Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2015/13.0TVLSB-D.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
INVERSÃO DO CONTENCIOSO
LITISPENDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
I-Com o novo Código de Processo Civil operou-se a revogação da norma do artigo 21º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6 (regime jurídico do contrato de locação financeira).
II-A formulação do pedido de inversão do contencioso bloqueia a propositura de uma ação principal pelo requerente do procedimento, sempre que na ação não se possa obter algo de diferente do que resulta da conversão da tutela provisória em tutela definitiva.
III-A formulação daquele pedido obsta a que o requerido no procedimento cautelar possa propor uma ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica.
IV-Entre o procedimento cautelar e o processo no qual é requerida a tutela definitiva não se pode constituir a exceção de litispendência.
V-Porém, com a formulação pelo requerente do pedido de inversão do contencioso alteram-se os dados da questão já que não pode estar simultaneamente pendente um procedimento cautelar no qual o requerente solicita, através da inversão do contencioso, a transformação da tutela cautelar em tutela definitiva e uma ação destinada a obter esta mesma tutela definitiva.
VI-Em sede de procedimento cautelar, querendo deduzir oposição à providência e à requerida inversão do contencioso, deve o requerido concentrar neste articulado todos os fundamentos de oposição que julgue convenientes.
VII-Assim, à suficiência dos elementos disponíveis no procedimento, para a inversão do contencioso, estranha a circunstância de a requerida no procedimento, ter intentado ação contra o ali requerente, em que alega outros factos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


I-O então “B, S. A.” e, agora, “N, S. A.”, requereu, na 12ª Vara Cível de Lisboa, providência cautelar de entrega judicial de bem imóvel, contra a “P, S. A.”.

Mais requerendo, sob a epígrafe “Da Antecipação do Juízo Final da Causa”, que “decretada que esteja a providência requerida e ouvidas as partes”, seja considerada “a possibilidade jurídica de, para efeitos do n.º 7 do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25/2, antecipar o juízo sobre a causa principal, de forma não só a alcançar-se a resolução definitiva do caso como, ainda, a alcançar a ratio da lei, a saber, a desnecessidade de interposição de acção declarativa, para prevenir a caducidade do procedimento cautelar.”, vd. artigos 36º a 38º daquele articulado.
 
A requerida deduziu oposição à providência “e ao pedido de inversão de contencioso”.

Prosseguidos os necessários termos, com produção de prova testemunhal, foi, após junção aos autos de certidão permanente referente ao imóvel em causa, proferida, em 19-03-2014, a sentença reproduzida a folhas 417-435, julgando “improcedente o presente procedimento cautelar, indeferindo o pedido de apreensão e subsequente entrega do imóvel supra descrito ao Requerente.”.

Notificada da junção da dita certidão, impugnou a Requerente a genuinidade e a veracidade de tal documento, arguindo, em sequência, a nulidade de todo o processado, sentença incluída.

O que mereceu resposta da Requerida.

Vindo a Requerente a interpor recurso da proferida sentença.

Sendo então proferido despacho sobre a deduzida arguição, entendida como de nulidade da sentença, indeferindo aquela.

De tal decisão interpondo a Requerente recurso.

Por Acórdão de 24-02-2015, reproduzido a folhas 512-528, concedeu esta Relação “provimento aos recursos”, e revogou “as decisões apeladas (…) julgando-se procedente a requerida providência cautelar de entrega judicial e condenando-se a requerida “P, S. A.”, na entrega imediata à requerente B, S. A., do prédio urbano composto de rés-do-chão, destinado a armazém, sito na Rua (…) da freguesia dos Mártires, concelho de Lisboa, descrito na 4ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art.º (…) da Freguesia da Encarnação.”.

De tal Acórdão requereu a Requerida a interposição de recurso de revista excecional, que foi indeferida por despacho do relator, reproduzido a folhas 637-639.

Indeferida vindo a ser, pelo Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, a reclamação de tal despacho apresentada pela Requerida, conforme folhas 645-649.

Regressados os autos à 1ª instância, requereu o “N, S. A.”, para além da execução da determinada entrega, que fosse antecipado “o juízo sobre a causa principal por forma a alcançar a resolução definitiva do caso.”, conforme folhas 541-542.

Sobre o assim requerido recaindo o despacho de 30-03-2016 – reproduzido a folhas 654-655 – com o seguinte teor:
“A Requerente pede ao Tribunal que, ao abrigo do disposto no art. 21.°, n.º 7, do D/L n.º 149/95, de 24 de Junho, antecipe o juízo sobre a causa principal por forma a alcançar a resolução definitiva do caso.
Sucede, porém, que a Requerida alegou em sede de Oposição que instaurou contra o aqui Requerente, em 09.10.2013, uma acção declarativa para reconhecimento da ilicitude da resolução contratual do contrato de locação financeira n.º(…), a qual corre seus termos na 4.° vara cível de Tribunal de Lisboa sob o n.º (…), ação essa que o Requerente reconheceu existir, embora alegue que as Partes, o pedido e a causa de pedir são diversos (cfr. ref…).
Em face do exposto, ordena-se que se oficie o processo supra identificado, solicitando o envio de certidão da Petição Inicial e da Decisão Final que ali foi proferida, com nota de trânsito em julgado.”.

