Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1921/2007-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
ALEGAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Se ambas as partes apelarem, com o regime previsto no nº 3 do art.º 698º do Código de Processo Civil pretende-se que em lugar de cada uma das partes alegar por duas vezes, primeiro para sustentar o seu recurso e depois para responder ao recurso da outra, haverá uma parte (a que recorreu mais tarde) que apresentará uma só alegação, na qual simultaneamente sustentará o seu recurso e impugnará os fundamentos da apelação da parte contrária, e uma parte (a que apelou em primeiro lugar) que poderá alegar uma segunda vez, para contraditar a segunda apelação, mas dispondo de um prazo mais curto (20 dias) para essa segunda alegação.
II – Se a parte que apelou em primeiro lugar não apresentar alegações, o tribunal deverá julgar o recurso deserto e notificar o segundo apelante para apresentar as suas alegações.
(J.L)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 04.11.1994 L J F F propôs, no Tribunal Cível de Lisboa, acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, com processo sumário, contra Companhia de Seguros pedindo que esta fosse condenada no pagamento de indemnização por danos sofridos pela Autora num acidente de viação ocorrido em 18.8.1989.
A Ré contestou e deduziu incidente de intervenção principal provocada de T F, A L F, L F , J A e M P A , os quais, tal como a A., faziam-se transportar no veículo sinistrado.
O chamamento foi admitido e, na sua sequência, A L F e T F, patrocinados pelo mesmo mandatário que a A., deduziram pedidos de indemnização contra a Ré, que os contestou.
Os autos seguiram os seus trâmites e em 17.02.2006 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à A. e aos dois Intervenientes indemnização nos termos aí constantes.
Tanto a A. como os Intervenientes e a Ré apelaram da sentença.
Notificados do despacho de recebimento dos recursos, a A. e os Intervenientes requereram que o tribunal, atento o disposto no nº 3 do art.º 698º do Código de Processo Civil, determinasse qual das duas partes (A. e Intervenientes por um lado e Ré pelo outro) deveria ser a primeira a alegar no recurso interposto. Mais pediram que o tribunal determinasse se as alegações deveriam ser notificadas entre os mandatários da A. e Ré.
O tribunal a quo atendeu ao requerimento, estipulando que deveria ser a Ré a alegar em primeiro lugar e que o prazo para apresentar as alegações se contaria a partir da notificação daquele despacho. Mais estabeleceu que as partes estavam dispensadas de dar cumprimento ao disposto no art.º 229º-A do Código de Processo Civil, pois a notificação caberia ao tribunal.
Em 08.9.2006 (fls 479) foi proferido despacho que julgou os recursos desertos, por falta de alegações.
Em 14.9.2006 foi junto aos autos (fls 482) um requerimento, que a A. e os Intervenientes haviam apresentado em 05.9.2006, no qual solicitavam que, uma vez que a R. não apresentara alegações, o recurso desta fosse julgado deserto e a A. fosse notificada desse despacho, a fim de apresentar a respectiva alegação.
O tribunal determinou que a Ré fosse notificada do aludido requerimento, tendo esta defendido que se mantivesse o despacho de fls 479, que julgara desertos ambos os recursos.
Por despacho proferido em 11.10.2006 o tribunal a quo decidiu indeferir o requerimento de fls 482 (de 05.9.2006) e manter o despacho de fls 479 (de 08.9.2006).
A A. e os Intervenientes agravaram deste despacho, tendo apresentado alegação em que formularam as seguintes conclusões:
1. Em 17 de Fevereiro de 2006, foi proferida a sentença constante dos presentes autos, da qual resultou a parcial procedência dos pedidos formulados por Autora e Intervenientes;
2. Inconformadas, ambas as partes interpuseram o competente requerimento para admissão do recurso de Apelação;
3. A fls. 472, Autora e Intervenientes requereram ao douto Tribunal que determinasse qual das partes deveria alegar em primeiro lugar, para efeitos de aplicação do n.° 3 do artigo 698.° do C.P.C., bem como a forma de notificação das respectivas alegações.
