Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA DE AZEREDO COELHO | ||
Descritores: | SENTENÇA ARBITRAL PRINCÍPIO DO ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO (AIM) MEDICAMENTO GENÉRICO PATENTE SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA CUSTAS DE PARTE REEMBOLSO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/09/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I)– O princípio do esgotamento do poder jurisdicional obsta à prolação de nova decisão sobre a matéria pelo mesmo tribunal e decorre da própria prolação da decisão, não dependendo do trânsito em julgado; a prolação de decisão em violação do princípio determina a nulidade a sentença que assim conhece, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC. II)– Os direitos concedidos pela autorização de introdução no mercado de medicamento genérico constituem valor económico existente no património da titular da AIM cuja transmissão ocorre nos precisos termos em que existem nesse património; a decisão jurisdicional que aprecie a sua compatibilidade com direitos da propriedade industrial produzirá efeitos quanto ao adquirente que não intervenha no processo. III)– A transmissão da AIM não viola direitos de propriedade industrial desde que não implique a transmissão de processo de fabrico ou outros valores protegidos que não sejam de conhecimento geral e que estejam protegidos pela patente invocada. IV)– Os tribunais arbitrais são competentes para a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, uma vez que a natureza destas afasta-as dos meios coercivos que exigem o império exclusivo dos tribunais estaduais. V)– A condenação em sanção pecuniária compulsória exige a verificação de dois requisitos positivos e dois negativos. São requisitos positivos (i) o requerimento do credor e (ii) referir-se a obrigações de prestação de facto infungível, positiva ou negativa. São requisitos negativos a não verificação de (iii) incumprimento definitivo ou de (iv) exigência de especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado. VI)– A sanção pecuniária compulsória visa uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. VII)– Nenhuma destas indicadas finalidades exige a violação actual ou iminente da obrigação de prestação de facto como como pressuposto da condenação em sanção pecuiniária compulsória que se constitui como espada de Dâmocles, dissuasora tanto da persistência no incumprimento iniciado ou anunciado como da ponderação de nele incorrer. VIII)– A previsão dos artigos 338.º-N, n.º 4, do CPI de 2003, e o artigo 349.º, n.º 4 do CPI2018 de aplicação da sanção pecuniária compulsória, acessória da condenação à cessação de uma actividade ilícita, não exige aquele pressuposto antes se destina a permitir que seja decretada oficiosamente. IX)– Na instância arbitral não se encontra previsto o pagamento de taxa de justiça ou de custas de parte; o reembolso a esse título apenas poderá ocorrer na fase em que o processo corre perante os tribunais estaduais, prescindindo as partes desse regime em sede arbitral. (AAC) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I)–RELATÓRIO: G….. INC., com os sinais dos autos, veio instaurar, em 9 de Março de 2016, ação arbitral necessária (porque na vigência da primeira versão da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 110/2018, de 10 de Dezembro) contra Z…. e S… LDA., ambas com os sinais dos autos, pedindo a condenação das Demandadas a absterem-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer (por meio de concurso ou outra) os medicamentos que são objeto do pedido de AIM identificado na inicial ou, sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas comerciais, quaisquer outros medicamentos compreendendo a combinação de substâncias ativas emtricitabina e tenofovir disoproxil (ou um seu sal), enquanto os direitos de propriedade industrial da G… estiverem em vigor, ou seja, até 24 de fevereiro de 2020, a não transmitirem a terceiros o pedido de AIM identificado ou quaisquer outras AIM ou pedidos de AIM compreendendo a combinação das substâncias ativas emtricitabina e tenofovir disoproxil (ou um seu sal), até à data de caducidade dos direitos exercidos, e, ainda, ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória não inferior a € 100.874,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida de acordo com o pedido acima, tudo acrescido dos custos da arbitragem, incluindo o reembolso das provisões feitas pela Demandante e dos montantes dos honorários dos seus advogados. Alegou para tanto, em síntese, que tem procedido ao desenvolvimento de vários fármacos para tratamento do VIH, de entre os quais o comercializado sob a designação comercial TRUVADA, para o qual foi concedida, a 21 de fevereiro de 2005, uma autorização de introdução no mercado (AIM). O TRUVADA é um medicamento inovador que contém como substâncias ativas o tenofovir disoproxil (TD) fumarato (TDF) e a emtricitabina. As patentes europeias de que a Demandante é titular n.º0915894 (EP’894) e n.º0998480 (EP’480), protegem o medicamento TRUVADA, que contém a combinação das substâncias ativas TDF + emtricitabina, sendo a primeira patente a base do Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (CCP202), de que a Demandante é titular, relativo a esta combinação de substâncias ativas. A EP’894 protege igualmente composições farmacêuticas que incluem os compostos referidos com outros ingredientes terapêuticos e permanecerá em vigor até 25 de julho de 2017. A EP ‘894 tem 33 reivindicações de três categorias diferentes: reivindicações de produto, reivindicações de processo e reivindicações de uso, encontrando-se o TD (e os seus sais) reivindicados pelo menos nas Reivindicações 1, 2, 3, 4, 5, 9, 21 e 25 da EP ‘894. Adicionalmente, a Reivindicação 27 da EP ‘894 tem a seguinte redação: “27. Composição farmacêutica que compreende um composto de acordo com qualquer uma das reivindicações 1-25, juntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável e opcionalmente outros ingredientes terapêuticos”. A Emtricitabina é um ingrediente terapêutico inibidor da transcriptase inversa do HIV-I, e é comercializada em Portugal como substância ativa única sob a marca comercial EMTRIVA. Qualquer composição farmacêutica contendo TD (ou um seu sal) e emtricitabina, conjuntamente com um veículo farmaceuticamente aceitável, inclui-se no âmbito da Reivindicação 27 da EP ‘894. O CCP202 foi concedido (i) com base na patente EP ‘894, e (ii) na AIM concedida para o TRUVADA, pelo que protege a combinação das substâncias ativas emtricitabina e TD (ou os seus sais), entrando em vigor logo que a patente de base, a EP‘894, caduque, o que terá lugar a 25 de julho de 2017. A Demandante é ainda titular da EP‘480 que protege o tenofovir disoproxil fumarato (TDF) e composições adequadas à administração oral do tenofovir a um humano ou animal, para uso como agente antiviral que contém o referido composto, a qual permanecerá em vigor até 23 de julho de 2018. A EP ‘894 tem 14 reivindicações de três categorias diferentes: reivindicações de produto, reivindicações de processo e reivindicações de uso, encontrando-se o TDF incluído e protegido pelas Reivindicações 1, 2 e 3 da EP ‘480. Adicionalmente, qualquer composição contendo TDF conjuntamente com um excipiente aceitável encontra-se incluído e protegido pela Reivindicação 6 da EP ‘480. A Z….Lda apresentou pedido de AIM para medicamentos contendo a combinação de emtricitabina e TD fumarato, indicando a SANOFI como futura titular da AIM, o que constituirá uma violação dos direitos da GILEAD resultantes da EP‘894, CCP202 e EP‘480, pois constituirão uma utilização comercial ilícita de uma invenção protegida. A ocorrer a transmissão da AIM os direitos da G…. sairão totalmente defraudados, dado que, nesse caso, como não estaremos perante uma situação de habilitação, nos termos do artigo 356.