Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24377/11.3T2SNT.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: INSOLVENTE
EXONERAÇÃO DO PASSIVO
OMISSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O comportamento passivo do devedor insolvente, que ao longo dos 5 anos previstos no n.º 2 do Art. 239.º do CIRE não demonstra qualquer interesse no procedimento destinado à exoneração do passivo restante; não cumprindo despachos que lhe são notificados; não dando conta que mudou de residência; de nada informando o fiduciário durante todo o tempo, apesar de notificado por este para esse efeito; não provando que diligenciou ativamente pela procura de emprego e apenas se inscrevendo no Serviço de Emprego do IEFP depois de notificado para justificar o motivo pelo qual não entregou qualquer valor durante o período de cessão, é sintomático do manifesto desinteresse do requerente e constitui motivo bastante para ser recusada a exoneração do passivo restante, nos termos do Art. 243.º n.º 1 al. a) do CIRE, por negligência grave resultante do incumprimento dos deveres legais impostos pelo Art. 239.º n.º 4 al.s b) e d) do CIRE.

SUMÁRIO: (art.º 663º nº 7 do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


José... intentou a presente ação declarativa com processo especial requerendo a sua própria insolvência, cumulando um pedido de deferimento da exoneração do passivo restante.

Foi declarada a sua insolvência por decisão de 11 de novembro de 2011, transitada em julgado, tendo sido aí admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

Encerrado o processo, veio a terminar em 19 de Setembro de 2017 o prazo de cinco anos a que alude o Art.º 239º, n.º 2 do CIRE.

Não tendo havido lugar a cessão antecipada do procedimento, deu-se cumprimento ao disposto no Art. 244º do CIRE, ouvindo-se o devedor, o fiduciário e os credores.

O fiduciário emitiu parecer negativo, referindo que “o insolvente não cumpriu nenhumas das obrigações a que estava obrigado, por dolo ou negligência grave, defraudando assim as expectativas dos credores”.

Notificados insolvente e os credores, estes nada disseram.

Na sequência veio a ser proferido despacho que, considerando o total desinteresse manifestado pelo requerente, recusou a exoneração do passivo restante ao insolvente, nos termos e com o fundamento no disposto no Art. 243º, n.º 1 al. a) “ex vi” Art.º 244º n.º 2 do CIRE, o que importou na reconstituição de todos os créditos extintos a contar do trânsito em julgado desta decisão.

É desta decisão que o insolvente ora recorre apresentando as seguintes conclusões:

1. O Recorrente não se conforma com a douta decisão que recusou a exoneração do passivo restante ao insolvente nos termos e com o fundamento no disposto no Art.º 243º, n.º 1 al. a) “ex vi” Art.º 244º n.º 2 do CIRE, o que importa a reconstituição de todos os créditos extintos a contar do trânsito em julgado desta decisão.
2. Entende que o douto despacho violou o n.º 2 do artigo 240º do CIRE, alínea a) do n.º 1 do artigo 243º do CIRE, artigo 195º do CPC e 247º do CPC.
3. Verifica-se que os doutos despachos datados de 22.06.2017 e 05.07.2017 foram notificados ao Insolvente, mas não se vislumbra no processo que tenha sido notificado o seu patrono.
4. Nos termos do artigo 247º do CPC as notificações devem ser remetidas ao mandatário, no entanto os despachos datados de 22.06.2017 e 05.07.2017 não foram notificados.
5. Assim sendo, desde já se requer que sejam declarados nulos com a consequente nulidade de todos os atos, inclusive a douta decisão ora recorrida.
6. Caso assim não se entenda, o n.º 2 do artigo 240º do CIRE consagra que o Fiduciário deverá elaborar um relatório anual, contudo analisando o processo verifica-se que tal procedimento não foi cumprido.
7. Verifica-se consultando o CITIUS que entre 14.04.2014 e 08.01.2016 não ocorreu qualquer movimentação no processo.
8. Pelo que não se encontra documentado no processo que atos foram praticados pelo Senhor Fiduciário.
9. O Recorrente entende ainda que cumpriu todas as suas obrigações, na sequência do douto despacho de 22.06.2017 juntou documento relativo à sua situação de desemprego.
10. Ou seja, salvo devido respeito, não será de aceitar que o Recorrente tenha incumprido a alínea a) do nº 1 do artigo 243º do CIRE.
11. Entende-se que o Fiduciário não fundamentou devidamente o seu parecer relativo à proposta de recusa da exoneração.
12. Pelo que, contrariamente ao vertido na douta decisão, o ora Recorrente cumpriu as suas obrigações.
13. Efetivamente o Recorrente desde Setembro de 2011 que se encontra desempregado, conforme se encontra comprovado pelo documento da Segurança Social datado de 12.06.2017.
14. Apenas este facto impediu o mesmo de ceder rendimentos ao fiduciário.
15. Assim sendo, desde já se requer que seja declarada a nulidade dos despachos datados 22.06.2017 e 05.07.2017 em virtude de não terem sido notificados ao patrono, com a consequente nulidade de todos os atos posteriores.
16. Caso assim não se entenda, e seja considerado pertinente analisar a teor do douto despacho que recusou a exoneração do passivo restante, sempre se dirá que o mesmo deverá ser revogado e substituído por um despacho que conceda a exoneração do passivo restante.