4. Destarte, a fls. 473, o Meritíssimo Juiz a quo determinou que seria a Ré a primeira apelante, e que o prazo para alegações se contaria da notificação do despacho em presença, mais determinando a notificação por via judicial, por considerar inaplicável o disposto no artigo 229°-A do C.P.C..
5. É facto que, no prazo decorrente da notificação do despacho de fls. 473, nenhuma das partes requereu a junção aos autos das competentes alegações do recurso de Apelação pelas mesmas interposto, o que deu azo ao despacho de fls. 479, o qual julgou os recursos desertos.
6. A fls. 482, os Agravantes tinham, entretanto, requerido que fosse julgado deserto o recurso interposto pela Ré, nos termos do n.° 3 do artigo 690.° do C.P.C., a fim de, notificados desse despacho, apresentar a respectiva alegação.
7. A Ré, através do requerimento de fls., exerceu o contraditório face ao requerido a fls. 482, pugnando pela manutenção do despacho de fls. 479.
8. A douta decisão de fls. 493 e 494 dos autos, ora recorrida, aclarou e manteve o teor do despacho de fls. 479, que julgou desertos os recursos de Apelação, interpostos por Autora e Ré.
9. Assim é, pois o Meritíssimo Juiz a quo entendeu considerar prevalecente o normativo constante do n.° 4 do artigo 698.° do C.P.C., o qual impunha um prazo único de alegação a ambos os Recorrentes.
10. Mais interpretou o âmbito de aplicação do n.° 3 do normativo em presença, no sentido de só a Ré poder produzir nova alegação, caso os ora Agravantes tivessem, em tempo, alegado a sua Apelação, em vinte dias.
11. Tal interpretação é manifestamente contrária ao princípio do contraditório pleno, consagrado no artigo 3° do C.P.C., pois, apenas a uma das partes seria facultado o direito à contra-alegação do recurso.
12. Nem se diga que o vertido no n.° 2 do artigo 698.° resolveria a questão, podendo ambas as partes contra-alegar os respectivos recursos, consequentemente à notificação judicial das alegações da parte contrária, pois desta forma o n.° 3 do mesmo normativo legal não teria qualquer âmbito de aplicação.
13. Por outro lado, contendo este a previsão específica da situação em que ambas as partes ocupam a posição processual de apelante e apelado, deve aplicar-se a norma especial, por obediência ao princípio da especialidade, e não a norma geral.
14. Tendo o legislador mantido o n.° 3 do artigo 698.° do C.P.C., não cabe ao intérprete presumir a previsão, por lapso, do legislador, mas, pelo contrário, aplicar a previsão legal, em concreto, de acordo com uma interpretação conforme ao pensamento do legislador, em obediência ao disposto no artigo 9.° do Código Civil.
15. Na circunstância específica de ambas as partes apelarem, a única interpretação possível, garantindo o exercício do contraditório pleno, determina que, a parte que ocupe a posição processual de primeiro Apelante, seja o primeiro a alegar, seguindo-se a alegação e contra-alegação, simultânea, do segundo Apelante, vindo o primeiro a responder, em vinte dias, contados da notificação das alegações do segundo Apelante.
16. In casu, a Ré deixou deserto o seu recurso de apelação.
17. Porém, os ora Recorrentes não tinham como determinar se a Ré ia ou não levar a final o propósito manifestado de não alegar o recurso, tanto mais que havia requerido a prestação de caução.
18. Nem pode, sobre os segundos Apelantes, impender o ónus de consultar os autos diariamente, com vista a determinar se o seu prazo de alegação seria o primeiro prazo, de 30 dias, ou um prazo idêntico, mas subsequente, nos termos do n.° 3 do artigo 698.°, concretamente interpretado.