º do Código de Processo Civil, ficaria aparentemente impedida de repetir a presente ação arbitral ou qualquer outra ação contra um terceiro transmissário. A fim de assegurar a efectiva utilidade da sentença condenatória, dados os prejuízos que a violação dos direitos da Demandante consubstancia e que indica, devem as Demandadas ser condenadas em sanção pecuniária compulsória diária pelo eventual incumprimento. As Demandadas contestaram por excepção e por impugnação, alegando, em síntese: A Demandada S…, LDA., é parte ilegítima, uma vez que nas acções arbitrais instauradas ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, as partes legítimas são, pelo lado activo, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial e, pelo lado passivo, o requerente de autorização ou registo de introdução no mercado do medicamento genérico, uma vez que é este quem tem interesse directo em contradizer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 30.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Civil. O CCP202 em que se fundamenta a acção arbitral é nulo, o que pode e deve ser declarado pelo tribunal arbitral com efeitos limitados às partes nesta acção, sem o que se verificaria uma efectiva situação de indefesa das Demandadas. O CCP202, de que a Demandante é titular, e que tem como patente base a EP’ 894, não cumpre a condição prevista no artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009, uma vez que a EP’ 894 não protege o «produto» para o qual foi concedido o CCP 202, pois, (i) este foi concedido para uma combinação de tenofovir disoproxil fumarato e emtricitabina, e (ii) a emtricitabina não está explicitamente identificada nas reivindicações da EP' 894, não existindo uma relação entre a AIM e a patente de base. Assim, não é possível concluir-se que a referência a «outros ingredientes terapêuticos» opcionais é considerada como uma referência necessária e específica à emtricitabina, uma vez que (i) não há caracterização na reivindicação 27 da EP’ 894 de qualquer tipo específico do outro ingrediente terapêutico, (ii) os outros ingredientes terapêuticos são indicados como opcionais e (iii) o caráter opcional do «outro ingrediente terapêutico» sugere ainda que a combinação não é uma invenção separada, mas meramente uma extensão da invenção relativa ao fármaco principal (tenofovir disoproxil). Na verdade, a patente de base do CCP 202 (EP’ 894) não protege o «produto»para o qual foi concedido o referido CCP202,uma vez que (i) este foi concedido para uma combinação de tenofovir disoproxil fumarato e emtricitabina, e (ii) a emtricitabina não está explicitamente identificada nas reivindicações da EP' 894, não existindo uma relação entre a AIM e a patente de base. Quanto ao pedido de proibição da transmissão a terceiros da AIM do medicamento genérico das Demandadas, a transmissão não se encontra compreendida na exploração industrial ou comercial dos mesmos e, por isso, ocorrendo na vigência dos direitos de propriedade industrial da Demandante, não seria contrária aos seus direitos de propriedade industrial. Por outro lado, a AIM, sendo pressuposto jurídico essencial para a introdução do medicamento no mercado, não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento, não se traduzindo, por isso, em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente ou pelo respectivo certificado complementar de protecção. Porquanto o eventual futuro titular ou adquirente da AIM em causa na presente acção arbitral teria a mesma qualidade jurídica do transmitente, in casu, as Demandadas, sendo por isso igualmente exequível a decisão transitada contra o eventual adquirente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, do Código de Processo Civil. Mais defenderam a improcedência do pedido de condenação das demandadas no pagamento de sanção pecuniária compulsória por a sua aplicação constituir um meio de intimidação ou de pressão sobre o devedor, levando-o a cumprir a obrigação a que foi condenado, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência, encontrando-se dependente da alegação e da prova pela Demandante de um actual ou iminente incumprimento das Demandadas, o que não ocorre. Concluem pela procedência das excepções e pela absolvição da instância da Demandada S… e dos pedidos da Demandada Z…. A Demandante respondeu às excepções, concluindo como na inicial. Foi decidido terem legitimidade Z….. e, por habilitação, Z… PORTUGAL, LDA., contra elas prosseguindo a causa. O Tribunal Arbitral decidiu, com um voto de vencido, indeferir a pretensão das Demandadas de que fosse decretada a invalidade do CPP202 com meros efeitos inter partes, afirmando a competência exclusiva do Tribunal da Propriedade Industrial para essa apreciação, nos termos dos artigos 35.º, nº 1, do CPI2003 (actual 34.º, nº 1, do CPI2018), 15.º, n.º 2, e 19.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009 (doravante RegCCP), e 111.º, n.º 1, alínea c), da Lei 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ). Disse o Tribunal Arbitral a respeito: Permitir que, por via incidental, e em instância arbitral, como são as instituídas ao abrigo da Lei 62/2011, de 12 de dezembro, se decida, para o caso sub judice, da validade de uma patente, viola o exclusivo legal de competência supra referido, fundado na indispensabilidade de a certeza e segurança jurídicas, de par com a garantia de que todos os agentes económicos interessados estarão perante a patente em condições de igualdade, serem asseguradas por decisão erga omnes, proferida por tribunal judicial, em ação para o efeito intentada. As Demandadas interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, o qual foi recebido para subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo da decisão, mas não da marcha do processo, para o que foi extraído traslado. O recurso encontra-se pendente. Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença na qual o Tribunal Arbitral decidiu conhecer da invalidade do CCP202, por ter entrado em vigor nova redacção do artigo 3.º da Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro, estatuindo, no número 3 deste artigo, que “No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes”, entendendo, ademais, que a norma que procedeu à alteração tinha natureza interpretativa. Decidiu o Tribunal Arbitral na decisão final: Termos em que, com meros efeitos entre a G…, por um lado, e a Z… Portugal Lda e a S.., por outro, julga-se inválido o CCP 202, por não obedecer aos requisitos do art.