Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SALAZAR CASANOVA | ||
Descritores: | REIVINDICAÇÃO DETENÇÃO POSSE QUALIFICAÇÃO INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/16/2007 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
Sumário: | A circunstância de em acção de reivindicação o autor considerar possuidor aquele que porventura não será mais do que um detentor não obsta a que a acção prossiga pois, podendo a referida acção ser proposta quer contra o possuidor, quer contra o detentor, é afinal uma questão de qualificação a que se pode suscitar (artigo 661.º do Código de Processo Civil) não devendo o Tribunal obstar por tal razão ao prosseguimento da lide. (S.C.) | ||
Decisão Texto Integral: | Decisão liminar nos termos do artigo 705º do Código de Processo Civil 1. A Caixa Geral de Depósitos demandou no dia 1-10-2004 Maria […] pedindo que seja reconhecida como dona do imóvel identificado e que, em consequência, seja o imóvel restituído à A., livre e devoluto de pessoas e bens; que a ré seja condenada a pagar à A., a título de indemnização pelos danos causados, a importância de 13.861,60 euros, valor correspondente aos rendimentos que a A. teria obtido até 30-9-2004 se o valor da aquisição do bem tivesse sido aplicado em operações activas de longo prazo, designadamente no crédito à habitação acrescida do que a este título se vencer até efectiva entrega do imóvel ou pagar à A., a título de indemnização por danos causados, a quantia de 16.102,47 euros correspondentes ao valor das rendas obtidas se o imóvel tivesse sido colocado no mercado de arrendamento para habitação desde a data da sua aquisição até 30-9-2004 ou ainda a pagar à A. , a título de indemnização por danos causados, a quantia de 9369,74 euros correspondentes aos juros calculados à taxa legal aplicados sobre o capital investido na aquisição do prédio , contados a partir de 30-6-2000 e até 30-9-2004 e nos que se vencerem até efectiva entrega do prédio. 2. A Ré adquiriu, para sua habitação, a propriedade do imóvel agora reivindicado por escritura de 11-7-1980 tendo contraído nessa data mútuo com hipoteca constituída sobre o imóvel a favor da A. 3. Por incumprimento da ora ré foi instaurada execução na sequência da qual a A. adquiriu em venda judicial realizada no dia 30-6-2000 o imóvel que se encontra registado a seu favor. 4. Considera a A. que a ré é possuidora, porque proprietária do imóvel, até à data da venda, presumindo-se que a posse continua em nome de quem a começou (artigo 1257.º/2 do Código Civil). 5. No entanto, a petição foi indeferida por ininteligibilidade da causa de pedir o que constitui excepção de nulidade que leva à absolvição da Ré da instância. 6. A decisão recorrida considerou que “ ao afirmar, com afirmou, que a ré ocupa a fracção em causa e, simultaneamente, que não sabe se a ré não ocupa tal fracção, a A. entrou em manifesta e insanável contradição lógica. 7. O coroar do raciocínio ilógico da A. reside na afirmação de que a ré, por ter sido proprietária, se presume, ainda, possuidora. Ora, seguindo esta linha de argumentação até às suas últimas consequências, teríamos então que a A. , porque registou a aquisição da mesma fracção em data posterior, sendo proprietária, também se presume, ainda, possuidora”. 8. A A., nas alegações de recurso, refere que adquiriu a fracção em 30-6-2000 no quadro de uma acção executiva, que em consequência dessa aquisição pretendeu entrar na posse da fracção autónoma e, para tanto, interpelou a ré por carta de 5-9-2001, pedindo-lhe que procedesse à entrega da casa (ver artigos 15º e 16º da petição) e que, até hoje, a ré não procedeu à entrega da casa. Ora, perante esta factualidade, não há ininteligibilidade da causa de pedir. Apreciando: 9. A presente acção é uma acção de reivindicação (artigo 1311.º do Código Civil). 10. A A. invoca a qualidade de proprietária mas não de possuidora visto que nunca chegou a adquirir a posse do imóvel adquirido em venda judicial. 11. A acção de reivindicação tanto pode ser proposta contra o possuidor como contra o detentor. 12. Se é demandado como possuidor o que tão somente é mero detentor isso não significa - estamos no plano da qualificação jurídica (artigo 661.