Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5995/2007-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
TAXA
ALCOOLÉMIA
ERRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1 - Em exame efectuado pelas autoridades de fiscalização rodoviária, para detecção de alcoolemia, depende exclusivamente da vontade do próprio examinando o ser ou não submetido a um outro exame com a rigorosa certeza que o mesmo não admite qualquer margem para erro.
O examinando deverá decidir por si próprio se concorda com a análise quantitativa ou se, pelo contrário, atento o possível erro de leitura do aparelho que a realizou, pretende submeter-se a uma análise ao sangue.
Não o fazendo, vale a leitura efectuada, com os valores registados, sem qualquer dedução de margens de erro. A apreciação do valor e fiabilidade da leitura deve ficar sujeita à livre convicção do julgador mas que, em caso de discordância, a deve fundamentar com apresentação de razões de natureza técnico-científica válidas.
2 - O Instituto Português de Qualidade, enquanto gestor e coordenador do Sistema Português de Qualidade, é a entidade que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
3 - O despacho do Sr. Director Geral de Viação comunicado por ofício da DGV nº 14811 de 19 de Julho de 2006, sobre margens de erro dos aparelhos de detecção de alcoolemia e que a respectiva Direcção fez divulgar pelos tribunais, através do Conselho Superior da Magistratura, em Agosto de 2006, tem por base, além das Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto.
4 - Mas, actualmente, os instrumentos normativos que regulam a detecção e quantificação das taxas de álcool que os condutores apresentam são o Decreto-Regulamentar n.º 24/98, de 30/10 e a Portaria n.º 1006/98, de 30/11, sendo que a Portaria n.º 748/94, de 13/8, que visava regulamentar o Decreto-Regulamentar n.º 12/90, de 14/5, caducou por falta de objecto, face à expressa revogação do Decreto-Regulamentar n.º 12/90 pelo Decreto-Regulamentar n.º 24/98.
5. Não está legalmente estabelecida qualquer margem de erro (mínimo e máximo) para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue. No caso de dúvida sobre a autenticidade de tais valores e sobre a fiabilidade do aparelho, resta a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue. Quando em operação de fiscalização de condutor para detecção de nível de alcoolemia no sangue, não seja levantada por ele qualquer dúvida sobre a autenticidade do valor registado inicialmente pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último nem requerida contraprova, inexiste qualquer fundamento fáctico ou jurídico para a aplicação de qualquer margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, o que, a acontecer na decisão, gerará o vício do “erro notório” na apreciação da prova pelo Tribunal “a quo”, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.
6. A referenciação, em inúmeros autos de notícia relativos a infracções por condução sob o efeito de alcoolemia, da existência de erros máximos admissíveis dos aparelhos de teste utilizados e, daí, com base naquele ofício, “presumir-se” depois em julgamento, sem mais, que a taxa detectada possa ser afectada por eles, fazendo-se “automaticamente” o respectivo “desconto”, é manifestamente ilegal.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM AUDIÊNCIA OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃO PENAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-RELATÓRIO

1.1- No procº sumário nº 111/07.1GTEVR do 2º Juízo do TJ da comarca do Montijo, o arguido (T), ora recorrente, identificado com os sinais dos autos, foi por  sentença proferida a 16 de Abril de 2007  condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de multa de 90 dias à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses.
1.2- Inconformado, o Ministério Público recorreu desta decisão para este Tribunal da Relação de Lisboa apresentando as seguintes conclusões do Recurso interposto:

«1.       O Instituto Português de Qualidade, enquanto gestor e coordenador do Sistema Português de Qualidade, é a entidade que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.

2.         O despacho do Sr. Director Geral de Viação e que a respectiva Direcção fez divulgar pelos tribunais, através do Conselho Superior da Magistratura, em Agosto de 2006, e a que o Tribunal “a quo” faz alusão no facto provado supra mencionado, tem por base, além das Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto.

3.         Actualmente, os instrumentos normativos que regulam a detecção e quantificação das taxas de álcool que os condutores apresentam são o Decreto-Regulamentar n.º 24/98, de 30/10 e a Portaria n.º 1006/98, de 30/11, sendo que a Portaria n.º 748/94, de 13/8, que visava regulamentar o Decreto-Regulamentar n.º 12/90, de 14/5, caducou por falta de objecto, face à expressa revogação do Decreto-Regulamentar n.º 12/90 pelo Decreto-Regulamentar n.º 24/98.