º 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, com a interpretação do Acórdão do TJUE de 25 de julho de 2018, no caso Teka UK Ltd e outros v. G… Inc.. Ficam, assim, prejudicados os reenvios prejudiciais requeridos pelas Demandadas e as inconstitucionalidades por elas arguidas. Em consequência da decretada invalidade, absolve-se as Demandadas dos pedidos da Demandante, mas sem prejuízo da decisão sobre encargos. (…) O presente litígio resulta de fatores externos às Partes, obrigando-as a pedir a tutela para uma situação a que não deram causa. Na decisão final, as Demandadas tiveram integral ganho de causa, mas o fundamento precípuo da decisão proferida assenta em factos posteriores à instauração da ação: o acórdão do TJUE de 25 de julho de 2018 e o DL nº 110/2018, de 10 de dezembro. Torna-se, assim, equitativo que suportem um terço dos encargos do processo. Cada parte suportará os honorários dos respetivos mandatários. Desta decisão interpuseram recurso tanto a Demandante como as Demandadas, estas invocando o regime de reforma quanto a custas, recursos cuja admissibilidade foi remetida para este tribunal por despacho do Ex.mo Árbitro Presidente, por não caber ao Tribunal Arbitral pronúncia sobre questões suscitadas após a decisão final. Tendo alegado, a Demandante concluiu, em síntese (não se transcrevem integralmente as conclusões, omitindo os passos mais desnecessários para a definição da pretensão): 1.–OBJETO DO RECURSO: o presente recurso tem por objeto a sentença arbitral, na parte em que (i) reverteu a decisão de competência para apreciar a invalidade do CCP 202 que já havia proferido no Despacho n.º 8, bem como a sua decisão de fixação do efeito suspensivo do recurso interposto perante o Tribunal Constitucional (“TC”), (ii) declarou que afinal era competente para apreciar a validade do CCP 202 e (iii) declarou a invalidade, com meros feitos inter partes, do Certificado Complementar Proteção n.º 202, deixando prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados pela G… na Petição Inicial. 2.–DA NULIDADE DO ACÓRDÃO ARBITRAL POR VIOLAÇÃO DOS ARTS. 613.º N.ºS 1 E 3 E 615.º N.º 1 AL. D) DO CPC: o presente recurso é em primeira linha interposto contra a sentença arbitral que (i) reverteu a decisão sobre competência tomada previamente pelo Tribunal e (ii) que foi proferida na pendência de um recurso com efeito suspensivo. 3. O Tribunal arbitral já havia decidido sobre a sua competência para apreciar a validade do CCP202 (Despacho n.º 8). Essa decisão foi seguida da interposição de um recurso da Zentiva para o TC. (…) 11.–Em suma, deverão V.as Ex.as concluir pela invalidade da sentença arbitral, revogando-a na sua totalidade. 12.–DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA APRECIAR A VALIDADE DO CCP 202: A G… vem, subsidiariamente e por mera e absoluta cautela de patrocínio, requerer a revogação da sentença arbitral, na parte em que que o Tribunal Arbitral se considerou competente para conhecer da validade do CCP 202 por força do atual artigo 3.º, n.º 3 do CPC. (…) 43.–O Acórdão recorrido enferma do vício de violação de lei substantiva, uma vez que errou na interpretação e aplicação das normas aplicáveis ao caso concreto, concretamente dos artigos 2.º da Lei n.º 62/2011 (na sua anterior redação), 4.º, n.º 2, 7.º, n.os 1 e 4 e 35.º, n.º 1 do CPI, tendo incorrido, ainda, na violação dos artigos 42.º, 62.º e 18.º, n.os 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), devendo por isso ser revogado. 44.–DA VALIDADE DO CCP 202: A G… está também a recorrer da decisão arbitral na medida em que a mesma declarou a invalidade do CCP 202. A decisão do Tribunal assenta não só numa aplicação errónea do quadro jurídico para determinar a validade de CCP’s como também numa errada apreciação da prova produzida. 45.–Deverá desde já salientar-se que, tendo em conta os princípios processuais excipiendi fit actor e actor incumbit probatio, a Z…. teria de fornecer elementos de prova suficientes para ilidir a presunção de validade que recai sobre o CCP 202 – o que, como veremos, não fez. Este Tribunal terá forçosamente que se cingir aos factos alegados e à prova produzida nestes autos para decidir da validade do CCP 202. Por outras palavras, e perante a falta de elementos de prova passíveis de afastar a presunção de validade, o Tribunal não tem de olhar à suficiência da prova produzida pela Demandante para determinar se o CCP é válido: o direito já é em si válido por força da própria presunção. 46.–Da análise da prova: na sua apreciação dos factos controvertidos, e não obstante terem os principais factos invocados pela G… para estabelecer a validade do CCP sido dados como provados, o Tribunal Arbitral incorreu num manifesto erro de julgamento na aplicação do quadro jurídico para a determinação da validade do CCP e uma errónea consideração da prova produzida ao apreciar os factos controvertidos 25. e 30. Deste modo, impõe-se que seja reapreciada a prova gravada e a prova produzida nestes autos, ao abrigo do artigo 640.º do CPC. (…) 74.–Aplicação do teste do TJUE ao CCP 202: Como vimos, o que cabe a V. Ex.as avaliar é se a reivindicação 27 da EP ‘894 “visa necessária e especificamente” a associação de tenofovir disoproxil e emtricitabina, para efeitos do artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP. (…) 82.–OS PEDIDOS ACESSÓRIOS: A Z…a deverá ainda ser condenada no pedido de não transmissão de AIM para os medicamentos genéricos TD+FTC da Z… identificados na Petição Inicial ou quaisquer outros pedidos de AIM em que a substância ativa compreenda tenofovir disoproxil (ou um seu sal), no pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória e no pedido de condenação no pagamento dos encargos arbitrais, incluindo o reembolso pelos pagamentos iniciais feitos pela G… e os honorários dos mandatários da G…. 83.–DA TRANSMISSÃO DA AIM OU DOS PEDIDOS DE AIM A TERCEIROS: A condenação da Z… a não realizar a transmissão é essencial para proporcionar um efetivo valor tutelar à sentença condenatória que, de outro modo, de pouco valerá porque será facilmente contornada pelas Demandadas. Bastar-lhes-á, no dia seguinte à prolação do acórdão, transmitir a um terceiro a sua AIM ou pedido de AIM referentes a medicamentos genéricos contendo emtricitabina e tenofovir disoproxil (ou um seu sal), forçando a Gilead a iniciar uma via crucis sempre renovada e também sempre totalmente ineficaz para tentar exercer os seus direitos. 84.–DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA: Considerando o depoimento do Dr. G…a, o valor da sanção pecuniária compulsória deve ser, consequentemente, atualizado em relação ao valor indicado na petição inicial (€ 145.000,00), para que possa cumprir o seu objetivo de ser suficientemente dissuasora no sentido de a Z… não comercializar quaisquer medicamentos que contenham a associação de emtricitabina e tenofovir disoproxil (e respetivos sais) antes da data de caducidade do CCP 202 invocado pela G…. nos presentes autos. 85.–Tendo em consideração o acima referido, o entendimento é de que o valor da sanção compulsória não deve ser inferior a € 138.450,00 (cento e trinta e oito mil quatrocentos e cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação da Z… de se abster, em território português, ou tendo em vista a comercialização no referido território, de importar, fabricar, armazenar, comercializar, vender ou oferecer medicamentos genéricos que contenham a associação de emtricitabina e tenofovir disoproxil (e respetivos sais) enquanto o CCP 202 permanecerem em vigor. 