Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ELISABETE ASSUNÇÃO | ||
| Descritores: | PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO(PEAP) ACORDO DE PAGAMENTO APROVAÇÃO HOMOLOGAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário - Elaborado pela Relatora nos termos do art.º 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC). 1 – Tendo os credores aprovado o acordo de pagamento incumbe ao juiz a decisão sobre se homologa ou recusa a homologação do mesmo tal como resulta do disposto no art.º 222º-F, n.º 5, do CIRE. 2 – Para o efeito, deverá aplicar as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, do CIRE. 3 – De entre essas regras são aplicáveis ao PEAP as previstas nos artºs 212º, n.º 2, al. a) e 215º, ambos do CIRE. 4 – Nos termos do art.º 215º, do CIRE, o juiz deve recusar a homologação do plano, mesmo atuando oficiosamente, quando ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, no caso do PEAP, acordo de pagamento. 5 – Constitui violação não negligenciável de regras procedimentais a não admissão a votar de um credor que vê modificado o seu crédito na parte dispositiva do plano. 6 – Não se verificando essa modificação não deverá esse credor/credores ser/em admitidos a votar e consequentemente os seus votos não deverão ser computados no resultado da votação. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório Em 31.12.2024, A. e B., iniciaram Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), pedindo a final que, ao abrigo do disposto no art.º 222º -A e segs do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), seja admitido e aberto processo especial para acordo de pagamento dos requerentes e nomeado administrador judicial provisório Embora em rigor refiram Administrador da Insolvência., que indicam. Em 03.01.2025, foi proferido despacho recebendo o requerimento e nomeando nos autos administrador judicial provisório. Em 03.02.2025, foi junta aos autos pelo administrador judicial provisório nomeado lista provisória de créditos. Apresentadas impugnações à lista apresentada foi, em 18.04.2025, proferida decisão, na parte que ora nos interessa, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, em suma: Após as decisões supra quanto a cada um dos créditos impugnados, bem como os créditos que não foram objeto de qualquer impugnação, são os seguintes os montantes totais dos créditos a atender: 1. Banco Santander Totta, S.A. - € 109 232,00 (sendo € 108.941,09 de natureza garantida/hipoteca) 2. C. - € 20.000,00 3. Instituto de Segurança Social, I.P. - € 80.653,44 4. Estado/Fazenda Nacional - € 134.982,22 (sendo € 515,73 de natureza garantida/IMI). 5. Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP - € 9.852,58 (privilegiado) 6. Novo Banco, S.A. - € 9.206,89, montante de capital, acrescido dos juros de mora dos últimos cinco anos, calculados entre janeiro de 2020 e janeiro de 2025, que deverão ser recalculados pelo credor 7. SU Eletricidade, S.A. - € 0,00 8. Xyq Luxco S.À R.L. - € 185.615,83.” Omitiram-se as remissões para notas de rodapé e o conteúdo das mesmas, por não terem interesse para decisão a proferir. O crédito do credor Xyq Luxco S.À.R.L. foi reconhecido com a natureza de garantido. Em 05.05.2025, veio o credor Novo Banco, S.A. indicar um valor global de crédito de 16.515,93 €. Em 10.05.2025, os requerentes juntaram acordo de pagamento constando do mesmo designadamente o seguinte: “(…) IV – MEDIDA PROPOSTA (…) B) Créditos Garantidos (não se aplicando à Segurança Social) • Manutenção das condições em vigora (Não modificados pela parte dispositiva do plano) (…) Execução do Acordo de Pagamento e seus efeitos: O presente Acordo de Pagamento visa, essencialmente, conceder aos Requerentes a possibilidade de gerar a riqueza necessária para fazer face às obrigações que responsavelmente assumiram. Com o despacho de homologação, além dos demais efeitos legais, produzem-se as alterações dos créditos sobre os Requerentes introduzidas pelo Acordo de Pagamento, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (artigos 17.º-D, 17.º-F e 217.º do CIRE). Transitada em julgado o despacho de homologação do Acordo de Pagamento, extinguem-se contra os requerentes todas as ações e execuções para cobrança de dívidas nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 222.º-E do CIRE, com exceção dos credores públicos Autoridade Tributária e Segurança Social. (…) Anexo: Plano de Pagamentos * Banco Santander Totta, S.A. juntou aos autos, em 11.05.2025, requerimento no qual referiu votar contra a aprovação do acordo de pagamento apresentado. Em 14.05.2025, XYQ LUXCO, S.A.R.L veio juntar aos autos requerimento no qual refere votar contra a aprovação do acordo de pagamento apresentado. Em 27.05.2025, veio o administrador judicial provisório juntar aos autos ata respeitante ao resultado da votação, resultando da mesma que os votos emitidos perfazem 100% do total dos credores relacionados com direito de voto, representando os votos favoráveis 54,81% dos votos emitidos. Dos documentos anexos, juntos pelo administrador judicial provisório ao documento referido, resulta que foram conferidos direitos de voto ao credor Banco Santander Totta, S.A. correspondentes ao valor de 290,91 €, tendo ainda sido conferidos votos ao credor Xyq Luxco S.