Com estes fundamentos pede a procedência do recurso.

Não houve contra-alegações.

O Recorrente veio, em simultâneo ao recurso, a arguir autonomamente a nulidade dos despachos de 22/6/2017 e 5/7/2017, por omissão da sua notificação ao patrono.

Sobre esse requerimento incidiu o despacho de 2/02/2018 pelo qual o tribunal recorrido confirmou que os despachos reclamados, de 22/06/2017 e 5/07/2017, foram exclusivamente notificados ao insolvente e não ao seu patrono, mas sustentou que tal não beliscou o direito ao contraditório que veio exercer, nomeadamente pelo requerimento de 30/06/2017. Por outro lado, referiu também que o patrono do insolvente foi notificado para se pronunciar sobre o relatório do Sr. Fiduciário, em 3/10/2017, elaborado nos termos o Art. 244º, n.º 1 do CIRE, e nada disse, devendo entender-se que então tomou conhecimento de toda a evolução do processo até essa data e podia e devia ter tomado posição quanto ao anteriormente solicitado ou, então, de arguir a irregularidade agora apontada, nessa data. Nessa medida, entendeu que, a haver irregularidade, ela se mostra sanada e indeferiu a alegada nulidade.
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II Questões a decidir:
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geral, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, são questões a decidir:
a) A nulidade da decisão recorrida por falta de notificação dos despachos de datados de 22.06.2017 e 05.07.2017, em virtude de não terem sido notificados ao patrono; e
b) A falta de fundamento da decisão recorrida relativamente à ausência de colaboração do insolvente.
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IIIFundamentação de facto:

Resultam documentados dos autos os seguintes factos:
1)O requerente, José..., veio intentar a presente ação de insolvência em 16 de outubro de 2011, representado pelo Dr. Nuno..., que lhe foi nomeado patrono, ao abrigo de pedido de benefício de apoio judiciário (cfr. fls 2 a 23);
2)Por sentença de 11 de novembro de 2011, constante de fls 53 a 58, foi o Requerente, José..., declarado insolvente, decidindo-se também não haver motivos para indeferir liminarmente o seu pedido de exoneração do passivo restante (cfr. cit. fls);
3)Por relatório do administrador de insolvência de 24 de janeiro de 2011 resulta que o insolvente não tem bens imóveis; tinha um veículo com a matrícula V...-...0-...5, mas alegadamente teria ido para a sucata; e desde abril de 2011 que se encontrava desempregado, sendo que entretanto passou a prestar serviços para a ZON recebendo mensalmente cerca de €500,00 a €600,00. Como os créditos reclamados ascendiam a €32.438,00, não foi apresentado qualquer plano de insolvência (cfr. fls 81 a 83);
4)Em 30 de janeiro de 2012 o administrador de insolvência apresenta relatório com o mesmo teor (cfr. fls 94 a 96) o qual foi apreciado em assembleia de credores de 1 de fevereiro de 2012, na qual os credores votaram por unanimidade o encerramento do processo, tendo o credor Banco..., S.A. declarado opor-se ao pedido de exoneração do passivo restante (cfr. fls 98 a 99);
5)Com data de 11 de julho de 2012 veio a ser proferido despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante e ordenado o encerramento do processo de insolvência (cfr. fls 103 a 108);
6)A 15 de fevereiro de 2013, o administrador de insolvência informa os autos que não foi possível obter informação sobre o endereço e rendimentos mensais do insolvente, tendo endereçado nessa data carta registada para o único endereço conhecido, com conhecimento ao seu mandatário, o Dr. Nuno... (cfr. fls 112 a 113);
7)A 25 de março de 2013, o administrador de insolvência informa os autos que desconhece a morada do insolvente, pois a carta que lhe enviou veio devolvida com a indicação “mudou-se” e o seu mandatário, Dr. Nuno..., não deu qualquer resposta ao correio eletrónico que lhe foi enviado em 14/02/2013 (cfr. fls 115 a 117);
8)O administrador de insolvência e fiduciário veio a falecer a 21 de novembro de 2015 (cfr. fls 122) e foi substituído conforme despacho de 6 de outubro de 2016 (cfr. fls 130);
9)Na sequência de despacho de 24/10/2016 (cfr. fls 136) o fiduciário veio informar que não foram recebidas do insolvente quaisquer verbas e que desconhecia a morada do insolvente, conforme informação já prestada pelo anterior ex-administrador do insolvente e fiduciário de 26/3/2016 (cfr. fls 141 verso);
10)Por despacho de 7/6/2017 foi ordenado que se averiguasse o paradeiro do insolvente (cfr. fls 143);
11)Apurado o paradeiro, foi ordenada a notificação do insolvente para se pronunciar sobre a não entrega de quaisquer valores durante o período de cessão, justificando-a, conforme despacho de 22 de junho de 2017 (cfr. fls 147);
12) Esse despacho foi notificado diretamente ao insolvente e não também ao seu patrono (cfr. “Notificação de 22/6/2017” – Ref.ª 107559001 - p.e.);
13)Nessa sequência, em 30/6/2017, veio a ser junto pelo insolvente aos autos, um “print” da “Netemprego” (cfr. “Requerimento de 30/06/2017” - Ref.ª 107722306 - p.e. – cfr. fls 149 e 150);
14) Reportado a esse “requerimento”, é proferido o despacho de 5 de julho de 2017, com o seguinte teor: «O R/ de 30.06.2017 não é percetível em formato digital e por essa razão proceda à sua junção em papel conforme impressão que segue.
«O insolvente veio através do requerimento supra juntar um documento que aparenta ser uma inscrição de emprego num sítio designado de “netemprego”, sem esclarecer as razões pelas quais não procedeu à entrega de quaisquer valores durante o período de cessão que se aproxima do seu término.
«Assim:
«a.- Notifique o Sr. Fiduciário da morado do insolvente para que entre em contacto com este e proceda à elaboração dos relatório a que alude o art.º 240º, n.º 2 em falta no prazo de 10 dias.
«b.- Notifique o insolvente para esclarecer as razões da falta de entrega de valores durante o período de cessão em 10 dias, sob pena de ser equacionada a cessão antecipada do procedimento de exoneração.
«c.- Solicite ao centro de emprego que informe da existência de inscrição do insolvente e, em caso afirmativo, a situação em que se encontra com histórico detalhado.
«Sintra, d.s.» (cfr. fls 148);

15)Esse despacho foi notificado ao insolvente e não também ao seu patrono (cfr. “Notificação de 6/7/2017” – Ref.ª 107831500 - p.e.);

16)O IEFP informou por ofício, entrado em juízo a 21 de julho de 2017, quais os pedidos de inscrição do insolvente nos serviços de emprego, esclarecendo que:
- Esteve inscrito em 26/12/2001 até 4/6/2002 (data em que a inscrição foi anulada);
- Reinscrição em 30/06/2004 até 20/08/2004 (anulada a inscrição);
- Reinscrição em 26/11/2011 até 07/03/2012 (anulada a inscrição);
Mais esclareceu que o insolvente tinha reinscrição como desempregado à procura de novo emprego desde 28/06/2017 (cfr. fls 151);

