Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1226/13.2TVLSB-C.L1-2
Relator: JORGE VILAÇA
Descritores: DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
CONTRADITA
ADVOGADO
SIGILO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I–A fundamentação de qualquer decisão não tem que ser exaustiva e, por isso, se basta com uma mera invocação sucinta de argumentos de facto e de direito, ainda que por vezes de forma implícita.
II-A contradita deduzida ao abrigo do art.º 521º do CPC há-de assentar em factos não relatados pela testemunha, em relação aos quais é exigido, como único requisito, a sua susceptibilidade para abalarem a credibilidade dessa testemunha, seja quanto à razão de ciência invocada, seja quanto à fé que a mesma possa merecer.
III-Não se pode também confundir a admissibilidade da testemunha com a sua credibilidade, pelo simples facto de ser advogado e pertencer à mesma sociedade de advogados a que pertence o mandatário de uma das partes, nem mesmo ainda o facto de ter, enquanto advogado, intervenção nos factos que servem de fundamento à acção.
IV-Esta questão prende-se com a admissibilidade do depoimento sobre factos que tenha tido conhecimento e ao abrigo do sigilo profissional.
V-Não é toda a correspondência de advogado que está abrangida pelo segredo profissional, ela tem de estar abrangida por uma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do art.º 87º do E.O.A..
VI-A correspondência enviada por advogado à parte contra quem o seu cliente mantém um diferendo não se encontra coberta por tal segredo.
VII-As cartas subscritas pelo então advogado dos autores/senhorios à inquilina destes e a que se reporta o contrato de arrendamento em discussão na acção e através da qual se comunica a alteração da renda devida e nos termos da legislação sobre o arrendamento, não se reporta propriamente a negociação relativa a um litígio pré-judicial, mas de comunicação de alteração de renda e respectivas resposta e contra-resposta, e a sua junção não viola o segredo profissional imposto ao advogado.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I– Relatório