Notificada de tal despacho, requereu a Requerida, em12-04-2016, “se digne ordenar a notificação da Requerente do teor do requerimento que terá sido remetido a esse Tribunal pelo Ilustre Mandatário do Requerido, atendendo a que o mesmo, salvo erro da signatária, não a notificou do mesmo.”, cfr. folhas 662-663.

Junta a dita certidão foi proferida decisão, em 21-04-2014, reproduzida a folhas 782-783, com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no art. 21.º, n.º 7, do DL n.º 149/95, de 24 de Junho, o Tribunal converte em definitiva e entrega do imóvel decretada nos presentes autos, dispensado a Requerente de intentar a acção principal.”.

Uma vez mais inconformada, recorreu a Requerida, dizendo, na sequência de despacho do relator, em supostamente “sintetizadas” conclusões, “na medida das capacidades da signatária”:

“I.Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 613º do Código de Processo Civil (doravante CPC), "Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa".
II.O nº 2, do mesmo artigo, dispõe que: "É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes".
III.O nº 4, do artigo 615º do CPC, prevê que: "As nulidades mencionadas nas alínea a) a e) do nº 1, só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário poder ter como fundamento qualquer dessas nulidades".
IV.Todavia, no âmbito dos presentes autos, certo é que, o Tribunal "a quo" impediu, três vezes consecutivas, que a aqui Apelante usasse o direito ao contraditório, princípio que decorre do disposto no artigo 3º do CPC e artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
V.Com efeito, determina o n.º 2, do artigo 202 da CRP, que "Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ...1,
VI.Nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 202 da CRP, "Todos têm direito, a que uma causa em que intervenham seja objecto de uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo".
VII.O Artigo 32 do CPC, determina, no seu número 1, que: "O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição".
VIII.O número 3, determina que: "O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".
IX.Ora, no caso em apreço, dúvidas não restam que:
X.Em 2 de Julho de 2015, o Apelado requereu no âmbito de providência cautelar Apelante no âmbito do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, na sua actual redacção, que o Tribunal se pronunciasse sobre a antecipação do juízo da causa principal.
Xl. Que a aqui Apelante foi notificada do teor de tal requerimento, por mensagem de correio electrónico remetida em 28 de Abril de 2016, isto é, 10 meses depois, tudo data posterior à prolacção da sentença.
XII.Que a Apelante requereu ao Tribunal que este a notificasse do teor do requerimento apresentado pelo Apelado a requerer a antecipação do Juízo final, porquanto não tivesse do mesmo conhecimento e a só a referência de tal requerimento no despacho prelado em 01 de Abril de 2016, pelo Tribunal "a quo" tivesse possibilitado à Apelante a certeza da sua existência.
XIII.O Tribunal não só não notificou a Apelante do teor de tal requerimento, como não terá notificado a Apelante para pronunciar-se sobre a antecipação do Juízo final, comportamento que violou simultaneamente, os já referidos artigos 20º da CRP, 3º do CPC, e ainda o artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, na redacção actualmente em vigor.
XIV.Por último, e sem prejuízo de ter determinado a junção da certidão da petição inicial e estado do processo, relativa à acção proposta contra a aqui Apelante contra o Apelado, desconhece igualmente a aqui Apelante, se a tal certidão foi efectivamente junta aos autos, e em que data, uma vez que também desse acto não foi notificado.
XV.Concluindo-se assim, que desde o dia o dia 28 de Julho de 2015 até ao dia 1 de Abril de 2016, a Apelante não foi notificada de qualquer dos actos praticados no processo pelo lustre Mandatária do Apelado ou da Meritíssima Juíza do Tribunal " quo".
XVI.A violação dos artigos 20º, n.º 2 e 4 da CRP, 3º, n.º 1 e 3, do CPP e 21º, n.º 7, do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho na redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei 30/2008, de 25 de Fevereiro, gera diversas nulidades, todas reconduzíveis ao disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615º e 195º, do CPC.
XVII.As nulidades ora invocadas, importam a anulação de todos os actos praticados pelo Tribunal que dependam do acto anulado (artigo 195º, n.º 2, do CPC).
XVlll.Donde, deva ser obviamente anulada a sentença prelada pelo Tribunal " a quo", e consequentemente, ser determinado que a aqui Apelante se pronuncie sobre a antecipação do Juízo da causa principal, nos termos requeridos pelo Apelado.
XlX.Sem prejuízo do que fica dito, e independentemente da consequência jurídica que importará a verificação das diversas nulidades verificadas nos presentes autos, sempre se dirá que o Tribunal " a quo", não está em condições fácticas e jurídicas, para tomar uma decisão sobre a antecipação do Juízo da causa final.
XX.Em 9 de Outubro de 2013, a aqui Apelante, interpôs na qualidade de Autora, contra o aqui Apelado, aí na qualidade de Réu, acção declarativa, que corre termos pelo J9, 12 Secção Cível da instância Central da Comarca de Lisboa, sob o número 1715/13.9TVLSR.
XXI.A acção em referência encontra-se suspensa, em virtude de um alegado acordo entre os Autores – P, S.A., MG e CGAMEIRO e o aqui RÉ.
XXII.Do despacho em referência, e porque não foram notificados para se pronunciaram sobre o eventual acordo da suspensão da instância, recorreram os AA. MG e CG.
XXIII.O recurso ainda não foi julgado.
