Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2136/2007-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: CITAÇÃO POSTAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
NULIDADE
CITAÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
FORMALIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- No caso de citação postal se o aviso de recepção da carta for assinado por terceiro que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando, presume-se que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (artigos 233.º/4, 236.º/2 e 238.º/1 do Código de Processo Civil).
II- A referida presunção de entrega pode ser ilidida pelo destinatário (artigo 350.º/2 do Código Civil) mediante a prova de que, sem culpa, não teve conhecimento do acto (carta não entregue), o que implica o reconhecimento da nulidade de falta de citação (artigos 194.º,alínea a), 195.º, alínea e) do C.P.C.) e consequentemente a necessidade de repetição do acto.
III- Pode também ser ilidida a dita presunção mediante a prova de que o destinatário teve conhecimento do acto (carta entregue) em momento ulterior ao da dilação, viabilizando-se, assim, a prática do acto processual (contestação) em momento também ulterior àquele que seria de considerar se a presunção de oportuna entrega não fosse ilidida, permitindo-se, portanto, um alongamento do prazo de defesa.
IV- No caso em que se veio a verificar a entrega da carta de citação ao destinatário que não assinou o aviso de recepção, entrega não realizada oportunamente, o que sucede quando a entrega se dá para além do prazo de dilação, nesse caso o destinatário deve ilidir a presunção logo que intervenha no processo, constituindo intervenção no processo a entrega de contestação, aplicando-se ao caso o disposto no artigo 198.º/2 do C.P.C.,pois estamos face a uma nulidade de citação em que se deve assimilar a situação de não entrega oportuna da citação ao caso de não indicação do prazo de defesa.
V- Se não houve conhecimento do acto (carta não entregue), o vício é o de falta de citação (artigo 195.º/1, alínea e) do C.P.C.);  se houve conhecimento tardio do acto por demora do terceiro encarregado de entregar a carta, há nulidade da citação visto que não foi observada por esse terceiro a formalidade prescrita na lei de entrega oportuna da carta de citação ao destinatário (artigos 198.º/1, 236.º/2 e 4 e 238.º/1 do C.P.C.).
(S.C.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Maria […] e Maria Teresa […] demandaram no dia 15-9-2005 Manuel […] e mulher Alzira […] pedindo que se decretasse o despejo do R/C Esq. do prédio sito […] Vila Franca de Xira, arrendado ao réu no dia 1-8-1986 com o fundamento de que os RR deixaram de nele residir, passando a viver na Rua […] Santa Iria da Azóia.

2. Os RR foram citados por carta registada com aviso de recepção expedida para esta última morada e os avisos de recepção foram devolvidos, ambos assinados pela ré, datados de 20-9-2005, tendo sido expedido aviso registado ao réu conforme o disposto no artigo 241.º do C.P.C. visto que o réu foi citado em pessoa diversa.

3. Os RR apresentaram contestação no dia 26-10-2005.

4. O réu dispunha de 20 dias para contestar (artigo 783.º do C.P.C.) acrescidos de 10 dias de dilação, 5 dias porque a sua citação foi realizada noutra pessoa e outros cinco dias porque a citação ocorreu fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção (ver artigo 252.º-A/1, alínea a) do C.P.C.).

5. Mediante o pagamento de multa ainda podia o réu contestar dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ou seja, até ao dia 25 de Outubro de 2005.

6. Os RR, porém, apresentaram a contestação no dia 26-10-2006.

7. E, apresentando a contestação para além do termo do prazo, nada requereram, nada disseram, como se a contestação tivesse sido apresentada tempestivamente.

8. A Secretaria submeteu ao juiz a informação a que se refere o artigo 166.º/2 do C.P.C. e foi então proferido o despacho datado de 12-1-2006 que considerou definitivamente precludido o direito de os RR praticarem o acto em causa, determinando, em consequência, o desentranhamento da contestação.

9. Na sequência deste despacho vieram os RR reclamar alegando que a citação deveria ser considerada nula, que a ré não é casada com o réu, que a residência do réu é a do local arrendado e não a da ré, que o réu só no dia 2-10-2005, quando regressou do Algarve, é que teve conhecimento da citação, que a citação deveria ter sido efectuada no domicílio convencionado.

