Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3053/19.4T8LSB.L1-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
REVELIA INOPERANTE
JUNTA MÉDICA
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: IResulta do regime dos arts. 127.º, n.º 2, 129.º, n.º 2 e 130.º a contrario do CPT, correspondente grosso modo ao estabelecido nos arts. 567.º, n.º 1 e 568.º, al. a) do CPC, que a revelia dum réu é inoperante, no que respeita a considerarem-se confessados os factos articulados pelo autor, se outro réu contestar, ainda que o réu contestante posteriormente confesse o pedido, transija, seja absolvido da instância ou beneficie de desistência da instância ou do pedido.

IIEmbora o resultado dos exames médico-legais esteja sujeito à regra da livre apreciação pelo juiz (arts. 389.º do Código Civil e 489.º e 607.º, n.º 5 do CPC), este deve fundamentar a decisão de divergir daquele resultado com especial acuidade e primazia de argumentos de natureza médico-legal que o suplantem, uma vez que a prova pericial foi estabelecida como elemento probatório obrigatório do processo de acidente de trabalho precisamente porque tem por fim a percepção ou apreciação de factos que demandam conhecimentos especiais que os julgadores (e as partes) não possuem (art. 388.º do Código Civil).


(Elaborado pela Relatora)


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1.Relatório


Nestes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrada AAA, nascida a 06-10-1985, e entidade responsável Generali – Companhia de Seguros, S.A., conforme resulta do auto de tentativa de conciliação realizada, as partes não se conciliaram em virtude de:
a sinistrada entender que padece de um grau de incapacidade superior ao que lhe foi atribuído no exame médico singular (IPP de 5%);
a seguradora não reconhecer o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões consideradas e a sua responsabilidade emergente do mesmo, não concordando ainda com a referida incapacidade atribuída pelo perito médico.

A fase contenciosa do processo iniciou-se mediante apresentação de petição inicial pela sinistrada contra a acima identificada seguradora e o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., pedindo:
a)-A fixação à A. de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho em função da IPP a ser determinada em sede de junta médica, desde a data da alta (15-04-2020), com IPATH;
Que as Rés sejam condenadas a solidariamente:
b)-Pagarem à A. o montante de 11.258,78 € (após rectificação) a título de indemnização por ITA no período de 14-10-2018 a 15-04-2020, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da alta (15-04-2020) até efectivo e integral pagamento;
c)-Pagarem à A. o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de montante a calcular em função da IPP a ser determinada em sede de junta médica, considerando a retribuição anual de 10.423,47 €;
c)- -Pagarem à A. um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, a ser determinada em sede de junta médica, considerando a retribuição anual de 10.423,47 €, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da alta (15-04-2020) até efectivo e integral pagamento;
d)-Pagarem à A. uma pensão anual e vitalícia por IPATH, a ser determinada em sede de junta médica, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da alta (15-04-2020) até efectivo e integral pagamento;
e)-Pagarem à A. a quantia de 30,00 € a título de despesas com deslocações obrigatórias a Tribunal, e as restantes que tenha de efectuar;
f)-Pagarem à A. a quantia de 1.256,78 €, relativa a despesas médicas relacionadas com o acidente em questão, e as restantes que tenha de efectuar;
g)-Pagarem à A. juros moratórios à taxa legal desde as datas de vencimento.
Requereu ainda a realização de perícia por junta médica, formulando quesitos.

O Instituto da Segurança Social, I. P. veio reclamar o pagamento da quantia de 9.120,78 € que pagou à A. a título de subsídio de doença resultante do acidente de trabalho dos autos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação da reclamação até integral pagamento.

O Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, E.P.E. veio apresentar contestação, aceitando parte da factualidade alegada pela A. e impugnando outra parte. Invoca, além do mais, que a responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho dos autos está transferida na totalidade para a seguradora.

A R. seguradora não apresentou contestação.

Proferiu-se despacho saneador em que se absolveu da instância o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. e ainda, além do mais, se decidiu nos seguintes termos:
«A ré “Generali”, não obstante ter sido regularmente citada, não apresentou contestação.
Assim, ao abrigo do disposto no art.º 57.º, por remissão do art.º 130.º, ambos do CPT, considero confessados os factos articulados pela autora e pelo Instituto da Segurança Social.
Tendo em conta a revelia da ré seguradora e o enquadramento jurídico constante das petições, o Tribunal poderia proferir já sentença.
Porém, só os factos é que se consideram provados, sendo que, em bom rigor, a alegada incapacidade permanente e parcial de 10%, não é um facto, mas sim uma apreciação médico-legal das sequelas do acidente de trabalho (esses sim são factos) e este Tribunal não tem, obviamente, os conhecimentos científicos necessários, nem está habilitado para o fazer.
Para além disso, mesmo que a opção fosse a de acatar o enquadramento (na TNI) das sequelas feito pelo senhor perito médico que observou a sinistrada na fase conciliatória do processo, o máximo do intervalo da incapacidade é 0,08, ou seja, não chega aos 10% de IPP, que constituem o mínimo peticionado pela autora.
Pelo exposto, determino a realização de Junta Médica, no dia 20 de setembro de 2021, pelas 11h30m, devendo ser dada resposta aos quesitos de fls. 192 e 193, à exceção dos quesitos 11 (por não ser matéria relevante para a apreciação da capacidade funcional da sinistrada, a única que interessa no âmbito dos acidentes de trabalho), e 12 (pois nada está alegado quanto a esse tema).»

Realizada a perícia por junta médica, que por unanimidade considerou a sinistrada afectada de IPP de 3% desde a data da alta, foi proferida sentença, que apreciou e decidiu nos seguintes termos:

«IIFundamentação
Estatui o art.º 57.º do CPT – aplicável ao processo especial de acidentes de trabalho – que:
«1Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
2Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da ação, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor.»
No presente caso, verifica-se que a ré seguradora foi citada pessoalmente (cf. aviso de receção assinado em 18-12-2020), mas não veio deduzir contestação.