À R.L. correspondentes à totalidade do crédito reconhecido ao mesmo no valor de 185.615,83 €. Por despacho de 05.06.2025, foi ordenada a notificação do administrador judicial provisório para esclarecer: “por que motivos apenas contabilizou o montante de € 290,91 a respeito dos direitos de voto do credor Banco Santander Totta, S.A., sendo certo que a este foi reconhecido o montante total de € 109.232,00 (cfr. decisão de 18-04-2025.” Em 11.06.2025, veio o administrador judicial provisório responder, dizendo que não considerou o crédito no montante de 109 232,00 € do credor Banco Santander Totta S.A., uma vez que aquele não foi afetado/ modificado pela parte dispositiva do plano. Em 16.06.2025, foi proferido novo despacho no qual se ordenou a notificação dos requerentes e do administrador judicial provisório para, em 5 dias, explicitarem se o quadro final que consta do Acordo junto aos autos a 10-05-2025 (pág.15 de 15) não contempla o crédito reconhecido ao Banco Santander Totta, S.A. no montante de 108.941,09 €. Foi ainda ordenada a notificação do referido credor para, querendo, exercer o contraditório em 5 dias. Em 18.06.2025, vieram os requerentes responder, dizendo, no que ora interessa que, no que respeita ao teor do quadro final que consta do acordo, o mesmo foi elaborado tendo em conta os créditos afetados pelo plano e que o crédito do credor Banco Santander não foi incluído, visto que as condições do mesmo permanecem inalteradas, não tendo sido modificado pela parte dispositiva do plano. Em 23.06.2025, veio o administrador judicial provisório apresentar requerimento reiterando o já anteriormente referido. Em 27.06.2025, pronunciou-se o credor Banco Santander, S.A., dizendo que não concorda com a posição assumida, uma vez que o crédito reclamado (hipotecário) do reclamante se encontra em incumprimento desde 2 de Abril de 2021, estando o empréstimo integralmente vencido, não podendo o plano ignorar este facto, sendo inadmissível a manutenção das condições contratuais do empréstimo. Em 30.06.2025, vieram novamente os devedores reiterar o já anteriormente referido. Em 11.07.2025, foi proferido despacho nos seguintes termos: “Junta aos autos o resultado da votação a 27-05-2025, foi ordenada a notificação dos devedores e do Administrador Judicial Provisório para que explicitassem a exclusão do crédito reconhecido ao Banco Santander Totta, S.A. no montante de € 108.941,09, do quadro final de votação. Vieram os mesmos por requerimentos de 18-06-2025, 23-06-2025 e 30-06-2025, alegar que tal crédito não foi consagrado por força do disposto no artigo 212º, nº 2, alínea a), do CIRE, ex vi do nº 5 do artigo 222º-F do mesmo diploma, não tendo sido incluído no quadro final da votação o crédito do Banco Santander Totta, S.A. porquanto as condições do mesmo permanecem inalteradas, não tendo sido modificado pela parte dispositiva do Plano. Pronunciou-se igualmente o Banco Santander Totta, S.A., por requerimento de 27-06-2025, alegando discordar da posição veiculada pelos devedores e pelo Administrador Judicial Provisório, dado que o crédito reclamado (hipotecário) pelo mesmo se encontra em incumprimento desde 2 de abril de 2021, estando o empréstimo integralmente vencido, não podendo, portanto, o plano ignorar este facto, sendo inadmissível a manutenção das condições contratuais do empréstimo. A fim de decidir a presente questão, determino se notifiquem os devedores para que, em 5 (cinco) dias, tomem posição expressa quanto à data do vencimento do crédito do Banco Santander Totta, S.A. alegada pelo mesmo no seu requerimento de 27-06-2025. Mais determino se notifique o Administrador Judicial Provisório para, no mesmo prazo, juntar aos autos a reclamação de créditos formulada pelo referido banco, e todos os documentos que acompanharam a mesma.” Em 14.07.2025, veio o administrador da insolvência juntar a aludida reclamação e documentos. Em 17.07.2025, vieram os requerentes pronunciar-se dizendo, em síntese, que a posição e o crédito do credor Banco Santander Totta, S.A. permanecem inalterados; que a medida do plano não é a manutenção das condições do empréstimo mas a manutenção das condições do crédito, não sendo o crédito modificado pela parte dispositiva do plano, sendo que a situação do credor fica exatamente igual antes e depois da intervenção do tribunal. Em 02.08.2025, foi proferida decisão, mencionando-se designadamente na mesma, a final, que: “Em face do exposto, importa que sejam contabilizados os seus votos para efeitos de apurar o resultado da votação. Assim, considerando o voto contra do Banco Santander Totta, S.A., temos: Total de créditos reconhecidos com direito de voto e sentido de voto: 1. Banco Santander Totta, S.A. - € 109 232,00 – voto contra 2. C. - € 20.000,00 – voto favorável 3. Instituto de Segurança Social, I.P. - € 80.653,44 – voto favorável 4. Estado/Fazenda Nacional - € 134.982,22 – voto favorável 5. Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP - € 9.852,58 – voto favorável 6. Novo Banco, S.A. - € 16.515,93 – voto contra 7. Xyq Luxco S.À R.L. - € 185.615,83 – voto contra Total geral: € 556.852,00 Total de votos a favor: € 245.488,24 Total de votos contra: € 311.363,76 Considerando o supra exposto, não tendo o plano obtido o voto favorável das maiorias exigidas no nº 3 do artigo 222º-F do CIRE, deve concluir-se que o plano não foi aprovado. Não tendo o Administrador Judicial Provisório computado no cálculo dos votos o crédito garantido do Banco Santander Totta, S.A., tendo, consequentemente, concluído pela aprovação do plano, verifica-se ter ocorrido uma violação não negligenciável das normas procedimentais em matéria de aprovação do plano, nos termos do artigo 215º do CIRE, ex vi do artigo 222º-F, nº 5, do mesmo diploma. Consequentemente, decido não homologar o acordo de pagamento apresentado pelos devedores A. e B., nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 222º-F do CIRE. Custas pelos devedores (artigo 222º-F, nº 9, do CIRE), sendo o valor da ação para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do artigo 301º do CIRE.” Inconformados com a decisão proferida, vieram os requerentes, em 18.08.2025, interpor recurso da decisão, pedindo a final que seja dado total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido, substituindo-o por outro que homologue o acordo de pagamento nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 222.º - F, n.º 8 do CIRE. Apresentaram conclusões nos seguintes termos, no que ora nos interessa, resumindo-se a menção das mesmas, face à sua extensão: “(…) H. No âmbito do PEAP foi depositado um Plano de Acordo de Pagamento, tendo os mesmos obtido votação favorável de acordo com as maiorias previstas no artigo 222.