10. O Tribunal, na decisão ora sob recurso de 31-8-2006 (fls. 54 dos autos) considerou ” que o réu não exerceu, atempadamente, o direito de arguir a nulidade, seja a decorrente da falta de citação, seja a resultante da preterição de alguma formalidade prescrita na lei, o que deveria ter logo feito na contestação ou no prazo da sua apresentação pelo que, a ter ocorrido qualquer nulidade no acto de citação, a mesma mostra-se já definitivamente sanada (artigo 194.º, alínea a), 195.º, alínea e), 196.º, 198.º, nºs 1 e 2, 1ª parte, 202.º, 1ª parte, 204.º ,n.º2, 206.º, n.º1, 233.º, nºs 1 e 4, 236.º,n.º2 e 238.º, n.º1 do C.P.C.

11. Nas alegações de recurso que interpôs desta última decisão o réu reiterou os argumentos apresentados na referida reclamação, sustentando que o prazo de contestação deve ser contado a partir da data em que tomou conhecimento da citação, ou seja, do já mencionado dia 2-10-2005 e que a remessa da carta registada para domicílio diverso do seu prejudicou a defesa.

12. Pretende o recorrente que o despacho de fls. 32/33 (o que mandou desentranhar a contestação) e o de fls. 52/53 ( o que considerou que a arguição de nulidade não foi exercida tempestivamente) devem ser substituídos por outro que julgue nula a citação datada de 20-9-2005

Apreciando:

13. O Tribunal procedeu à citação de forma regular e com observância dos preceitos da lei.

14. Os RR foram citados no domicílio indicado como sendo o seu, foi enviada ao réu carta registada uma vez constatado que não fora citado em sua própria pessoa, na contagem do prazo atendeu-se às dilações aplicáveis, reconheceu-se que dispunha o réu até ao dia 25-9-2005 da possibilidade de contestar mediante o pagamento de multa.

15. Ora, tudo isto é exacto e processualmente regular.

16. Não foi estipulado pelas partes domicílio diverso do indicado na petição e, portanto, nem se pôs ao tribunal a questão de ordenar a citação, não no local indicado pelos AA, mas no domicílio estipulado, o que sempre pressuporia o conhecimento pelo tribunal dessa estipulação no acto de citação. Não há, portanto, que atender à argumentação que pressupõe a existência de um domicílio convencionado.

17. Se a citação foi efectuada de harmonia com o requerido pelos AA e em conformidade com as regras processuais aplicáveis, o caso em apreço não parece configurar-se como nulidade ou falta de citação.

18. Dir-se-á que o tribunal, quando proferiu a decisão de fls. 33, outra decisão não podia proferir à luz das regras processuais aplicáveis.

19. Verifica-se ainda que do despacho que determinou o desentranhamento da contestação não foi interposto recurso e, por isso, transitado em julgado, impõe-se respeitar o caso julgado formal (artigo 672.º do C.P.C.)

20. Constata-se, porém, que a lei possibilita que o tribunal julgue verificada a falta de citação independentemente da observância pelo tribunal de todas as regras de processo respeitantes ao acto de citação.

21. Tal possibilidade decorre do disposto no artigo 195.º,alínea e) do C.P.C. segundo o qual há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.

22. Trata-se, portanto, de analisar ocorrências que são exteriores ou alheias à própria actuação do tribunal.

23. De facto, admitindo a lei a citação por carta registada com aviso de recepção, pode dar-se o caso de a citação não ser efectuada na própria pessoa do citando (artigo 236.º/2 do C.P.C.).

24. Nesses casos, efectuada a citação pessoal em pessoa diversa do citando, que fica encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presume-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (artigo 233.º/4, 236.º/2 e 238./1 todos do C.P.C.).

25. Terá obviamente de ser o citando, que não teve conhecimento do acto, a provar - é dele o ónus da prova (artigo 344.º/1 e 350.º/2 do Código Civil - que não lhe foi transmitido o conteúdo do acto pela pessoa que assinou o aviso encarregada de o entregar.

26. Pergunta-se: qual o momento em que o citando deve junto do tribunal ilidir a presunção de que teve oportuno conhecimento da citação?