19. O princípio da certeza e segurança jurídica não são compatíveis com uma tal solução.
20. Pelo contrário, e por outro lado, ainda que deixe o recurso deserto, à primeira Apelante, ainda assim, sempre seria facultado o direito de responder, não no prazo de trinta dias decorrente da aplicação do n.° 2 do artigo 698.° do C.P.C., mas sim no prazo de 20 dias, nos termos do n.° 3 do mesmo normativo.
21. A interpretação pela qual se pugna, perfilhada pela doutrina e jurisprudência invocadas, é a única coerente com o sistema, na medida em que, a leitura constante da decisão recorrida determina uma disparidade e desigualdade entre as partes e retira todo e qualquer conteúdo útil ao preceito em questão.
22. O facto de a Agravada ter deixado deserto o seu recurso não pode fazer prevalecer a norma constante do n.° 4 do artigo 698.° do C.P.C., pois, situações idênticas deverão ser tratadas igualmente, ou seja, sempre que haja duas apelantes e (simultaneamente) apeladas, deverá ser aplicado o n.° 3 do artigo 698.° do C.P.C., determinando, como consequência, a divergência dos prazos de alegação, que passam a ser sucessivos, e não simultâneos, de acordo com a tese ora pugnada pelos Agravantes.
23. Por fim, sempre se dirá que a conduta processual dos Agravantes sempre se pautou pela interpretação pugnada, razão pela qual suscitaram a necessidade de determinar qual das partes ocuparia a posição de primeira Apelante, e requereram a notificação do despacho de deserção, para efeitos de apresentação das suas alegações.
24. Em conclusão, mostram-se violados o artigo 9.° do Código Civil, e os artigos 3°, 698.°, n.° 2, 3 e 4, todos do Código de Processo Civil.
Não houve contra-alegações.
Os intervenientes A L e T F e a Ré juntaram aos autos um acordo de transacção atinente ao litígio objecto deste processo, transacção essa que foi homologada pelo tribunal a quo.
Notificada, pelo tribunal a quo, para informar se mantinha interesse no recurso, a A. respondeu afirmativamente.
O tribunal a quo sustentou o despacho recorrido.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Face à transacção a que os Intervenientes e a Ré chegaram, o presente recurso prossegue tão só entre a A. e a Ré.
A questão a apreciar neste recurso é se, tendo apelado tanto a A. como a Ré, e tendo pelo tribunal sido esclarecido que a Ré fora a primeira a apelar, deveria a A. aguardar pela alegação da Ré para, após, apresentar a sua alegação, respeitante tanto ao seu recurso como ao da parte contrária.
Para além do supra relatado, haverá que levar em consideração o circunstancialismo que ora se consigna:
1. O despacho que recebeu os recursos (de apelação) interpostos pelas partes tem o seguinte teor: “Porque tempestivos e interpostos por quem tem legitimidade admitem-se os recursos interpostos a fls 455 e 458, que são de apelação”.
2. Tal despacho foi notificado às partes em 10.4.2006.
3. Em 09.5.2006 a A. e os Intervenientes após exporem que “uma vez que a douta sentença foi apelada por ambas as partes e atento o disposto no nº 3 do artigo 698º do Código de Processo Civil, necessário se torna determinar qual das duas partes deverá ser a primeira a alegar o recurso interposto, atento o facto de o mencionado normativo ser interpretado no sentido de só ao primeiro apelante ser concedido o direito de produzir nova apelação”, requereram ao tribunal que proferisse despacho “no sentido de definir qual dos recorrentes deverá alegar em primeiro lugar”.
4. No mesmo requerimento a A. e os intervenientes solicitaram que o tribunal “face à jurisprudência contraditória que tem sido proferida nas instâncias superiores, determine se as alegações deverão ser notificadas, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 229º-A do Código de Processo Civil, entre os mandatários da A. e Ré.”
5. Em 17.5.2006 o tribunal a quo pronunciou-se sobre o aludido requerimento nos seguintes termos:
Dado que assim é requerido, entende-se que a 1ª parte a alegar é a Ré, por ter sido quem apresentou o requerimento “original” em 1º lugar, pois o recurso da autora e outros entrou por fax.