Consequentemente, nos termos dos arts. 56.º, al. a) e 57.º ambos do CPT, por despacho de 22-06-2021, foram considerados provados, por confissão, os factos relevantes articulados pela autora na petição, os quais são os seguintes:
i.- A Autora foi admitida pela 2.ª Ré em 10.10.2016 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de «Assistente Operacional».
ii.- A categoria de «Assistente Operacional» tem como conteúdo funcional o exercício de funções de natureza executiva de caráter manual ou mecânico, enquadradas em diretivas gerais bem definidas e com graus de complexidade variável; execução de funções de apoio elementares, indispensáveis ao funcionamento dos órgãos e serviços, podendo comportar esforço físico e a responsabilidade pelos equipamentos sob sua guarda e pela sua correta utilização.
iii.- As funções desempenhadas pela A. estão relacionadas com a prestação de apoio logístico às atividades diárias no hospital da 2.ª Ré, nomeadamente acompanhar e transportar os doentes em camas, macas, cadeiras de rodas dentro do hospital, colaborar na prestação de cuidados de higiene e de conforto dos utentes, distribuir as refeições e ajudar os doentes com dificuldade em se alimentarem sozinhos, tratar da mudança das roupas da cama e organizar-se de maneira a manter as enfermarias limpas e arrumadas, apoiar os enfermeiros, distribuir material e equipamentos pelos serviços, dentre outros.
iv.- À data do acidente, 14 de outubro de 2018, a A. auferia a retribuição de € 580,00 (Quinhentos e oitenta euros), acrescida de € 104,94 (Cento e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) de subsídio de alimentação, bem como € 1.149,13 (Mil cento e quarenta e nove euros e treze cêntimos) relativamente às outras remunerações mensais auferidas, nomeadamente turnos.
v.- Assim, a A. auferia a remuneração anual de € 8.120,00, correspondente a € 580,00 x 14 meses + € 4,77 x 22 x 11 meses de subsídio de alimentação + € 1.149,13 relativamente aos turnos, perfazendo o montante anual de € 10.423,47 (Dez mil, quatrocentos e vinte e três euros e quarenta e sete cêntimos),
vi.- No dia 14 de outubro de 2018 foi determinado pela empregadora o destacamento da Autora do sector das Urgências para o da Psiquiatria, em razão de falta de pessoal.
vii.- No seu primeiro dia na Psiquiatria, a A. encontrava-se a realizar as suas atividades quando foi necessário fazer a contenção de uma utente que estava dopada, pelas 11:00 horas;
viii.- Entretanto, aquando do movimento de contenção, a Autora sentiu um estalar, como se fosse um rasgar, bem como uma dor intensa em ambos os ombros. No entanto, como ainda estava com o “corpo quente”, apesar da dor e incómodo, retornou às suas atividades.
ix.- Não obstante, antes de terminar o seu turno, foi necessário realizar a contenção a outro paciente psiquiátrico. Neste momento, sentiu um maior impacto no ombro esquerdo, o que resultou em muitas dores e dificuldade de movimentação.
x.- No dia seguinte aos factos acima descritos a Autora não conseguiu ir trabalhar devido as dores insuportáveis, pelo que a empregadora efetuou a participação do sinistro à 1.ª Ré, que encaminhou a A. para a assistência da Generali Companhia de Seguros.
xi.- Na consulta realizada pelo médico da seguradora, Dr. …, a A. nem sequer foi examinada pelo mesmo e imediatamente foi diagnosticada com tendinite, sendo-lhe atribuída alta no mesmo dia, sem qualquer desvalorização.
xii.- O referido médico nem sequer tocou no local da lesão ou passou exames, mas em menos de cinco minutos apresentou o diagnóstico de tendinite sem nexo de causalidade.
xiii.- A Autora ainda tentou por duas vezes ser atendida na seguradora, pois estava a sentir dores intensas, mas sem sucesso.
xiv.- A Autora, por não estar em condições de retomar a sua atividade profissional, viu-se forçada a recorrer à baixa emitida pelo SNS, situação que se manteve até 15 de abril de 2020, pese embora a sua médica de família tenha classificado a situação como sendo uma doença natural;
xv.-Após exames e consultas custeadas pela Autora, foi diagnosticada uma rutura parcial do tendão do supra-espinhoso associado a conflito subacromial, sendo necessária uma intervenção cirúrgica.
xvi.-No relatório da Dra. … afirma-se que: “Após observação pela Especialidade e RMN do Ombro concluiu-se haver rutura parcial do Tendão do Supra-espinhoso associado a conflito subacromial, eventualmente na sequência do referido esforço, pelo que está proposta para Cirurgia.”;
xvii.-A sinistrada foi submetida a intervenção cirúrgica no dia 30-08-2019, mediante artrotomia, com reinserção do supra-espinhoso;
xviii.-Até à realização da tentativa de conciliação a 17 de junho de 2020, a A. gastou em transportes com as deslocações a este Tribunal o montante de € 30,00 (Trinta euros), bem como realizou despesas médicas e relacionadas com o acidente em questão no montante total de € 1.256,78 (Mil, duzentos e cinquenta e seis euros e setenta oito cêntimos);
xix.-Realizada a tentativa de conciliação, a mesma frustrou-se porquanto a Autora sinistrada não aceitou o grau atribuído de 5% IPP, ao passo que a 1.ª Ré não aceitou a conciliação por não reconhecer o acidente dos autos como de trabalho, bem como o seu nexo causal e sua responsabilidade emergente do mesmo;
xx-Desde a sua alta, a 15-04-2020, a A. mantém a sua categoria profissional de Assistente Operacional;
xxi.-A autora apresenta a seguinte sequela – Membro superior esquerdo: limitação da amplitude nos últimos graus de abdução, elevação e rotação interna e externa;
xxii.-A Autora regressou ao sector das urgências no período de pandemia, tendo ficado consignado na ficha de aptidão da Medicina do Trabalho que o retorno ao trabalho deveria ser feito com restrições, nomeadamente esforços com os membros superiores, carregar, levantar pesos e mobilizar doentes;
xxiii.- Neste momento, a Autora não está a conseguir realizar as principais atividades inerentes ao seu posto de trabalho, designadamente fazer contenção de um utente, dar banhos, levantar e carregar o doente, realizar a higiene no leito, remover pacientes na cadeira de rodas (em muitas situações é necessária a utilização de rampas);
xxiv.- Em consequência do acidente de trabalho ocorrido em 14 de outubro de 2018, o Instituto da Segurança Social pagou à sua beneficiária, aqui autora, no período compreendido entre 15 de outubro de 2018 a 15 de abril de 2020, o montante de € 9.120,78 (nove mil, cento e vinte euros e setenta e oito cêntimos).
De fora da lista de factos provados ficaram os factos irrelevantes, bem como as conclusões, designadamente, quanto a estas, a alegação de que a sinistrada está afetada com uma incapacidade permanente parcial de pelo menos 10% desde a data da alta e é portadora de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).