86.–DOS ENCARGOS ARBITRAIS: Por fim, deverá ainda a Z… a ser ordenada por este douto Tribunal a reembolsar a Gilead dos valores dos honorários dos Exmos. Senhores Árbitros, Exma. Senhora Secretária e despesas administrativas que lhe cabia e que foram supridos pela Demandante. Nestes termos, e nos melhores de direito que V.as Ex.as certamente suprirão, deve o acórdão final ser: a.- declarado nulo por violação do princípio da extinção do poder jurisdicional e do caso julgado, ao abrigo dos artigos 613.º n.º 1 e 3 e 619.º n.º 1 do CPC ou, caso assim não se entenda, b.- revogado, declarando-se a incompetência do Tribunal para conhecer incidentalmente da validade do CCP 202 e condenando-se a demandada em todos os pedidos formulados com base nos factos assentes EEE., FFF., QQ., RR. e SS. ou, caso assim não se entenda, c.- revogado e: i.- alterada a decisão sobre a matéria de facto, nos termos supra expostos; ii.- com base nos factos controvertidos (provados) 23., 26., 27.,28. e 29. e nos factos cuja reapreciação se requer (25. e 30.), considerar o CCP válido, uma vez que não foi ilidida a presunção de validade do mesmo, condenando-se a demandada em todos os pedidos formulados com base nos factos assentes EEE., FFF., QQ., RR. e SS. Juntou três documentos. As Demandadas contra-alegaram defendendo o julgado e concluíram pedindo: Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se que: A)- Seja rejeitado o presente recurso, por ser manifesta a sua improcedência; inclusive quanto à impugnação da matéria de facto e à reapreciação da prova gravada; E a título subsidiário, em caso de procedência: B)- Seja rejeitado o pedido de proibição de transmissão a terceiros das AIM´s de que são titulares as Recorridas; C)- Seja rejeitado o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória; E a título cautelar: D)- Sejam desaplicadas as interpretações normativas identificadas no Capítulo IV das presentes contra-alegações, com fundamento em inconstitucionalidade, ao abrigo do artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa; Em todo o caso, deve o Tribunal: E)- Fixar efeito meramente devolutivo ao presente recurso, conforme determinado pelo artigo 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, caso o Tribunal Arbitral lhe fixe efeito suspensivo; F)- Formular, perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, as questões prejudiciais identificadas no Capítulo V das presentes contra-alegações; G)- Ordenar à Recorrente, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que junte aos autos cópia da sentença proferida pelo 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Industrial, no processo n.º 384/16.9YHLSB, bem como de eventual acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o recurso por si interposto, caso tal tenha, entretanto, ocorrido. Juntaram dez documentos. A Demandante respondeu às contra-alegações. As Demandadas suscitaram a questão da reforma quanto a custas interpondo quanto a tal recurso nos termos do artigo 616.º, n.º 3, do CPC, a que atribuíram valor, recurso admitido face à abstenção do Tribunal Arbitral na apreciação da questão da reforma. Tendo alegado quanto ao recurso que interpuseram, as Demandadas concluíram, em síntese: 1.– O presente recurso de apelação vem interposto da sentença arbitral proferida no dia 29 de Abril de 2019, na acção arbitral intentada pela Recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, na parte em que condenou as Recorrentes a suportarem um terço dos encargos da acção arbitral, doravante designada por «decisão arbitral recorrida»; 2.– A decisão arbitral recorrida, na parte em que condenou as Recorrentes a suportarem um terço dos encargos da acção arbitral, é recorrível, ao abrigo do disposto no artigo 616.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, porque cabe recurso da mesma, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro; 3.– O presente litígio não resulta de factores externos às Partes, nem de uma situação a que não deram causa; 4.– O fundamento da decisão arbitral recorrida assenta no acórdão do TJUE de 25 de Julho de 2018, o qual é posterior à instauração da presente acção arbitral, mas existem outras decisões do TJUE, no mesmo sentido, anteriores à instauração da presente acção arbitral, pelo que não ocorreu uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão da Recorrida ou a oposição das Recorrentes, nos termos previstos no artigo 536.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil; 5.– O fundamento da decisão arbitral recorrida assenta no Decreto-Lei nº 110/2018, de 10 de Dezembro, o qual é posterior à instauração da presente acção arbitral, mas a nova redacção do artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, não preenche a previsão do artigo 536.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil («disposição legal entretanto alterada ou revogada»), para além de que já era a exigida pela Constituição e pela doutrina portuguesa, e veio, tão-só, determinar, assim, aquilo que já decorria da jurisprudência do Tribunal Constitucional (vide Acórdão n.º 251/2017) e da mais recente jurisprudência dos tribunais cíveis e até do TJUE; 6.– A Recorrida decaiu totalmente na presente acção arbitral, pelo que a decisão arbitral recorrida deveria tê-la condenado a suportar a totalidade dos encargos, ao abrigo do disposto no artigo 48.º, n.º 3, do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 2014, aplicável ex vi artigo 4.2.1. da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral. 7.– A Recorrida ficou totalmente vencida na presente acção arbitral, pelo que a decisão arbitral recorrida deveria tê-la condenado a suportar a totalidade dos encargos, ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.2.4. da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral; 8.– A decisão arbitral recorrida, na parte em que condenou as Recorrentes a suportarem um terço dos encargos da acção arbitral, quando «as Demandadas tiveram integral ganho de causa» e, consequentemente, a Recorrida decaiu totalmente na presente acção arbitral ou ficou totalmente vencida na presente acção arbitral, violou o disposto no artigo 48.º, n.º 3, do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 2014, aplicável ex vi artigo 4.2.1. da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral, e nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 536.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.2.4. da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral. Nestes termos, e nos demais de Direito, cujo douto suprimento expressamente se requer, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a decisão arbitral recorrida, na parte em que condenou as Recorrentes a suportarem um terço dos encargos da acção arbitral, e substituindo-se o mesmo por outra que condene a Recorrida a suportar a totalidade dos encargos da acção arbitral, pois, só assim se fará inteira JUSTIÇA! A Demandante contra-alegou defendendo o julgado. Os recursos foram admitidos com efeito meramente devolutivo. Foram relegadas para esta decisão as questões relativas a (i) rejeição da apreciação da decisão de facto por incumprimento dos ónus a que alude o artigo 640.º do CPC, (ii) junção de documentos apresentados com as alegações de parte e doutra e (iii) admissibilidade de resposta a contra-alegações. Cumprido o demais legal, cumpre apreciar e decidir já que a tal nada obsta. II)–OBJECTO Estando a pronúncia deste Tribunal delimitada pelas conclusões das Recorrentes - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as exceções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - cumpre apreciar e decidir oficiosamente da questão do valor do recurso interposto pelas Demandadas e, sob impulso das partes, das seguintes questões, que se enunciam sem prejuízo da relação de prejudicialidade entre elas existente: 1.–Da junção de documentos com as alegações de recurso 2.–Da rejeição da impugnação da decisão de facto por incumprimento dos ónus a que alude o artigo 640.º, do CPC 3.–Da requisição das decisões de primeira instância e desta Relação proferidas no processo 384/16.9YHLSB 4.–Da admissibilidade da resposta a contra-alegações 5.–Da nulidade da decisão arbitral por violação do princípio da extinção do poder jurisdicional 6.–Da revogação da decisão arbitral por incompetência do Tribunal para conhecer incidentalmente da validade do CCP 202 7.–Do reenvio prejudicial 8.–Da alteração da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 25 e 30 9.–Do conhecimento do mérito dos pedidos formulados: reapreciação substitutiva a)-Do pedido de condenação das Demandadas a absterem-se das actividades relacionadas com medicamentos genéricos no contexto da AIM solicitada b)-Do pedido de condenação das Demandadas a não transmitirem a AIM identificada ou quaisquer outras compreendendo as mesmas substâncias activas c)-Do pedido de condenação das Demandadas no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória 10.–Das custas/encargos 11.–Do valor III)–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos pertinentes são os que constam do relatório supra e ainda os seguintes que resultam da decisão de facto do tribunal recorrido (nas respectivas alíneas será mencionada a impugnação da matéria de facto) A– O TRUVADA ® é um medicamento inovador que contém como substâncias ativas o tenofovir disoproxil sob a forma do seu sal de ácido fumárico, tenofovir disoproxil fumarato, e emtricitabina. B– O tenofovir disoproxil é um pró-fármaco inovador de tenofovir (ou seja, é um composto químico que, após a administração, é rapidamente convertido [química ou enzimaticamente], no corpo, no composto antiviral terapeuticamente ativo - o tenofovir). C– O tenofovir inibe a atividade da "transcriptase inversa", uma enzima produzida pelo VIH que lhe permite infetar mais células e produzir mais vírus. Tomado em associação com outros medicamentos antivirais (como a emtricitabina), o tenofovir disoproxil reduz a quantidade de VIH no sangue e mantem-no em níveis baixos. D– A SIDA é causada por uma infeção por um retrovírus denominado VIH e é considerada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde ("OMS"). E– De acordo com a OMS, a infeção por VIH pode ser definida como uma infeção das células do sistema imunitário, que destrói ou afeta a sua função. A infeção com o vírus resulta na deterioração progressiva do sistema imunitário, levando a uma "deficiência imunitária". F– O sistema imunitário é considerado deficiente quando deixa de conseguir cumprir o seu papel de combate às infeções e doenças. As infeções associadas a Imunodeficiência grave são conhecidas como "infeções oportunistas", visto que se aproveitam de um sistema imunitário enfraquecido. G– SIDA é um termo que se aplica às fases mais avançadas de infeção pelo VIH, sendo definido pela ocorrência de qualquer uma das mais de 20 infeções oportunistas ou cancros relacionados com o VIH. H– Hoje em dia, a nível mundial, existem mais de 36.9 milhões de adultos e crianças afetados e a viverem com SIDA. I– Em 2014, 1.2 milhões de pessoas, em todo o mundo, morreram de causas relacionadas com o VIH e 2 milhões de pessoas foram infetadas com VIH. J– As doenças relacionadas com o VIH já tiraram a vida a mais de 34 milhões de pessoas, em todo o mundo. K– A US Food and Drug Administration aprovou o primeiro medicamento para o tratamento da SIDA, em 1987, o AZT (com a Denominação Comum Internacional ["DCI"] de zidovudina). L– Contudo, o AZT apresentava deficiências significativas no tratamento da infeção por VIH, incluindo o desenvolvimento rápido de resistência, toxicidade e outros efeitos secundários graves. M– O desenvolvimento de um tratamento mais seguro e mais eficaz para a infeção por VIH, adequado à sua utilização de longo prazo, tornou-se ainda mais crucial. N– O tenofovir tem várias designações químicas, incluindo (R)-9[2- (fosfonometoxi)propN]adenina", sendo abreviado para (R)-PMPA (da designação em inglês "(R)-9[2-(phosphonomethoxy)gropyl]adenine"). (…) Omissis AA– A G.. é a titular da Patente Europeia n.° 0915894 (adiante designada por "EP '894"), a qual protege diversos intermediários para análogos de nucleótidos fosfonometoxi (ou análogos fosfonometoxi de nucleótidos), em especial pró- fármacos, e os seus sais adequados, para uso na administração oral eficaz desses análogos, nos termos do Doc. n.° 1 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido. BB– A EP '894 protege igualmente composições farmacêuticas que incluem os compostos referidos com outros ingredientes terapêuticos. CC– A EP '894 foi pedida junto do Instituto Europeu de Patentes ("IEP"), em 25 de julho de 1997, e a menção de concessão da patente foi publicada no Boletim Europeu de Patentes, em 14 de maio de 2003. DD– A tradução da EP '894, tal como concedida, foi apresentado junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial ("INPI") em conformidade com o artigo 65.° da Convenção sobre a Patente Europeia e com os artigos 79.° e 80.° do Código da Propriedade Industrial ("CPI"). EE– As reivindicações da EP '894, tal como concedida, são as que se encontram indicadas no documento n° 1 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido. FF– A EP '894 tem 33 reivindicações de três categorias diferentes: reivindicações de produto, reivindicações de processo e reivindicações de uso. (…) Omissis PP– A Emtricitabina é um ingrediente terapêutico, sendo um inibidor da transcriptase inversa do HIV-I, e é comercializada em Portugal como substância ativa única sob a marca comercial EMTRIVA®. QQ– A G… é titular do Certificado Complementar de Proteção n.° 202 (“CCP202"), concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, em 30 de setembro de 2005, nos termos do Doc. n.° 2 junto com a p.i. e que se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta que o CCP abrange o produto TRUVADA - EMTRICITABINA / TENOFOVIR DISOPROXIL FUMARATO, que se encontra protegido na patente base n.º 915894. RR– O CCP 202 foi concedido (i) com base na patente EP '894, e (ii) na autorização de introdução no mercado concedida para o medicamento TRUVADA®, que contém a combinação de substâncias ativas emtricitabina e TD (presente no TRUVADA® como o seu sal fumárico, TD fumarato). SS– A primeira autorização de introdução no mercado para o "Truvada - Emtricitabina/Tenofovir Disoproxil" foi concedida a 21 de fevereiro de 2005 e notificada a 24 de fevereiro de 2005. TT– A G… é ainda titular da Patente Europeia n.° 0998480 (adiante designada por "EP '480"), a qual protege o tenofovir disoproxil fumarato e composições adequadas à administração oral do tenofovir a um humano ou animal, para uso como agente antiviral que contém o referido composto, nos termos do Doc. n.° 3 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido. UU– A EP '480 foi pedida junto do IEP, em 23 de julho de 1998, e a menção de concessão da patente foi publicada, no Boletim Europeu de Patentes, em 27 de novembro de 2002. VV– A tradução da EP '480, tal como concedida, foi apresentada junto do INPI em conformidade com o artigo 65.° da Convenção sobre a Patente Europeia e com os artigos 79.° e 80.° do CPI. (…) Omissis EEE– A 18 de fevereiro de 2016, o INFARMED publicitou na lista "Publicação para efeitos do artigo 15.°-A do Decreto-Lei n.° 176/2006, de 30 de agosto", disponível na sua página eletrónica, o seguinte pedido de AIM para medicamentos contendo a combinação de emtricitabina e TD fumarato, requerido pela Z…, conforme tabela infra, tudo nos termos do Doc. n.° 4 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido. FFF– No pedido de AIM que originou os presentes autos, foi indicada como futura titular da AIM a Sanofi, nos termos do doc. n° 5 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido. GGG– Os medicamentos para os quais se requereu a AIM e que se pretendem lançar no mercado contêm a combinação de substâncias ativas emtricitabina ("FTC") e TD na forma do seu sal de ácido fumárico, TD fumarato, conforme indicado na informação prestada para o efeito pelo INFARMED. HHH– Considerando que a AIM requerida pela Z….indica como forma farmacêutica comprimidos revestidos por película para uso farmacêutico, tal produto contém, necessariamente, um excipiente farmaceuticamente aceitável (i.e. um excipiente aceitável). III– As demandadas não solicitaram, nem obtiveram consentimento da G… para explorar as invenções protegidas pelas EP '894, CCP 202 E EP '480. JJJ– A transferência de AIM's não é incomum entre as empresas de genéricos e, em particular, entre o grupo Z…, o qual por vezes integra a S…i. KKK– A transmissão de AIM ocorre com frequência. LLL– O TRUVADA® é comercializado em Portugal pela G… Lda. (200mg + 245 mg, comprimido revestido por película, contido num frasco de 30 unidades), que é 99,8% detida pela G… Inc.. MMM– O TRUVADA® é um medicamento sujeito a receita médica restrita, restrito a uso hospitalar, de acordo com o artigo 118.°, alínea a), do Estatuto do Medicamento, tudo nos termos do Doc. n.° 7 junto com a p.i e que aqui se dá por integralmente reproduzido. NNN– A comercialização de medicamentos restritos a uso hospitalar não segue os regimes gerais de preços e reembolso aplicáveis aos medicamentos de uso humano, não tendo de ser requerida a fixação de um preço de venda ao público. OOO– Os medicamentos referidos na alínea precedente encontram-se sujeitos às disposições gerais do Decreto-Lei n.° 97/2015, de 1 de junho, que regula o Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde (SiNATS), bem como do Código dos Contratos Públicos, no que respeita à compra de medicamentos por hospitais do Sistema Nacional de Saúde. PPP– A participação em concursos hospitalares ficará sujeita a: - titularidade de uma autorização de introdução no mercado válida; - celebração prévia de um acordo entre o titular da AIM e o INFARMED, celebrado com base numa decisão favorável emitida pelo INFARMED em relação ao pedido apresentado a este respeito pelo titular da AIM nos termos dos artigos 25.° e 26.° do Decreto-Lei n.° 97/2015, de 1 de junho; - em que o medicamento é um genérico, com um preço inferior no mínimo em 30% ao dos medicamentos de referência, de acordo com o artigo 25.°, n.° 9. QQQ– Os medicamentos referidos na alínea NNN podem de seguida ser adquiridos pelos hospitais públicos, que normalmente abrem concurso em relação a uma determinada substância ativa. RRR– O ATRIPLA® é igualmente um produto de VIH, que contém a associação de três substâncias ativas: - TD sob a forma do seu sal de ácido fumárico, TD fumarato, que tal como referido acima, é comercializado como substância ativa única sob a marca comercial VIREAD®; - emtricitabina, que é comercializada como substância ativa única sob a marca comercial EMTRIVA®; e - efavirenz, que é comercializado como substância ativa única sob a marcas comerciais SUSTIVA® e STOCRIN - (…) Omissis SSS– Atualmente, Portugal encontra-se incluído nos cabazes de 10 países da UE, nos termos do doc. n.° 8 junto com a p.i, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e também em alguns cabazes de países fora da UE. TTT– A 21 de fevereiro de 2005, foi concedida uma autorização de introdução no mercado ("AIM") centralizada para o medicamento TRUVADA ®, para o tratamento do HIV. UUU– Já para as empresas de genéricos poderem proceder à oferta de genéricos TDF+FTC junto dos hospitais privados, bastará simplesmente verem os seus pedidos de AIM concedidos. VVV– Os medicamentos genéricos são vendidos a um preço inferior ao dos medicamentos de referência. WWW– Com base nas AIM's dos autos, as Demandadas podem celebrar contratos com o INFARMED e participar em concursos públicos que venham a ser lançados, oferecendo o seu genérico do produto TDF+FTC. XXX– Também é expectável que as Demandadas participem em tais concursos oferecendo um preço inferior ao que foi oferecido pela G… para o TRUVADA®, tendo em conta o exposto em relação aos preços genéricos e que o critério de adjudicação em concursos hospitalares é sempre o preço mais baixo oferecido. YYY– Com base em casos análogos de entrada de genéricos no mercado de medicamentos para o tratamento do VIH limitados apenas ao uso hospitalar, é expectável que a Gilead venha a sofrer uma erosão do mercado de 56% no primeiro ano, 79% no segundo ano, e 87% no terceiro ano. ZZZ– O volume de vendas foi de € 57 485 000,00 em 2014, e de € 61 222 352,46, em 2015. AAAA– De acordo com estes valores, as estimativas para o próximo ano (2017) e para os dois anos seguintes no volume das vendas do TRUVADA®, são as seguintes, com correções de 0,4% nos valores de vendas. BBBB– Deve ser igualmente tido em conta que a entrada do genérico do TRUVADA® no mercado português terá um impacto sobre outro produto da G…: o ATRIPLA®. CCCC– Assim que esteja disponível um genérico de TDF + FTC, é possível que haja uma substituição dos produtos em associação da G…, tal como o ATRIPLA®, para uma associação compreendendo um genérico de efavirenz (já disponível no mercado português) e um genérico TDF+FTC das Demandadas. DDDD– Nos anos 2014 e 2015, o volume de vendas dos medicamentos ATRIPLA® em Portugal, foi de € 28 247 000, em 2014, e de € 20 895 539,46, em 2015. EEEE– As estimativas de vendas do ATRIPLA® para o próximo ano (2016/2017) e para os dois anos seguintes são as seguintes, com correções de 0,4% nos valores de vendas: FFFF– Com a correcção de 0,4%, o impacto das vendas de um genérico TDF+FTC no mercado para o ATRIPLA®, poderá, como tal, atingir € 4.643 milhões até ao final dos 12 primeiros meses, € 6.130 milhões nos 12 meses seguintes e 6.697 milhões nos 12 meses subsequentes. GGGG– O preço oferecido pela G… em Portugal tem em conta, além dos requisitos legais, o impacto que terá noutros países com base no sistema de referência do preço externo. HHHH– Tendo em conta o que consta da precedente alínea SSS, a redução do preço estabelecido para o TRUVADA ® não é uma opção viável para a G…, tendo em conta a enorme repercussão que teria em, pelo menos 10 países - e, obviamente, em Portugal. (…) Omissis Do seguimento do processo 384/16.9YHLSB resulta ainda (o que se adita nos termos do artigo 663.º, n.º 2, com referência ao artigo 607.º, n.º 4, ambos do CPC, por não ser controverso): SSSS– Foi proferida sentença pelo Tribunal da Propriedade Industrial que anulou, ao abrigo do disposto no art. 15º, 1, a) e 3º, a) do Regulamento (CE) nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, o Certificado Complementar de Protecção nº 202, a qual foi confirmada por esta Relação por acórdão datado de 28 de Novembro de 2019. III)–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1.– Da junção de documentos com as alegações de recurso Tanto a Demandante como as Demandadas apresentaram documentos com as alegações de recurso, sendo que parte desses documentos consistem em peças processuais que, naturalmente, já constavam do processo. No que se reporta à Demandada, apenas o acórdão do High Court of Justice of England and Wales não constitui peça destes autos. Refere-se à matéria discutida nos autos relativa à validade do CCP202. No que se refere à Demandante juntou três documentos sendo um peça do processo e os demais um acórdão do STJ, cujo sumário se encontra publicado nos Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis daquele Supremo Tribunal (referindo-se a competência do tribunal arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente ou do certificado complementar de protecção, relativo a medicamento patenteado), e uma notificação do Tribunal Constitucional de 23 de Maio de 2019 (relativa ao recurso interposto nos autos e à remessa para conferência da apreciação da decisão sumária que o julgou improcedente pelas mesmas razões de anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional que a Recorrente entende não ser a melhor), pretendendo a Demandante demonstrar que o Tribunal Constitucional pondera alterar aquela sua jurisprudência. No que se refere às peças processuais, é inócua a junção, obviamente, para além da duplicação no suporte físico e electrónico. Ordenar o seu desentranhamento apenas aumenta a entropia, inexistindo razão para o determinar. No que se refere à notificação do Tribunal Constitucional, embora posterior à decisão final do Tribunal Arbitral, é inidónea à prova de qualquer facto controvertido, pelo que não se destina a provar fundamentos da acção, inexistindo razão para a junção que deve ser indeferida - artigo 423.º, n.º 1, do CPC. No que se refere às decisões de tribunais portugueses ou estrangeiro, não se destinam à prova de qualquer facto. Nessa medida, poder-se-ia fundar naquela norma decisão de indeferimento. No entanto, a junção destina-se a demonstrar o bem fundado da interpretação jurídica defendida pela apresentante, sendo que não os encontrámos publicados. Não estando vedada a transcrição de acórdãos nas alegações das partes, dada a pertinência dos referidos quanto às matérias suscitadas, entende-se de deferir a sua manutenção nos autos, porque não exorbita de nenhum critério de razoabilidade que a tal pudesse ser oposto. 2.– Da rejeição da impugnação da decisão de facto por incumprimento dos ónus a que alude o artigo 640.º, do CPC Nas suas contra-alegações as Demandadas defenderam a inadmissibilidade de apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto por considerarem que a Recorrente não cumpriu com os ónus a que a impugnação está sujeita. No que a tal respeita, defenderam que a questão que a Recorrente pretende ver apreciada não é uma verdadeira questão sobre matéria de facto, mas antes uma questão de Direito, pelo que o recurso quanto à matéria de facto deve ser liminarmente rejeitado, por manifesto incumprimento do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil. Reporta-se aos factos acima indicados como impugnados os quais têm a seguinte redacção: A emtricitabina é um exemplo de um componente que contribui para a atividade antiviral que era conhecida à data de prioridade da EP ’894, de 26 de julho de 1996. A emtricitabina pode ser considerada outro ingrediente terapêutico na aceção da reivindicação 27 da EP ‘894. O artigo 640.º, n.º 1, do CPC, estabelece que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição os concretos pontos de facto, os concretos meios probatórios e a decisão que deve ser proferida. Vejamos então, adiantando-se que entendemos que foram cumpridos os ónus indicados e inexiste motivo para rejeição liminar da impugnação. Assim, verifica-se que os Recorrentes indicaram quais os factos que entendem deverem ser julgados de maneira diversa, a saber os acima transcritos, o sentido que a decisão haveria de ter e os meios de prova em que fundam tal pretensão. Ou seja, cumpriram cabalmente o ónus de impugnação. Saber se a matéria em causa é de facto, de direito ou conclusiva, é questão que já se relaciona com a apreciação da impugnação, não com a sua admissibilidade. Certo é que na decisão foram considerados como factos. Assim, não há fundamento para a rejeição liminar da impugnação por incumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC. 3.– Da requisição das decisões de primeira instância e desta Relação proferidas no processo 384/16.9YHLSB O processo mencionado é o processo em que foi pedida a anulação do CCP202 com efeito erga omnes, no qual foi proferida decisão de primeira instância e desta Relação, ainda não transitadas. Foi determinado e concedido o seguimento daquele processo do qual resulta a matéria que se deu como assente em SSSS. Até ao trânsito da decisão, a matéria é irrelevante para a apreciação a que nestes autos se procede. Inexiste motivo para que se determine a apresentação de certidões. 4.– Da admissibilidade da resposta a contra-alegações Visto o disposto no artigo 638.º do CPC e não estando em causa a ampliação do recurso da Demandante, a resposta às contra-alegações não encontra previsão legal. No entanto, as Demandadas apresentaram documentos que autorizam resposta da Demandante, improcedendo a pretensão de desentranhamento. 5.– Da nulidade da decisão arbitral por violação do princípio da extinção do poder jurisdicional 5.1.- A Recorrente G… entende que ao tribunal arbitral estava vedado conhecer na decisão final da questão da validade do CCP202, por já ter decidido, por despacho proferido nos autos, ser materialmente incompetente para conhecer tal questão. O Tribunal Arbitral, como resulta da transcrição do pertinente despacho que supra consta, entendeu que lhe era possível pronunciar-se sobre a questão por, após a decisão em que se julgou incompetente para conhecer incidentalmente da validade do CCP202, ter sido publicada e ter entrado em vigor lei que alterou a disposição em que fundou aquela decisão de incompetência. Assim, com fundamento em que a sua anterior decisão ainda não tinha transitado por se encontrar pendente o recurso dela interposto para o Tribunal Constitucional, decidiu reapreciar a questão na sentença final, vindo a considerar-se competente para conhecer da validade do certificado e, apreciando-a, declarou a sua invalidade. 