XXIV.Sucede, que no âmbito da referida acção, os AA., nos quais aqui se inclui a Apelante, pedem, quanto ao contrato de locação financeira em crise nos presentes autos, designadamente, a sua declaração de nulidade, a declaração de ilicitude da sua resolução e a declaração de nulidade da cláusula número X, introduzida nos referidos contratos, por aditamento celebrado entre as partes.
XXV.Do que fica sumariamente vertido nos artigos anteriores, resulta que, a Apelante, apresenta uma versão dos factos diferente daquela que resulta vertida na presente providência cautelar, sendo certo que, não havendo, no âmbito das providências cautelares, lugar a reconvenção, não poderia a Apelante ter alegado e demonstrado factos, que importassem uma análise global da questão jurídica vertida nesta mesma providência.
XXVI.O artigo 581º do Código de Processo Civil determina que, há lugar a litispendência, quando: "1. Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; 3 — Há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; 4 — Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido"
XXVII.No caso concreto, são os mesmos os sujeitos processuais, o pedido formulado — efeito jurídico pretendido -, e a causa de pedir, conforme decorre do que acima fica exposto.
XXVIII.E, ainda que assim não se entendesse, certo é que, no caso concreto, e para que seja proferida decisão final da subsunção ao direito dos factos vertidos na presente providência cautelar, é necessariamente obrigatória a análise e demonstração de outros factos, que não foram ou podiam legalmente ter sido vertidos nesta providência cautelar, uma vez que tal alegação integral, pressupunha que contra o Apelado fosse formulado pedido reconvencional legalmente inadmissível no caso concreto -, e não existisse uma acção declarativa, na qual já tivessem sido formulados os pedidos que a aqui Apelante entende deverem ser julgados, em sede própria.
XXIX.Todavia, para que opere a litispendência, ê necessário aferir, qual a acção para a qual o Réu foi citado em segundo lugar, tudo nos termos conjugados dos números 1 e 2, do artigo 582º do Código de Processo Civil.
XXX.No caso em apreço, e no âmbito da acção declarativa, que corre termos pelo J9, 12 Secção Cível da instância Central da Comarca de Lisboa, sob o número (…), o Ré, aqui Apelado, foi citado por carta registada com aviso de receção, no dia 08 de Janeiro de 2014.
XXXI.Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 230º, do Código de Processo Civil, a citação considera-se efectuada na data em que o aviso recepção tiver sido assinado pelo citando.
XXXII.Embora pelo registo dos actos processuais praticados nos autos em apreço, a aqui Apelante saiba que, pelo menos em 16 de Janeiro de 2014, o aqui Requerido já tinha sido citado, e que, em 11 de Fevereiro de 2014, já apresentara a sua contestação, certo é que desconhece a data exacta da citação.
XXXIII.Certo porém é que, na presente providência cautelar, a aqui Apelante, embora tenha proposto a sua acção em data anterior, foi citada em primeiro lugar, pelo que, poder-se-ia concluir que não há lugar a litispendência, nos termos em que o invoca aqui Apelante.
XXXIV.Todavia, vejamos, a citação operada na presente providência cautelar, circunscreve-se, numa primeira fase, apenas ao decretamento dessa mesma providência
XXXV. Com efeito, toda a providência cautelar depende de uma acção principal.
XXXVI.E não são excepções a este princípio, o estatuído no n.º 7, do artigo 21º do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho e o artigo 369º do Código do Processo Civil.
XXXVII.O que ambas as previsões jurídicas visam permitir, é a possibilidade, e não a obrigatoriedade, de, reunidos todos os elementos que permitam ao Julgador decidir em segurança, e em definitivo, o litígio que permitiu o recurso à providência cautelar Apelante, fazê-lo.
XXXVIII.Todavia, apenas após decretamento da mesma providência, são as partes chamadas para se pronunciarem sobre a decisão antecipada ou a inversão do contencioso, tudo como resulta do regime jurídico acima melhor identificado.
XXXIX.Isto é, a notificação para apreciação da acção principal, não ocorre com a propositura da providência cautelar, mas apenas, após a notificação para que as partes se manifestam quanto à oportunidade de o fazer, naquela fase.
XL.O que, relativamente à Apelante, ainda não ocorreu nesta fase processual, pese embora iá tenha existido sentença a decidir sobre a antecipação do Juízo da causa final, nulidade já supra arguida
XLI.Pelo que, entende a Apelante, que há lugar a litispendência, porquanto tenha sido no âmbito da providência cautelar, que a Apelante ser notificada em segundo lugar, para se pronunciar sobre a antecipação da decisão final, nos termos do já invocado n.º 7, do artigo 21º.
XLII.De todo o modo, e ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que resulta exaustivamente exposto, que o Tribunal" a quo" não possui todos os elementos necessários à apreciação definitiva dos presentes autos, porquanto tal decisão importaria a análise de factos e documentos, apenas passíveis de serem carreados, caso houvesse lugar a uma reconvenção, e caso estivéssemos no âmbito de um outro processo judicial, que não o de uma providência cautelar com o regime jurídico estrito daquela que se aplica ao contrato de locação financeira, e que está presente nos presentes autos.
XLIII.Por esse facto, e para apreciar globalmente o comportamento do Apelado, no âmbito da relação comercial que estabeleceu com a Apelado, com repercussões nos efeitos jurídicos no contrato de locação financeira objecto dos presentes autos, propôs a aqui Apelante, a acção principal, conforme acima já melhor identificada.”.

