Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5369/07.3TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – Embora a lei rodeie de cautelas a alteração dos horários dos trabalhadores, a verdade é que o empregador pode unilateralmente alterar tais horários. Só assim não será se
- o horário constar expressamente do contrato de trabalho, ou seja, se o trabalhador foi contratado expressamente para determinado horário de trabalho;
- o horário foi posteriormente estabelecido entre as partes e expressamente para o trabalhador;
- resultar do IRC aplicável que o horário apenas pode ser alterado por acordo.
II – Para efeitos de alteração do horário de trabalho, a consulta à Comissão de Trabalhadores, sendo obrigatória não é vinculativa, e a consulta ao trabalhador não é obrigatória, incumbindo ao empregador decidir acerca de tal alteração de acordo com as necessidades de funcionamento da empresa.
III - No presente caso, o IRC aplicável à Autora, trabalhadora dos CTT (BTE nº21 de 1996) prevê a existência de um período complementar de repouso semanal correspondente a um dia. Coisa diferente é saber se esse dia pode ser descontinuado na semana a que respeita, e a essa questão o AE não dá resposta, prevendo apenas a sua existência. Assim sendo, tem aplicação o que dispõe o art. 206º nº2 do CT/2003, podendo o período de descanso semanal complementar ser repartido e descontinuado, como está previsto para a Autora.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
AA, residente na Rua (…) nº…, 2º esq., ..., R... ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra CTT – Correios de Portugal, S.A., com sede em Lisboa, pedindo a sua condenação a
- definir como dia de descanso complementar da Autora, em cada semana, o dia sábado e, consequentemente, anular o horário que lhe impõe e em que define tal dia pela soma de horas de sábado e segunda-feira, em que a Autora não está efectivamente a trabalhar;
- abster-se de discriminá-la relativamente aos outros trabalhadores, com a atribuição da obrigação de um horário fixo em consequência de ter reclamado os direitos que julga deter;
- pagar como trabalho suplementar a 100%, as horas de trabalho prestadas pela Autora nos dias de sábado, de Abril a Novembro de 2007, tal como descriminado no artigo 29.º da petição inicial, no valor de € 930,96;
- pagar-lhe a quantia € 253,90, que deveria ter pago no ano de 2007 e reportada ao mês de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal do mesmo ano;
- pagar-lhe o trabalho suplementar que a obriga a prestar nos dias de sábado, para futuro e até à sentença, que estima em relação ao próximo ano no montante de € 1856,84;
- pagar-lhe a quantia de € 506,41, reportada ao mês de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal do mesmo ano;
- indemnizá-la por danos morais por descriminação, no valor que provisoriamente estima em € 3000;
- pagar-lhe juros de mora vencidos e vincendos, reportados às quantias pedidas, desde a data em que cada quantia devia ter sido posta à disposição da Autora e até integral cumprimento.
Para tanto, alega em síntese que
- foi admitida ao serviço da Ré em 13-05-1981, tendo a categoria de TPG (Técnico Postal e de Gestão);
- desde 1 de Fevereiro de 2005 exerce a sua actividade na Estação de Correios do ..., na loja do cidadão;
- quando foi transferida para a Estação de Correios da loja do cidadão, os horários ali praticados, previam os dias de descanso complementar e obrigatório ao sábado e domingo e implicavam a prestação de 3 horas de trabalho (suplementar) ao sábado, numa escala de dois sábados sim, um não, e assim sucessivamente, sendo que a Ré efectivamente pagava como suplementar o trabalho efectuado pela Autora aos sábados;
- a Ré alterou-lhe o horário de trabalho, com trabalho ao sábado (dia inteiro) e descanso ao domingo e à segunda ou terça-feira;
- mostrou a sua discordância, tendo a Ré criado para si um horário fixo, que começou a ser executado em Abril de 2007;
- e não lhe paga como suplementar o trabalho ora prestado nem lhe permitiu o regime especial de adaptabilidade consagrado no artigo 165º do Código do Trabalho;
- em Braga a Ré continua a pagar com acréscimo de 100% o trabalho suplementar ao sábado;
- pelo que lhe deve € 930.96 de acréscimo de remuneração por trabalho suplementar já prestado;
- e deve-lhe a média de trabalho suplementar prestado nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, nos valores peticionados.