º - F do CIRE, tendo o Exmo. Sr. AJP considerado o Plano aprovado. I. Nenhum dos Credores se pronunciou relativamente ao quadro de votação/resultados apresentados, não se pronunciando também quanto ao facto de certos créditos (hipotecários) não serem modificados pela parte dispositiva do Plano. J. Sucede que, o Tribunal a quo decidiu não homologar o acordo de pagamento depositado nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 222º-F do CIRE, considerando que ocorreu uma violação não negligenciável das normas procedimentais em matéria de aprovação do plano, nos termos do artigo 215º do CIRE, ex vi do artigo 222º-F, nº 5, do mesmo diploma. K. Por entender, que o Credor Hipotecário, Banco Santander tinha direito de voto, ao contrário do que foi entendido pelo Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório. L. Sucede que, tal entendimento enferma em erro e resulta de uma errada e extensiva interpretação do plano e da proposta ali constante para Credores Hipotecários – o crédito destes não pode ser contemplado para efeitos de votação uma vez que o mesmo não é modificado pela parte dispositiva do plano nos termos do disposto no art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE, aplicável ao PEAP por força do disposto no n.º 5 do art.º 222.º-F do CIRE. M. Apesar de devidamente esclarecida pelos Devedores e Exmo. Administrador, a Mm. ª Juiz a quo efetuou – erradamente – a seguinte reflexão, “…e a parte dispositiva do plano propõe o seu pagamento de harmonia com as condições consagradas nos contratos de mútuo que lhe serviram de base e fundamento”.** **(Nota: a medida proposta no Plano para os Credores hipotecários não é, de modo algum, a manutenção das condições do empréstimo, do mútuo ou de qualquer outro contrato; estes créditos não são afetados pelo plano mantendo a sua configuração atual e existente à data de apresentação a PEAP) N. Efetivamente, não tinha o Banco Santander, nem qualquer outro Credor Hipotecário direito de voto, porque o seu crédito não foi modificado pela parte dispositiva do Plano, como passamos a analisar, Da medida proposta para os Credores Hipotecários – não modificação pela parte dispositiva do plano, O. Para os Credores Hipotecários, o Plano prevê o seguinte: “Manutenção das condições em vigor (Não modificado pela parte dispositiva do plano)”. P. Não poderia o Plano ser mais claro quanto a estes Credores e à medida adotada para os mesmos (ou, no caso, inexistência de medida que os afete), ou seja, a posição destes, com a aprovação do plano mantém-se inalterada, não se verificando qualquer alteração/reestruturação aos mesmos. Q. O plano, sendo aprovado e homologado como veio a suceder, em nada altera ou afeta a posição dos credores garantidos, entre eles o Credor Banco Santander e é precisamente essa a pedra de toque para resolução da presente questão e de não ser conferido direito de voto aos Credores Hipotecários. R. A medida concreta é a manutenção das condições do crédito, no seu preciso estado em que se encontra atualmente e se encontrava antes da entrada em juízo do PEAP. S. E, se a posição do Credor Banco Santander, credor hipotecário, antes dos Devedores recorrerem a PEAP e após a homologação do plano por parte deste Tribunal se mantém – significa que não fica nem beneficiado indevidamente, nem prejudicado pelo facto de o Plano ter sido aprovado pela Maioria dos Credores que viram as condições dos seus créditos serem alteradas e as aceitaram, votando favoravelmente o plano. T. Estes créditos ficam exatamente iguais, antes e depois da intervenção do Tribunal e aprovação do Plano. U. Para efeitos de concessão de direito de voto, a modificação dos créditos pelo plano ocorre quando os mesmos são considerados em termos distintos em comparação à situação anterior à intervenção do Tribunal – a situação do Credor não foi modificada, mantendo-se precisamente igual à situação anterior à intervenção do Tribunal. V. Note-se que não é prevista nenhuma medida que tenha alguma implicância ou introduza alguma alteração: não é diminuído o crédito, não são perdoados juros, não há nenhum período de carência para aquele, não são diminuídas garantias do crédito, não há consolidação do crédito, nem é afetada a posição deste Credor. W. O crédito não é modificado pela parte dispositiva do plano, ficando o Credor na exata mesma posição jurídica, antes e depois da homologação do plano, que foi devidamente aprovado aí sim, pelos Credores efetivamente com direito de voto porque efetivamente vêm os seus créditos modificados ora no valor, ora na forma de pagamento, ao abrigo das medidas de recuperação negociadas, aceitando-as. X. O seu crédito não é beliscado pelo acordo de pagamento, daí não haver atribuição de direito de voto. Y. Assim, não têm direito de voto os Credores Hipotecários, visto que não vêm o seu crédito sofrer qualquer alteração ou modificação pela parte dispositiva do Plano, nos termos do artigo 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE. Do manifesto erro de julgamento e interpretação do Plano, Z. Enferma em manifesto erro de julgamento e interpretação, em três momentos diferentes verificados no despacho recorrido: “…sendo inadmissível a manutenção das condições contratuais do empréstimo.” (pág. 1, §3) “…e a parte dispositiva do plano propõe o seu pagamento de harmonia com as condições consagradas nos contratos de mútuo que lhe serviram de base e fundamento.” (realce nosso – erro crasso – página 2, § 3) “…a manutenção das condições contratuais do empréstimo configura uma modificação do crédito” (página 2, § 4) “Assim, modificando o plano as condições de exigibilidade do crédito, o Banco Santander Totta, S.A. não está privado dos seus direitos de voto, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 212º do CIRE.” (página 3, § 2) AA. E o erro de interpretação verificado, leva a uma decisão na qual a aplicação do Direito é totalmente errada. BB. Como se referiu, apenas assistiria razão ao Tribunal a quo caso a proposta previsse a retoma do contrato de mútuo, condições contratuais, pagamento prestacional, consolidação de crédito, etc. etc. etc. (como sucede, quanto aos créditos comuns). CC. Mas não é essa a medida proposta para