Como se disse, a este propósito, aquando da prolação do despacho saneador:
«…, só os factos é que se consideram provados, sendo que, em bom rigor, a alegada incapacidade permanente e parcial de 10%, não é um facto, mas sim uma apreciação médico-legal das sequelas do acidente de trabalho (esses sim são factos) e este Tribunal não tem, obviamente, os conhecimentos científicos necessários, nem está habilitado para o fazer.
Para além disso, mesmo que a opção fosse a de acatar o enquadramento (na TNI) das sequelas feito pelo senhor perito médico que observou a sinistrada na fase conciliatória do processo, o máximo do intervalo da incapacidade é 0,08, ou seja, não chega aos 10% de IPP, que constituem o mínimo peticionado pela autora.»
Por isso, se determinou a realização de uma Junta Médica, sendo que do exame objetivo aí realizado, resultou provada a seguinte sequela do membro superior esquerdo: limitação da amplitude nos últimos graus de abdução, elevação e rotação externa. Esta sequela resulta da observação clínica, pelo que é um facto objetivo e, por esse motivo, foi integrar o elenco dos factos provados.
O mesmo se diga quanto às incapacidades temporárias, já que a consideração de que determinado estado das lesões do sinistrado dá lugar a uma incapacidade temporária absoluta ou a uma incapacidade temporária parcial e, neste caso, em que percentagem, e em que períodos, mais não são apreciações de factos objetivos, levadas a cabo através do conhecimento científico e por médicos com formação em medicina-legal. O resultado dessa apreciação não é um facto e nem sequer vincula o julgador.
Por ser relevante, acrescentou-se o facto do ponto xvii.), respeitante à intervenção cirúrgica a que a sinistrada foi submetida, conforme resulta claro da documentação clínica e, em especial, do relatório da junta médica, a fls. 138.
(…)
Em perícia médica realizada na fase conciliatória deste processo (fls.112 e 113), o médico entendeu que a sinistrada tinha estado em situação de incapacidade temporária absoluta (ITA) de 14-10-2018 a 15-04-2020 (550 dias), ou seja, idêntica à baixa dada pela médica de família por doença natural.

Em perícia médica realizada na fase contenciosa, por uma Junta Médica (fls.20-09-2021), foram arbitrados os seguintes períodos, por unanimidade, e de acordo com os elementos constantes dos autos: ITA de 14-10-2018 a 30-10-2018; ITP30% de 01-11-2018 a 29-08-2019; ITA de 30-08-2019 a 28-02-2020; e ITP 20% de 01-03-2020 a 15-04-2020. Esta última data (a da alta) corresponde à data da alta de Fisiatria. Ora, os períodos arbitrados pela Junta Médica, para além de resultarem do parecer de três peritos, parecem-nos mais consentâneos com a situação de facto, estabelecendo, claramente, marcos na evolução clínica da sinistrada, designadamente, o segundo período de ITA inicia-se na data da intervenção cirúrgica a que a sinistrada foi submetida e continua durante a convalescença. Para além do mais, estes períodos ditados pela Junta Médica estão subscritos, também, pelo médico indicado pela sinistrada, o qual foi também o seu médico assistente, como resulta dos relatórios subscritos pelo próprio (cf. fls.109 e 110 – frente e verso), pelo que será ele a pessoa mais conhecedora do processo evolutivo dos tratamentos.

Assim sendo, louvando-nos do laudo da junta médica, os períodos de incapacidade temporária são os seguintes:

1.º ITA de 15-10-2018 a 30-10-2018 (16 dias);

2.º ITP30% de 01-11-2018 a 29-08-2019 (301 dias);

3.º ITA de 30-08-2019 a 28-02-2020 (183 dias); e

4.º ITP 20% de 29-02-2020 a 15-04-2020 (46 dias).
(…)

No que concerne à incapacidade permanente, a Junta Médica também foi unânime em considerar que a sequela da sinistrada é enquadrável Cap. I 3.2.7.3. alínea a), a qual prevê um intervalo de 0,00 a 0,03, tendo sido arbitrada a IPP de 3%.

Convém aqui recordar o que dissemos no despacho que apreciou a reclamação da sinistrada: «O relatório de exame por Junta Médica tem de fundamentar a opinião científica, especializada e baseada em factos (exames de diagnóstico, semiológico, etc.) dos três peritos que o assinam. Tais peritos não intervieram no exame singular realizado no dia 20-05-2020, pelo que não houve qualquer modificação da opinião dos membros da junta médica, tal como também não houve qualquer modificação, nem agravamento da incapacidade, desde a data da alta referida pelos senhores peritos.

O que houve, claramente, foi um erro do médico (cuja ligação ao INML se desconhece qual seja) nomeado pelo MP em 2020, na fase conciliatória, que enquadrou as sequelas da sinistrada num subnúmero inexistente no Capítulo I: o “3.7.3.”. Provavelmente, tal médico quereria dizer “3.2.7.3.”, pois só no subcapítulo 3, dedicado à cintura escapular, e no subnúmero “3.2.”, referente às lesões osteoarticulares, é que está tão subdividido que se chega ao subnúmero “3.2.7.”, “limitações conjugadas da mobilidade (conjunto das articulações do ombro e cotovelo)”.

Para além disso, o dito médico cometeu um 2.º erro (…): é que o exame singular integra as sequelas da sinistrada, referentes ao seu lado passivo (o esquerdo), exatamente na mesma alínea a) do subn.º 3.2.7.3. do Capítulo I. Porém, no campo seguinte do quadro, respeitante ao intervalo de variação dos coeficientes, ter-se-á enganado e colocado o intervalo de 0,04 a 0,08, previsto na alínea b), em vez do intervalo 0,00 a 0,03 previsto na alínea a), ou seja, na alínea que o próprio escolhera e escrevera. Logo, tendo escolhido a rubrica da alínea a), correspondente ao Grau I (o menor) da limitação, nunca poderia ter arbitrado um coeficiente de 0,05.

Enfim, não são os senhores peritos médicos quem tem de explicar falhas de outros exames médicos não realizados por eles, mas sim o juiz, ao fundamentar a sentença é que tem de expor as razões que levaram a fixar determinado grau de incapacidade, optando por um exame, em detrimento de outro, ou aplicando uma natureza e um grau de incapacidade diferentes dos fornecidos por todos os peritos médicos que intervieram no processo.

Para além disso, em qualquer dos três relatórios subscritos pelo médico que atribuiu, sozinho, a IPP de 5%, se descrevem as sequelas por referência aos graus, pelo que nunca se poderia afirmar que o intervalo de variação dos coeficientes (0,04 a 0,08) é que estava correto, e que o engano ocorreu na indicação da alínea a), em vez da b).