SOCIEDADE ... DE HÓTEIS, LDA. interpôs recurso do despacho que não admitiu o incidente de contradita de testemunha e que indeferiu nulidade processual ditado para a acta de audiência de julgamento de 28-11-2014, proferido em acção que lhe foi instaurada por MARIA DO CARMO ... ... FERREIRA ...  e outros, formulando as seguintes “CONCLUSÕES”:
–Vem este recurso interposto do Douto Despacho oral, prolatado na sessão de julgamento realizada em 28 de novembro de 2014, por intermédio do qual o Tribunal a quo não admitiu o incidente de contradita com referência à testemunha Henrique Van ... ... e indeferiu a nulidade processual pela Ré, respetivamente, suscitado e arguida;
-A Apelação é admissivel nos termos do disposto no n.º 2, in fine, do artigo 630.° e alínea h) do n.º 2 do artigo 647.° do CPC.
-O douto Despacho Recorrido não admitiu o incidente de contradita e indeferiu a arguição de nulidade, exclusivamente com base em fundamentos fatuais o que não satisfaz o dever de fundamentação das decisões judiciais que inter alia resulta do artigo 607.°, n.º 3, do CPC.
-O douto Despacho Recorrido é, país, nulo, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC.
-O douto Despacho Recorrido ao não admitir o incidente de contradita com os fundamentos de facto que concretamente aduziu, fez um errado julgamento.
-Na verdade, conforme se evidenciou nestas alegações, não havia fundamentos factuais ou legais para que a contradita não fosse admitida, sendo que também no ponto de vista substancial se verificavam fundamentos para a sua admissão.
-Conclui-se, pois, que o douto Despacho Recorrido fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 521.° e 522.° do CPC, incorrendo pois em erro de julgamento, razão pela qual deve ser revogado e substituído por um outro onde se admita o incidente de contradita.
-O douto Despacho Recorrido também andou mal ao não conhecer e declarar a nulidade arguida pela Ré, ora Recorrente;
9ª-Constam da correspondência junta aos autos, pelos Autores (a instruir este  recurso) documentos que violam o sigilo profissional e encerram negociações malogradas entre as partes.
10ª-O conhecimento de que tais factos consistem em negociações malogradas resultou do depoimento do Dr. Henrique ... e das declarações dos legais representantes das partes.
11ª-Resultou claramente de tais declarações e depoimento que a carta enviada à Ré, por Henrique ... em 1 de fevereiro de 2013 e a carta que o mesmo Henrique ... remeteu à Ré, em 4 de março de 2013, consubstanciam negociações com vista à fixação do valor da renda e da duração do contrato que acabaram por malograr.
12ª-O Tribunal a quo não podia ignorar tais factos uma vez que a sua aquisição processual ocorreu na sessão da audiência de discussão e julgamento que decorreu em 28 de novembro de 2014 constando os mesmos da gravação cujos segmentos relevantes se transcreveram supra;
13ª-Ademais, o Tribunal a quo também não pode ignorar que o Dr. Henrique ... não apresentou, naquela' mesma sessão, antes da sua inquirição, um despacho do Sr. Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados a "libertá-lo" do dever de sigilo a que estava - e está - sujeito;
14ª-Traduzindo-se em negociações malogradas, não podem as mesmas fazer prova em juízo (nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 87.º do EOA), como também não pode fazer prova em juízo o depoimento do advogado Henrique ... que subscreveu tais cartas e que, em sede de julgamento, sobre as mesmas se pronunciou com o intuito de certificar o seu conteúdo e autenticidade.
15ª-Assim, qualquer despacho judicial que admita tais documentos e depoimento ou que os valorize como meio probatório será proibido nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 87.º do EOA e, consequentemente, nulo nos termos do disposto no artigo 195.° do CPC, na medida em que consubstanciará um ato cuja prática é proibida por lei e que, como é fácil de reconhecer, no caso vertente influi ou poderá influir decisivamente na decisão da causa.
16ª-Ao contrário do que vem referido no douto Despacho Recorrido, não havia qualquer constrangimento temporal para conhecer da nulidade arguida pela Ré, constrangimento esse aliás que nunca haveria pelo facto de a seleção da matéria de facto em sede de audiência prévia não fazer caso julgado.
17ª-Consequentemente, o douto Despacho Recorrido, ao indeferir a nulidade arguida, fez errada interpretação e aplicação do disposto alíneas d), e) e f) do n.º 1 e do n.º 5 do artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como do disposto no artigo 195.° e 199.° do CPC, razão pela qual deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que declare expressamente a nulidade dos acima referidos meios de prova.
Terminou no sentido de o Despacho Recorrido ser declarado nulo ou, não se entendendo ou partindo-se do pressuposto que estão reunidos os requisitos para conhecer a matéria de fundo, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que admita o incidente de contradita e declare a nulidade processual arguida.


II- Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir:


Nos termos do art.º 639º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente.
Assim, no âmbito do presente recurso de apelação as questões fundamentais que cabe conhecer são as seguintes:
1) Nulidade do despacho;
2) Admissibilidade de contradita;
3) Nulidade processual.
Da acta de audiência de julgamento de 28-11-2014 destaca-se o seguinte:
“De seguida, foi pedida a palavra pelo Ilustre Mandatário dos Autores e, no seu uso, disse:
Uma vez que se encontra arrolada como testemunha Henrique Van ... de ..., advogado, e por forma a evitar desnecessários transtornos à sua vida profissional, os Autores requerem a alteração da ordem de produção da prova pessoa que arrolara, sendo inquirida de imediato a dita Testemunha, e retomando-se de seguida a inquirição das demais por si arroladas.
*
Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Ré, no seu uso disse:
Nada ter a opor.
*
Pela Mmª Juiz foi, então proferido o seguinte