Assim, determina-se seja a Ré a alegar em 1º lugar.
O prazo para apresentar as alegações conta-se da data da notificação deste despacho, inutilizando-se todo o prazo que correu entretanto.
As partes estão dispensadas de dar cumprimento ao disposto no art.º 229º-A do CPC pois, entende-se que a notificação, neste caso, cabe ao tribunal.”
6. As partes foram notificadas deste despacho em 22.5.2006.
7. Nenhuma das partes apresentou alegações nos recursos de apelação.
8. Em 05.9.2006 a A. e os Intervenientes apresentaram no processo o seguinte requerimento:
Compulsados os autos, verifica-se que a Ré, notificada da admissão do recurso e da prioridade da sua alegação, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 698.º do Código de Processo Civil, em virtude do despacho de fls., não apresentou alegações no âmbito do recurso por si interposto.
Assim sendo, e atento o normativo em questão, deverá o recurso da Ré ser julgado deserto, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, o que desde já se requer, vindo a Autora, notificada desse mesmo despacho, a apresentar a respectiva alegação.
9. Em 08.9.2006, sem que tivesse sido ainda junto ao processo o requerimento referido em 8., foi proferido o seguinte despacho (fls 479):
Por falta de alegações, julgam-se os recursos desertos”.
10. O despacho referido em 9. foi notificado às partes em 11.9.2006.
11. O requerimento referido em 8. foi junto ao processo em 14.9.2006.
12. Após tomar conhecimento do requerimento referido em 8. o tribunal a quo determinou que se ouvisse sobre o mesmo a Ré e posteriormente (em 11.10.2006) proferiu o seguinte despacho (fls 493 e 494):
A fls.482 dos autos vieram L J F F e outros, autora e intervenientes nestes autos requerer se julgue deserto o recurso interposto pela ré, por falta de alegações e se notifique a autora desse despacho para ela possa apresentar as suas alegações. Funda a sua pretensão no preceituado no art. 698° n° 3 do CPC.
Notificada para se pronunciar veio a ré opor-se, não a que se julgue deserto o recurso por si interposto, como efectivamente deve fazer-se, mas a que a autora, notificada desse despacho possa apresentar as suas alegações, até porque, no seu entender, o disposto no citado art. 698° n°3 não tem aplicação ao caso em apreço.
Vejamos.
Em 17/02/2006 foi proferida sentença nestes autos julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar à autora e intervenientes determinadas quantias a título de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação.
Desta decisão interpuseram recurso a ré a autora e os intervenientes, que foram admitidos como de apelação.
A fls. 472 vieram a autora e os intervenientes requerer, uma vez que ambas as partes tinham apelado e considerando o disposto no art. 698° ° 3 do CPC, se determinasse qual das partes alegava em primeiro lugar.
Foi então proferido despacho a fls. 473 em que se determinou seria a ré a alegar em 1° lugar e que o prazo para alegações se contava a partir da notificação do despacho em causa.
O prazo para apresentação das alegações passou sem que qualquer das partes tivesse alegado.
Foram os recursos julgados desertos, conforme despacho de fls. 479.
Foi entretanto junto aos autos o requerimento de fls. 482 com data anterior à do despacho de fls 479, mas só posteriormente junto a estes.
É deste requerimento que cabe agora conhecer e para dizer que o requerido não tem suporte legal.
Na verdade, havendo vários recorrentes ou recorridos, o prazo das respectivas alegações é único – n° 4 do art. 698° citado -, não sucessivo: no prazo de 30 dias (ou quarenta no caso previsto no n° 6 do citado artigo) todas as alegações tem que ter sido produzidas – no caso presente a contar da notificação do despacho de fls. 473.
O art. 698° n° 3 do CPC permite ao primeiro apelante, depois de notificado das alegações do segundo, produzir nova alegação em 20 dias e apenas para impugnar os fundamentos da segunda apelação; é esse o seu campo de aplicação e nenhum outro.