4.         Na sequência do exposto, podemos concluir que não estando legalmente estabelecida qualquer margem de erro prevista para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos aprovados, e no caso de dúvida sobre a autenticidade de tais valores e sobre a fiabilidade do aparelho, resta a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue.

5.         No caso concreto, em caso algum foi levantada qualquer dúvida sobre a autenticidade do valor registado inicialmente pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último.

6.         Pelo que, inexistindo qualquer fundamento fáctico ou jurídico para a aplicação da margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, lógico se torna que a mesma nunca deveria ter sido aplicada ou sequer ponderada, pelo que estaremos perante uma situação de erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal “a quo”, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal,

7.         Os elementos constantes dos autos permitem revogar a decisão sobre a matéria de facto provada neste âmbito, sem necessidade de se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art.º 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, bastando apenas que seja dado como provado o facto n.º 2 da douta sentença proferida com exclusão da alusão à margem de erro aplicável.

8.         Procedendo o presente recurso que antecede, logicamente que terão de ser alteradas as medidas da pena principal e acessória, atento o valor da taxa de alcoolemia com que o arguido foi encontrado a conduzir e que deve ser considerada a final – 2,71 g/l.

9.         Tendo em conta todos os factores já enunciados na douta sentença proferida para a aplicação da pena principal de multa, com cuja aplicação concordamos pelos motivos ali expressos, e da pena acessória de proibição de conduzir, entende-se que ao arguido deverá ser aplicada uma pena de multa de duração não inferior a 110 (cento e dez) dias, à taxa diária de € 5,00, e ser fixada a medida da duração da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por período temporal não inferior a 9 (nove) meses.

            NORMAS VIOLADAS
            Art.s 40.º, 69.º, n.º 1, al. a), 70.º, 71.º, e 292.º, n.º 1, todos do Código Penal, 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, 153.º, n.º 1, e 158.º, n.º 1, als. a) e b), do Código da Estrada, e o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro.

            Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado Procedente e, consequentemente,
            Revogar-se parcialmente a douta Sentença recorrida,
            Substituindo-se por outra que
a)         Dê como provado, sob o facto n.º 2, que “Ao ser submetido ao exame de pesquisa no ar expirado, o arguido era portador de uma taxa de álcool etílico no sangue de 2,71 g/l”, com revogação do demais dado como provado em 1.ª instância relativamente a este facto;
b)         Em consequência da alteração do facto supra citado, condene o arguido (T), pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, em pena de multa não inferior a 110 dias, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir por um período temporal não inferior a 9 meses. »
                                                              **
1.3- O arguido não respondeu. Admitido o recurso, nesta Relação o MºPº apôs visto.
         Na sequência de exame preliminar o relator remeteu os autos para julgamento  em audiência.
         Pelo que cumpre, então, conhecer e decidir.


II-CONHECENDO

2.1- O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso , cfr se extrai do disposto  no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal (c.p.p.)[1].
Tais conclusões visam pois permitir ou habilitar o tribunal «ad quem» a conhecer as razões de discordância em relação à decisão recorrida[2]

2.2-No presente recurso estão em apreciação as seguintes questões:
         O valor da taxa de alcoolemia detectada,  a considerar na decisão, devia ser o detectado através do teste quantitativo sem qualquer dedução de erros máximos admissíveis?
         Verifica-se vício de erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal “a quo”, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal ?
         Trata-se de erro que em concreto pode ser sanado?

2.3- O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto de facto como se segue:

         “ Matéria de Facto provada:
        
1 - No dia 31 de Março de 2007, cerca das 04:23 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula 85-51-MV, na EN 4, Km 45,5, Comarca de Montijo;
2 — Ao ser submetido ao exame de pesquisa no ar expirado, o arguido era portador de uma taxa de álcool etílico no sangue de 2,71g/l, correspondente à TAS de 2.30 g/l registada, deduzido o valor do erro máximo admissível (cfr. ofício da DGV n° 14811 de 19.07.2006);
3 — O arguido conhecia as características do veículo que conduzia e da via onde o fazia, mais sabendo que poderia estar com uma taxa de álcool no sangue de valor superior a 1,2 gr/l e, não obstante, não se coibiu de actuar de forma porque o fez, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal;
4 — O arguido confessou integralmente os factos de que vinha acusado;
5 - O arguido é operário fabril auferindo 450€ por mês;
6 - O arguido vive com uma companheira e a filha menor desta, fruto de uma relação anterior;            
7 - O arguido vive em casa arrendada pela qual paga 150€ por mês;
8 - A companheira do arguido trabalha num Lar de idosos recebendo o equivalente
ao salário mínimo nacional;
 9 — Do CRC junto aos autos a fls. 14 consta a prática pelo arguido de um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 06.11.2004, tendo sido condenado em 40 dias de multa à razão diária de 7€ e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses, pena esta julgada extinta em 11.04.2005.
Factos não Provados.
Não há.
Motivação.
A convicção do tribunal gizou-se no essencial nas declarações prestadas, em sede de audiência de julgamento, pelo arguido, conjugados com os demais elementos dos autos, nomeadamente no auto de notícia de fls.2, no talão de teste de fls.5, bem como no CRC de fls. 14.     
No que respeita às suas condições pessoais, o Tribunal fundamentou-se nas declarações do arguido.”


2.4- O tribunal “a quo” considerou que a taxa de alcoolemia detectada estava afectada por uma margem de erro de medição do aparelho de controle que baixava a registada ( 2, 71 g/l) para 2,30 g/l.
Embora não tenha feito considerações concretas sobre a razão de tal opção, ao referir que se baseava no teor do auto de notícia e do talão de medição resultante do teste efectuado remeteu implicitamente para o teor do ofício da DGV nº 14811 de 19 de Julho de 2006.
Na verdade - e não sendo este caso único, mas recorrente- tem vindo a ser referenciada em inúmeros autos de notícia relativos a infracções por condução sob o efeito de alcoolemia a existência de erros máximos admissíveis dos aparelhos de teste utilizados e, daí, com base naquele ofício, “presume-se” que a taxa detectada possa ser afectada por eles, fazendo-se “automaticamente” o respectivo “desconto”.
Por sua vez, os tribunais, com frequência, senão mesmo na sua grande maioria ( segundo cremos) aceitam tais erros sem discussão e ficam “convencidos” que as taxas registadas não são absolutas mas afectadas presumidamente por tais erros.
E aceitam aquela orientação plasmada no sobredito oficio da DGV como pressupondo estarem perante aparelhos de fiabilidade não absoluta afectados pelos aludidos erros máximos admissíveis.
O ofício da Direcção Geral de Viação em causa  informa e remete para dados do IPQ no sentido de  que os aparelhos de mediação – entre os quais os alcoolímetros – sofrem do Desvio Padrão, o qual traduz a ideia de que poderá existir uma desconformidade entre o resultado que apresentam e a realidade que supostamente retratam. Sendo que a fiabilidade dos resultados é inversamente proporcional em relação ao valor medido.
Contudo, uma coisa é o desvio detectado ou detectável  no momento do controlo do funcionamento metrológico dos aparelhos, outra, bem diferente, a de esse desvio continuar a existir no momento em que tais aparelhos, após a sua certificação e controlo metrológico pelo Sistema Português de Qualidade, gerido e coordenado pelo IPQ, sejam utilizados pelas autoridades policiais fiscalizadoras do trânsito.
O Instituto Português da Qualidade (I.P.Q.), criado pelo Decreto-Lei n.º 183/86, de 12 de Julho, é o organismo nacional responsável pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, bem como pela unidade de doutrina e acção do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, instituído pelo Decreto-Lei n.º 165/83, de 27 de Abril.
Àquele diploma seguiram-se ajustamentos orgânicos no I.P.Q., por via do Decreto Regulamentar n.º 56/91, de 14 de Outubro, até à alteração produzida pelo Decreto-Lei n.º 113/2001, de 7 de Abril.
Por sua vez, o Sistema Português da Qualidade (S.P.Q.), resultante do Decreto-Lei n.º 234/93, de 2 de Julho, foi revisto pelo Decreto-Lei n.º 4/2002, de 4 de Janeiro, acabando por ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 140/2004.
Mediante o Decreto-Lei n.º 125/2004, de 31 de Maio, foi criado o Instituto Português de Acreditação, I. P., na sequência da concretização dos princípios e objectivos propostos pela União Europeia e a “EA – European Co-operation for Accreditation”.
O I.P.A.C. é, assim, o organismo nacional de acreditação que tem por fim reconhecer a competência técnica dos agentes de avaliação da conformidade actuantes no mercado, de acordo com referenciais normativos pré-estabelecidos.
Por sua vez, as regras gerais do controlo metrológico foram estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, que foi regulamentado pela Portaria n.º 962/90, de 09 de Outubro.
Da análise destes diplomas resulta ser o I.P.Q., enquanto gestor e coordenador do S.P.Q., quem, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.

2.5- Ora bem, dito isto, cabe ainda salientar que:
O legislador conhece a realidade social, humana e processual, rectius probatória, em que se move e para a qual legisla.
O modo de obtenção de prova no que ao crime de condução de veículo sob o estado de embriaguez concerne, não pode ser outro – em primeira linha - senão o da medição por aparelhos.
Se em tese abstracta é possível outro método, v.g. a observação de indícios externos indicadores do estado de embriaguez como sejam o equilíbrio, o cheiro ou o aspecto exterior do examinando, não se pode deixar de considerar que tal seria violador de vários princípios processuais e inclusive constitucionais.
Seguramente que o legislador conhecia o único possível modo de recolha de prova, as suas vicissitudes e também não podia ignorar que os aparelhos em questão podiam apresentar erros.
Sabedor desta situação o legislador entendeu por bem fixar os limites do crime e da contra-ordenação nos termos conhecidos, sendo que a prática de crime se consuma com a condução na via pública de veículo a motor com uma taxa igual ou superior a 1,20 g/1 de álcool no sangue.
Não podemos, pois, deixar de considerar que o legislador assumiu a possibilidade do erro de leitura e que se conformou com o mesmo, sendo que ao criar o limite quantitativo mínimo para a comissão do crime, tinha a consciência que seria sempre o aparelho de detecção de álcool no sangue a indicar sempre a taxa.
Por outro lado, o legislador rodeou-se de todas as possíveis cautelas para que o resultado seja o mais fiel possível.
Na verdade a lei exige, sob pena de invalidade do teste, que: os aparelhos sejam aferidos com regularidade (portaria 748/94 de 13 de Agosto); os mesmos aparelhos reúnam determinadas características (portaria 1006/98 de 30 de Novembro); que sejam oficialmente aprovados; que o teste seja efectuado em locais com determinada temperatura e humidade e a possibilidade do examinando requerer a contraprova.
O exame realizado por aparelho de detecção de álcool sangue só não será válido no caso de se violarem essas regras, i. e. os aparelhos não sejam aferidos com regularidade, não reúnam determinadas características, não sejam oficialmente aprovados ou o teste não seja realizado em locais com determinada temperatura e humidade.
Dispõe o art.°153.° do Código da Estrada, no seu n.°2, que quando o resultado do exame para pesquisa no álcool no sangue for positivo, a autoridade ou o agente da autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes e de que pode, de imediato, requerer a realização da contraprova.
Acrescenta o art°.3.° do Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro que a contraprova é realizada em analisador quantitativo no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste.
Assim, a notificação para a realização da contraprova poderá ser efectuada verbalmente quando a escrita não for possível e a contraprova só será válida se realizada dentro dos quinze minutos subsequentes à realização do teste quantitativo.
Caso o examinando prefira a realização da contraprova através da análise de sangue a recolha só poderá ser efectuada até duas horas após o acto da fiscalização (cfr. art.°153.° n.°3 do Código da Estrada e art.°6.° n.° 1 do Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro).
Da análise deste regime é razoável pois supor que o legislador entendeu que bastava o exame qualitativo realizado por aparelho de detecção de álcool no sangue para fazer prova da taxa de álcool, contudo, não querendo limitar os direitos do eventual arguido, de imediato criou a possibilidade do mesmo requerer a realização da contraprova através de análise ao sangue, a qual não admite qualquer margem de erro uma vez que não é efectuada por qualquer aparelho, mas sim em laboratório médico.
Depende, portanto, exclusivamente da vontade do próprio examinando ser submetido a um outro exame com a rigorosa certeza que o mesmo não admite qualquer margem para erro.
         O examinando deverá decidir por si próprio se concorda com a análise quantitativa ou se, pelo contrário, atento o possível erro de leitura do aparelho que a realizou, pretende submeter-se a uma análise ao sangue.
O arguido confessou sem reservas os factos, conforme se vê da acta da audiência e não requereu contraprova por análise ao sangue, após ter sido notificado para o efeito do exercício voluntário dessa opção.
O legislador rodeou-se, pois, de todas as cautelas que lhe eram possíveis a fim de garantir que o resultado do exame à taxa de álcool no sangue era fiável.
Termos em que não se pode deixar de considerar que o resultado apresentado pelo alcoolímetro era fiável e que o arguido se conformou com o mesmo, razão pela qual considerar, conforme o fez o Mm°. Juiz, que o teste em causa era afectado no seu valor probatório por erros máximos viola o disposto nos arts.°127.°, 164 e 169.° todos do Código de Processo Penal. (…) “
A consideração da verificação de uma taxa (2,30 g/l) inferior à registada pelo aparelho (2,71 g/l) não tem suporte probatório capaz sendo notório que o julgador deu um “salto ” inconsistente ao atribuir e valorar essa prova ( o teste efectuado pelo aparelho de medição) “diminuindo o seu alcance através da atribuição da possibilidade de erros máximos admissíveis. Ora, esse erros não foram minimamente demonstrados e, até prova em contrário, deve presumir-se que o valor registado / de 2,71 g/l) é o mais fiável e supõe um funcionamento correcto do aparelho previamente sujeito a certificação e controle.

2.6-Nestes termos, dá-se razão ao recorrente e, sanando o erro detectado, considera-se apenas provado no ponto 2 da matéria de facto  que:
“ Ao ser submetido ao exame de pesquisa no ar expirado, o arguido era portador de uma taxa de álcool etílico no sangue de 2,71g/l;”

E, consequentemente, retira-se que terá de ser dado como não provado  que:
“ a taxa de 2,71 gl/s detectada e referida no ponto 2 da matéria de facto provada  era correspondente à TAS de 2.30 g/l por dedução do valor do erro máximo admissível  aludido em ofício da DGV n° 14811 de 19.07.2006);

2.7- Importa retirar do que se acabou de concluir a consequência para a determinação da sanção alcançada. Teremos sempre por limite os 110 dias de multa propostos ( em vez dos 90 fixados inicialmente) e os nove meses de sanção acessória (em vez dos (8) oito também originariamente determinados.

         E não repugna subir a pena e  a sanção para tais limites, pois estão proporcionalmente enquadrados nos critérios gerais e especiais utilizados  pelo julgador na determinação das respectivas medidas concretas.  A diferença na taxa de alcoolemia exprime uma maior gravidade do ilícito e exige também uma maior severidade na pena e sanção acessória. E são necessárias à prevenção de factos novos futuros, já que o arguido foi em 2004 infractor  do mesmo bem jurídico.
         Dá assim razão integral ao recorrente, julgando procedente todo o recurso.


III- DECISÃO

         Pelo exposto, acordam os juízes em darem razão ao recorrente, alterando a matéria de facto ( ponto 2) e a decisão de condenação nos termos sobreditos, reformulando a mesma e condenando o arguido nos termos julgados no tribunal recorrido  mas subindo para 110 dias os dias de multa e para 9 meses o tempo fixado para a sanção acessória.
Sem tributação por não ser devida pelo MºPº ora recorrente


  Lisboa,  9     de Outubro  2007  

Os Juízes Desembargadores
(texto revisto pelo relator-artº94º CPP)

Agostinho Torres
Martinho Cardoso
José Adriano

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[1] vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95
[2]  vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e  o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de  Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335; e ainda  jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.