17)Por despacho de 11 de setembro de 2017 foi ordenada a notificação do Sr. Fiduciário para apresentar o relatório a que alude o Art. 244.º n.º 1 do CIRE (cfr. fls 152), tendo o Sr. Administrador cumprido o solicitado a 14 de setembro de 2017 aí declarando: «o devedor durante o período de cessão não cumpriu nenhuma das alíneas do n.º 4 do Art. 239.º, por dolo ou negligência grave, defraudando assim as expectativas dos credores. Perante o exposto, e tendo tido em consideração o teor do ofício de 21-07-2017, oponho-me à concessão da exoneração do passivo restante. Assim, deverá ser recusada de acordo com o n.º 2 do Art. 244.º do CIRE» (cfr. fls 153 verso).

18)Por despacho de 2 de outubro de 2017, foi ordenada a notificação dos credores e do insolvente para se pronunciarem sobre o relatório (cfr. fls 155);
19)Esse despacho foi notificado ao patrono do insolvente, Dr. N... M... (cfr. “Notificação de 3/10/2017” – Ref.ª 109033663 - p.e.);
20)O insolvente não se pronunciou sobre o relatório do Sr. fiduciário;
21)Por despacho de 3 de novembro de 2017 foi recusada a exoneração do passivo restante ao insolvente, invocando-se que: «In casu o insolvente não cumpriu nenhuma das regras impostas e notificado do parecer negativo do Sr. Fiduciário também nada disse, o que preenche a circunstância a que alude o art.º 243º, n.º 1. al. a) do CIRE, a qual se conhece e que fundamenta a recusa da exoneração. O total desinteresse é manifesto pelo que importa, sem necessidade de mais considerando recusar a exoneração do passivo restante.» (cfr. fls 157 a 158);
22)Por requerimento de 15/11/2017 o insolvente veio arguir a nulidade por omissão de notificação ao patrono dos despachos de 22/6/2017 e 5/7/2017 (cfr. fls 160 a 161);
23)Essa nulidade foi indeferida por despacho de fls 174 a verso, cujo teor se dá por reproduzido.

Tudo visto, cumpre apreciar.

IVFundamentação de direito:
Fixados os factos e as questões relevantes para o conhecimento do recurso, cumpre agora delas tomar conhecimento pela ordem lógica de precedência.