DESPACHO:
Atento os motivos invocados, e o disposto no artigo 512º, nº 1 do C.P.C., defiro o requerido.
*
Prosseguiu-se com a inquirição das testemunhas.
*
1ª TESTEMUNHA
(arrolada pelos Autores)
. Henrique Van ... de ... - portador do BI nº 8489938 de 23-05-2005, 45 anos, advogado com inscrição em vigor, com domicilio profissional na Avª António Augusto Aguiar, nº … º 5º Lisboa.
Prestou juramento legal, depois de ter sido advertido da importância moral do mesmo, bem como do dever de ser fiel à verdade, sob pena de incorrer na prática de um crime de falsas declarações (tudo nos termos do art. 459º, aplicável ex vi do art. 513º, nº 1, ambos do C.P.C.).
Aos costumes declarou ser advogado da família dos Autores há cerca de 15 anos, tendo recebido procurações forenses de vários dos seus membros. Contudo, não os patrocinou (ou patrocina) nos presentes autos, sem prejuízo da intervenção que teve nos factos que aqui se discutem.
Ficou registado em suporte digital de 01h 51m 00s a 02h 07m 00s
***
Terminada a prestação do depoimento da testemunha Henrique Van ... de ..., foi pedida a palavra pelo Ilustre Mandatário da Ré e, no seu uso, disse:
Não tem nada a perguntar à Testemunha, deduzindo porém o incidente de contradita relativamente à mesma, enunciando de seguida os respectivos fundamentos.
Henrique Van ... de ... foi o advogado dos Autores; e nessa qualidade agiu aquando das negociações para o aumento de renda – ver ponto 6 dos factos provados, no qual se transcreve a carta da autoria da dita Testemunha, onde a mesma refere «dirigimo-nos a V. Exas. na qualidade de advogados da família ... Ferreira» (o mesmo é inter alia referido na carta de 24 de Maio de 2013, a que se faz referência no ponto 19 dos factos provados).
Henrique Van ... de ... é sócio da sociedade de advogados à qual pertence o Ilustre Advogado Dr. José Luís ... ..., nestes autos mandatário dos Autores (junta-se, para este efeito, cópia de página do website da Telles de ..., onde claramente se refere o Sr. Dr. Henrique Van ... de ... como sendo seu sócio).
Henrique Van ... de ... tem interesse nesta causa. Se se concluir, como se espera, que a comunicação do aumento de renda foi mal efectuado (designadamente, porque o mesmo não estava abonado dos poderes para o efeito), terá, eventualmente, que indemnizar os aqui Autores. Assim, indirectamente, a testemunha Henrique Van ... de ... tem interesse que a causa seja decidida a contento dos Autores. Aliás, neste sentido se junta cópia da comunicação expedida por Henrique Van ... de ... ao Sr. Dr. Diogo ... de Carvalho, de onde, claramente, resulta não só que Henrique Van ... de ... está muito bem informado sobre o que lhe ia ser perguntado em Tribunal, como também pretende combinar, ou melhor industriar, o depoimento do Sr. Dr. Diogo ... de Carvalho.
Assim, claramente, os factos narrados são susceptíveis de demonstrar - e demonstram - que o Sr. Dr. Henrique Van ... de ... tem interesse na causa; e o seu depoimento não poderá nunca ser considerado isento.
Acresce que o depoimento do Sr. Dr. Henrique Van ... de ..., bem como as comunicações da sua autoria (que o mesmo juntou aos autos) se traduzem em meios de prova nulos; e aos quais não pode, consequentemente, ser atribuído nenhuma valor. Senão, vejamos:
. as cartas da autoria de Henrique Van ... de ..., na sua qualidade de advogado da família ... Ferreira, datadas de 01 de Fevereiro de 2013 e de 04 de Março de 2013, consistem em correspondência referente a negociações extrajudiciais quanto ao aumento de renda do prédio. Trata-se, pois, de correspondência abrangida pelo disposto na al. f), do n.º 1, do art. 87.º do EOA, ou seja, referente a negociações malogradas.
. o mesmo se passa com os factos aqui objecto do seu depoimento.
Estabelece o n.º 5 do art. 87.º do EOA, que «os actos praticados por advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo».
O EOA é aprovado por acto legislativo (Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro); e, como tal, é do conhecimento do Tribunal.
*
Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Ré, no seu uso disse:
Nada ter a requerer.
Ficou gravado em suporte digital de 02h 08m a 02h 12m.
*
Pela Mmª Juiz foi, então, proferido o seguinte:

DESPACHO:

Os factos invocados pelo Ilustre Mandatário da Ré, para fundamentar a contradita ora deduzida, encontram-se revelados desde o início do processo.
Com efeito, desde então surgiu a ora testemunha Henrique Van ... de ... identificada como sendo - à data dos factos - mandatário dos Autores, sendo precisamente a existência, ou a não existência, desse mandato que aqui é sindicada.
Não foi ainda omitido pela própria Testemunha, durante o seu depoimento, qualquer facto novo, que agora fosse passível de revelação por parte da Ré.
Considera-se, assim, que a contradita deduzida não reúne os pressupostos legais para ser recebida.
O exposto, contudo, não invalida um outro juízo, a formular em momento ulterior, sobre a credibilidade, a isenção, ou a eficácia probatória que devam ser conferidas a este depoimento.
Relativamente à alegada nulidade resultante da junção aos autos de documentos que consubstanciariam violação de sigilo profissional (de advogado), foram os ditos documentos apresentados com os articulados das partes; e posteriormente seleccionados/reproduzidos em sede de audiência prévia, onde a Ré se fez representar. Desde então, não foram objecto de qualquer modificação ou alteração, nomeadamente por parte do Tribunal.
Não se deixa, por isso, de se estranhar que só neste momento a questão da respectiva nulidade venha a ser arguida, sendo que, relativamente à mesma, não tem o Tribunal elementos que lhe permitam fundar um juízo diferente daquele que, em ocasião pretérita, proferiu.
Pelo exposto, indefiro o requerimento ora apresentado.
***
De seguida, a Mmª Juiz instou a testemunha Henrique Van ... de ... a esclarecer a a precisar alguns pontos do depoimento que já prestara, o que ela fez.No decurso desta sua actuação, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte

DESPACHO:

Pese embora o despacho antes proferido (de não recebimento da contradita deduzida pela Ré), o qual esgotou o poder jurisdicional do Tribunal sobre esta a matéria - conforme art. 613º, nº 1 e nº 2 do C.P.C. - , não deixou de ser referido que a testemunha Henrique Van ... de ... terá combinado com a também testemunha arrolada pelos Autores, Diogo ... de Carvalho, o teor do seu depoimento.
Decido agora, e oficiosamente, ouvir a dita testemunha Henrique Van ... de ... sobre este facto.
*
A testemunha Henrique Van ... de ... pronunciou-se de seguida sobre o que lhe fôra pedido pela Mmª Juiz, afirmando ainda pretender conhecer o documento invocado pelo Ilustre Mandatário da Ré (alegado e-mail, por si remetido para o colega Diogo ... de Carvalho), onde aquele estribara a sua acusação.
Face ao exposto, bem como ao que já tinha sido a vontade manifestada nesse sentido pelo Ilustre Mandatário da Ré, a Mmª Juiz ordenou que fosse junto aos autos o dito documento (que se encontrava na posse do mesmo Ilustre Mandatário), depois de por si examinado e rubricado. Foram ainda extraídas as legais e devidas cópias, sendo entregue uma a cada um dos Ilustres Mandatários das partes.
Ficou registado em suporte digital de 02h 12m a 02h 27m.”

1. Nulidade do despacho

A apelante invoca a nulidade do despacho recorrido com fundamento em falta de fundamentação nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil.
A fundamentação de qualquer decisão não tem que ser exaustiva e, por isso, se basta com uma mera invocação sucinta de argumentos de facto e de direito, ainda que por vezes de forma implícita.
A apelante defende que apenas houve fundamentação de facto.
Permitimo-nos discordar, uma vez que ao se referir que a contradita deduzida não reúne os pressupostos legais para ser recebida após enunciação dos factos mais relevantes invocados no incidente deduzido e quando neste são invocadas as normas em que se fundamenta consideramos que se está a remeter, de forma implícita, para as normas que o requerente invocou, o que basta para afastar a invocada falta de fundamentação, ainda que se possa considerar uma fundamentação algo suis generis.
Não reputamos como sendo a melhor técnica jurídica, mas entendemos ser suficiente para a compreensão do despacho proferido.
Deste modo, não se verificando qualquer nulidade do despacho nos termos invocados, improcede a primeira questão colocada no presente recurso.