Ora, neste caso, a primeira apelante era a ré e, por isso, só ela podia produzir uma nova alegação, caso a autora tivesse, em tempo, produzido as suas e caso a ré não tivesse deixado o recurso deserto.
Permitir o ora requerido pela autora e intervenientes é, objectivamente, contra legem e, logo, inadmissível.
Donde, e pelo exposto, indefere-se o requerido a fls. 482, com o que se mantém o despacho de fls. 479.
Custas do incidente pelos requerentes, sem prejuízo dos concedidos apoios judiciários.”
O Direito
Previamente, caberá apreciar se o presente recurso deve abarcar, além do despacho de fls 493 e 494, também o despacho de fls 479, que julgou deserto o recurso interposto pela A. (para além de julgar deserto o recurso interposto pela Ré, juízo esse que não foi impugnado).
Como se viu supra, o tribunal a quo julgou desertos os recursos sem se pronunciar sobre o requerimento que a A. e outros haviam apresentado no sentido de só ser julgado deserto o recurso da Ré e de lhes ser admitida a apresentação da sua alegação após serem notificados do despacho de deserção desse recurso.
A referida omissão, resultante de não ter sido tempestivamente junto ao processo o aludido requerimento, levou a que o tribunal a quo se sentisse na necessidade de reanalisar a questão da deserção do recurso da A., o que fez mantendo o despacho que julgou deserto o recurso, mas complementando-o, esclarecendo o seu pensamento à luz do requerimento apresentado pela A. e Intervenientes. Decorrendo tal desfecho da apresentação do aludido requerimento, tudo se passou como se o despacho inicial tivesse sido objecto de esclarecimento à luz do disposto nos nºs 2 e 3 do art.º 666º e 669º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, sendo o segundo despacho parte integrante do primeiro despacho (art.º 670º nº 2, 2ª parte do Código de Processo Civil).
Assim, o recurso, como aliás decorre das alegações e respectivas conclusões, incide sobre o primeiro despacho, complementado pelo segundo.
Antes da reforma do processo civil introduzida pelos Decretos Lei nº 329-A/95, de 12.12 e 180/96, de 25.9, o juiz fixava o prazo, entre dez e vinte dias, para o apelante e, depois, o apelado, apresentarem as suas alegações, o que ocorreria no tribunal ad quem ou, se tal fosse atempadamente requerido por qualquer das partes, no tribunal a quo, sendo o exame do processo facultado à parte durante o respectivo prazo para a alegação (artigos 705º nº 1 e nº 3 e 699º nº 1 do Código de Processo Civil). Se houvesse mais de um recorrente ou mais de um recorrido com advogados diferentes, cada um deles teria para alegar um prazo distinto e sucessivo, segundo a ordem determinada pelo juiz (art.º 705º nº 2). Se ambas as partes tivessem apelado, o primeiro apelante teria ainda, depois da alegação do segundo, direito a exame do processo, mas somente para impugnar os fundamentos da segunda apelação (nº 4 do artigo 705º do Código de Processo Civil). Assim, se houvesse vários recorrentes, cada um patrocinado por advogado diferente, e um só recorrido, cada um dos recorrentes apresentaria a sua alegação, sucessivamente, e depois caberia ao recorrido alegar; se houvesse um só recorrente e vários recorridos, cada um com o seu advogado, após o recorrente apresentar a sua alegação cada um dos recorridos teria sucessivamente a sua oportunidade de alegar, contraditando o recurso. Havendo vários recorrentes e vários recorridos, cada um com o seu advogado, cada um dos recorrentes apresentaria a sua alegação e depois cada um dos recorridos apresentaria a sua, todos pela ordem e no prazo indicados pelo juiz. Se tanto o autor como o réu apelassem, aquele que tivesse recorrido primeiro apresentaria a sua alegação, no prazo para tal fixado pelo juiz, depois a outra parte apresentaria a sua alegação, tanto destinada a suportar o seu recurso como a contraditar o recurso da outra parte, e finalmente o primeiro recorrente poderia apresentar nova alegação, destinada exclusivamente a impugnar os fundamentos da segunda apelação. No caso de pluralidade de apelantes que também fossem apelados, cada um com o seu advogado, caberia ao primeiro apelante apresentar a sua alegação, seguindo-se-lhe os restantes compartes, pela ordem indicada pelo juiz; depois alegaria cada uma das partes contrárias, pela ordem indicada pelo juiz, sustentando o respectivo recurso e impugnando os fundamentos das partes contrárias; finalmente o primeiro apelante e cada um dos seus compartes poderia alegar de novo, exclusivamente para impugnar os fundamentos das apelações das partes contrárias.
Por força da reforma de 1995/1996 (aplicável a estes autos – art.º 25º nº 1 do Dec.-Lei nº 329-A/95, com a redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 180/96) a alegação da apelação passou a ser apresentada no tribunal a quo, no prazo de 30 dias a contar da notificação do despacho de recebimento do recurso (com o acréscimo de 10 dias no caso de se pretender a reapreciação da prova gravada – art.º 698º nº 6) – art.º 698º nº 2 do Código de Processo Civil. O recorrido pode responder em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação do apelante (nº 2 do art.º 698º do Código de Processo Civil). O nº 3 do art.º 698º estipula que se tiverem apelado ambas as partes, o primeiro apelante tem ainda, depois de notificado da apresentação da alegação do segundo, direito a produzir nova alegação, no prazo de 20 dias, mas somente para impugnar os fundamentos da segunda apelação. O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que se houver vários recorrentes ou vários recorridos, ainda que representados por advogados diferentes, o prazo das respectivas alegações é único, incumbindo à secretaria providenciar para que todos possam proceder ao exame do processo durante o prazo de que beneficiam.
O nº 3 do artigo 698º estipula um desvio à regra do nº 2 do mesmo artigo. Nos termos do nº 2 o apelante tem 30 dias para alegar, seguindo-se-lhe o apelado, que tem igual prazo para responder, apresentando a sua alegação após ser notificado da alegação do apelante (prazos estes que serão acrescidos de dez dias, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada – nº 6 do art.º 698º). Se ambas as partes apelarem, com o regime previsto no nº 3 do art.º 698º do Código de Processo Civil pretende-se que em lugar de cada uma das partes alegar por duas vezes, primeiro para sustentar o seu recurso e depois para responder ao recurso da outra, haverá uma parte (a que recorreu mais tarde) que apresentará uma só alegação, na qual simultaneamente sustentará o seu recurso e impugnará os fundamentos da apelação da parte contrária, e uma parte (a que apelou em primeiro lugar) que poderá alegar uma segunda vez, para contraditar a segunda apelação, mas dispondo de um prazo mais curto (20 dias) para essa segunda alegação. Com este sistema pretende-se simplificar e acelerar a tramitação das diversas apelações. Porém, para tal é necessário que não surjam dúvidas sobre quem foi a primeira parte a apelar, questão essa que pode não ser de fácil resposta para as partes, quer porque nem sempre terão atempada disponibilidade para examinar o processo, quer porque pode ocorrer que os requerimentos de interposição de recurso tenham a mesma data. Daí que Lopes do Rego defenda que no despacho de admissão dos recursos o juiz deve indicar expressamente qual a parte que apelou primeiro, a fim de fixar qual delas deverá aguardar pela alegação da outra para apresentar a sua (única) alegação, seguindo-se depois a segunda alegação da identificada como primeira apelante (Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, Almedina, pág. 594). Lebre de Freitas entende que se o juiz não proceder a tal indicação, cada parte deve alegar e contra-alegar em prazos contados, respectivamente, da notificação do despacho de admissão e da notificação das alegações da contraparte, não se aplicando literalmente o disposto no nº 3 (Código de Processo Civil anotado, volume 3º, Coimbra Editora, 2003, páginas 70 e 71). Amâncio Ferreira entende que a norma é inútil, devendo ser erradicada do sistema jurídico, bastando o esquema de alegações e contra-alegações decorrente do regime do nº 2 do art.º 698º (Manual dos recursos em processo civil, 6ª edição, Almedina, pág. 197, nota 399).