Foi realizada a audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
Devidamente notificada, a Ré contestou, alegando que
- é legítimo ao empregador, no âmbito do seu poder de direcção, definir os horários de trabalho dos trabalhadores;
- a Autora não aceitou passar a praticar o Regime Especial de Adaptabilidade;
- o novo horário prevê o descanso complementar, repartido;
- o trabalho prestado aos sábados consta do horário da Autora e não excede os limites legais, pelo que não é suplementar nem como tal lhe foi pago;
- não ocorre qualquer situação de discriminação.
Pugna pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar, a fixação da matéria de facto assente e da base instrutória.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, tendo as partes acordado quanto à matéria de facto.
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Foi proferida sentença que julgou improcedentes todos os pedidos formulados, com a absolvição da Ré dos mesmos.
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Inconformada, a Autora interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
(…)
A Ré contra-alegou, concluindo que
(…)
A Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de se manter a sentença recorrida.
Os autos foram aos vistos aos Exmos Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
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II - Objecto
Nos termos do disposto nos art 684º nº 3 e 685-A nº 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1º, n.º 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
As conclusões, como afirmou Alberto dos Reis, “devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (sic Código de Processo Civil Anotado, reimpressão, vol. V, 1984, pág 359).
Tal significa que não pode conhecer-se de questões constantes das conclusões que não tenham sido explanadas nas alegações (motivações) e vice versa, não pode conhecer-se de questões que, embora abordadas nas alegações, não constem das conclusões.
Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes:
- se a Ré, entidade patronal, podia ou não modificar unilateralmente o horário de trabalho da Autora;
- se o dia de descanso complementar pode ser repartido em dois meios dias, como decidiu a Ré;
- se a Autora prestou trabalho suplementar;
(caso se entenda que prestou)
- acerca do montante dos créditos peticionados pela Autora a este título;
- da responsabilidade civil da Ré por danos não patrimoniais.
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III - Questões Prévias
O elencado sob o ponto 7. da matéria de facto considerada como provada pela primeira instância constitui, não verdadeiramente um facto, mas o meio de prova, razão pela qual, na discriminação dos factos provados considerar-se-ão os que resultam dos documentos aí referidos.
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Nos presentes autos os factos foram considerados provados por acordo e com alterações relativamente àqueles que foram alegados pela Autora na p.i., em especial quanto à data da alteração dos horários, entendida por relevante para a decisão. Assim, na p.i., - art. 9º - refere-se que o horário, que agora está provado no ponto 8. da matéria de facto provada como tendo tido inicio em Abril de 2005, passou a vigorar em Abril de 2007. Acresce que as partes nos seus articulados referem-se ao AE publicado em 2006 (e portanto em vigor em 2007).
A questão da data poderia ter importância para a decisão sobre se a Autora se opôs ao facto de os dias de descanso não serem consecutivos.
Contudo, e segundo resulta dos pontos 7, 7 A e 7 B da matéria de facto provada, a oposição da Autora e aí referida tem que ver com alterações de horários anteriores a 2007 e posteriores a 2005, pelo que não tem qualquer relevância para a presente decisão, face à demais matéria factual provada. E relativamente à oposição da Autora, que resulta do ponto 7 C da matéria de facto provada, por um lado, desconhece-se exactamente a que alteração de horário a mesma se refere, nomeadamente quando começou a vigorar o horário a que essa missiva se reporta, e por outro lado, reporta-se à alegada atribuição pela Ré de um único dia de calendário de descanso semanal, e não à circunstância de os dias de descanso semanal serem ou não consecutivos.
Daí que, ainda que se considerasse ter havido um lapso – e tal não resulta com evidência da matéria de facto provada e acordada pelas partes, colocando-se tal hipótese apenas quando confrontada com a p.i. e com a referência ao AE de 2006 - tal não seria relevante em matéria de oposição à ausência de consecutividade dos dias de descanso porquanto essa oposição não se lhe refere. Donde se conclui pela desnecessidade de esclarecer a matéria de facto quanto à data da alteração dos horários e, portanto, de proceder a nova anulação do julgamento.