Remata com a verificação das “nulidades invocadas, e consequentemente, ser ordenada a notificação da apelante para pronunciar-se sobre o requerimento apresentado pelo apelado em 28 de julho de 2015, com anulação de todos os actos praticados, subsequentemente ao mesmo, e que dela dependam, seguindo-se os ulteriores termos do processo.” ou “caso assim não se entenda (…)  deve a sentença proferida ser revogada, determinando-se verificada a litispendência nos termos propugnados pela apelante, decidindo-se pela indmissibilidade da antecipação do juízo da causa principal, também porque não existem, além de verificada a alegada excepção, elementos fácticos e jurídicos que permitam uma decisão com a segurança jurídica aconselhável e defensável num estado de direito democrático”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II-Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se se verificam as arguidas nulidades;
- se se verifica a arguida exceção de litispendência;
- se não se mostram reunidos os elementos necessários à resolução definitiva do caso.

Sendo que tratando-se a litispendência de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, e que precede, no plano lógico, o conhecimento das arguidas nulidades, que ficará prejudicado na eventualidade da verificação daquela, começar-se-á por considerar a matéria de tal exceção.
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Com interesse, emerge da dinâmica processual o que se deixou referido supra, em sede de relatório, sem prejuízo do mais que, por pertinente, vá sendo extraído do processado, no contexto expositivo.
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II–1–Da arguida exceção dilatória da litispendência.

1.Como é sabido, a exceção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, cfr. artigo 580º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
E “Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.”, vd. artigo 581º, n.º 1, do mesmo Código.

Sendo que “2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.”, e “3- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.”.
Havendo “4- (…) identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.”.

Por fim, nos termos do artigo 582º, n.º 1, do referido Código, “A litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar.”.
Considerando-se “proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.” (n.º 2).

Por outro lado, prevê o artigo 21º, do regime jurídico do contrato de locação financeira – vd. Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6, com as alterações por último introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25-02, e a que aliás se reporta a sentença recorrida – a providência cautelar de entrega judicial de coisa dada em locação financeira, nos termos seguintes:

“1-Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efectuar por via electrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente.
 2-Com o requerimento, o locador oferece prova sumária dos requisitos previstos no número anterior, excepto a do pedido de cancelamento do registo, ficando o tribunal obrigado à consulta do registo, a efectuar, sempre que as condições técnicas o permitam, por via electrónica.
 3-O tribunal ouvirá o requerido sempre que a audiência não puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
 4-O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no n.º 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste caução adequada.
5-A caução pode consistir em depósito bancário à ordem do tribunal ou em qualquer outro meio legalmente admissível.
 6-Decretada a providência e independentemente da interposição de recurso pelo locatário, o locador pode dispor do bem, nos termos previstos no artigo 7.º
 7-Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso.
 8-São subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Código de Processo Civil, em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente diploma.
 9-O disposto nos números anteriores é aplicável a todos os contratos de locação financeira, qualquer que seja o seu objecto.” (o grifado é nosso).

2.Simplesmente, tendo o requerimento inicial da providência dado entrada em 29-11-2013 - vd. folhas 205 – o novo Código de Processo Civil – que entrou em vigor em 01 de Setembro de 2013 – veio estabelecer, no seu artigo 369º:

“1–Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
2–A dispensa prevista no número anterior pode ser requerida até ao encerramento da audiência final; tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada.
3–Se o direito acautelado estiver sujeito a caducidade, esta interrompe-se com o pedido de inversão do contencioso, reiniciando-se a contagem do prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que negue o pedido.”.

Mais se dispondo no artigo 376º, n.º 4, do mesmo Código que “O regime de inversão do contencioso é aplicável, com as devidas adaptações, à restituição provisória da posse, à suspensão de deliberações sociais, aos alimentos provisórios, ao embargo de obra nova, bem como às demais providências previstas em legislação avulsa cuja natureza permita realizar a composição definitiva do litígio.”.