estes Credores, pelo contrário, a medida proposta para estes Credores é precisamente a não modificação do seu crédito, mantendo-se a situação dos mesmos, do seu crédito no mesmíssimo estado em que estavam antes da entrada em juízo do PEAP. DD. Jamais em tempo algum poderia o Tribunal efetuar uma interpretação extensiva (inaceitável) de que o Plano depositado propunha “o seu pagamento de harmonia com as condições consagradas nos contratos de mútuo que lhe serviram de base e fundamento.” (sic)! EE. Jamais em tempo algum poderia o Tribunal efetuar uma interpretação extensiva (inaceitável) de que o Plano depositado propunha “o seu pagamento de harmonia com as condições consagradas nos contratos de mútuo que lhe serviram de base e fundamento.” (sic)! FF. Jamais em tempo algum é proposta a retoma das condições contratuais do empréstimo, em nenhum momento é referido a retoma do contrato, do mútuo ou do empréstimo; em nenhum momento é referida a consolidação do crédito; em algum momento é mencionado a retoma do pagamento prestacional; nada é previsto nesse sentido, precisamente porque não foi essa a intenção da proposta, não havendo cabimento no entendimento do tribunal recorrido. GG. A medida do plano aquele não é “manutenção das condições do empréstimo”, outrossim manutenção das condições do crédito! HH. E caso o pretendessem fazer – introduzir algum tipo de retoma do contrato, consolidação do mesmo, perdão, pagamento prestacional alargado ou qualquer outra medida – tal teria sido expressamente referido no Plano, tal como sucedeu para os demais créditos, como é o caso dos Credores Comuns. II. Não poderia a Mm. ª Juiz a quo ter efetuado uma interpretação própria do plano sem que a mesma tenha qualquer respaldo ou adesão ao conteúdo escrito do mesmo. JJ. Lembre-se, aliás, que os próprios Credores Hipotecários – bem sabendo deste facto – nada referiram junto do PEAP sobre tal facto, não se opondo à homologação do plano. KK. A verdade é que, a aprovação (que se verificou) e a homologação que vier a ser proferida por este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não afetam, em nada, os credores hipotecários. LL. Mais, a decisão recorrida, coloca de facto em causa a concretização do plano aprovado e negociado com os demais credores com Direito de Voto e que efetivamente viram os seus créditos serem modificados, negociando-o, aceitando-o e votando favoravelmente, nomeadamente, e com especial enfoque, os Credores Públicos: Autoridade Tributária e Aduaneira; Instituto da Gestão Financeira e Segurança Social e IEFP – TODAS COM VOTO FAVORÁVEL À APROVAÇÃO DO PLANO. MM. A verdade é que o Tribunal a quo errou na interpretação do plano, que prevê expressamente a manutenção das condições em vigor do crédito e a sua não modificação pela parte dispositiva do plano. NN. Assim, e sem mais delongas, é por demais evidente que a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo está errada e não corresponde, de modo algum, ao teor do Plano e proposta concreta para Credores Hipotecários, sendo evidente que a proposta não visa a retomar as condições do empréstimo, outrossim, manter-se o crédito nos seus exatos termos, não sendo afetado pelo Plano. Da aplicabilidade do artigo 212.º, al. a) do CIRE e da unanimidade da Jurisprudência e Doutrina atual OO. Nos termos do artigo 212º, nº 2, alínea a), do CIRE, não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano. (…) QQ. Esta norma visa, por um lado, impedir que os Credores que tenham uma maioria favorável de voto definam o destino dos demais Credores, sem que vejam a sua posição alterada, prejudicando-os; e, por outro lado, criar um relevante instrumento para a sua aprovação que, muitas vezes, poderiam ser bloqueados, mesmo por razões pouco significativas e até egoístas, por credores com relevo percentual, mas que não são afetados pelo plano. RR. No caso dos autos situamo-nos na segunda situação que a norma visa proteger (…). SS. Se os créditos não são afetados pelo Plano, não é concedido direito de voto. TT. Mas a jurisprudência tem ido mais além na interpretação desta norma, considerando que esta se aplica indubitavelmente aos créditos que não são modificados pelo plano (como o caso dos presentes autos) e, jurisprudencialmente, tem sido também considerado aplicável esta norma (a não concessão de direito de voto) aos créditos que sofrem ligeiras modificações. (…) YY. Uma vez que o Plano prevê a manutenção das condições do crédito, a manutenção da situação atual dos Credores Hipotecários (independentemente de qual seja), estes não têm qualquer direito de voto no âmbito do plano de recuperação apresentado pelo devedor por inexistir qualquer alteração no seu crédito. (…) DDD. Não sendo afetados pelo plano, estes credores não têm verdadeiro interesse no resultado do plano porque a sua situação se mantém exatamente igual. Subjacente ao disposto neste preceito está a inexistência de motivo para que os credores cujos créditos não sejam afetados pelo plano votarem na aprovação do mesmo. EEE. Tais credores, não sendo prejudicados pelo plano, não têm um real interesse no resultado do mesmo – só os credores afetados pelo plano têm fundamento significativo para decidirem se o mesmo deve, ou não, ser aprovado. FFF. Devem os credores que observam os seus créditos modificados pelo plano ser os únicos a decidir se este deve ser aprovado ou não – COMO SUCEDEU!! Tendo votado favoravelmente o plano depositado os Credores que viram efetivamente o crédito modificado, com especial enfoque nos Credores Públicos que acreditam na Recuperação dos Devedores aqui Recorrentes. Concluindo, GGG. Por tudo quanto exposto, não poderiam os votos dos Credores Hipotecários ter qualquer expressão no mapa de votações, o que implicaria que o Plano fosse aprovado, como foi, com obtenção de votação favorável. HHH. Como se vislumbrou, a recusa de homologação do plano favoravelmente votado pelos Credores, resulta de uma interpretação errada do conteúdo do plano, pois é evidente que o mesmo prevê a manutenção do Crédito nos seus precisos termos atuais, e não a retoma/manutenção do mútuo/empréstimo que deu origem ao crédito. III. Pelo qual, não têm os Credores Hipotecários direito de voto ao abrigo do artigo 212.