27. E quando deixa de se considerar que o conhecimento da citação foi oportuno?

28. Se o citando tiver conhecimento da citação dentro do prazo de dilação, o conhecimento foi oportuno, não há, em tal caso, justificadamente presunção a ilidir.

29. A este propósito, em anotação ao artigo 238.º/1 do C.P.C., preceito que encerra a presunção juris tantum de que a carta com aviso de recepção foi oportunamente entregue ao destinatário, quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, refere LOPES DO REGO que, “ ilidida a presunção estabelecida neste preceito, considera-se verificado o vício da falta de citação, nos termos da alínea e) do artigo 195.º, se a carta não foi entregue ao citando, ou alonga-se o prazo de defesa, quando demonstrada uma entrega tardia, que exceda o prazo de dilação fixado no artigo 252.º-A-,1,alínea a) (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol I, 2ª edição, anotação ao artigo 238.º, 2004, pág. 226).

30. Se o citando não teve conhecimento do acto de citação, isto é, se não lhe foi entregue a carta de citação por forma a exercer o seu direito de defesa, decorrido já o prazo de contestação, a nulidade decorrente da falta de citação (artigos 194.º, alínea a), 195.º, alínea e) e 204.º/2) pode ser arguida em qualquer estado do processo enquanto não deva considerar-se sanada.

31. Uma tal nulidade deve considerar-se sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação (artigo 196.º do C.P.C.).

32. Deve, portanto, o réu, logo que intervenha no processo, arguir a nulidade de falta de citação.

33. Ora, no caso em apreço, o réu apresentou a contestação sem arguir a falta de citação por não lhe ter sido dado conhecimento do acto de citação.

34. O réu não se apresenta em juízo alegando que não teve conhecimento do acto de citação; o réu apresenta-se em juízo alegando que teve conhecimento do conteúdo do acto de citação, mas mais tarde, no dia 2-10-2005, não no dia 20-9-2005 quando o aviso de recepção foi assinado pela ré

35. Só que essa alegação é apresentada, não quando juntou o articulado de contestação, mas mais tarde quando apresentou reclamação já depois de notificado da decisão que mandou desentranhar a contestação

36. Não suscitou o réu com a contestação a questão de apenas ter conhecimento do acto de citação, decorrido já o prazo de dilação, requerendo que se considerasse tempestiva a contestação por alongamento do prazo de defesa.

37. Assim, respondendo à primeira pergunta formulada, dir-se-á que o réu deve ilidir a referida presunção logo que intervenha no processo.

38. Se essa intervenção se traduzir na junção de contestação, é com esse acto processual que devem ser apresentadas as razões que justifiquem considerar-se afastada a presunção de oportuna entrega da carta de citação e, por via desse afastamento, considerar-se a contestação apresentada tempestivamente

39. À outra interrogação - saber quando deixa de se considerar que foi oportuno o conhecimento da citação - responde-se dizendo que o conhecimento da citação é oportuno se ele se verificar durante a dilação, já não se ocorrer depois da dilação.

40. Retomando o caso, verifica-se que o réu se limitou a apresentar a contestação sem apresentar qualquer justificação

41. Devia tê-lo feito, pois, “ a certeza do conhecimento é substituída pela presunção do conhecimento e, então, a garantia do direito à jurisdição exige que, para compensar a perda das garantias formais do acto, se admita, depois dele praticado, que o réu seja reposto no estado anterior e admitido a defender-se quando se apresenta, fora do prazo para contestar, a ilidir a presunção” (LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, 1996, Coimbra Editora, pág. 85).

42. O tribunal, que obviamente não pode saber quando é entregue ao destinatário a carta de citação pelo terceiro que assinou o aviso de recepção, conhecimento que está na disponibilidade do terceiro e do destinatário, não podia ter procedido de outro modo, junta a contestação tout court, que não fosse determinando o seu desentranhamento por intempestividade.

43. Dessa decisão seria inútil o recurso porque ela estava correcta à luz das regras processuais aplicáveis, como se disse já.