Pelo contrário e ao contrário do afirmado pela sinistrada, a Junta Médica fundamentou a escolha da alínea a) do subn.º 3.2.7.3. do Capítulo I – cuja previsão é: “Permite levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região lombar” – ao descrever as sequelas como sendo: «Membro superior esquerdo: limitação da amplitude nos últimos graus da abdução, elevação e rotação interna e externa.» Significa isto que se a limitação destes movimentos é “nos últimos graus”, é uma limitação menor do que as limitações referidas nas alíneas b) e c) [Graus II e III], as quais já impedem um sinistrado de chegar com a sua mão esquerda àquelas regiões anatómicas. Por outras palavras e considerando que a TNI tem como finalidade contribuir para a valorização do prejuízo funcional, podemos dizer que esta limitação não impede, antes “permite levar a mão [esquerda] à nuca, ao ombro oposto e à região lombar.” Daí que, apesar de o legislador lhe reconhecer um prejuízo para a função que se traduz numa redução da capacidade de ganho, ainda assim, valoriza-a pouco ou mesmo nada, pois o limite inferior é mesmo 0,00, o qual teria sido o aplicável, caso a sinistrada exercesse, à data do acidente, uma profissão, num posto de trabalho em que fosse completamente desnecessário movimentar o ombro e o cotovelo do seu lado passivo – como veremos de seguida.»

Com efeito, a sinistrada, para exercer a sua profissão habitual necessita movimentar o ombro e o cotovelo esquerdos.

Com relevância para a questão da natureza da incapacidade, provou-se que a autora regressou ao sector das urgências no período de pandemia, tendo ficado consignado na ficha de aptidão da Medicina do Trabalho que o retorno ao trabalho deveria ser feito com restrições, nomeadamente esforços com os membros superiores, carregar, levantar pesos e mobilizar doentes. Neste momento, a autora não está a conseguir realizar as principais atividades inerentes ao seu posto de trabalho, designadamente fazer contenção de um utente, dar banhos, levantar e carregar o doente, realizar a higiene no leito, remover pacientes na cadeira de rodas (em muitas situações é necessária a utilização de rampas). Ora, este é o núcleo essencial das funções inerentes à sua profissão habitual, quais sejam: apoio logístico às atividades diárias no hospital, nomeadamente acompanhar e transportar os doentes em camas, macas, cadeiras de rodas dentro do hospital, colaborar na prestação de cuidados de higiene e de conforto dos utentes, distribuir as refeições e ajudar os doentes com dificuldade em se alimentarem sozinhos, tratar da mudança das roupas da cama e organizar-se de maneira a manter as enfermarias limpas e arrumadas, apoiar os enfermeiros, distribuir material e equipamentos pelos serviços, dentre outros.

Assim, não obstante a Junta Médica ter emitido parecer de que a sinistrada não está absolutamente incapacitada de exercer as suas funções habituais, a não ser na medida de 3%, este Tribunal entende, pelo exposto, que é clara a incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual desde a data da alta.
(…)

III–Decisão
Pelo exposto, considerando que a 2.ª Ré foi absolvida da instância, julgando a ação procedente, fixo a IPP em 3%, com IPATH e condeno a seguradora a pagar:
a)- À sinistrada, a pensão anual e vitalícia no montante anual de € 5.274,28 (cinco mil, duzentos e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos), desde 16-04-2020, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar das datas de vencimento de cada um dos catorze avos, sendo que 12/14 vencem-se no 3.º dia útil de cada mês e 2/14 vencem-se nos meses de junho e novembro de cada ano;
b)- À sinistrada, o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, no montante único de € 4.013,99 (quatro mil e treze euros e noventa e nove cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal a contar do dia 16-04-2020;
c)- À sinistrada, a quantia de € 1.256,78 (mil, duzentos e cinquenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), a título de despesas médicas, medicamentosas e de tratamento, acrescida de juros de mora a contar da data da tentativa de conciliação (17-06-2020);
d)- À sinistrada, a quantia de € 30,00 (trinta euros) a título de despesas de deslocação ao Tribunal, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da tentativa de conciliação (17-06-2020);
e)- Ao “Instituto da Segurança Social, I.P.” a quantia de € 6.164,09 (seis mil, cento e sessenta e quatro euros e nove cêntimos), a título de reembolso por parte da quantia do subsídio por doença que pagou provisoriamente à sinistrada, acrescida de juros de mora a contar do dia 11-01-2021 (data da notificação do respetivo).
f)- Absolve-se a seguradora do demais peticionado.
*
Custas a cargo da seguradora (80%) e da sinistrada (20%), sem prejuízo do apoio judiciário de que esta beneficia.
*


A R. seguradora interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1–A Recorrente não se conforma com a decisão proferida, concretamente quanto à fixação de uma IPATH, quanto à condenação no pagamento de um subsídio por situação de elevada incapacidade permanente e, finalmente, quanto à proporção da condenação em custas, considerando que o Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 20º, 21º, 67º, nº 3 da LAT, no artigo 389º do Código Civil, nos artigos 1º, nº 2, al. a), 127º, nº 2 e 135º do CPT e nos artigos 527º, nº 2, 568º, al. a) e 607º, nºs 4 e 5 do CPC.
2 Conforme bem consta do processo, a Ré Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, que foi Ré na acção, apesar de ter sido absolvida da instância, apresentou contestação, tendo impugnado, entre outros, os factos elencados em xxii e xxiii da sentença recorrida.
3 Nos termos do preceituado no art. 127º, nº 2 do CPT, “Os atos processuais praticados por uma das entidades rés aproveitam às outras”
4 E nos termos do preceituado no art. 568º do CPC aplicável ex vi art. 1º, nº 2, al. a) do CPT, ficam excluídos os efeitos da revelia previstos no art. 567º do CPC, quando, “havendo vários Réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.”
5 Neste sentido, vide, designadamente Ac.TRP de 26-02-2019, disponível em www.dgsi.pt, nos termos do qual: “I - Quando, havendo vários réus, somente um deles contestar, os factos impugnados pelo réu contestante consideram-se impugnados a favor dos demais qualquer que seja a sorte da ação em relação ao contestante.
II-A situação de revelia e os seus eitos aferem-se à data da contestação e perduram até à decisão final do processo, razão pela qual fica vedado o desentranhamento da contestação, ainda que sob requerimento do seu apresentante.
III-Se o autor desiste do pedido que formulou contra o réu contestante e ele é, por isso, absolvido do pedido, a situação de revelia não operante do réu não contestante subsiste, tendo o autor de provar, em sede de audiência de julgamento, os factos que lhe imputa.
6Atento o exposto, nunca poderia o Tribunal a quo, com fundamento no preceituado no artigo 57º do CPT, ter dado como provada a referida factualidade, sem que sobre a mesma a Autora produzisse prova.
7 A significar que os factos xxii e xxiii da sentença recorrida não poderão ser dados como provados.
8Por outro lado, compulsando a ficha de aptidão para o trabalho junta pela Ré empregadora e que não foi impugnada por nenhuma das partes, a médica do trabalho que observou a Recorrida em 16-04-2020, aquando do seu regresso após a alta (15-04-2020), considerou que a mesma estava apta condicionalmente para o seu posto de trabalho, apenas com a recomendação de “Evitar tarefas c/ exigência física de cargas superiores a 5 kg, nomeada/ mobilização de doentes acamados/dependentes.”
9Situação a ser reavaliada dentro de 2 meses, conforme igualmente consta do mesmo documento.
10Assim, nos termos da fundamentação supra exposta, deve necessariamente ser eliminada do elenco dos factos provados a factualidade vertida em xxii e xxiii da sentença recorrida, aditando-se em substituição destes, um facto que reflita exactamente o que foi considerado pela médica do trabalho, ou seja, que após a alta (15-04-2020) a sinistrada foi considerada pela médica do trabalho apta condicionalmente para o seu posto de trabalho, com a recomendação de evitar tarefas c/ exigência física de cargas superiores a 5 kg, nomeada/ mobilização de doentes acamados/dependentes, a reavaliar dentro de dois meses.
11 Sob pena de ostensiva violação do preceituado nos artigos 1º, nº 2, al. a) e 127º, nº 2 do CPT e nos artigos 568º, al. a) e 607º, nºs 4 e 5 do CPC.
12 Por outro lado, apesar de ao contrário do que determina o art. 118º do CPT, o Tribunal a quo não ter procedido ao desdobramento do processo, devia ter dado cumprimento ao preceituado no art. 135º do CPT, integrando no elenco dos factos provados o resultado do exame por junta médica, quer no que respeita aos períodos de incapacidade temporária, quer relativamente à IPP atribuída (por unanimidade).
13Impondo-se concretamente que fizesse constar da factualidade provada que, a junta médica realizada em 20-09-2021, atribuiu por unanimidade à sinistrada uma IPP de 3% a partir de 16-04-2020, com os seguintes períodos de incapacidade temporária: ITA de 15-10-2018 a 30-10-2018 (16 dias); ITP de 30% de 01-11-2018 a 29-08-2019 (301 dias); ITA de 30-08-2019 a 28-02-2020 (183 dias); e ITP 20% de 29-02-2020 a 15-04-2020 (46 dias).