º, al. a) do CIRE. JJJ. Com o devido respeito por opinião diversa, que é muito, a decisão do tribunal, cujos fundamentos sinteticamente vêm de se expor, encerra um clamoroso erro de interpretação e, por conseguinte, clamoroso erro na aplicação do Direito por desconsideração injustificada da ante citada norma. Da Jurisprudência aplicável a um caso análogo, (…) Da contagem correta da votação, PPP. Última Nota: analisado todo o processado, verifica-se que, talvez por mero lapso do Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório foi também contabilizado o voto emitido pelo Credor Xyq Luxco S.À R.L, que se trata de um Credor Hipotecário e, também, sem direito de voto (porque não afetado pelo Plano). QQQ. No seguinte sentido, considerando exclusivamente os votos dos Credores que são afetados pelo Plano depositado: Credores Hipotecários (sem direito de voto): 1. Banco Santander Totta, S.A. - € 109 232,00 – Sem direito de voto (não modificado pelo Plano); 2. Xyq Luxco S.À R.L. - € 185.615,83 – Sem direito de voto (não modificado pelo Plano). Total de créditos com direito de voto e sentido de voto: 1. C. - € 20.000,00 – voto favorável; 2. Instituto de Segurança Social, I.P. - € 80.653,44 – voto favorável; 3. Estado/Fazenda Nacional - € 134.982,22 – voto favorável; 4. Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP - € 9.852,58 – voto favorável; 5. Novo Banco, S.A. - € 16.515,93 – voto contra; Total geral: € 262.004,17 Total de votos a favor: € 245.488,24 Total de votos contra: € 16.515,93 Votação favorável: 93,70% RRR. Assim, considerando o disposto na alínea a) e b) do n.º 3 do art.º 222. °-F do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a proposta de acordo de pagamento apresentada pela Devedora foi devidamente aprovada, por se ter verificado a maioria de votos emitidos favoravelmente nos termos das disposições legais aplicáveis. SSS. Assim, deverá este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa conceder total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que homologue o acordo de pagamento nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 222.º - F, n.º 8 do CIRE.” * Em 14.10.2025, foi proferido despacho de admissão do recurso nos seguintes termos: Por ser admissível e estar em tempo, e mostrar-se paga a taxa de justiça devida e multa, nos termos do nº 1 do artigo 642º do Código de Processo Civil, admito o recurso interposto a 18-08-2025, da decisão datada de 02-08-2025, o qual é de apelação, com subida imediata. (…) Quanto ao regime de subida: Nos termos do artigo 14º, nº 5, do CIRE, deve o presente recurso subir imediatamente e em separado. Peticionam os recorrentes a subida do recurso nos próprios autos, invocando a alínea b) do nº 6 do mesmo artigo. Sucede que a decisão recorrida – de não homologação do PEAP apresentado pelos devedores -, não põe termo à presente ação. Conforme dispõe o artigo 222º-J do CIRE, o processo especial para acordo de pagamento apenas se considera encerrado, nos casos em que não tenha sido aprovado ou homologado o plano de pagamento, após o cumprimento do disposto nos nºs 1 a 7 do artigo 222º-G do mesmo diploma. Neste sentido depõe igualmente o nº 7 do artigo 222º-F do CIRE que determina que sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que o devedor se encontra em situação de insolvência. Deste preceito, extrai-se a conclusão que o processo, mesmo em caso de recurso da decisão de não homologação, deve prosseguir, não constituindo aquela decisão a que põe termo à causa. Em face do exposto, deve o recurso subir em separado. Quando ao efeito do recurso: Considerando supra exposto, afastada a aplicação das exceções previstas no nº 6 do artigo 14º do CIRE, impõe-se aplicar o regime decorrente do seu nº 5 que determina que o recurso tem efeito meramente devolutivo. Inexistem, aliás, quaisquer fundamentos válidos que autorizem a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, pronunciando-se a lei expressamente quanto a tal hipótese, no supra citado nº 7 do artigo 222º-F do CIRE, do qual se extrai que, mesmo sendo interposto recurso da decisão de não homologação, devem os autos prosseguir com a emissão do parecer por parte do Administrador Judicial Provisório a que alude o nº 3 do artigo 222º-G do mesmo diploma legal, salvaguardando-se, porém, em caso de eventual parecer no sentido da insolvência dos devedores, a suspensão da liquidação e partilha, com as devidas adaptações, nos termos do nº 3 do artigo 40º do CIRE ex vi daquele nº 7 do artigo 222º-F. Em face do exposto, fixo ao presente recurso efeito devolutivo. Notifique, sendo os recorrentes para, em cinco dias, indicarem as peças processuais que pretendem que instruam o apenso de recurso em separado.”. Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar. 2. Objeto do recurso Analisado o disposto nos artºs 608º, n.º 2, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, 635º, nºs 3 e 4, 639º, nºs 1 a 3 e 641º, n.º 2 al. b), todos do CPC, sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução a outras, este Tribunal apenas poderá conhecer das questões que constem das conclusões do recurso, que definem e delimitam o objeto do mesmo. Não está ainda o Tribunal obrigado, face ao disposto no art.º 5º, n.º 3, do citado diploma, a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar essas conclusões, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. Considerando o acima referido é a seguinte a questão a decidir no presente recurso: - Se deve ser recusada a homologação do acordo de pagamento apresentado pelos devedores, com fundamento na violação não negligenciável de regras procedimentais, mais precisamente na não concessão de direito de voto ao credor com garantia hipotecária Banco Santander Totta, S.A., passando o conhecimento desta questão pela de saber se o acordo do pagamento se mostra ou não aprovado pelos credores votantes com direito de voto. 3. Fundamentos de facto Os constantes do Relatório, que se dão por integralmente reproduzidos, tendo sido considerados na decisão proferida os seguintes factos: 1. Foi reconhecido – e não impugnado – ao Banco Santander Totta, S.A. um crédito no montante global de € 109 232,00 (sendo € 108.941,09 de natureza garantida/hipoteca, e € 290,91 de natureza comum), integralmente vencido e não sujeito a qualquer condição – cfr. Lista provisória de credores junta aos autos a 03-02-2025. 