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IV – Fundamentação
A - Matéria de Facto Provada
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1. A Autora foi admitida para prestar serviço por conta e sob a autoridade da Ré em 13/05/1981.
2. Ao serviço da Ré se mantém ininterruptamente até à presente data, com a categoria de TPG (técnico postal e de gestão).
3. As relações de trabalho entre a Ré e os trabalhadores ao seu serviço têm vindo a ser sucessivamente reguladas pelos seguintes instrumentos;
• PRT publicada no BTE, 1.ª série, n.º 28, de 29/7/77;
• AE/CTT publicado no BTE, 1.ª série, n.º 24, de 29/6/81,
sucessivamente alterado, sendo a mais recente alteração de 15/8/2000, BTE n.º 30.
4. A Autora desde 1 de Fevereiro de 2005 exerce a sua actividade profissional na Estação de Correio (EC) da Loja do Cidadão no ....
5. Quando a Autora foi transferida para a EC da Loja do cidadão, os horários ali praticados, previam os dias de descanso complementar e obrigatório ao sábado e domingo, e implicavam a prestação de 3 horas de trabalho ao sábado numa escala de dois sábados sim, um não, e assim sucessivamente.
6. Contudo, a partir de Abril de 2005 o horário foi alterado por iniciativa da Ré.
7. Em 22 de Agosto de 2006, a Autora envia à Ré missiva com o seguinte teor “Tem acontecido com uma regularidade semanal, ter de prestar trabalho normal no meu período de descanso semanal.
É também com regularidade e apenas com poucas “horas” de antecedência que tal facto me é comunicado.
Por ter uma vida igual ao comum dos mortais, tenho por este motivo dificuldades em organizar o descanso a que tenho direito e aliás necessito (nasci em 1958) não sou mais uma jovem.
Não concordando com este facto, venho pedir que seja cumprida a cláusula 157º do acordo de empresa”.
7 – A – Em 5 de Setembro de 2006, a Autora remete à Ré nova missiva com o mesmo teor.
7 – B – Em 20 de Outubro, a Autora e outros dois trabalhadores, remetem à Ré missiva com o seguinte teor “Nós, trabalhadores da Estação de Correios da Loja do Cidadão do ..., vimos por este meio, manifestar o nosso desacordo em relação à escala de horários (para entrar em vigor em 30 de Outubro de 2006) baseando-nos no ponto nº3 da Cláusula 154º do AE.”
7 – C – Em 08 de Janeiro de 2007, a Autora remeteu à Ré missiva com o seguinte conteúdo “Eu, ... …. Colocada na EC da Loja do Cidadão do ..., tendo tomado conhecimento através da Comissão de Trabalhadores da intenção dos CTT de procederem à Alteração de Horários no qual apenas me atribui como único dia de calendário para Descanso Semanal, o Domingo, declaro que me oponho pelas seguintes razões:
1. Esta alteração viola a cláusula 154º do AE que me atribui o direito a dois dias de descanso semanal, nomeadamente o nº1, o nº2, e o nº5.
2. Não abdico de ter direito a dois dias (de calendário) de descanso semanal.
3. Qualquer trabalho que efectue nos meus dias de descanso semanal ou descanso semanal complementar assumirá o carácter de trabalho extraordinário.” (sic)
8. Em consequência da alteração referida em 6., a Autora passou a praticar o
seguinte horário:
• de terça a sexta-feira, com entrada às 10 horas, saída para almoço às 13 horas, reinício às 15 horas e saída às 19h48m;
• ao sábado, entrada às 09h27m, saída para almoço às 12h30m, reinício às 13h30 e saída às 15h15m;
• à segunda-feira, entrada às 16h48m e saída às 19h48m.
9. A Autora descansa ao domingo, ao sábado à tarde, após as 15h15m e à segunda-feira de manhã até às 16h48m.
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B - Enquadramento Jurídico
B – I - Se a Ré, entidade patronal, podia ou não modificar unilateralmente o horário de trabalho da Autora
Ao instaurar a presente acção, a Autora pretendeu (e pretende), em primeiro lugar, que seja definido como dia de descanso complementar, em cada semana, o sábado, anulando-se o horário que define tal dia pela soma de horas de sábado e segunda-feira.