5.2.– Dispõe o artigo 613.º, n.º 1, do CPC, que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. Por seu turno, o n.º 3 do artigo manda aplicar tal norma, com as necessárias adaptações, aos despachos. No caso que nos ocupa, o tribunal recorrido entendeu que a não ocorrência do trânsito da sua anterior decisão determinava a viabilidade de prolação de outra decisão sobre a mesma matéria. Ora, é manifesto que tal entendimento não encontra apoio na norma citada. Na verdade, não é o trânsito em julgado de uma sentença ou de um despacho que obsta à prolação de nova decisão sobre a matéria pelo mesmo tribunal. É a própria prolação da decisão que esgota o poder jurisdicional, como resulta claro da expressão da lei: proferida a decisão. A esse respeito refere Lebre de Freitas (1) que o esgotamento do poder jurisdicional do juiz, de que trata o artigo, não depende de, nem se confunde com, o caso julgado formal, regulado no art. 620. Assim, havendo decisão inequívoca (…), embora não se tenha formado, ainda, caso julgado formal sobre essa questão (veja-se o art.644-3), o art. 613 obsta a que o tribunal (…) se pronuncie sobre a mesma. Também Rui Pinto (2) ensina que o trânsito em julgado constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, mas que não é única, integrando-se numa linha gradual de estabilização. Efetivamente, decorre, desde logo, do artigo 613.º, n.º 1, que, prolatada a sentença ou despacho, o tribunal não os pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais. Graças a esta regra, antes mesmo do trânsito em julgado, uma decisão adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão. 5.3.– Em outra ordem de razões se funda ainda o tribunal recorrido para entender admissível a pronúncia, a saber, a alteração legislativa subsequente à prolação da primeira decisão. Alteração legislativa que veio expressamente permitir o conhecimento incidental da validade dos CCP inter partes na instância arbitral. Não tem, porém, razão. Pese embora a alteração, a mesma matéria apenas poderia ser apreciada e decidida por órgãos jurisdicionais cujo poder de apreciação se não encontrasse esgotado – v.g. os Tribunais de Recurso –, ou pelo tribunal recorrido em consequência da decisão que fosse proferida pelo Tribunal Constitucional no recurso que se encontra pendente. Não pelo tribunal recorrido, sem mais. A tal é absolutamente inócua a consideração da natureza interpretativa da nova lei. O princípio do esgotamento do poder jurisdicional visa a estabilidade das decisões judiciais, sendo indiferente a modificação legal quando inexista jurisdição para dela conhecer. Numa outra vertente deste argumento, defendem as Demandadas que não se pode considerar que o tribunal se pronuncia sobre a mesma matéria quando a apreciação é determinada pela entrada em vigor de lei nova directamente aplicável, como é o caso dos autos. A identidade da matéria objecto do despacho tem de cumprir, com as necessárias adaptações, com a identidade da causa definida quanto ao caso julgado material e à litispendência no artigo 581.º, n.º 1, do CPC: repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. No caso, repete-se a apreciação objecto de despacho anteriormente proferido no processo quando a matéria aprecianda é a mesma, o pedido em apreciação é idêntico, o mesmo acontecendo quanto às partes. Não oferece dúvida a identidade das partes (coincidente com as partes no processo nas suas respectivas qualidades) e do pedido objecto da decisão (competência para a apreciação da validade do CCP202). O que as Demandadas colocam em crise é a identidade da matéria. Não cremos que colha o argumento. A questão angular da identidade aprecianda é a da identidade de facto jurídico, prosseguindo com amparo na norma do artigo 581.º, do CPC, agora quanto ao seu n.º 4. O que convoca a noção de facto enquanto acontecimento da vida real e a sua relevância jurídica. A causa de pedir é assim o facto ou conjunto de factos que, dotados de relevância jurídica, fundam a pretensão deduzida. Anote-se que facto jurídico apela à relevância jurídica do facto e não à identidade da lei que lhe é aplicável. Nesse sentido refere o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 20 de Abril de 2013, proferido no processo 7770/07.3TBVFR.P1.S1 (LOPES DO REGO), que para a questão da identidade da causa de pedir não releva (…) uma inovação que apenas se circunscreva ao plano da qualificação jurídico-normativa do elenco dos factos concretos que, em ambas as acções, integram, sem qualquer alteração ou modificação, a causa de pedir invocada pelo demandante. No cerne da identidade os factos juridicamente significativos que estão em apreciação. Ninguém nos autos coloca em causa que são exactamente os mesmos, o que determina se considere que a apreciação da decisão final repete a do despacho sob recurso no Tribunal Constitucional. Conhecendo o tribunal de questão que lhe estava vedada, incorre em nulidade a sentença que assim conhece, visto o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC. Termos em que se conclui pela nulidade da decisão arbitral. 6.– Da revogação da decisão arbitral por incompetência do Tribunal para conhecer incidentalmente da validade do CCP 202 Esta questão foi suscitada e tem sentido na improcedência da anterior, pelo que se encontra prejudicado o seu conhecimento. 7.– Do reenvio prejudicial As Demandadas requereram que a Relação suscitasse diversas questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante TJUE) em sede de reenvio prejudicial. Em concreto suscitaram as seguintes questões de reenvio: 1.– Se o artigo 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, deve ser interpretado no sentido de que pode ser concedido um certificado complementar de protecção, considerando-se que o medicamento está protegido por uma patente de base em vigor, quando da patente europeia, que já expirou, apenas consta uma reivindicação genérica, imprecisa e indeterminada, que apenas identifica a substância de base, mas nem identifica o nome do ingrediente opcional, nem tão pouco as suas caraterísticas terapêuticas ou farmacológicas, limitando-se a referir que podem ser combinados com a substância de base, “opcionalmente, outros ingredientes terapêuticos”; 2.– Se os artigos 3.º, alínea a), e 15.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, devem ser interpretados no sentido de que é nulo um certificado complementar de protecção, quando a patente europeia que protege determinado produto de base já expirou e daquela patente apenas constava uma identificação, genérica, imprecisa e indeterminada, da substância de base, mas não a identificação do nome do ingrediente opcional, nem sequer as suas caraterísticas terapêuticas ou farmacológicas, limitando-se a referir que podem ser combinados com a substância de base, “opcionalmente, outros ingredientes terapêuticos”. Justificam a necessidade/conveniência do reenvio por estar em causa a interpretação das normas do RegCCP em que se funda a sua alegação de invalidade do CCP202 por não estar fundado numa patente base, uma vez que, na posição que defendem, a associação da emtricitabina com o tenofovir disaproxil fumarato não está coberta pela protecção da EP’894. | ||
Decisão Texto Integral: |