2. A 10-05-2025, foi junto pelos devedores A. e B. o Acordo de Pagamento, do qual consta, designadamente, quanto ao crédito garantido do indicado Banco Santander Totta, S.A.: 3. O crédito garantido reconhecido ao Banco Santander Totta, S.A. mostra-se vencido desde 2021, estando a ser coercivamente exigido no processo executivo nº …/23.3T8BGC, Juízo Central Cível e Criminal de Bragança - Juiz 3. 4. Apreciação do mérito do recurso Recusa de homologação do acordo de pagamento apresentado pelos devedores. Dispõem os artºs 222º-A e 222º-B, do CIRE, no que respeita ao Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), no que ora nos interessa, respetivamente, que: Art.º 222º-A – Finalidade e natureza do processo especial para acordo de pagamento. 1 – O processo especial de acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento. (…) 3 – O processo especial para acordo de pagamento tem natureza urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente Código que não sejam incompatíveis com a sua natureza.” Artigo 222º-B – Noção de situação económica difícil. “Para efeitos do presente processo, encontra-se em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria em cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.” Este processo especial foi introduzido no CIRE pelo Decreto-Lei 79/2017, de 30 de junho, tratando-se o mesmo de um PER (Processo Especial de Revitalização) com “o formato para pessoas singulares não titulares de empresa ou comerciantes.”, como se lê no preâmbulo do diploma, embora visando, no caso, a aprovação de um plano de pagamentos. Trata-se aqui de um processo, tal como o PER, com uma natureza híbrida, judicial e extrajudicial. Seguindo este “formato”, dispõe o art.º 222º F, n.º 2, do CIRE, quanto ao acordo de pagamento aprovado sem unanimidade pelos credores, que: “Concluindo-se as negociações com a aprovação do acordo de pagamento (…), o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215º e 216º, com as devidas adaptações.” Diz ainda o n.º 3, deste mesmo normativo legal, o seguinte: 3 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o acordo de pagamento que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente: i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos; ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D; ou b) Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções: i) O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50 /prct. da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D; ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D. Nos termos do n.º 5, do mesmo normativo legal: “O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação (…) aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º”. No caso, face à recusa de homologação do acordo de pagamento em debate nos autos, importa analisar o disposto no art.º 215º, do CIRE. Diz-nos o art.º 215.º, do citado diploma, que regula a não homologação oficiosa do plano, que: “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.” Da análise deste dispositivo o que se conclui, em primeiro lugar, no que ora nos interessa, é que o legislador não especifica o que entende por violação não negligenciável, sendo que, para além disso, equipara, para esse efeito, as violações de regras procedimentais e de normas aplicáveis ao conteúdo do plano. Esclarecem Carvalho Fernandes e João Labareda sobre esta matéria que: “normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes (…). Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deva contemplar”. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 3ª edição, 2015, pág. 781. Importa ter em consideração, relativamente a estas violações, ainda de acordo com as palavras dos mesmos autores, que: “são não negligenciáveis, todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido”. Cumpre assim: “sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta – tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável”. Obra citada (nota 1), pág. 782. Regras procedimentais são desde logo aquelas referentes, no caso que ora nos interessa, à aprovação do acordo de pagamento, nomeadamente as respeitantes aos quóruns deliberativos e constitutivos previstos no art.º 222º -F, n.º 3, do CIRE, sendo ainda de ter em consideração, como referido no Acórdão desta Relação, de 09.09.2022, que: “A jurisprudência tem identificado a contagem de votos emitidos por credores titulares de créditos não modificados pela parte dispositiva do plano como integrando violação procedimental não negligenciável, atribuindo ao conjunto de normas que fixam quóruns constitutivos e deliberativos indispensáveis para que uma deliberação se considere aprovada, incluindo as regras relativas à votação e à definição de direitos de voto, o caráter de ‘normas procedimentais cuja violação não será negligenciável.” Proc. n.º 21668/21.9T8LSB.L1-1, Relatora Fátima Reis Silva, disponível em www.dgsi.pt e jurisprudência no mesmo citada. Feito este enquadramento, vejamos ainda o disposto no art.º 212º, n.