A sentença absolveu a Ré deste pedido com o fundamento de que a Autora deveria ter-se oposto à mudança de horário logo quando tal aconteceu, ou seja, quando foi transferida para a Loja do Cidadão no ..., e argumentou ainda que esta alteração de horário não configura uma qualquer discriminação em relação aos demais trabalhadores.
A Autora reage por via de recurso, por entender desde logo que a Ré, sua entidade patronal, não pode modificar o seu horário de trabalho contra a sua vontade, e sem que lhe pague a correspondente retribuição a título de trabalho suplementar, como acontecia anteriormente à modificação operada em Abril de 2005, em que gozava de dois dias seguidos de descanso semanal, sendo o complementar ao sábado, mas em que, por imperativos de organização da recorrida, tinha de trabalhar 3 horas nesse dia, que eram pagas como trabalho suplementar.
Segundo resulta da matéria de facto provada – pontos 4. a 6. – as alterações de horários ocorreram em 2005.
À data vigorava o Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, aplicável ao presente caso por força do disposto no seu art. 8º nº1.
Nos termos deste diploma legal, “Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador está a desempenhar a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no artigo seguinte.” (sic art. 155º), e que não interessam ao presente caso.
“O tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, denomina-se «período normal de trabalho»” (cfr. art. 158º)
“Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos de descanso.” (sic nº1 do art. 159º). “O horário de trabalho delimita o período de trabalho diário e semanal.” (sic nº2)
Por período de descanso entende-se todo aquele que não seja tempo de trabalho (cfr. art. 157º)
Parafraseando Monteiro Fernandes, a determinação quantitativa do trabalho “é necessária, desde logo, porque a prestação de trabalho não pode invadir totalmente a vida pessoal do trabalhador: é necessário que, por aplicação de normas ou por virtude de compromissos contratuais, esteja limitada a parte do trabalho na vida do indivíduo …” (sic Direito do Trabalho, 18º edição, pág. 283)
Esta linha de entendimento, resulta desde logo da própria Constituição da República que, no seu art. 59º nº1 b) e d) determina que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;

d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas” (sic)
E a lei ordinária, o CT, bem como os Instrumentos de Regulamentação Colectiva (IRC) desenvolvem todo um conjunto de normas que visam garantir uma organização temporal do trabalho por forma a serem alcançados aqueles desideratos.
Assim, “O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia nem quarenta horas por semana” (sic nº1 do art. 163º)
Em matéria de horário de trabalho, define o art. 170º do CT, na senda dos poderes de direcção do empregador de que fala o art. 10º do mesmo diploma legal, que a este compete “definir os horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais” (sic nº1). “As comissões de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais devem ser consultados previamente sobre a definição e a organização dos horários de trabalho.” (sic nº2)
“Não podem ser unilateralmente alterados os horários individualmente acordados” e “Todas as alterações dos horários de trabalho devem ser precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, ser afixadas na empresa com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade, e comunicadas à Inspecção-Geral do Trabalho, nos termos previstos em legislação especial.” (sic nº1 e 2 do art. 173º)
A questão que se coloca é, se depois de definido o horário de trabalho, a entidade patronal pode alterá-lo sem o consentimento do trabalhador.
Alterar o horário de trabalho mais não é do que fixar um novo horário de trabalho.
Como afirma Monteiro Fernandes “Por um lado, a faculdade de definir o horário de trabalho releva do poder de organização do trabalho que, em geral, pertence à entidade empregadora, e que é um instrumento fundamental de gestão da empresa. Mas, por outro lado, o horário de trabalho é uma referência fundamental da organização de vida do trabalhador; alterá-lo sem acordo pode afectar seriamente interesses e conveniências pessoais respeitáveis.” (sic ob citada, pág. 289)
Contudo, embora, como resulta dos preceitos legais supra referidos, a lei rodeie de cautelas a alteração dos horários dos trabalhadores, a verdade é que o empregador pode unilateralmente alterar tais horários. Só assim não será se
- o horário constar expressamente do contrato de trabalho, ou seja, se o trabalhador foi contratado expressamente para determinado horário de trabalho;
- o horário foi posteriormente estabelecido entre as partes e expressamente para o trabalhador;
- resultar do IRC aplicável que o horário apenas pode ser alterado por acordo (cfr. neste sentido, Ac STJ de 29-09-1993 in CJ, T. III, pág. 276, Ac STJ de 21-01-1998 in BMJ 473-294, Ac STJ de 26-04-1999 in CJ T II, pág. 270, de 23-09-1999 in e CJ T III, pág.243, de 22-03-2007, Proc 06S3536 in www.dgsi.pt, Ac Relação de Lisboa de 18-06-1997 in BMJ 468-459, Ac Rel Porto de 01-03-1999 in BMJ 485-486).