14Nestes termos, deverá ser alterada a matéria de facto considerada provada, eliminando-se os factos elencados em xxii e xxiii e aditando-se dois factos com o seguinte teor:
- “após a alta (15-04-2020) a sinistrada foi considerada pela médica do trabalho apta condicionalmente para o seu posto de trabalho, com a recomendação de evitar tarefas c/ exigência física de cargas superiores a 5 kg, nomeada/ mobilização de doentes acamados/dependentes, a reavaliar dentro de dois meses.”
E
- “A junta médica realizada em 20-09-2021, atribuiu por unanimidade à sinistrada uma IPP de 3% a partir de 16-04-2020, com os seguintes períodos de incapacidade temporária são os seguintes: ITA de 15-10-2018 a 30-10-2018 (16 dias); ITP de 30% de 01-11-2018 a 29-08-2019 (301 dias); ITA de 30-08-2019 a 28-02-2020 (183 dias); e ITP 20% de 29-02-2020 a 15-04-2020 (46 dias).”
15– A acrescer, ignorando totalmente o entendimento unânime dos peritos, quer do exame singular, quer da junta médica, o Tribunal a quo, baseando-se tão só no facto que considerou provado em xxiii (que, como referido, deve ser eliminado porque foi impugnado pela empregadora) resolveu atribuir à sinistrada uma IPATH.
16Ora, apesar de o exame por junta médica estar sujeito ao princípio da livre apreciação da prova nos termos do preceituado no art. 389º do CC e no art. 489º do CPC, é jurisprudência unânime dos nossos Tribunais que o julgador só deverá afastar-se ou contrariar o seu resultado em casos justificados, que se mostrem suficientemente fundamentados, não tendo sido isso que aconteceu, no caso dos autos.
17Com efeito, o Tribunal a quo, apesar de se ter louvado no resultado do exame por junta médica quanto às incapacidades temporárias e quanto à IPP de 3%, resolveu divergir do entendimento dos peritos quanto à IPATH, sem qualquer outro elemento de prova que fundamente tal afastamento.
18De facto, em sede de junta médica, à pergunta nº 9 – “Das lesões sofridas pela Sinistrada, face as limitações referidas no ponto anterior, a Autora se encontra capaz de realizar as principais tarefas inerentes à categoria de Assistente Operacional no Centro Hospitalar de Lisboa Central, seja no sector de urgências ou Psiquiatria por exemplo?”, os Srs. Peritos responderam por unanimidade o seguinte: “Com a limitação conferida pela IPP atribuída”, ou seja, com uma IPP de 3% sem IPATH.
19A médica do trabalho também considerou a sinistrada apta para o seu posto de trabalho, embora condicionalmente.
20E mesmo o perito médico singular atribuiu uma IPP sem IPATH.
21 Em face do exposto, atendendo a que a Ré empregadora impugnou as alegadas limitações da A. quando regressou ao seu posto de trabalho e atendendo ao entendimento unânime dos Srs. Peritos médicos quanto à atribuição de uma IPP de 3% sem IPATH, estamos em crer que existiu, por parte do Tribunal recorrido, uma errada apreciação da prova produzida e um enquadramento jurídico que claramente viola o preceituado no art. 389º do CC e no art. 489º do CPC.
Neste sentido, vide, designadamente, Ac. TRL, de 13.07.2016, Ac. do TRE de 20.04.2017, Ac. TRL de 06.06.2018, Ac. TRC de 21.04.2005 e Ac. TRL, de 24-02-2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
22Termos em que se impõe a revogação da sentença recorrida também nesta parte, revogando-se a decisão quanto à verificação de uma IPATH, que claramente não existe e, em consequência, condenando-se a seguradora no que estritamente resulta da prova produzida, sem a condenação no pagamento de um subsídio por elevada incapacidade permanente e com a fixação de uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível correspondente à IPP de 3%.
23Finalmente, alterando-se o desfecho da lide nos termos expostos, alterada deverá ser necessariamente e em conformidade com o preceituado no art. 527º, nº 2 do CPC, a repartição das custas, considerando-se adequada uma repartição na proporção de 60% para a ora Recorrente e 40% para a sinistrada.»

A sinistrada apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência daquele.

Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.

2.–Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
- alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- condenação da seguradora em função da não fixação de IPATH à sinistrada.

3.–Fundamentação
3.1.- A Apelante sustenta, em 1.º lugar, que não pode dar-se como provada a factualidade constante dos pontos xxii e xxiii, atendendo a que a mesma foi impugnada na contestação apresentada pelo R. Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., posteriormente absolvido da instância.

Vejamos.