2. Admissibilidade da contradita

Nos termos do art.º 521º do Código de Processo Civil, a "parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer".
A contradita é o incidente destinado a abalar a credibilidade de uma testemunha e deve apoiar-se em qualquer circunstância que possa afectar essa mesma credibilidade e não a veracidade do depoimento em si.
Conforme se referiu no acórdão desta Relação e secção de 31-01-2008 a "a contradita há-de assentar em factos não relatados pela testemunha, em relação aos quais é exigido, como único requisito, a sua susceptibilidade para abalarem a credibilidade dessa testemunha, seja quanto à razão de ciência invocada, seja quanto à fé que a mesma possa merecer." (in http://www.dgsi.pt - Processo n.º 9179/2007-2 - relator Desembargador Farinha Alves).

Ora, os argumentos invocados pela requerente/apelante e que se encontram resumidos na acta e transcritos supra e também referidos no despacho recorrido não são suficientes para abalar a credibilidade da testemunha.
A testemunha é interveniente directa na situação de facto que se pretende apurar e não foi invocado sequer que tenha omitido qualquer facto ou circunstância importante para apuramento dos factos da acção.
O eventual interesse (indirecto) no desfecho da presente acção não é bastante para por em causa a credibilidade da testemunha.
Não está em causa a veracidade do próprio depoimento, mas a credibilidade que a testemunha em causa merece.
Essa credibilidade não foi suficientemente abalada pela requerente da contradita.

Não se pode também confundir a admissibilidade da testemunha com a sua credibilidade, pelo simples facto de ser advogado e pertencer à mesma sociedade de advogados a que pertence o mandatário de uma das partes, nem mesmo ainda o facto de ter, enquanto advogado, intervenção nos factos que servem de fundamento à acção.
Esta questão prende-se com a admissibilidade do depoimento sobre factos que tenha tido conhecimento e ao abrigo do sigilo profissional.
Em consequência, há que considerar que, tal como foi defendido no despacho recorrido, não existe fundamento para admitir o incidente deduzido.

3. Nulidade processual: admissibilidade de correspondência ao abrigo do sigilo profissional

A apelante arguiu a nulidade da junção de documentos  que correspondem a cartas que a testemunha Henrique ..., advogado, enviou à ré em representação dos autores, por violação do sigilo profissional nos termos do art.º 87º do E.O.A.
Sobre o segredo profissional dos advogados dispõe o art.º 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, o seguinte:
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço so licitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o Bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.
5 - Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração.

Lebre de Freitas defende que o depoimento prestado em violação do segredo profissional é nulo (cfr. Código de Processo Civil anotado, 2º volume, pág. 536)
Não é toda a correspondência de advogado que está abrangida pelo segredo profissional, ela tem de estar abrangida por uma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do art.º 87º citado.
Não se duvida que a correspondência trocada entre advogados de partes opostas, seja no âmbito de litígio judicial ou extrajudicial, esteja protegida pelo segredo profissional.
Mas consideramos que a correspondência enviada por advogado à parte contra quem o seu cliente mantém um diferendo já não se encontra coberta por tal segredo.
A correspondência em causa e que está documentada a fls. 29 a 34 reporta-se a cartas subscritas pelo então advogado dos autores/senhorios à inquilina destes e a que se reporta o contrato de arrendamento em discussão na acção e através da qual se comunica a alteração da renda devida e nos termos da legislação sobre o arrendamento.
Não se reporta propriamente a negociação relativa a um litígio pré-judicial, mas de comunicação de alteração de renda e respectivas resposta e contra-resposta.
Por isso, consideramos que a junção de tais documentos é perfeitamente admissível e não viola o segredo profissional regulado no citado art.º 87º do E.O.A..
Em suma, não estando tais documentos abrangidos pelo disposto nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do art.º 87º citado e nos termos defendidos pela apelante, não se aplica o n.º 5 do mesmo preceito legal, não ocorrendo, por isso, qualquer nulidade processual.
Improcede, assim, mais esta questão colocada no recurso o que implica a improcedência do mesmo.

IV– Decisão


Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido
Custas pela apelante.


Lisboa, 12 de Janeiro de 2017

Jorge Vilaça
Vaz Gomes            
Jorge Leitão Leal


            
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Jorge Leitão Leal