º do Código de processo Civil) - que não proceda o pedido de restituição da coisa reivindicada. 13. Ora a A. considera que a ré é a ocupante do imóvel. 14. A A. pode reivindicar a coisa de quem não tem título bastante para ser considerado possuidor; se a ré adquiriu a propriedade sobre o imóvel mas, no âmbito de acção executiva, o imóvel foi adquirido pela ora A., verificando-se a caducidade do respectivo direito real de gozo de que a ré era titular (artigo 824.º/2 do Código Civil), então a posição da ré não será a de possuidora mas a de mera detentora. 15. Permitia o artigo 1044.º do Código de Processo Civil (redacção anterior à revisão de 1995/1996) que quem tivesse a seu favor um título translativo de propriedade requeresse a posse ou a entrega judicial demandando-se o detentor sob pena de, nada opondo, ser imediatamente conferida a posse (artigo 1045.º/1 do Código de Processo Civil). 16. A eliminação desta acção possessória, como das demais, resultou do facto de não se justificar a sua autonomização por não se ver obstáculo à discussão da propriedade por via reconvencional em acção comum sendo a questão do domínio a razão que impunha a configuração do processo especial (ver preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro). 17. Assim, ainda que a ré não passe de mera detentora, não é a qualificação o que pode obstar à procedência da acção de reivindicação e, a ser assim, não pode a discordância quanto a este aspecto fundar a ineptidão da petição inicial com base na ininteligibilidade da causa de pedir. 18. Não vemos que a A. tenha fundado a sua pretensão na alegação de que demanda a ré por esta ser e não ser ocupante do imóvel. Se assim fosse, o caso seria de facto um caso ininteligibilidade da causa de pedir. 19. Uma questão que se pode suscitar é a de saber se a ré deve ou não deve ser condenada provando-se que antes da acção ser proposta houve da sua parte entrega do imóvel a terceiro não demandado que efectivamente o vem ocupando. 20. Estamos já num plano subsequente ao da apreciação da excepção de nulidade do processo por ineptidão da causa de pedir (artigos 193.º e 494.º/1, alínea b) do C.P.C.). 21. Entende-se que a acção de reivindicação deve ser proposta contra o possuidor ou detentor actual da coisa e não também contra os possuidores ou detentores anteriores (ver Código Civil Anotado, Antunes Varela, Vol III, 2ª edição, pág. 114). 22. No entanto, a lei, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida, admite a intervenção provocada (artigos 31.º-B e 325.º/2 ambos do Código de Processo Civil). 23. No caso em apreço, a A. refere que contactou a ré no sentido de esta lhe entregar o imóvel e a ré não procedeu à entrega. 24. Não terá a ré então alegado junto da A. que não era já ela a ocupante do imóvel. 25. Por isso, a A, reclama da ré os prejuízos derivados de uma situação que considera ser da sua responsabilidade 26. Há nestes autos matéria controvertida a impor o prosseguimento da acção. 27. Não há, de acordo com a petição - e é de acordo com a petição que temos de considerar se ocorre algum dos vícios que conduzem à sua nulidade - fundamento para a considerar inepta. 28. Outras questões que se possam suscitar atinentes ao mérito da causa não são questões que possamos aqui tratar e nem o que se referiu anteriormente pode ser entendido com outro alcance que não seja o de evidenciar que problemas atinentes ao mérito da causa não devem interferir nas questões atinentes a questões de ordem processual Concluindo: A circunstância de em acção de reivindicação o autor considerar possuidor aquele que porventura não será mais do que um detentor não obsta a que a acção prossiga pois, podendo a referida acção ser proposta quer contra o possuidor, quer contra o detentor, é afinal uma questão de qualificação a que se pode suscitar (artigo 661.º do Código de Processo Civil) não devendo o Tribunal obstar por tal razão ao prosseguimento da lide. Decisão: concede-se provimento ao recurso, considerando-se que a petição não é inepta e, consequentemente, determinando-se o prosseguimento da causa. Sem custas Lisboa, 16-7-2007 (Salazar Casanova) |