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão proferido em 08.7.2003 (Col. de Jurisp, STJ, ano XI, tomo II, páginas 142 e 143; também na internet, dgsi-itij, processo 03A1360), citado pela agravante e por Amâncio Ferreira (obra mencionada, local citado) embora concorde com a conveniência de se revogar o aludido nº 3, entende que enquanto tal não suceder a única interpretação possível é que “o segundo apelante, ou seja, o recorrente que apresentou o requerimento de recurso em segundo lugar, poderá aguardar a notificação das alegações do primeiro apelante (…) para, no mesmo prazo de 30 dias a contar dessa notificação, oferecer as suas alegações, quanto ao seu recurso, e as suas contra-alegações, no tocante ao recurso da parte contrária, tendo depois o primeiro apelante um prazo de 20 dias, a partir da sua notificação das alegações e contra-alegações da outra parte, para impugnar os fundamentos da segunda apelação.
O nº 4 do artigo 698º reporta-se à anterior redacção do nº 2 do art.º 705º do Código de Processo Civil, ou seja, à situação em que há mais do que um apelante ou mais do que um apelado, mas não à situação em que ambas as partes são simultaneamente apelantes e apelados. O nº 4 do artº 698º modificou a anterior regra do nº 2 do artigo 705º do Código de Processo Civil, estipulando que, mesmo que os recorrentes ou recorridos sejam patrocinados por advogados diferentes, o prazo para alegarem não é sucessivo, como ocorria no regime anterior, mas único, correndo em simultâneo para todos (embora contado da data em que cada um foi notificado para o efeito, obviamente), incumbindo à secretaria providenciar para que todos possam proceder ao exame do processo durante o prazo de que beneficiam. É óbvio que esta norma em nada belisca o direito de cada recorrido contraditar o recurso interposto pela parte contrária.
Assim, discorda-se do despacho recorrido quando nele se pretende aplicar ao caso sub judice o nº 4 do art.º 698º do Código de Processo Civil, de forma a impor que o prazo para a A. e a Ré apresentarem a sua alegação correria em simultâneo, a contar da notificação que lhes foi feita do despacho que indicou a Ré como sendo a primeira apelante, e mais defendeu que o nº 3 do artigo 698º tinha por efeito único atribuir à Ré, primeira apelante, a faculdade de responder à alegação da A. no prazo de 20 dias, caso esta tivesse alegado tempestivamente.
Tal solução contraria o sistema legal, violando frontalmente o princípio do contraditório (art.º 3º do Código de Processo Civil), pois impediria uma das partes (o segundo apelante, neste caso a A.) de impugnar os fundamentos do recurso interposto pela parte contrária.
Quando recebeu as duas apelações, o tribunal a quo não se pronunciou sobre qual das partes deveria ser considerada como primeira apelante. Então a A. pôs a questão expressamente ao tribunal, nos termos supra indicados, não deixando margem para dúvidas que, no entendimento da requerente, de tal indicação resultaria que a parte que recorrera em segundo lugar ficaria a aguardar pela alegação do primeiro apelante, cabendo-lhe então alegar tanto para sustentar o seu recurso como para contraditar o da parte contrária.
No despacho proferido pelo tribunal a quo nada indiciava que o seu ponto de vista sobre esta questão era diferente. De facto, o tribunal deferiu ao requerido, dizendo que “a 1ª parte a alegar é a Ré” e estipulou que “o prazo para apresentar as alegações conta-se da data da notificação deste despacho, inutilizando-se todo o prazo que correu entretanto.” Mais determinou que as partes não teriam que dar “cumprimento ao disposto no art.º 229º-A do CPC pois, entende-se que a notificação, neste caso, cabe ao tribunal.”