Assinalando Teixeira de Sousa,[1] como exemplo daquelas últimas providências, “(…o caso da providência cautelar de entrega judicial do bem após findar o contrato de locação financeira que se encontra regulada no art. 21.º DL 149/95, de 24/6).”.

Tendo-se destarte que com o novo Código de Processo Civil se operou a revogação da norma do artigo 21º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6.

É certo que tal não foi feito expressamente.

Mas não vale aqui o apelo ao disposto na primeira parte do artigo 7º, n.º 3, do Código Civil, no sentido de que lei geral não revoga lei especial…

E por isso que se ressalva na 2ª parte do preceito a hipótese de outra ser a intenção inequívoca do legislador.

Ora – não sendo intenção inequívoca o mesmo que intenção expressa – ponto é que o sentido objetivo da disposição do Código de Processo Civil, inserta no capítulo relativo ao procedimento cautelar comum, é claramente o de regular em exclusividade a matéria da inversão do contencioso relativamente a todos os procedimentos cautelares, quanto aos quais se não afaste a operatividade deste instituto e cuja natureza permita realizar a composição definitiva do litígio.

Isto, para lá de no domínio da sucessão de leis processuais, o princípio ser o da aplicação imediata da lei nova.[2]

Referindo a propósito Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro,[3] que “A marca de água, até agora indelével, de qualquer procedimento cautelar - a sua instrumentalidade - desaparece (art. 364º, n.º 1) e, com ela, o dogma da sua provisoriedade. Também a sumariedade cognitiva - não a processual - é aqui ultrapassada por um juízo de certeza: já não basta a verificação do fumus boni iuris.” (o grifado é nosso).

Não se acolhendo pois a tese afirmada por Marlene Sofia Costa Torres,[4] e seguida por Ana Margarida Cabral; Carlos André Pinheiro; Inês Robalo e José Henrique Nunes,[5] segundo a qual “está excluída a aplicação do regime da inversão do contencioso à providência prevista no artigo 21.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho relativo ao contrato de locação financeira, que como de resto já vimos, tem um regime privativo onde prevê a possibilidade de o juiz antecipar a decisão da causa principal. ”.

Nem se vislumbraria a razão para os diferentes regimes, consoante se tratasse, v.g., de restituição provisória de posse, ou de embargo de obra nova, por um lado, e de entrega judicial de bem dado em locação financeira, por outro.

Porquê exigir ao requerente de procedimento nominado previsto no Código de Processo Civil, que requeira a inversão do contencioso até ao encerramento da audiência final, e já diferir a oportunidade de tal requerimento, na sobredita entrega judicial, para depois de decretada a providência, quando não – como também era defensável no confronto do citado artigo 21º – dispensar mesmo tal requerimento, cometendo ao juiz o dever de suscitar a pronúncia das partes a propósito, depois de decretada a providência?

Porquê impor ao requerido, na hipótese de a inversão ser requerida logo no requerimento inicial da providência, a concentração da oposição que tenha quanto a tal inversão, na oposição deduzida à providência nos mesmos procedimentos cautelares previstos no Código de Processo Civil, já contemplando a pronúncia do requerido, na entrega judicial de coisa locada, depois de decretada a entrega?

Isto sem prejuízo de, podendo a dispensa da propositura da ação principal ser requerida pelo requerente da providência até ao encerramento da audiência final do respetivo procedimento, dever ser assegurado o contraditório previamente à prolação de decisão.
E de que “Se o procedimento cautelar só admitir o contraditório diferido – isto é, se o contraditório do requerido só puder ser exercido depois do decretamento da providência –, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a  impugnação da  providência decretada (art. 369.º, n.º2 2.ª parte; cf. também art. 372.º, n.º 3). Portanto, neste caso, é conjunta a impugnação da providência decretada e a oposição à inversão do contencioso.”.[6]  

2.Pois bem, como refere Teixeira de Sousa,[7] “Entre o procedimento cautelar e o processo no qual é requerida a tutela definitiva não se pode constituir a exceção de litispendência, dado que a solicitação de uma tutela provisória não é idêntica à solicitação de uma tutela definitiva. A circunstância de a providência cautelar ter um caráter antecipatório não altera o afirmado: não se constitui nenhuma exceção de litispendência entre, por exemplo, o procedimento cautelar no qual são pedidos alimentos provisórios e a ação principal na qual são solicitados os alimentos definitivos.

Importa, no entanto, ter presente que a formulação pelo requerente do pedido de inversão do contencioso altera os dados do problema, pois que não pode estar simultaneamente pendente um procedimento cautelar no qual o requerente solicita, através da inversão do contencioso, a transformação da tutela cautelar em tutela definitiva e uma ação destinada a obter esta mesma tutela definitiva. Assim, a partir do momento em que o requerente da providência cautelar requer a inversão do contencioso constitui-se a exceção de litispendência com a ação na qual é pedida a mesma tutela definitiva. Utilizando, de novo, o exemplo da providência cautelar de alimentos provisórios, há que concluir que ocorre a exceção de litispendência quando, estando pendente uma providência cautelar de alimentos provisórios na qual foi requerida a inversão do contencioso, se propõe uma ação de alimentos definitivos. Nesta hipótese, a exceção de litispendência deve ser alegada na ação principal, dado que foi nesta que o demandado foi citado em segundo lugar (cf. art. 582.º, n.º 1 e 2).