Da nulidade da decisão recorrida.
O recorrente veio invocar a nulidade da decisão recorrida por falta de notificação dos despachos de datados de 22/06/2017 e 05/07/2017, em virtude destes não terem sido notificados ao patrono, mas apenas diretamente ao insolvente.
Cumprirá realçar que o insolvente havia requerido a sua insolvência, com pedido de exoneração do passivo, na sequência de prévia nomeação de patrono no quadro legal de pedido de concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, com nomeação e pagamento da compensação de patrono (cfr. fls 22).
Nesse contexto, foi nomeado patrono ao insolvente o Dr. Nuno... (cfr. fls 21), que foi quem em nome daquele apresentou a petição inicial neste processo (cfr. fls 9), assegurando assim o patrocínio judiciário do Recorrente durante a pendência do processo.
Nos termos do Art. 247.º n.º 1 do C.P.C., as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos mandatários. Só quando a notificação se destine a chamar a parte à prática de ato pessoal, além da notificação ao mandatário, deve também ser expedido pelo correio um aviso registado à parte (Art. 247.º n.º 2 do C.P.C.).
Portanto, estando assegurado o patrocínio judiciário do insolvente por advogado, todas as notificações de despachos judiciais proferidos no processo de insolvência dirigidas ao Requerente deveriam ser feitas na pessoa do seu patrono.
De todo o modo os autos refletem uma ausência de colaboração do insolvente, o que dificultou o andamento normal do processo.
Veja-se que o Insolvente, na petição inicial, indicou que tinha a sua morada em São João das Lampas (cfr. fls 3), mas logo em 2011 vieram devolvidas notificações pessoais dirigidas para a sua morada (cfr. fls 73).
Em 2013, quando a questão da responsabilidade por custas se suscitou, também veio devolvida outra notificação pessoal para a morada do insolvente (cfr. fls 109) e o administrador do insolvente começou a apresentar vários requerimentos a informar que não sabia do paradeiro daquele e que lhe enviou correspondência que veio devolvida, dizendo que disso deu conhecimento ao patrono, o qual também não respondeu a um email que para o efeito lhe enviou (cfr. fls 112 a 113, 125 a 127).
Entretanto, na sequência do falecimento do administrador de insolvência e fiduciário, em 21 de novembro de 2015, o novo fiduciário voltou a informar que desconhecia a morada do insolvente (cfr. fls 141 verso) e só na sequência do despacho de 7/6/2017 (cfr. fls 143) é que se apurou que o mesmo morava em Lisboa (cfr. fls 144 a 146).
Portanto, foi a falta de respostas do patrono nomeado e a ausência de informação sobre o paradeiro do Insolvente, que determinaram que o Tribunal a quo tenha iniciado diligências para superar um impasse que se verificada no processo. Primeiro, diligenciando pelo apuramento da residência do Insolvente e, depois, notificando-o pessoalmente para justificar a não entrega de quaisquer valores durante o período de cessão.
Sem prejuízo, é um facto que o despacho de 22 de junho de 2017 (cfr. fls 147) foi apenas notificado diretamente ao Insolvente e não ao seu patrono (cfr. Notificação de 22/6/2017 – Ref.ª 107559001 – p.e.), o que constitui uma violação, por omissão, da formalidade legal estabelecida no Art. 247.º n.º 1 do C.P.C..
Sucede que, a omissão de ato ou formalidade legal só produz nulidade quando a lei o declare ou a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (Art. 195.º n.º 1 do C.P.C.). Ora, o que o despacho de fls 147 pretendia era que o Insolvente justificasse a não entrega de quaisquer valores durante o período de cessão, sendo que o Insolvente respondeu a 30/6/2017 com a remessa por correio de um “print” da “Netemprego” (cfr. fls 149), que na verdade nada esclarecia. Por isso, foi proferido o despacho de 5 de julho de 2017 (cfr. fls 148) com vista a que o mesmo pudesse esclarecer a situação.
Efetivamente desse último despacho consta uma alínea “b.” que determina a notificação do Insolvente para esclarecer as razões da falta de entrega de valores durante o período de cessão no prazo de 10 dias, sob pena de ser equacionada a cessão antecipada do procedimento de exoneração (cfr. fls 148).
Uma vez mais, esse despacho apenas foi notificado ao Insolvente e não também ao seu mandatário, em violação do disposto no Art. 247.º n.º 1 do C.P.C..
Sucede que, apesar da falta de colaboração direta do Insolvente, acabou por não ser decidido antecipar o fim do procedimento de exoneração, porquanto, entretanto, já havia decorrido o prazo de 5 anos estabelecido no Art. 239.º n.º 2 do CIRE. Pelo que, o efeito cominatório da alínea “b.” do despacho de fls 148 não operou de facto.
Assim sendo, qualquer dos despachos em causa (v.g. fls 147 e 148), em bom rigor, não determinaram nenhuma decisão imediata e direta em prejuízo do Insolvente, ainda que a falta de resposta adequada aos mesmos refletisse uma ausência de colaboração do visado nas notificações.
Acresce que, na sequência do parecer negativo do fiduciário, o patrono do Insolvente foi desta feita notificado para se pronunciar, tendo então oportunidade de esclarecer os motivos que justificariam a não entrega de quaisquer montantes durante o período de cessão e, uma vez mais, nada veio dizer aos autos.
Em suma, essa ausência de colaboração do Insolvente (total desinteresse) foi relevada como fundamento na decisão que levou à recusa da exoneração do passivo restante (cfr. fls 158), mas não se pode dizer que foi só a omissão de resposta aos despachos de fls 147 e 148 que justificaram a decisão recorrida.
A decisão recorrida releva o comportamento global do Insolvente ao longo do período de 5 anos de cessão do rendimento disponível estabelecido no Art. 239.º n.º 2 do CIRE e não apenas a omissão de resposta aos despachos de fls 147 e 148.
Só por isso entendemos que as irregularidades resultantes da omissão de notificação ao patrono dos despachos de fls 147 e 148 não influíram decisivamente no exame ou na decisão da causa, por forma a que se pudesse fundadamente declarar a sua nulidade, nos termos do Art. 195.º n.º 1 do C.P.C..
É que o Insolvente não se pode remeter ao silêncio, como de facto se remeteu, durante todos os 5 anos em causa, sem dar conta das alterações relevantes da sua vida patrimonial.
Veja-se que o Insolvente mudou de residência e nada disse nos autos, nem ao fiduciário, em manifesta violação do Art. 239.º n.º 4 al. d) do CIRE.
Por outro lado, o insolvente vem alegar (até mesmo neste recurso) que esteve em situação de desemprego desde 2011, quando isso manifestamente não é verdade, pois informou coisa diversa ao administrador de insolvência, conforme consta do relatório de 30 de janeiro de 2012 a fls 95, que no ponto 2.2 refere que aquele arranjou emprego em janeiro de 2012, “a recibos verdes”, e que o insolvente admitia receber cerca de €500,00 a €600,00 por mês.
Refira-se que, mesmo que entretanto tivesse perdido essa fonte de rendimento, era sua obrigação informar os autos e o fiduciário, constituindo essa omissão, também ela, uma violação do Art. 239.º n.º 4 al. d) do CIRE.
Por outro lado, temos ainda as notificações feitas pelo anterior fiduciário ao Insolvente para efeitos de elaboração de relatórios, que vieram todas devolvidas. Facto de foi dado conhecimento ao patrono, que nada fez para dar satisfação ao cumprimento de obrigações que competiam ao Insolvente (Art. 239.º n.º 4 al. d) do CIRE).
O Insolvente queixa-se que o processo esteve parado entre 14/4/2014 e 8/1/2016, mas esquece-se que a lei atribui-lhe o cumprimento de deveres durante o período de cessão (Art. 239.º n.º 4 do CIRE) independentemente do Sr. Fiduciário entregar ou não a informação anual, nos termos do Art. 240.º n.º 2 do CIRE.
Em suma, o que resulta dos autos é que o Insolvente não cumpriu deveres que deveria ter realizado por iniciativa própria, tendo-se limitado a deixar decorrer os 5 anos previstos no Art. 239.º n.º 2 do CIRE, esperando que desse modo a exoneração do passivo restante fosse decidida, sem sacrifício algum e sem qualquer empenho pessoal ou preocupação com a satisfação dos interesses dos credores.
Consequentemente a irregularidade resultante da omissão de notificação ao mandatário/patrono dos despachos de fls 147 e 148 não foi só por si decisiva para a decisão de recusa de exoneração do passivo restante e, por isso, não se verifica uma nulidade, nos termos do Art. 195.º do C.P.C..
Essas irregularidades, apesar de se verificarem, não afetam, por consequência, a validade do despacho recorrido, que de qualquer modo sempre teria de refletir todo o comportamento do Insolvente ao longo do processo, devendo por isso manter-se o despacho que indeferiu a reclamação dessas nulidades, improcedendo as conclusões que sustentam entendimento contrário.

Do fundamento da decisão recorrida.
Quanto ao mérito do despacho recorrido, cumprirá começar por realçar que está em causa uma decisão sobre a exoneração do passivo restante.

Este instituto está regulado nos Art.s 235º e ss do CIRE e constitui uma prerrogativa exclusiva da insolvência das pessoas singulares (Vide: Alexandre de Soveral Martins in “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2017 – 2.ª Ed., pág. 583 e Luís Menezes Leitão in “Direito da Insolvência”, 2017, 7.ª Ed., pág. 339).

Todo o regime em causa assenta no princípio de que a pessoa singular que se apresenta à insolvência, tendo atuado de boa-fé, merece uma oportunidade de “começar de novo” (princípio fresh start) e, em consequência, fica eximida do pagamento dos créditos que não fiquem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento.

Durante o período de cessão, o devedor assume perante os credores as obrigações previstas no Art.º 239.º, entre elas a de ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário que afetará os montantes recebidos ao pagamento dos credores.
Do cumprimento dessas obrigações depende a exoneração definitiva, a decretar por despacho do juiz no termo do referido período (al. d) do Art. 237.º do CIRE).

Citando o legislador no ponto 45 do preâmbulo do Dec.Lei n.º 53/2004 de 18/3: «A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta reta que ele teve necessariamente de adotar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica.»

A este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/2/2014 (Proc. n.º 757/13.9TJLSB.L1-8 - Relatora: Maria Amélia Ameixoeira) sumaria a questão do seguinte modo:
«I)Para além dos específicos deveres de apresentação, informação e colaboração, o devedor insolvente está ainda obrigado aos deveres gerais de cooperação e de atuação com boa-fé processual.
«II)Esses deveres assumem importância particular em sede de apreciação do requerimento de exoneração do passivo restante, por ser o seu cumprimento ou incumprimento indício da retidão da conduta do devedor e fator de avaliação sobre o merecimento da oportunidade que a exoneração do passivo restante proporciona.
«III)A lei não exige que a violação destes deveres, enquanto fundamento da recusa da exoneração, cause prejuízo aos credores, bastando a simples violação, com dolo ou culpa grave.»
De referir ainda que o fiduciário não tem necessariamente por função fiscalizar o cumprimento das obrigações que recaem sobre o devedor insolvente (neste sentido: Alexandre de Soveral Martins in Ob. Loc. Cit., pág. 607), mas este último está obrigado a cumprir de forma proficiente as obrigações que decorrem da lei, nomeadamente as do já mencionado Art. 239.º n.º 4 do CIRE.

No caso, o Recorrente sustenta que cumpriu todas as suas obrigações, porque na sequência do despacho de 22 de junho de 2017 juntou o documento relativo ao seu desemprego e, por isso, não teria violado o Art. 243.º n.º 1 al. a) do CIRE.

Refere ainda que é pelo facto de se encontrar desempregado que ficou impedido de ceder ao fiduciário rendimentos, não tendo o fiduciário fundamentado devidamente o seu parecer no sentido de ser recusada a exoneração do passivo restante.

Quanto a este último argumento temos de reconhecer que o relatório do Sr. Fiduciário junto a fls 153 verso faz menção de que: «o devedor durante o período de cessão não cumpriu nenhuma das alíneas do n.º 4 do Art. 239.º, por dolo ou negligência grave, defraudando assim as expectativas dos credores», mas sem especificar que obrigações não foram cumpridas.

Ainda assim, na mesma sequência, esse relatório refere que teve em consideração o teor do ofício de 21-07-2017 e, por isso, opõe-se à concessão da exoneração do passivo restante.

Ora, o ofício em referência é o que se mostra junto a fls 151, do qual resulta que o Insolvente esteve reinscrito no Serviço de Emprego do IEFP de 26/12/2011 até 7/3/2012 e só voltou a ficar reinscrito desde 28/6/2017. Ou seja, entre 7/3/2012 e 28/6/2017 desconhecia-se a situação de emprego (ou desemprego) do Insolvente.

Daí não resulta que o Insolvente tivesse qualquer rendimento efetivo, mas apenas que não estava inscrito como desempregado e à procura de emprego, sendo que só se lembrou de se voltar a inscrever depois de ser notificado pelo tribunal para justificar a não entrega de quaisquer valores durante o período de cessão (cfr. fls 147).

Mas se o Insolvente sustenta que esteve no desemprego durante todo esse período – o que não está conforme, pelo menos em parte, com a informação do relatório do administrador de insolvência de fls 95 –, impunha-se que assumisse uma postura ativa na procura de trabalho remunerado, por forma a poder cumprir as suas obrigações, como decorre do Art. 239.º n.º 4 al. b) do CIRE.

