ré ter obtido licenciamento administrativo não significa que estejam legalizadas todas as ofensas a direitos básicos de personalidade; - A Ré, ao edificar a casa para além do alinhamento da do Autor, feriu os direitos de personalidade deste e abusou do seu direito de propriedade; O valor de € 50 000,0 para a desvalorização da casa do Autor foi referido por várias testemunhas ouvidas em julgamento. Corridos os vistos, cumpre decidir. Foram considerados como provados os seguintes factos: - O Autor é dono e legítimo proprietário de um prédio destinado a habitação, e inscrito a favor do Autor; - A Ré é dona duma gleba de terreno destinada a construção urbana que confronta a sul com a propriedade do Autor, na qual está a construir duas casa destinadas a habitação; - A Ré iniciou os trabalhos de execução das mesmas após instrução e aprovação pela autoridade administrativa competente e em sintonia com o plano municipal; - A Ré construiu 4 metros para além do limite da parte de trás das restantes casas da rua; - A empena da casa da Ré tem 6 metros de altura, erguendo-se cerca de 3 metros acima do muro divisório da casa do Autor; - Pelo facto de o alçado da casa da Ré se prolongar para Oeste (mais precisamente, com uma orientação de 110º, ou seja, 20º a sul da direcção este), após a construção da mesma, o logradouro da casa do Autor passou a receber directamente o Sol apenas da parte da manhã, pelo que se tornou mais húmido e ensombrado; - O dito prolongamento impede a vista para sul das duas janelas dos quartos traseiros da casa do Autor (abertas em parede perpendicular àquela), apenas de uma delas se avistando o mar, com uma amplitude muito menor do que acontecia antes daquela construção, sendo que ambas passaram a receber directamente o Sol apenas da parte da manhã; - Vista da qual gozavam há mais de 20 anos o Autor e os antepossuidores da casa, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição; - Tal alteração desvalorizou a casa do Autor em, pelo menos, € 50 000,00; - A cércea da casa construída pela Ré é superior à das moradias já existentes na rua; - A parede construída encosta à chaminé da churrasqueira do barbecue da casa do Autor, fazendo com que, sempre que aquele se acenda, o fumo fique impregnado na parede; - Dando-lhe um aspecto sujo, descuidado e envelhecido; - O vão exterior existente no 1º andar do alçado traseiro da moradia da Ré é uma porta com acesso a uma varanda e dista 1 metro do quintal do Autor; - Para a frente, a parede da casa da Ré avançou 85 cm, retirando parte da vista que, há mais de 20 anos, se desfrutava para sul, da varanda da sala do 1º andar da casa do Autor. O âmbito do recurso define-se pelas conclusões do apelante (artigos 684º e 685-A do Código de Processo Civil). No presente recurso há que decidir uma única questão: saber se o Autor goza de servidão de vistas e esta servidão foi afectada pela construção da Ré. A servidão pressupõe a existência de dois imóveis e que, entre os mesmos, se estabelece uma relação de que um beneficia em detrimento do outro. Por outras palavras, a existência duma servidão permite ao imóvel que dela beneficia aumentar as utilidades decorrentes do seu direito real de gozo mediante uma redução do direito de gozo dum outro imóvel vizinho ou confinante. No caso da servidão de vistas, este aumento de utilidades traduz-se na possibilidade do titular do imóvel beneficiário da servidão aproveitar as vistas através dos meios que criou através de obras que criou. No caso dos autos, a servidão de vistas invocada pelo Autor permite-lhe aproveitar das vistas que passou a desfrutar através das janelas que abriu na parte traseira do seu prédio. Claro que estamos a partir do princípio que o imóvel do autor possui uma servidão de vistas sobre o prédio da Ré adquirido por usucapião. Nem outra coisa se poderia admitir face à prova efectuada e a própria Ré não questiona a existência de tal servidão. Como se refere no Acórdão do STJ de 23 de Setembro de 1999, após a constituição da servidão de vistas, o imóvel beneficiado tem direito a que “o vizinho do prédio serviente se não possa opor às aberturas prevaricadoras” bem como a que “o mesmo vizinho não possa construir edifício a menos de 1 metro e meio das referidas aberturas”. Ou, como se diz no Acórdão de 7 de Novembro de 2000 do STJ “a servidão de vistas não é mais do que a possibilidade de poder ver e devassar o prédio vizinho numa profundidade de metro e meio por forma a poder receber ar e luz, sendo estas as utilidades que com ela se pretendem garantir”. No caso dos autos, o direito de gozo conferido ao Autor pela servidão que adquiriu por usucapião é o de, até uma profundidade de metro e meio, poder ver e devassar o prédio da Ré. Não pode estar aqui em causa a possibilidade de avistar o mar mas tão só a possibilidade de, no referido espaço de metro e meio, não ver coarctado o seu direito de ver e devassar. Construindo uma parede a um metro das aberturas existentes no prédio do Autor, a Ré está necessariamente a ofender a servidão de vistas de que goza o prédio do Autor. O facto de se saber se o prédio do Autor continua a receber o Sol como antes acontecia ou se as horas de exposição ao Sol ficaram reduzidas porque o direito que a servidão dá é o de ver e esse ou é afectado pela construção efectuada no prédio serviente ou não o é. E, como resulta dos factos provados, no prédio serviente – o da Ré – foi construída uma parede a 1 metro do prédio do Autor. Foi, por isso violado o seu direito de gozo decorrente da servidão de vistas. Tem de ser destruída essa parede como foi muito bem decidido na sentença de que se recorre. Termos em que acordam julgar improcedente o recurso, confirmando na íntegra a sentença recorrida. Custas pela Apelante. Lisboa,18 de Março de 2010 José Albino Caetano Duarte António Pedro Ferreira de Almeida Fernando António Silva Santos |