º 2, do CIRE.: Refere este normativo legal, na parte que ora nos interessa, a sua alínea a), que: “2 – Não conferem direito de voto: a) Os créditos não modificados pela parte dispositiva do plano;”. Esta norma tem a sua razão de ser no facto de não fazer sentido que os créditos que não são afetados pelo plano possam condicionar o resultado da votação Como refere Alexandre de Soveral Martins, a propósito desta norma: “Se aqueles credores não vêm os seus créditos afetados pelo plano de insolvência, também não devem interferir com o destino do mesmo.”, em Um Curso de Direito da Insolvência, Volume II, 3ª edição, Almedina, pág. 79., sendo que importa considerar as condições que existiam relativamente ao crédito antes e depois do acordo, nomeadamente, no que respeita ao momento anterior, à data da sua reclamação nos autos. No caso em concreto importa ponderar se o acordo de pagamento mantém nos seus exatos termos o crédito, tal como o mesmo existia antes desse acordo, relativamente ao credor Banco Santander Totta, S.A. E aqui teremos de considerar como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.09.2023 que: “[U]m crédito pode definir-se quer pelo seu montante, quer pelas condições da sua remuneração, ou pela forma do seu pagamento e das condições da sua exigibilidade. Um crédito pode ainda definir-se pelo prazo de pagamento e pela mora no decurso desse prazo, logo, para que um crédito seja “modificado”, deve verificar-se uma alteração numa ou em mais de uma dessas suas características.” Proc. n.º 2405/22.7T8VRL.G1, Relatora Lígia Venade, disponível em www.dgsi.pt. A jurisprudência tem entendido ainda, relativamente ao citado normativo legal, que não bastam pequenas alterações para dizer que o crédito foi modificado, sob pena de se defraudar a lei. Nesse sentido, entre outros cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.05.2020, Processo n.º 760/19.5T8ACB.C1, Relator Barateiro Martins, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.02.2022, Proc. n.º 1448/21.2T8AVR.P1, Relator João Ramos Lopes, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01.10.2024, Proc. n.º 3171/23.4T8VFX – A.L1-1, Relatora Amélia Sofia Rebelo, disponíveis em www.dgsi.pt. A questão que se coloca nos autos, em primeiro lugar, é a de saber se a exclusão do direito de voto efetuada através deste artigo de alguns credores, no caso credores detentores de um crédito com a natureza garantida/hipoteca é aplicável ao PEAP. A resposta não pode deixar de ser afirmativa, face ao disposto no art.º 212º -F, n.º 5 e sendo as razões de aplicação do disposto neste artigo ao PEAP também aqui procedentes, tal como tem vindo a ser defendido pela jurisprudência. Cf. na jurisprudência, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.03.2021, Proc. n.º 760/19.5T8ACB.C1.S1, Relator Henrique Araújo, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado na nota 5, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, citado na nota 7 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, citado na nota 8. Dada esta resposta afirmativa importa ainda indagar se na espécie se aplica ou não a invocada alínea a), do art.º 212º, do CIRE, ou seja, se o crédito do credor Banco Santander Totta, S.A, na parte que é garantida por hipoteca, é ou não modificado pela parte dispositiva do plano, ou no caso do acordo de pagamento. O crédito do referido credor foi reconhecido, tal como consta dos factos dados como provados na decisão proferida e não impugnados, nos seguintes termos: um crédito no montante global de € 109 232,00 (sendo € 108.941,09 de natureza garantida/hipoteca, e € 290,91 de natureza comum), integralmente vencido e não sujeito a qualquer condição (facto n.º 1). Relativamente aos créditos garantidos refere o acordo de pagamento submetido a aprovação, tal como consta do facto n.º 2, dado como provado, o seguinte: “B) Créditos Garantidos (não se aplicando à Segurança Social) • Manutenção das condições em vigora (Não modificados pela parte dispositiva do plano).” Consta ainda do anexo ao referido acordo o seguinte: Menciona-se ainda na matéria de facto provada, no seu n.º 3, que: “O crédito garantido reconhecido ao Banco Santander Totta, S.A. mostra-se vencido desde 2021, estando a ser coercivamente exigido no processo executivo nº 506/23.3T8BGC, Juízo Central Cível e Criminal de Bragança - Juiz 3.”. Verifica-se assim que a única menção na parte respeitante aos créditos com natureza garantida, com exceção do credor Instituto de Segurança Social, é a de que mantêm as condições em vigor, não explicitando o plano que condições são essas, sendo que, como resulta da matéria de facto, o crédito garantido reconhecido ao credor Banco Santander Totta, S.A., mostra-se vencido desde 2021, e encontra-se inclusive a ser exigido num processo executivo. Analisado o anexo junto ao acordo do pagamento, concluímos que o crédito do credor Banco Santander Totta, S.A., na parte garantida, não se encontra mencionado nos valores em dívida, nem nos valores a pagar. Fazendo um cálculo matemático simples, concluímos que a referência feita aos créditos referidos como comuns de instituições financeiras em dívida, a 09.05.2025, num valor global de 195.113,63 € referem-se ao valor do crédito do credor Xyq Luxco S.À R.L Crédito que não obstante aqui surgir com a menção de crédito comum é um crédito garantido também por hipoteca sobre uma fração autónoma. num montante de 185.615,83 €, ao valor do crédito reconhecido como comum do Banco Santander Totta, S.A., num montante de 290,91 € e ao valor do crédito reconhecido de capital ao credor Novo Banco, S.A., no valor de 9.206,89 €, que não tem em consideração o valor dos juros e imposto de selo em dívida relativamente a este instituição de crédito, montante esclarecido no requerimento apresentado por este credor em 05.05.2025, a solicitação do tribunal. No que respeita aos créditos a pagar respeitantes a instituições financeiras surgem 10 valores de pagamento desde 2027 a 2034, em valores anuais de 13.657,95 €, num total de 136.579,50 €, concluindo-se que igualmente o plano não contempla o crédito do credor em referência, tal como aliás foi esclarecido pelos devedores, a solicitação do tribunal, em requerimento junto pelos devedores em 18.06.2025. Nada dizendo o acordo de pagamento sujeito a apreciação em contrário, sobre o referido crédito na parte garantida do credor Banco Santander Totta S.A. apenas podemos entender, ao contrário do mencionado na sentença recorrida, que as condições que os requerentes querem que permaneçam em vigor são as condições em vigor à data do início do processo e anteriores ao acordo de pagamento. Ou