Pode assim concluir-se que a formulação do pedido de inversão do contencioso bloqueia a propositura de uma ação principal pelo seu requerente, sempre que nesta ação não se possa obter algo de diferente do que resulta da conversão da tutela provisória em tutela definitiva. Por analogia com o disposto no art. 564.º, al. c), há igualmente que entender que a formulação daquele pedido inibe o requerido no procedimento cautelar de propor uma ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica. Assim, se, por exemplo, no procedimento cautelar de suspensão da deliberação social, o requerente solicitar a inversão do contencioso, o requerido está inibido, até à apreciação desse pedido, de propor uma ação visando reconhecer a validade da deliberação.”.

Ora, isto posto, temos que, como a própria Recorrente assume, “foi citada em primeiro lugar”.

E, desse modo, na circunstância de na ação “principal” o aqui Requerente, ter sido “citado por carta registada com aviso de receção, no dia 08 de Janeiro de 2014” ou… “pelo menos em 16 de Janeiro de 2014”, sendo que a Requerida neste procedimento foi citada em 12-12-2013, como de folhas 212 – cópia do A/R respetivo – se alcança.

Tendo-se assim, e retornando ao supracitado artigo 582º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que a invocada exceção de litispendência teria de ser arguida naquela outra ação intentada, também, pela ora Recorrente, ali dando lugar, a proceder…à absolvição do ali Réu da instância.
 
Visto o que – e assim prejudicadas todas as considerações da Recorrente, baseadas no pressuposto da aplicabilidade do regime previsto no artigo 21º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho – improcedem, nesta parte, as conclusões respetivas.

II–2–Das arguidas nulidades.

1.A Recorrente, em consonância com o estilo das alegações, não destrinça nulidades de sentença e nulidades processuais.

Assim referindo que a alegada “violação dos artigos 20º, n.º 2 e 4 da CRP, 3º, n.º 1 e 3, do CPP e 21º, n.º 7, do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho na redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei 30/2008, de 25 de Fevereiro, gera diversas nulidades, todas reconduzíveis ao disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615º e 195º, do CPC”.

Sustentando a verificação daquelas na circunstância de:
- não ter sido oportunamente notificada, como havia requerido na sequência da notificação do despacho de “01-04-2016” – concedendo-se que se pretende referir ao despacho de 30-03-2016, sendo que 01-04-2016, é a data da certificação CITIUS, da elaboração da notificação, cfr. folhas 657 – do requerimento de antecipação do juízo sobre a causa principal, formulado pelo Requerente/recorrido, referido no mesmo despacho;
- apenas vindo a ser notificada de tal requerimento por mensagem de correio eletrónico remetida em 28-04-2016;
Não sabendo igualmente se e quando o tribunal “a quo” “foi notificado da certidão da petição inicial e estado do processo relativo à acção por si interposta contra o apelado e que corre termos, actualmente no J9, 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, sob o n.º (…).”.

2.Desde que, como visto supra em II -1 -, a inversão do contencioso deve ser requerida até ao encerramento da audiência final, tendo-o sido logo no requerimento inicial do procedimento, deduzindo a Requerida subsequente oposição, tanto à matéria da providência como da dita inversão, logo se alcança o improcedente das arguidas nulidades, enquanto emergentes da falta de oportuna notificação do requerimento do Requerente em causa, bem como de eventual omissão de expressa pronúncia sobre o requerimento da Recorrente/requerida, de 12-04-2016.
E, desse modo, certo traduzir-se o requerimento da Requerente/ora recorrida, sobre que recaiu o despacho de 30-03-2016, em mera repetição do que fora já oportunamente requerido e merecido oportuna oposição da Requerida/ora recorrente.
Nenhuma influência no exame ou na decisão da causa podendo assim ter as acusadas “omissões”, mas cfr. artigo 195º, n.º 1, do Código Civil.

E consistindo a “omissão de pronúncia” – cfr. convocado artigo 615º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil – no não conhecimento de todas as questões que são submetidas ao julgador, “isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer.”,[8] logo também se conclui pela não verificação da pretendida nulidade da decisão de 20-04-2016, que dispensou a Requerente de intentar a ação principal,

3.No tocante ao desconhecimento – por ausência de notificação a propósito – da eventual junção aos autos, e em que data, da certidão da petição inicial e estado da “acção por si interposta contra o apelado e que corre termos, actualmente no J9, 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, sob o n.º (…).”, foi aquela determinada, e como visto, atendendo ao que alegado vinha pela Requerida, na sua oposição, no sentido de tal propositura.