Ora, se nem sequer se inscreveu como desempregado à procura de emprego no IEFP entre 7/3/2012 e 28/6/2017, o devedor não assumiu o comportamento adequado a esse propósito. Nessa medida, estava a incumprir o disposto no Art. 239.º n.º 4 al. b) do CIRE. O que, no final, pelo menos a título de negligência, cai na previsão do Art. 243.º n.º 1 al. a) do CIRE.

Evidentemente que se o devedor insolvente não tem rendimentos, não os pode entregar ao fiduciário. Só que não é só isso que está em causa no período de cessão do rendimento disponível estabelecido no Art. 239.º n.º 2 do CIRE.

O Insolvente tem de procurar ativamente emprego e demonstrar que o faz, dando disso conta, inclusive por iniciativa própria, ao fiduciário (Art. 239.º n.º 4, al.s b) e d) do CIRE). O Insolvente não se pode limitar à posição de nada fazer e esperar que o tempo corra, pois doutro modo, o sacrifício que a lei impõe aos credores com o instituto da exoneração do passivo restante, não fica minimamente justificado.

Há que cumprir escrupulosamente estes deveres de diligência para o insolvente poder merecer o “fresh start” proporcionado pela possibilidade de assim se eximir do pagamento dos créditos que não ficam pagos no processo de insolvência ou nos 5 anos posteriores ao seu encerramento.

No caso é patente que o Insolvente assumiu sempre uma postura passiva e de desinteresse ao longo de todo o processo e, independentemente dos despachos de fls 147 e 148 não terem sido notificados ao seu patrono, o que fica claro é que não cumpriu os deveres que a lei lhe impõe para poder beneficiar no final da exoneração do passivo restante.

Não releva apenas o facto de não ter cumprido os despachos de fls 147 e 148. Há que ter em conta ainda que o Insolvente mudou de residência sem disso dar conta no processo, ou ao Sr. Fiduciário. Ao que acresce que não fez provar que diligenciou por encontrar emprego, sendo que ficou provado nos autos que não esteve inscrito como desempregado à procura de emprego entre 7/3/2012 e 28/6/2017. Em conclusão, durante 5 anos nada veio dizer nos autos, nem de nada deu conta ao fiduciário.

No fundo, o que se pode concluir é que, durante 5 anos, o Insolvente parecia que não tinha consciência de que estava pendente o presente processo, comportando-se como se ele não existisse.

É este comportamento globalmente considerado, perfeitamente documentado dos autos, que nós entendemos que se traduz em negligência grave.

A gravidade do comportamento considerado decorre do tempo por que se protelou a omissão e do facto de o Insolvente se encontrar especialmente onerado pelo cumprimento de deveres legais específicos que efetivamente não observou ao longo de 5 anos, quando era do seu interesse obter o benefício que requereu.

Esta falta de empenho pessoal é patente e justifica plenamente a decisão recorrida.

Concretizadas assim as obrigações que em concreto não foram cumpridas, no mais concordamos com o despacho recorrido quando recusa a exoneração do passivo restante ao insolvente, invocando que: «o insolvente não cumpriu nenhuma das regras impostas e notificado do parecer negativo do Sr. Fiduciário também nada disse, o que preenche a circunstância a que alude o art.º 243º, n.º 1. al. a) do CIRE, a qual se conhece e que fundamenta a recusa da exoneração. O total desinteresse é manifesto pelo que importa, sem necessidade de mais considerandos recusar a exoneração do passivo restante».

Não houve assim violação do disposto no Art.º 243º, n.º 1 al. a) “ex vi” Art.º 244º n.º 2 do CIRE, sendo que o não cumprimento do Art. 240.º n.º 2 do CIRE não tem relevância direta no caso, improcedendo as conclusões de recurso de que resulte entendimento diverso.

VDECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada, assim se mantendo o despacho recorrido nos seus precisos termos.

As custas seriam a cargo do apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.) que, no entanto, delas está isento, por força do benefício de apoio judiciário que lhe foi deferido (cfr. fls 22).



Lisboa, 6 de março de 2018


                             
(Carlos Oliveira)                             
(Maria Amélia Ribeiro)                            
(Dina Monteiro)