Não foi alegado que do contrato de trabalho da Autora constava um determinado horário ou que a Autora foi contratada expressamente para determinado horário ou ainda que tal acabou por ser decidido pelas partes no decurso da execução do contrato.
Dos factos provados não consta que entre a Ré e Autora haja sido convencionado qualquer horário de trabalho individualizado para a Autora.
A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 1981, quando estava em vigor o AE de 29-07-1977 – publicado in BTE, 1º Série nº28 – sendo que, nos termos da Base L desse AE, “A empresa, através de regulamento interno, ouvidos os sindicatos interessados, definirá os respectivos horários, dentro dos condicionalismos legais e dos previstos na presente portaria, mantendo-se em vigor o actual sistema até à publicação do regulamento.” (sic nº2). E “A fixação dos horários de trabalho compete à empresa, com observância dos condicionalismos previstos na presente portaria e na lei, ouvidos os sindicatos interessados. (sic nº 2 da Base XLIX). “A alteração do tipo de horário atribuído a um trabalhador deve ser-lhe comunicada com a antecedência de uma semana, salvo caso de força maior.” (sic nº3)
O período normal de trabalho era de 40 horas semanais, e 8 horas diárias (cfr. Base XLVIII)
Nada resulta do IRC aplicável no sentido de que o horário só pode ser alterado por acordo.
A Autora desde 1 de Fevereiro de 2005 exerce a sua actividade profissional na Estação de Correio (EC) da Loja do Cidadão no ..., com o horário que resulta do ponto 5 da matéria de facto provada.
Em causa não está este horário, com o qual a Autora concordou.
A Autora discorda é do horário que a Ré lhe destinou a partir de Abril de 2005.
Em Abril de 2005 vigorava nas relações contratuais dos CTT com os seus trabalhadores o AE de 08-06-1996 (publicado in BTE 1º Série, nº 21).
Nos termos deste Instrumento de Regulamentação Colectiva (IRC), o período normal de trabalho era de oito horas diárias e quarenta horas semanais (cfr. Cláusula 112º nº2)
Relativamente ao horário de trabalho estabelece-se ali que “2. Salvo caso fortuito ou de força maior, notório ou devidamente justificado, a alteração de horário atribuído a um trabalhador deve ser-lhe comunicada com a antecedência mínima de uma semana e verificar-se após o descanso semanal, obedecendo, contudo, às escalas e modalidades já existentes no respectivo local de trabalho.
3. Os trabalhadores ficam sempre sujeitos aos horários praticados nos locais de trabalho onde exerçam as suas funções.

7. A definição das modalidades de horários a praticar nos serviços será precedida de análise e discussão com os sindicatos representativos dos trabalhadores a abranger. (sic cláusula 118º)
Ou seja, em matéria de contratação colectiva contemplaram-se essencialmente as mesmas regras que já eram previstas na Lei do Contrato de Trabalho aprovada pelo Dec. Lei 49 408 de 24-11-1969 (LCT), em vigor aquando da elaboração da CCT – art. 49º - e na Lei da Duração do Trabalho, Repouso e Horários dos Estabelecimentos, aprovada pelo Dec.Lei 409/71 de 27-09 (LDT) – art. 11º - e que, como referimos, viriam também a ser consagradas no CT: é à entidade patronal que incumbe a fixação do horário de trabalho, embora no condicionalismo a que se refere o art. 170º do CT/2003 e a cláusula 118º do CCT aplicável às relações de trabalho entre a Autora e os CTT.