Sendo que, nessa sua oposição, a invocação daquela outra ação, surgindo em sede formal de “oposição ao pedido de inversão do contencioso”, visa fundamentar alegada relação de “prejudicialidade” daquela relativamente ao “conhecimento da presente providência cautelar, o que se invoca ao abrigo do artigo 272º, n.º 1, do Código de Processo Civil” (sic).

E, outrossim, a requerida “apensação dos presentes autos aos autos que correm termos na 4ª Vara Cível, sob o n.º 1715/13.9TVSB, porquanto estes consubstanciam a causa a que haveria lugar, nos trinta dias subsequentes à prolação de decisão que viesse a fazê-lo, favoravelmente ao aqui Requerido.”.

Reiterando em ulterior requerimento de 16-02-2014, reproduzido a folhas 337-339, o pedido de suspensão da instância, desta feita alegando de requerido “Plano Especial de Recuperação”, e ter sido proferido despacho a nomear administrador provisório, invocando ainda o disposto no artigo 17-E do CIRE.

Ora como dos autos se colhe, o pedido de apensação foi indeferido por despacho de 10-02-2014, a folhas 332-333, oportunamente notificado à Requerida, cfr. folhas 335.

Vindo a requerida suspensão da instância a ser indeferida por despacho de 27-02-2014, reproduzido a folhas 407-409, oportunamente notificado a Requerida, vd. folhas 411.

Assim, independentemente da curialidade, neste contexto, do determinado no despacho de 30-03-2016 quanto à junção de certidão, ponto é que o visado pela Requerida com a referência à ação a que reporta a certidão em causa fora já objeto de apreciação, aquando daquele despacho.

Nada de novo resultando da junção da dita certidão, que sendo afinal apenas da petição inicial na ação n.º 1715/13.9, da 4ª Vara Cível de Lisboa – onde não foi ainda proferida decisão final – nada acrescenta ao que é necessariamente do conhecimento da aqui Requerida ali co-autora.

Posto o que a eventual omissão da notificação da junção da dita certidão (de uma petição inicial com 481 artigos e oito autonomizados pedidos), nestes autos a folhas 666-776, nenhuma influência teve em ulterior exame ou decisão da causa.
Nem determina qualquer nulidade da decisão de 20-04-2016.
*

Improcedendo, também aqui, as conclusões da Recorrente.

II–3–Da suficiência dos elementos carreados para os autos na perspetiva da inversão do contencioso.

1.Alega a Recorrente, e remetendo para o alegado nos artigos 416º-442º da petição inicial da ação a que se reporta, e que fundamentaria os pedidos naquela formulados, que “face ao que fica sumariamente vertido nos artigos anteriores, resulta que, a Apelante, apresenta uma versão dos factos diferente daquela que resulta da vertida na presente providência cautelar, sendo certo que, não havendo, no âmbito das providências cautelares, lugar a reconvenção, não poderia a Apelante ter alegado e demonstrado factos, que importassem uma análise global da questão jurídica vertida nesta mesma providência.”.
(…)

“o Tribunal" a quo" não possui todos os elementos necessários à apreciação definitiva dos presentes autos, porquanto tal decisão importaria a análise de factos e documentos, apenas passíveis de serem carreados, caso houvesse lugar a uma reconvenção, e caso estivéssemos no âmbito de um outro processo judicial, que não o de uma providência cautelar com o regime jurídico estrito daquela que se aplica ao contrato de locação financeira, e que está presente nos presentes autos.”.

E “Por esse facto, e para apreciar globalmente o comportamento do Apelado, no âmbito da relação comercial que estabeleceu com a Apelado, com repercussões nos efeitos jurídicos no contrato de locação financeira objecto dos presentes autos, propôs a aqui Apelante, a acção principal, cuja petição inicial estará junto aos autos, ou não estando, protesta juntar no prazo que lhe for indicado.”.

2.Como assinala Teixeira de Sousa,[9] “Concluído que a inversão do contencioso não se pode verificar quando a tutela cautelar é completamente distinta da tutela definitiva e quando, portanto, a consolidação da tutela cautelar não é suscetível de compor o litígio entre as partes, importa analisar qual a proximidade que tem de existir entre essas tutelas para que se possa considerar que a inversão do contencioso é adequada a realizar essa composição. A resposta a esta pergunta é indiciada pelo estabelecido no art. 376.º, n.º 4, no qual se dispõe que, no âmbito das providências nominadas, o regime da inversão do contencioso é aplicável à restituição provisória da posse, à suspensão de deliberações sociais, aos alimentos provisórios, ao embargo de obra nova, bem como às demais providências previstas em lei avulsa que tenham caráter antecipatório dos efeitos da ação principal (como é o caso da providência cautelar de entrega judicial do bem após findar o contrato de locação financeira que se encontra regulada no art. 21.º DL 149/95, de 24/6). Isto demonstra que a inversão do contencioso só é admissível se a providência cautelar requerida – de caráter nominado ou inominado – tiver um sentido antecipatório. Mais em concreto, essa inversão depende da circunstância de a tutela que é solicitada na providência, em teoria, poder ser obtida como tutela definitiva numa ação declarativa.
(…)

E “O objeto da ação de impugnação não é afetado por nenhuma preclusão de algum facto que pudesse ter sido invocado pelo requerido no procedimento cautelar em que foi decretada a inversão do contencioso. Isto é: mesmo que o facto pudesse ter sido alegado no anterior procedimento cautelar por aquele requerido, ainda assim nada impede que ele seja usado como causa de pedir da ação de impugnação por essa mesma parte. A solução é imposta pela circunstância de a decisão sobre a matéria de facto não poder ter qualquer influência no julgamento da ação principal (art. 364.º, n.º 4): se assim é, também não pode haver nenhuma preclusão factual nesta ação.”.