seja, que o crédito é do valor que foi reclamado e reconhecido, que é um crédito nesta parte garantido por hipoteca e se encontra integralmente vencido e é exigível, não se podendo concluir, não obstante o acordo de pagamento não ser claro como deveria, que se pretende “repristinar” as condições dos contratos de mútuo, como entendeu o tribunal de primeira instância. Ou seja, concluímos não existir previsão, no acordo de pagamento, de qualquer modificação do crédito deste credor resultante do plano. O credor pode continuar a exigir aos devedores nos mesmos exatos termos o pagamento do seu crédito, em nada sendo afetado pelo acordo de pagamento. Importa assim concluir não se verificar qualquer violação não negligenciável de norma procedimental, ao não ter sido considerado o voto deste credor no que respeita aos créditos reconhecidos garantidos por hipoteca. Concluindo-se que este credor não podia exercer o seu direito de voto relativamente ao valor dos créditos garantidos, num montante de 108.941,09 €, importa antes de computar os votos e verificarmos se o acordo apresentado foi ou não aprovado, abordar ainda outra questão. Referem os recorrentes no ponto PPP: “… verifica-se que, talvez por mero lapso do Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório foi também contabilizado o voto emitido pelo Credor Xyq Luxco S.À R.L, que se trata de um Credor Hipotecário e, também, sem direito de voto (porque não afetado pelo Plano).”, dizendo de seguida que também o voto deste credor não deverá ser contabilizado. Ora quanto a esta matéria concluímos que a situação deste credor é em tudo idêntica à do credor Banco Santander Totta S.A. Também aqui relativamente a este credor os créditos reclamados pelo mesmo foram reconhecidos como garantidos e assim sendo, considerando o disposto no art.º 222º -F nºs 4 e 5, do CIRE, deveria o tribunal a quo igualmente ter verificado que também os créditos reconhecidos a este credor – créditos garantidos – não são modificados pelo acordo de pagamento e como tal também o voto deste credor não deveria ter sido contabilizado, podendo e devendo, nesta fase, fazer-se o controlo judicial do cômputo dos votos emitidos e considerados para a aprovação do acordo de pagamento, estando em causa, como vimos, as regras procedimentais que regulam a aprovação do plano, mais especificamente, no caso, as regras aplicáveis quanto aos quóruns deliberativos e constitutivos que regem o direito de voto, chamando-se à colação o disposto nos já analisados artigos 212º, n.º 2, al. a) e 215º, do CIRE. Resolvida esta questão, verificamos que votaram a favor da aprovação do acordo de pagamento submetido a sua apreciação os seguintes credores: 1. C. - € 20.000,00 – voto favorável; 2. Instituto de Segurança Social, I.P. - € 80.653,44 – voto favorável; 3. Estado/Fazenda Nacional - € 134.982,22 – voto favorável; 4. Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP - € 9.852,58 – voto favorável. Votaram contra os seguintes credores, na parte a considerar: 1. Banco Santander Totta, S.A. - 290,91 €; 2. Novo Banco, S.A. - 16.515,93 €. Total geral, com direito de voto: 263.295,08 € Total de votos a favor: 246.488,24 € Total de votos contra, com direito de voto: 16.806,84 €. Concluímos assim facilmente, face ao disposto no art.º 222º -F, n.º 3, do CIRE, que o acordo de pagamento submetido à aprovação dos credores foi aprovado, não procedendo, como vimos, o fundamento de não homologação considerado pelo tribunal a quo. Importa, pois, concluir que procede a apelação apresentada, impondo-se revogar a decisão proferida pelo tribunal a quo. Os apelantes deverão suportar as custas devidas, face ao proveito que retiraram do recurso, não tendo sido apresentadas contra-alegações admitidas (artºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil). 5. Decisão Pelo exposto, acordam as juízas desta Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação apresentado e, consequentemente, revogam a decisão recorrida, considerando aprovado o acordo de pagamento submetido a apreciação dos credores pelos devedores nos autos e não verificado o fundamento de não homologação considerado pelo tribunal recorrido. Custas pelos apelantes. Registe e Notifique. Lisboa, 25 de novembro de 2025 Elisabete Assunção Fátima Reis Silva Amélia Sofia Rebelo _______________________________________________________ 1. Embora em rigor refiram Administrador da Insolvência. 2. Omitiram-se as remissões para notas de rodapé e o conteúdo das mesmas, por não terem interesse para decisão a proferir. 3. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 3ª edição, 2015, pág. 781. 4. Obra citada (nota 1), pág. 782. 5. Proc. n.º 21668/21.9T8LSB.L1-1, Relatora Fátima Reis Silva, disponível em www.dgsi.pt e jurisprudência no mesmo citada. 6. Como refere Alexandre de Soveral Martins, a propósito desta norma: “Se aqueles credores não vêm os seus créditos afetados pelo plano de insolvência, também não devem interferir com o destino do mesmo.”, em Um Curso de Direito da Insolvência, Volume II, 3ª edição, Almedina, pág. 79. 7. Proc. n.º 2405/22.7T8VRL.G1, Relatora Lígia Venade, disponível em www.dgsi.pt. 8. Nesse sentido, entre outros cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.05.2020, Processo n.º 760/19.5T8ACB.C1, Relator Barateiro Martins, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.02.2022, Proc. n.º 1448/21.2T8AVR.P1, Relator João Ramos Lopes, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01.10.2024, Proc. n.º 3171/23.4T8VFX – A.L1-1, Relatora Amélia Sofia Rebelo, disponíveis em www.dgsi.pt. 9. Cf. na jurisprudência, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.03.2021, Proc. n.º 760/19.5T8ACB.C1.S1, Relator Henrique Araújo, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado na nota 5, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, citado na nota 7 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, citado na nota 8. 10. Crédito que não obstante aqui surgir com a menção de crédito comum é um crédito garantido também por hipoteca sobre uma fração autónoma. |