O facto de o tribunal a quo ter escrito que o prazo para as alegações se contava a partir da notificação do aludido despacho não poderia, face ao sentido decorrente de tudo o exposto, significar que também a alegação da A. deveria ser apresentada no prazo de 30 dias contados da notificação do despacho. Por um lado, a expressão “alegações” é frequentemente utilizada no plural tanto para expressar a alegação de recurso de uma só parte como as das diversas partes, recorrente(s) e/ou recorrido(s). Por outro lado, mesmo que se entendesse a expressão “alegações” como abarcando a alegação de todas as partes, era razoável interpretar a frase usada como querendo dizer que todo o processualismo tendente à apresentação das alegações (1º a da Ré, depois a da A. e finalmente a contra-alegação da Ré) se iniciava a contar da notificação do despacho, correndo os prazos sucessivamente, conforme resultava da lei (sendo certo que, saliente-se mais uma vez, no despacho se diz que “Assim, determina-se seja a Ré a alegar em 1º lugar”).
Do despacho de 17.5.2006, em que o tribunal a quo se pronunciou sobre a pretensão da A. de que fosse clarificado quem seria a primeira parte a alegar, resultaram estabelecidas, de acordo com a única interpretação plausível, as seguintes regras de actuação processual: a partir da notificação daquele despacho contar-se-ia o prazo para a Ré alegar; seguir-se-lhe-ia a A., que alegaria tanto para fundamentar o seu recurso como para impugnar a apelação da Ré; seguir-se-lhe-ia a Ré, que poderia alegar, em 20 dias, exclusivamente para impugnar a apelação da A. O prazo para a A. alegar e, depois, para a Ré contra-alegar, contar-se-ia a partir da notificação que lhes fosse feita da alegação da parte contrária, notificação essa que estava a cargo do tribunal.
Transitado em julgado o aludido despacho do tribunal a quo (o de 17.5.2006), essas regras tornaram-se obrigatórias no processo e por isso não poderiam as partes, maxime a A., ser surpreendidas com entendimento diverso, nomeadamente no sentido de que a A. deveria ter apresentado a sua alegação de recurso no prazo de 30 dias a contar do despacho de admissão do recurso ou do despacho proferido em 17.5.2006 e, não o tendo feito, julgar extinto o seu direito ao recurso. Tal constituiria violação de caso julgado (art.º 672º do Código de Processo Civil) e dos princípios da segurança e da confiança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição da República Portuguesa (cfr., neste sentido, v.g., acórdão nº 722/2004 do Tribunal Constitucional, de 21.12.2004, publicado no D.R., II série, de 04.02.2005, pág. 1777, relativo a acórdão da Relação de Lisboa que decidiu rejeitar por extemporaneidade o recurso interposto por um arguido de acórdão em que fora condenado na comarca de Sintra, por a Relação ter oficiosamente julgado ilegal o despacho da primeira instância que declarara interrompido o prazo de recurso enquanto não fosse disponibilizada ao arguido cópia da gravação do julgamento).
A A. ficou, pois, a aguardar que o tribunal a quo a notificasse da alegação de recurso da Ré. Não tendo a Ré apresentado a sua alegação, cabia ao tribunal a quo julgar deserto o recurso interposto pela Ré (art.º 291º, nºs 2 e 4 do Código de Processo Civil) e notificar a A. desse despacho, correndo a partir dessa notificação o prazo para a A. alegar no seu recurso.
O agravo é, pois, procedente.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se o agravo procedente e consequentemente revoga-se o despacho recorrido, na parte em que julgou deserto o recurso de apelação interposto pela A., ora agravante, e determina-se que em sua substituição o tribunal a quo ordene a notificação da A. para apresentar a alegação na sua apelação, no prazo legal.
Custas pela agravada.

Lisboa, 17.5.2007

Jorge Leal
Américo Marcelino
Francisco Magueijo