Não está em causa a consulta à Comissão de Trabalhadores, o que a Autora defende é que a entidade patronal não pode alterar o seu horário de trabalho sem a sua anuência. E neste ponto carece de razão. De facto, nem o CT/2003. nem o IRC aplicável, proíbem a alteração do horário de trabalho do trabalhador e não fazem depender essa alteração do consentimento do visado. A entidade empregadora tem o direito de organizar os tempos de trabalho de acordo com as necessidades e o interesse da empresa, podendo alterar unilateralmente os horários de trabalho, nos termos do disposto no artigo 173º do CT/2003 e desde que não sejam ultrapassados os períodos de trabalho previstos no IRC aplicável, o que não é alegado pela Autora.
É claro que a entidade patronal deve auscultar o trabalhador e tentar com ele um consenso nessa matéria, até para efeitos do disposto no art. 172º do CT - “Na definição do horário de trabalho, o empregador deve facilitar ao trabalhador a frequência de cursos escolares, em especial os de formação técnica ou profissional.” (sic nº1) e “Na definição do horário de trabalho são prioritárias as exigências de protecção da segurança e saúde dos trabalhadores.” (sic nº2) “Havendo trabalhadores pertencentes ao mesmo agregado familiar, a fixação do horário de trabalho deve tomar sempre em conta esse facto” (sic nº3) – ou mesmo por forma a facilitar ao trabalhador a actividade profissional com a vida familiar, como está actualmente previsto no art. 212º nº2 b) do CT, mas que não acontecia em 2005, tudo por forma a assegurar que os trabalhadores desempenhem as suas funções com estabilidade e motivação, o que só pode ser benéfico para as organizações.
Seja como for, a consulta à Comissão de Trabalhadores, sendo obrigatória não é vinculativa, e a consulta ao trabalhador não é obrigatória, incumbindo ao empregador decidir acerca da alteração do horário de trabalho de acordo com as necessidades de funcionamento da empresa.
Apenas assim não é quando os horários são individualmente acordados (cfr. art. 173º nº1 do CT), ou seja, quando o trabalhador é contratado expressamente para determinado horário, ou quando o horário tenha sido entretanto acordado no decurso da execução do contrato de trabalho. E para tal não releva apenas o facto de o mesmo horário se ter mantido durante largos anos sem alteração, é necessário que se prove que resultou de acordo expresso das partes (cfr. no mesmo sentido, Ac STJ de 02-12-2012 – Proc 108/07.1 TTBGC.P1.S1 – de 23-09-1999 – Proc. 99S073 – de 17-09-2009 – Proc 08S3844.
Era à Autora, nos termos do disposto no art. 342º nº1 do C.Civil, que incumbia alegar e provar os factos constitutivos desses condicionalismos, o que não aconteceu, ou seja, a Autora não alegou a existência de qualquer acordo individualizado com a Ré acerca do horário de trabalho, pelo que não ocorre qualquer ilicitude nestas mudanças de horários.
Embora a Autora alegue que a imposição pela Ré de horário diferente dos colegas surge como castigo por não ter acatado a imposição do dia de descanso complementar ser gozado em dias diferentes dos constantes do Mapa, a verdade é que não resultaram provados quaisquer factos que apontem nesse sentido.
Improcede assim o pedido de anulação do horário.
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B- 2 - Se o dia de descanso complementar pode ser repartido em dois meios dias, como decidiu a Ré
A Autora insurge-se contra o facto de ter de trabalhar ao sábado, que era o seu dia de descanso complementar, sem que tal seja retribuído como trabalho suplementar.
Tal como sucede com as férias, também o descanso semanal permite ao trabalhador a recuperação de energias e da sua plena disponibilidade para as actividades de carácter pessoal que entender.
Nos termos do disposto no art. 205º nº1 do CT/2003, “O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana” (sic)
Esse dia de descanso semanal só pode deixar de ser o domingo nas situações referidas nos nº2 e 3 deste preceito legal e que não interessam ao presente caso.