44. A reclamação apresentada mais tarde, inclusivamente já depois do réu ter sido notificado da decisão que ordenou o desentranhamento da contestação, não podia ser atendida; com tal reclamação o que o réu pretendia afinal era ilidir a referida presunção, mas, para tanto, já precludira o momento para o fazer e, por isso, outra não podia ser a decisão proferida.

45. Esse momento seria o da apresentação da contestação no prazo alongado que decorria da data (2-10-2005) em que o réu, segundo alegou, teve conhecimento do conteúdo do acto de citação

46. Resulta do exposto que o vício da falta de citação a que alude o artigo 195.º/1, alínea e) do C.P.C. tem em vista os casos de falta de conhecimento do acto de citação, mas não os casos de falta de conhecimento oportuno do acto de citação ou, numa outra perspectiva, os casos de conhecimento do conteúdo do acto de citação em momento ulterior ao da dilação.

47. Estes casos subsumem-se à regra da inobservância das formalidades prescritas na lei para a citação (artigo 198.º/1 do C.P.C.), formalidade que é imposta, no caso, não ao tribunal, mas àquele que assinou o aviso de recepção e que ficou com a obrigação processual de entregar a carta oportunamente ao destinatário

48. Dir-se-á que se não houve conhecimento do acto, o vício é o de falta de citação (artigo 195.º/1, alínea e) do C.P.C.); se houve conhecimento tardio do acto por demora do terceiro encarregado de entregar a carta, há nulidade da citação visto que não foi observada por esse terceiro a formalidade prescrita na lei de entrega oportuna da carta de citação ao destinatário(artigos 198.º/1, 236.º/2 e 4 e 238.º/1 do C.P.C.)

49. O prazo para arguição da nulidade é afinal o prazo da contestação alongada pois não se pode considerar, em tal situação, que tal prazo seja o indicado para a contestação (ver 1ª parte do artigo 198.º/2 do C.P.C.) visto que o destinatário não teve conhecimento desse prazo a não ser no momento em que a carta lhe foi entregue. Por isso, há que considerar esta situação idêntica àquela em que não houve indicação de prazo para a defesa, caso em que “ a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção os citado no processo”

Concluindo:
I- No caso de citação postal se o aviso de recepção da carta for assinado por terceiro que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando, presume-se que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (artigos 233.º/4, 236.º/2 e 238.º/1 do Código de Processo Civil)
II- A referida presunção de entrega pode ser ilidida pelo destinatário (artigo 350.º/2 do Código Civil) mediante a prova de que, sem culpa, não teve conhecimento do acto (carta não entregue), o que implica o reconhecimento da nulidade de falta de citação (artigos 194.º,alínea a), 195.º, alínea e) do C.P.C.) e consequentemente a necessidade de repetição do acto.
III- Pode também ser ilidida a dita presunção mediante a prova de que o destinatário teve conhecimento do acto (carta entregue) em momento ulterior ao da dilação, viabilizando-se, assim, a prática do acto processual (contestação) em momento também ulterior àquele que seria de considerar se a presunção de oportuna entrega não fosse ilidida, permitindo-se, portanto, um alongamento do prazo de defesa.
IV- No caso em que se veio a verificar a entrega da carta de citação ao destinatário que não assinou o aviso de recepção, entrega não realizada oportunamente, o que sucede quando a entrega se dá para além do prazo de dilação, nesse caso o destinatário deve ilidir a presunção logo que intervenha no processo, constituindo intervenção no processo a entrega de contestação, aplicando-se ao caso o disposto no artigo 198.º/2 do C.P.C.,pois estamos face a uma nulidade de citação em que se deve assimilar a situação de não entrega oportuna da citação ao caso de não indicação do prazo de defesa.
V- Se não houve conhecimento do acto (carta não entregue), o vício é o de falta de citação (artigo 195.º/1, alínea e) do C.P.C.); se houve conhecimento tardio do acto por demora do terceiro encarregado de entregar a carta, há nulidade da citação visto que não foi observada por esse terceiro a formalidade prescrita na lei de entrega oportuna da carta de citação ao destinatário (artigos 198.º/1, 236.º/2 e 4 e 238.º/1 do C.P.C.).

Decisão: nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida
Custas pelo recorrente

Lisboa, 29 de Março de 2007
(Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)