A fase contenciosa da presente acção emergente de acidente de trabalho iniciou-se mediante apresentação de petição inicial pela A., nos termos dos arts. 117.º, n.º 1, al. a) e 119.º do CPT, uma vez que, apesar de a sinistrada apenas não ter concordado com o resultado do exame médico efectuado na fase conciliatória, a seguradora, para além de também não ter concordado com tal resultado, não aceitou o acidente dos autos como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões consideradas e a sua responsabilidade emergente do mesmo.

Nos termos do art. 128.º do referido diploma, o réu é citado para contestar no prazo de 15 dias a contar da citação, ou da última citação, havendo vários réus, sendo-lhe entregue duplicado da petição inicial.

Acrescenta o art. 129.º que, na contestação, além de invocar os fundamentos da sua defesa, pode o réu requerer a fixação de incapacidade nos mesmos termos que o autor e indicar outra entidade como eventual responsável, que é citada para contestar nos termos do artigo anterior, esclarecendo o n.º 2 que a contestação de algum dos réus aproveita a todos. Do art. 127.º, 2 também já resultava que os actos processuais praticados por uma das entidades rés aproveitam às outras.

O art. 130.º dispõe que, na falta de contestação de todos os réus, seguem-se, com as necessárias adaptações, os termos previstos no artigo 57.º, sem prejuízo do disposto no artigo 74.º.

Por seu turno, estabelece o art. 57.º, n.º 1 que, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.

O regime dos arts. 127.º, n.º 2, 129.º, n.º 2 e 130.º a contrario do CPT corresponde grosso modo ao estabelecido nos arts. 567.º, n.º 1 e 568.º, al. a) do CPC, nos termos dos quais, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, excepto se, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.

Resulta, pois, das normas em referência que a revelia dum réu é inoperante, no que respeita a considerarem-se confessados os factos articulados pelo autor, se outro réu contestar, ainda que – posto que nada é dito em contrário e tal seria contraproducente – o réu contestante posteriormente confesse o pedido, transija, seja absolvido da instância ou beneficie de desistência da instância ou do pedido.

Com efeito, a prova de factos por “confissão ficta”, “confissão presumida” ou “admissão” tem o tratamento duma presunção inilidível, baseada na experiência colhida na generalidade dos casos, o que significa que a experiência colhida nas situações excepcionais previstas legalmente não permite que se presuma nelas a confissão de factos por força de omissão de contestação, o que resultará de esta poder dever-se, com mais premência, a outras razões, como, por exemplo, um réu entender delegar expressa ou tacitamente a sua defesa noutro réu, ou abster-se de despesas com uma defesa própria em face da apresentação de defesa por outro réu que assegura satisfatoriamente os seus interesses.

Assim, se a revelia dum réu é inoperante por oportunamente se verificarem os respectivos pressupostos, a situação é irreversível, não sendo atingida por actos posteriores em que não intervenha ou que a ele não respeitem[1].

No caso dos autos, o R. Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. ofereceu contestação em que expressamente impugnou parte da factualidade alegada pela A., nomeadamente a constante dos arts. 27.º a 34.º da petição inicial, na qual se inclui, precisamente, a dada como provada sob os pontos xxii e xxiii, apresentando o R. uma versão distinta (cfr. arts. 4.º e 6.º a 13.º da contestação).

Ora, o tribunal recorrido deu aqueles factos como integralmente assentes em virtude de a R. seguradora não ter contestado, sem ter em conta que o R. Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. tinha apresentado contestação em que os impugnara e que esta aproveitava à co-R. nos termos expressamente previstos nos arts. 127.º, n.º 2, 129.º, n.º 2 e 130.º a contrario do CPT.

Diga-se, ainda, que é irrelevante que a Apelante não tenha interposto recurso de apelação autónoma do despacho saneador, na parte em que decidiu:
«A ré “Generali”, não obstante ter sido regularmente citada, não apresentou contestação.
Assim, ao abrigo do disposto no art.º 57.º, por remissão do art.º 130.º, ambos do CPT, considero confessados os factos articulados pela autora e pelo Instituto da Segurança Social.»

Com efeito, tal recurso era inadmissível, atento o preceituado no art. 79.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPT, pelo que aquela decisão tinha de ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da sentença, nos termos do n.º 3 da mesma norma, como se constata que a ora Apelante efectivamente fez.

A Recorrente pretende também o aditamento de dois factos, com o seguinte teor:
Após a alta (15-04-2020), a sinistrada foi considerada pela médica do trabalho apta condicionalmente para o seu posto de trabalho, com a recomendação de evitar tarefas com exigência física de cargas superiores a 5 kg, nomeadamente mobilização de doentes acamados/dependentes, a reavaliar dentro de dois meses;
A junta médica realizada em 20-09-2021 atribuiu por unanimidade à sinistrada uma IPP de 3%, a partir de 16-04-2020, com os seguintes períodos de incapacidade temporária: ITA de 15-10-2018 a 30-10-2018 (16 dias); ITP de 30% de 01-11-2018 a 29-08-2019 (301 dias); ITA de 30-08-2019 a 28-02-2020 (183 dias); e ITP 20% de 29-02-2020 a 15-04-2020 (46 dias).

Relativamente ao primeiro, constata-se que resulta do documento junto com a petição inicial sob o n.º 9 e com a contestação sob o n.º 1, pelo que é efectivamente apenas nessa medida que se pode considerar como provada a factualidade alegada pela A. que o co-R. impugnou.

Quanto ao segundo, a sentença teve-o expressamente em conta na fundamentação, sendo certo que razões de clareza aconselham que, efectivamente, seja consignado expressamente entre os factos provados.

Em suma:
- altera-se o ponto xxii no sentido de apenas constar como provado o primeiro dos factos acabados de referir;
- elimina-se o ponto xxiii;
- adita-se o segundo dos factos cujo aditamento a Apelante requereu.
Procede, pois, o recurso, no que concerne a alterações da matéria de facto.

3.2.Em face do exposto, a factualidade provada é a seguinte:
i.-A A. foi admitida pelo 2.º R. em 10-10-2016 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de «Assistente Operacional».
ii.-A categoria de «Assistente Operacional» tem como conteúdo funcional o exercício de funções de natureza executiva de caráter manual ou mecânico, enquadradas em directivas gerais bem definidas e com graus de complexidade variável; execução de funções de apoio elementares, indispensáveis ao funcionamento dos órgãos e serviços, podendo comportar esforço físico e a responsabilidade pelos equipamentos sob sua guarda e pela sua correcta utilização.
iii.-As funções desempenhadas pela A. estão relacionadas com a prestação de apoio logístico às actividades diárias no hospital do 2.º R., nomeadamente acompanhar e transportar os doentes em camas, macas, cadeiras de rodas dentro do hospital, colaborar na prestação de cuidados de higiene e de conforto dos utentes, distribuir as refeições e ajudar os doentes com dificuldade em se alimentarem sozinhos, tratar da mudança das roupas da cama e organizar-se de maneira a manter as enfermarias limpas e arrumadas, apoiar os enfermeiros, distribuir material e equipamentos pelos serviços, dentre outros.
iv.-À data do acidente, 14 de Outubro de 2018, a A. auferia a retribuição de € 580,00 (Quinhentos e oitenta euros), acrescida de € 104,94 (Cento e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) de subsídio de alimentação, bem como € 1.149,13 (Mil cento e quarenta e nove euros e treze cêntimos) relativamente às outras remunerações mensais auferidas, nomeadamente turnos.
v.-Assim, a A. auferia a remuneração anual de € 8.120,00, correspondente a € 580,00 x 14 meses + € 4,77 x 22 x 11 meses de subsídio de alimentação + € 1.149,13 relativamente aos turnos, perfazendo o montante anual de € 10.423,47 (Dez mil, quatrocentos e vinte e três euros e quarenta e sete cêntimos).
vi.-No dia 14 de Outubro de 2018 foi determinado pela empregadora o destacamento da A. do sector das Urgências para o da Psiquiatria, em razão de falta de pessoal.
vii.-No seu primeiro dia na Psiquiatria, a A. encontrava-se a realizar as suas actividades quando foi necessário fazer a contenção de uma utente que estava dopada, pelas 11:00 horas.
viii.-Entretanto, aquando do movimento de contenção, a A. sentiu um estalar, como se fosse um rasgar, bem como uma dor intensa em ambos os ombros. No entanto, como ainda estava com o “corpo quente”, apesar da dor e incómodo, retornou às suas actividades.
ix.-Não obstante, antes de terminar o seu turno, foi necessário realizar a contenção a outro paciente psiquiátrico. Neste momento, sentiu um maior impacto no ombro esquerdo, o que resultou em muitas dores e dificuldade de movimentação.
x.-No dia seguinte aos factos acima descritos a A. não conseguiu ir trabalhar devido a dores insuportáveis, pelo que a empregadora efectuou a participação do sinistro à 1.ª R., que encaminhou a A. para a assistência da Generali Companhia de Seguros.
xi.-Na consulta realizada pelo médico da seguradora, Dr. …, a A. nem sequer foi examinada pelo mesmo e imediatamente foi diagnosticada com tendinite, sendo-lhe atribuída alta no mesmo dia, sem qualquer desvalorização.
xii.-O referido médico nem sequer tocou no local da lesão ou passou exames, mas em menos de cinco minutos apresentou o diagnóstico de tendinite sem nexo de causalidade.
xiii.-A A. ainda tentou por duas vezes ser atendida na seguradora, pois estava a sentir dores intensas, mas sem sucesso.
xiv.-A A., por não estar em condições de retomar a sua actividade profissional, viu-se forçada a recorrer à baixa emitida pelo SNS, situação que se manteve até 15 de Abril de 2020, pese embora a sua médica de família tenha classificado a situação como sendo uma doença natural.
xv.-Após exames e consultas custeados pela A., foi diagnosticada uma ruptura parcial do tendão do supra-espinhoso associado a conflito subacromial, sendo necessária uma intervenção cirúrgica.
xvi.-No relatório da Dra. … afirma-se que: “Após observação pela Especialidade e RMN do Ombro concluiu-se haver rutura parcial do Tendão do Supra-espinhoso associado a conflito subacromial, eventualmente na sequência do referido esforço, pelo que está proposta para Cirurgia.”
xvii.-A sinistrada foi submetida a intervenção cirúrgica no dia 30-08-2019, mediante artrotomia, com reinserção do supra-espinhoso.
xviii.-Até à realização da tentativa de conciliação a 17 de Junho de 2020, a A. gastou em transportes com as deslocações a este Tribunal o montante de € 30,00 (Trinta euros), bem como realizou despesas médicas e relacionadas com o acidente em questão no montante total de € 1.256,78 (Mil, duzentos e cinquenta e seis euros e setenta oito cêntimos).
xix.-Realizada a tentativa de conciliação, a mesma frustrou-se porquanto a sinistrada não aceitou o grau atribuído de 5% IPP, ao passo que a 1.ª R. não aceitou a conciliação por não reconhecer o acidente dos autos como de trabalho, bem como o seu nexo causal e sua responsabilidade emergente do mesmo.
xx.-Desde a sua alta, a 15-04-2020, a A. mantém a sua categoria profissional de Assistente Operacional.
xxi.-A A. apresenta a seguinte sequela: Membro superior esquerdo: limitação da amplitude nos últimos graus de abdução, elevação e rotação interna e externa.
xxii.-Após a alta (15-04-2020), a sinistrada foi considerada pela médica do trabalho apta condicionalmente para o seu posto de trabalho, com a recomendação de evitar tarefas com exigência física de cargas superiores a 5 kg, nomeadamente mobilização de doentes acamados/dependentes, a reavaliar dentro de dois meses. (alterado nos termos do ponto 3.1.)
xxiii.-(eliminado nos termos do ponto 3.1.)
xxiv.-Em consequência do acidente de trabalho ocorrido em 14 de Outubro de 2018, o Instituto da Segurança Social pagou à sua beneficiária, aqui A., no período compreendido entre 15 de Outubro de 2018 a 15 de Abril de 2020, o montante de € 9.120,78 (nove mil, cento e vinte euros e setenta e oito cêntimos).
xxv.-A junta médica realizada em 20-09-2021 atribuiu por unanimidade à sinistrada uma IPP de 3%, a partir de 16-04-2020, com os seguintes períodos de incapacidade temporária: ITA de 15-10-2018 a 30-10-2018 (16 dias); ITP de 30% de 01-11-2018 a 29-08-2019 (301 dias); ITA de 30-08-2019 a 28-02-2020 (183 dias); e ITP 20% de 29-02-2020 a 15-04-2020 (46 dias). (alterado nos termos do ponto 3.1.)

3.3.Vejamos, então, se a condenação da seguradora deve ter conta que a sinistrada não está afectada de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).

Estabelece o art. 140.º, n.º 1 do CPT que, se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º, ou seja, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado.

Na situação em apreço, o tribunal recorrido, louvando-se no laudo unânime dos peritos que integraram a junta médica, fixou à sinistrada as incapacidades temporárias e a incapacidade permanente parcial (IPP) de 3% indicadas no ponto xxv., sendo certo que este segmento da sentença não foi impugnado no recurso, estando, pois, transitado em julgado.

Não obstante, acrescentou-se na sentença sub judice:
«Com relevância para a questão da natureza da incapacidade, provou-se que a autora regressou ao sector das urgências no período de pandemia, tendo ficado consignado na ficha de aptidão da Medicina do Trabalho que o retorno ao trabalho deveria ser feito com restrições, nomeadamente esforços com os membros superiores, carregar, levantar pesos e mobilizar doentes. Neste momento, a autora não está a conseguir realizar as principais atividades inerentes ao seu posto de trabalho, designadamente fazer contenção de um utente, dar banhos, levantar e carregar o doente, realizar a higiene no leito, remover pacientes na cadeira de rodas (em muitas situações é necessária a utilização de rampas). Ora, este é o núcleo essencial das funções inerentes à sua profissão habitual, quais sejam: apoio logístico às atividades diárias no hospital, nomeadamente acompanhar e transportar os doentes em camas, macas, cadeiras de rodas dentro do hospital, colaborar na prestação de cuidados de higiene e de conforto dos utentes, distribuir as refeições e ajudar os doentes com dificuldade em se alimentarem sozinhos, tratar da mudança das roupas da cama e organizar-se de maneira a manter as enfermarias limpas e arrumadas, apoiar os enfermeiros, distribuir material e equipamentos pelos serviços, dentre outros.
Assim, não obstante a Junta Médica ter emitido parecer de que a sinistrada não está absolutamente incapacitada de exercer as suas funções habituais, a não ser na medida de 3%, este Tribunal entende, pelo exposto, que é clara a incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual desde a data da alta.»

Este entendimento não pode ser acolhido, por duas ordens de razões.

Desde logo, resulta da argumentação expendida que tal entendimento assentou essencialmente em factualidade que constava como provada sob os pontos xxii e xxiii e que, pelas sobreditas razões, se decidiu considerar como não provada.

Por outro lado, ainda que assim não fosse, aquela argumentação não poderia ser sancionada por este tribunal.

Com efeito, resulta dos arts. 20.º e 21.º da LAT (Lei dos Acidentes de Trabalho), aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, que a determinação da incapacidade é efectuada de acordo com a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais (TNI), podendo o juiz, em caso de IPATH, requisitar parecer prévio de peritos especializados, designadamente dos serviços competentes do ministério responsável pela área laboral.

Também no art. 2.º, n.º 1 do DL n.º 352/2007, de 23/10, que aprovou a aludida TNI, se reitera que a incapacidade do sinistrado é calculada em conformidade com a tabela, com observância das instruções gerais e específicas dela constantes.

Com particular interesse para o presente caso, estabelece-se no ponto 5.A das Instruções Gerais:

5.A — A atribuição de incapacidade absoluta para o trabalho habitual deve ter em conta:
a)-A capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente;
b)-A avaliação é feita por junta pluridisciplinar que integra:
b.1)-Um médico do Tribunal, um médico representante do sinistrado e um médico representante da entidade legalmente responsável, no caso de acidente de trabalho (AT);
(…)

Em conformidade, o Código de Processo do Trabalho estabelece a realização duma perícia médica singular na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho (arts. 105.º a 107.º) e, se alguma das partes não se conformar com o respectivo resultado, duma perícia por junta médica, constituída por três peritos (um nomeado pelo tribunal e os restantes por cada uma das partes), na fase contenciosa, podendo ainda o juiz, se o considerar necessário, determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos (art. 139.º).

O regime jurídico das perícias médico-legais e forenses consta da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto.

Temos, pois, como seguro que, embora o resultado dos exames médico-legais esteja sujeito à regra da livre apreciação pelo juiz (arts. 389.º do Código Civil e 489.º e 607.º, n.º 5 do CPC), este deve fundamentar a decisão de divergir daquele resultado com especial acuidade e primazia de argumentos de natureza médico-legal que o suplantem, uma vez que a prova pericial foi estabelecida como elemento probatório obrigatório do processo de acidente de trabalho precisamente porque tem por fim a percepção ou apreciação de factos que demandam conhecimentos especiais que os julgadores (e as partes) não possuem (art. 388.º do Código Civil).

Ora, no caso sub judice, o laudo unânime da junta médica (a que aderiu, pois, o perito nomeado pela própria sinistrada, além dos nomeados pelo tribunal e pela seguradora) é sobreponível ao laudo da perícia médica singular quanto à não fixação de IPATH, inexistindo nos autos quaisquer outros elementos de carácter médico-legal que, pelo número ou impressividade, permitam infirmar aquele juízo.

Acresce que resulta da demais factualidade provada que as funções desempenhadas pela A. compreendem a prestação de apoio logístico às actividades diárias no hospital do 2.º R., nomeadamente, entre outras: acompanhar e transportar os doentes em camas, macas, cadeiras de rodas dentro do hospital; colaborar na prestação de cuidados de higiene e de conforto dos utentes; distribuir as refeições e ajudar os doentes com dificuldade em se alimentarem sozinhos; tratar da mudança das roupas da cama e organizar-se de maneira a manter as enfermarias limpas e arrumadas; apoiar os enfermeiros; distribuir material e equipamentos pelos serviços.

Mais se provou que, desde a alta, em 15-04-2020, a A. apresenta como sequela do acidente de trabalho, a nível do membro superior esquerdo, limitação da amplitude nos últimos graus de abdução, elevação e rotação interna e externa, determinante de IPP de 3%. A A. mantém a sua categoria profissional de Assistente Operacional e foi considerada pela médica do trabalho apta condicionalmente para o seu posto de trabalho, com a recomendação de evitar tarefas com exigência física de cargas superiores a 5 kg, nomeadamente mobilização de doentes acamados/dependentes, a reavaliar dentro de dois meses.

Em face do exposto, é manifesto que os autos não contêm quaisquer elementos probatórios idóneos que permitam concluir que a A. está afectada de IPATH, tanto mais que o amplo conteúdo funcional da sua categoria profissional comporta várias e significativas tarefas compatíveis com as limitações decorrentes da IPP de 3% que lhe foi reconhecida.

Em consequência, a A. não tem direito a pensão por IPATH nem ao correspondente subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, mas apenas, nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. c) da LAT, ao capital de remição da pensão anual e vitalícia de 218,89 € (10.423,47 € x 70% x 3%).
Procede, pois, o recurso.

4.Decio

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida quanto à IPATH e às alíneas a) e b) do dispositivo, fixando-se à sinistrada a IPP de 3% e condenando-se a seguradora a pagar-lhe o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 218,89 €, devido desde 16-04-2020, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar de tal data. Mais se altera a sentença recorrida quanto a custas, que se fixam a cargo da A. e da R. seguradora na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário da primeira. No mais, confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Apelada, sem prejuízo do apoio judiciário.


Lisboa, 13 de Julho de 2023


Alda Martins
Sérgio Almeida
Francisca Mendes


[1]Neste sentido, v. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pp. 236-237; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, p. 544; e António Santos Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição,
p. 659.