Para além do dia de descanso semanal, “Pode ser concedido, em todas ou determinadas semanas do ano, meio dia ou um dia de descanso, além do dia de descanso semanal previsto por lei.” (cfr art. 206º nº1 CT/2003). “O dia de descanso complementar previsto no número anterior pode ser repartido e descontinuado em termos a definir por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (sic nº2)
Por sua vez, o IRC aplicável – in BTE nº 21 de 1996 – estabelece na cláusula 154º que “1. Entende-se por período de descanso semanal a suspensão da prestação de trabalho durante dois dias consecutivos por semana, que coincidirão com o sábado e com o domingo, salvas as excepções previstas neste acordo.
2. Considera-se dia de descanso semanal complementar o primeiro dos dias do período de descanso e dia de descanso semanal o segundo.
3. Face às necessidades de elaboração de escalas, poderão os dias de descanso não ser gozados consecutivamente, salvo se o trabalhador manifestar o seu desacordo com, pelo menos, uma semana de antecedência.
4. Os dias de descanso só poderão deixar de ser o sábado e o domingo:
a) Quando se trate de serviços que não encerram nem suspendem dois dias completos por semana …
5. O número anual dos dias de descanso semanal dos trabalhadores colocados em regime de laboração contínua será igual ao dos restantes trabalhadores.” (sic)
Segundo resulta da análise conjugada dos referidos dispositivos legais e convencionais, é o seguinte o regime de descanso semanal previsto
- os trabalhadores dos CTT têm direito a dois dias consecutivos por semana de suspensão da prestação de trabalho;
- em princípio, esses dois dias coincidem com o sábado e o domingo;
- os dias de descanso só poderão deixar de ser o sábado e o domingo quando se trate de serviços que não encerram nem suspendem dois dias completos por semana;
- quando exista necessidade de elaboração de escalas, admite-se que os dias de descanso não sejam gozados consecutivamente, excepto se o trabalhador manifestar discordância com, pelo menos, uma semana de antecedência.
No presente caso, e dado que a Loja do Cidadão no ..., local de trabalho da Autora, não suspende nem encerra a sua actividade dois dias completos, ocorre a necessidade de elaboração de escalas, pelo que os dias de descanso podem não coincidir com o sábado, já que no domingo a loja encerra. Neste caso, os dias de descanso podem não ser consecutivos, excepto se houver discordância no prazo fixado na cláusula 154º da CCT aplicável.
Quanto a este aspecto da concordância entendemos, diferentemente da sentença, que ela tinha de ocorrer na altura em que foi alterado o horário de trabalho, em Abril de 2005 - porque foi nessa altura que o horário da Autora passou a abranger todos os sábados, ao contrário do que acontecia anteriormente, em que o sábado constituía o dia de descanso complementar e a trabalhadora prestava trabalho suplementar nos moldes referidos no ponto 5. da matéria de facto provada - e não antes. No entanto, o que resulta dos factos provados é que essa discordância não aconteceu, a não ser posteriormente, em Agosto de 2006. Ora, ao não manifestar atempadamente a sua discordância em relação ao gozo do dia de descanso complementar de forma não consecutiva, nada impedia que a Ré assim tivesse determinado.
Defende ainda a Autora que o dia de descanso complementar não pode ser gozado de forma repartida ou descontinuada, como está previsto no art. 206º nº2 do CT/2003, por a tal se opor o IRC aplicável, que exige que esse dia seja um dia de calendário.