Importando sim que o juiz forme “a convicção segura da existência do direito acautelado, o que implica que a prova sumária (ou seja, a prova que se basta com a probabilidade séria da existência do direito acautelado) que é suficiente para decretar a providência cautelar (cf. art. 365.º, n.º 1, 388.º, n.º 2, 392.º, n.º 2, e 405.º, n.º 1) é insuficiente para decretar a inversão do contencioso; esta inversão pressupõe uma prova stricto sensu do direito acautelado; portanto, o que conta é que o juiz forme a convicção segura da existência do direito que a providência se destina a acautelar, não a convicção segura da procedência da providência;
– A providência decretada tem de ser, pela sua própria natureza, adequada a realizar a composição definitiva do litígio; esta condição é justificada pelo facto de, tendo sido decretada a inversão do contencioso e não tendo o requerido proposto a ação de impugnação, a tutela cautelar se convolar ex lege em tutela definitiva; logo, tem de se exigir que a providência decretada se possa substituir à tutela definitiva que o requerente da providência poderia solicitar na ação principal se não tivesse sido decretada a inversão do contencioso.”.

3.Ora, se bem atentarmos, a Recorrente, enviesando o binómio tutela cautelar/tutela definitiva – e sem por em crise a convicção segura do julgador quanto à existência do direito que a providência se destina a acautelar – pretende equacionar a insuficiência de elementos para a inversão do contencioso, na circunstância de em ação por ela proposta contra a aqui Requerente – tendo a apensação àquela dos presentes autos sido indeferida, como assinalado já – apresentar “uma versão dos factos diferente daquela que resulta da vertida na presente providência cautelar”.

O que, como é bom de ver, estranha à vertente da adequação da inversão do contencioso à consolidação da tutela cautelar, a aferir em função do caráter antecipatório da providência, relativamente aos efeitos do que seria a ação principal, nos termos que se deixaram referidos.

Não sendo exato que a ora Recorrente se tenha visto inibida de alegar o que tivesse por conveniente no confronto do direito arrogado pela Requerente/recorrida, nestes autos, a saber, o seu direito de propriedade sobre o imóvel em causa, e à restituição do mesmo, na circunstância de ter a Requerente/recorrida procedido à resolução do contrato de locação financeira respetivo, por incumprimento pela Requerida da obrigação de pagamento das rendas n.ºs 73 a 75.

Certo a propósito que, como também refere Abrantes Geraldes,[10] em sede de procedimento cautelar “Querendo contestar (…) Tal como sucede no processo comum (…), deve o requerido concentrar neste articulado todos os fundamentos de oposição que julgue convenientes:
a) Excepções dilatórias e perentórias;
b) Impugnação dos factos alegados;
(…)”.

E nem a Recorrente substanciou tais inibições, remetendo-se para a alegação genérica das ditas.

Finalmente, reitera-se, assiste à Requerida o direito de, em ação proposta nos quadros 371º, n.º 1, do Código de Processo Civil, impugnar a “existência do direito acautelado.”.
Podendo aí alegar os novos factos que tiver por bem.
*

Destarte – e não estando em causa a circunstância de a decisão recorrida ter sido prolatada depois da decisão que decretou a providência – improcedem, por igual neste segmento, as conclusões da Recorrente.

III–Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam, embora com fundamentação não coincidente, a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
***


Lisboa, 2016-10-13


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)


[1]“As Providências Cautelares e a Inversão do Contencioso”, pág. 12, in www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/PCN_MA_25215.pdf.
[2]Cfr. a propósito Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, I, FDL, 1975, págs. 109-126.
[3]In “Primeiras Notas ao Código de Processo Civil”, 2013, Vol. I, Almedina, pág. 296
[4]“Providências Cautelares – Novo Paradigma: A Problemática do Regime de Inversão do Contencioso”, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, págs. 27-28, in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28626/1/Providencias%20cautelares.pdf.
[5]“O Novo Processo Civil, Caderno III, Setembro de 2013, Centro de Estudos Judiciários”, pág. 12, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_III_Novo%20_Processo_Civil.pdf.
[6]Teixeira de Sousa, in op. cit., pág. 13.
[7]Idem, págs. 12-13.
[8]Cfr. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág.670.
[9]In op. cit. págs. 10-12.
[10]In “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume,
(2ª Edição), Almedina, 2000, págs. 178-180.