Analisado o Acordo de Empresa aplicável, concluímos que não é esse o sentido que tem o nº1 da cláusula 154º. Ali não se exige que os dias de descanso semanal correspondam a dias de calendário. Aliás, se fosse esse o sentido que as partes lhe quiseram atribuir, a Ré não conseguiria abrir qualquer uma das suas EC, nomeadamente na Loja do Cidadão do ..., ao sábado, a não ser que concedesse ao trabalhador que ali presta trabalho no período da manhã, dois dias e meio de descanso, ou seja, ao sábado à tarde, em que o trabalhador não presta trabalho, ao domingo e noutro dia. Isto firmados no entendimento de que os dias de descanso têm de ser dias de calendário. Não é esse o espírito do AE. É indiscutível que tal assim acontecerá no dia de descanso semanal, que é obrigatório, por forma a permitir o repouso e o lazer, o que aliás está constitucionalmente consagrado. Como afirma Monteiro Fernandes “Este período de repouso deverá cobrir um dia de calendário, isto é, um segmento temporal iniciado às 0 horas e terminado às 24” (sic Direito do Trabalho, 16º Edição, pág. 342). Concordamos inteiramente com este entendimento pois é aquele que melhor permite que a lei alcance o desiderato para que foi criada. Mas, como afirma o mesmo Autor, “Para além do dia de descanso semanal que constitui prerrogativa mínima da generalidade dos trabalhadores, determinou-se na década de setenta do século passado, a prática correspondente às chamadas “semana inglesa” e “semana americana”, que se traduzem na atribuição do direito a um período complementar de repouso semanal, com a duração, respectivamente de meio dia ou um dia completo.” (sic ob citada, pág. 343). No presente caso, o IRC aplicável à Autora prevê a existência de um período complementar de repouso semanal correspondente a um dia. Coisa diferente é saber se esse dia pode ser descontinuado na semana a que respeita, e a essa questão o AE não dá resposta, prevendo apenas a sua existência. Assim sendo, tem aplicação o que dispõe o art. 206º nº2 do CT/2003, podendo o período de descanso semanal complementar ser repartido e descontinuado, como está previsto para a Autora.
A Autora afirma ainda que a Ré a discrimina em relação aos demais trabalhadores, ao atribuir-lhe um horário fixo, em consequência de ela ter reclamado os direitos que julga deter.
Não alicerça em factos esta conclusão – artigos 27º e 43º da p.i. - nomeadamente não são discriminados os horários dos demais trabalhadores relativamente a quem se sente discriminada e as respectivas circunstâncias contratuais.
Improcede também nesta parte o recurso.
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B – III - Da existência de trabalho suplementar
Pretende a Autora lhe sejam pagas determinadas quantias a título de trabalho suplementar, bem como da média desse trabalho nas férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal.
Nos termos da lei, “considera-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho.” (sic art. 197º nº1 CT/2003)
“O trabalhador é obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa.” (sic art. 198º)
“O trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha de fazer face a acréscimos eventuais e transitórios de trabalho e não se justifique a admissão de trabalhador.” (sic art. 199º nº1)
Também o AE aplicável à Autora (cfr. BTE nº21 de 1996) prevê a realização de trabalho suplementar, que poderá ser exigido “em dias de descanso semanal complementar ou feriados, para assegurar a regularidade de serviços ou a continuidade da laboração nos sectores da empresa sujeitos a tal regime, ou ainda em casos excepcionais, seja qual for o sector em que a acção se torne necessária (sic nº1 da claúsula 157º)
Reportando-nos ao presente caso, contudo, e relativamente ao trabalho prestado pela Autora ao sábado, como já supra referimos, não se trata de trabalho suplementar mas do próprio horário da trabalhadora, que foi alterado em Abril de 2005. Portanto, não se trata de trabalho realizado fora do horário de trabalho, razão pela qual, não tem a Autora de haver qualquer retribuição acrescida, improcedendo o pedido formulado.
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B – IV - Da indemnização por danos não patrimoniais
Peticiona ainda a Autora a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais nos termos do art. 26º do CT/2003, alegando ter sido alvo de discriminação em relação aos demais trabalhadores, numa situação que entende típica de “mobbing”.
Esta pretensão inscreve-se no instituto da responsabilidade civil por acto ilícito, importando a verificação de todos e cada um dos pressupostos previstos no art. 483º do Código Civil, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
Como já supra referimos, não foram alegados pela Autora quaisquer factos de onde possa concluir-se pela atitude discriminatória por parte da Ré, que é referida nos seus articulados, além de que a análise dos factos provados não permite concluir que a Ré praticou qualquer acto ilícito.
Falhando um dos pressupostos dos quais a lei faz depender a tutela da responsabilidade, cumpre absolver a Ré do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
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V - Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação interposto por AA, mantendo integralmente a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Apelante.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Maio de 2013

Paula Santos
Alcina da Costa Ribeiro
Seara Paixão
Decisão Texto Integral: