Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4801/2007-4
Relator: HERMÍNIA MARQUES
Descritores: ACTO DA SECRETARIA
CONTESTAÇÃO
PRAZO JUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – Nos termos do nº 6 do art. 161º do CPC, ex vi do art. 1º, nº 2, alínea a) do CPT, “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.

II – Assim, tendo a secretaria, na carta de citação enviada à Ré, mencionado que o prazo de 15 dias para contestar a acção emergente de acidente de trabalho, se suspendia durante as férias judiciais de Natal e Ano Novo, a contestação apresentada dentro de 15 dias, descontado o prazo de suspensão daquelas férias judiciais, tem de considerar-se tempestiva
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
(A), instaurou na 1ª secção do 5º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra
(C), SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDª e, subsidiariamente, contra
COMPANHIA EUROPEIA DE SEGUROS, S. A., com a designação actual de (E), S. A., pedindo a condenação da primeira a pagar-lhe uma pensão anual no valor de € 11.583,45, acrescida de € 87,34 de despesas médicas; € 75,00 de subsídio de transportes; € 4.279,20 de subsídio por morte; € 2.852,80 a título de despesas de funeral e € 15.000 a título de reparação por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora; subsidiariamente, para o caso de se entender não se ter verificado culpa da entidade patronal na produção do acidente de trabalho participado, pede a condenação das RR. a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia no montante de € 3.475,04, sendo da responsabilidade da seguradora, 2.ª Ré, o pagamento da quantia de € 2.100,00 e da responsabilidade da entidade patronal, 1.ª Ré, o pagamento da quantia de € 1.375,04 e ainda as despesas  retro mencionadas.
Para tanto alegou, em síntese:
- Em 10/03/2003 ocorreu um acidente de trabalho, na Quinta das Amoreiras, Santa Iria de Azóia, que vitimou seu marido (P), o qual trabalhava por conta e sob fiscalização da 1.ª Ré, sendo que o beiral do telhado em que ele se encontrava não estava protegido com guarda-corpos ou outras protecções e por isso não foi impedida a sua queda, em consequência da qual sofreu lesões que lhe determinaram a morte, aos 62 anos de idade. O sinistrado não havia recebido da 1.ª Ré a formação adequada para desempenhar o serviço que executava, nem a mesma Ré fiscalizou as condições em que aquele o desempenhava. O acidente ocorreu, assim, por culpa da entidade patronal, que violou as regras de segurança que lhe cumpria implementar, informar e fazer cumprir, concretamente o artigo 36.º do Decreto 41821, de 11 de Agosto de 1958, em articulação com o artigo 11.º, n.º 1 da Portaria n.º 11/96, de 3 de Abril e artigo 7.º n.º 2 e 5.1. da Secção II do Anexo IV da Directiva 52/97CE, publicada no Jornal Oficial das Comunidades, e artigo 1.º do Decreto-lei n.º 155/95, de 1 de Julho.
- O sinistrado deixou como única herdeira sua esposa, a aqui autora.
- À data do acidente o mesmo auferia cerca de € 730,00 x 14 de retribuição base anual, acrescida de € 4.00 x 22 x 11 de subsídio de alimentação, e ainda € 35,95 x 11 de subsídio de transporte, a que corresponde a retribuição anual bruta de € 11.583,45. - A entidade patronal tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a seguradora aqui 2.ª Ré apenas pela retribuição de € 500,00 x 14, a que corresponde a retribuição anual bruta de € 7.000,00.
- Desde a morte do sinistrado, seu marido, a A. padece de grande angústia e sofrimento, tendo sido frustradas todas as expectativas e projectos de vida, tanto mais que, o sinistrado era o sustento económico do lar, garantindo à A. o pagamento das despesas e necessidades fundamentais como alimentação, vestuário, água, luz, telefone, gás, e medicamentos, pois a A autora é doméstica, sem qualquer rendimento, vivendo agora com graves carências económicas.

A R. Seguradora contestou a acção alegando que o acidente se deu por violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, já que não estavam implementados na obra dispositivos colectivos nem individuais de segurança que prevenissem a queda em altura, além de que a obra não tinha plano de segurança e saúde.
Conclui esta R. defendendo que a sua responsabilidade é apenas subsidiária. 

Por sua vez a Ré “(C) – Sociedade de Construções S.A.” contestou nos termos de fls. 273 e segs. alegando, fundamentalmente, que a retribuição do sinistrado era, apenas, de € 500,00 e subsídio de alimentação, não auferindo subsídio de transporte nem a retribuição mensal de € 730,00.
A culpa pela produção do acidente deveu-se à “Sociedade Agrícola Casa Reynolds, S.A.” porque em meados de 2000 a Ré “(C)” mudou-se definitivamente para Campo Maior, mas o sinistrado comunicou que lhe era impossível acompanhar a Ré, que gostava de continuar a trabalhar na “Casa Reynolds”, onde a Ré “(C)” fizera diversas obras, e que a “Casa Reynolds” também gostaria que ele ficasse. Mas, como o sinistrado não pretendia desvincular-se da Ré “(C)”, esta e a “Casa Reynolds” reuniram-se e formalizaram, a cedência do sinistrado, e de um outro trabalhador, igualmente aquiescida por estes. Nos termos de tal cedência, o sinistrado ficava vinculado à Ré “(C)”, mas a trabalhar sob as ordens, direcção e autoridade da “Casa Reynolds”. No final de cada mês, o salário era pago nas instalações da “Casa Reynolds” pela “(C)”, que receberia da “Casa Reynolds”, doze meses por ano, uma quantia para ressarcimento dos 14 salários pagos em cada ano, acrescida das despesas de deslocação do seu representante e duma quantia calculada em função dos direitos que os trabalhadores iam adquirindo pelo vínculo laboral.
Assim, a responsabilidade pela violação de regras de segurança pertence à “Casa Reynolds”, que a Ré “(C)” chama a intervir na lide. Acresce que a “(C)” foi condenada numa coima e em custas pela Inspecção Geral do Trabalho e, caso se verifique violação das regras de segurança, deve ser reembolsada pela “Casa Reynolds”.

Notificada desta contestação, a A. veio suscitar a questão da extemporaneidade da mesma e opor-se ao chamamento da “Casa Reynolds”.

Foi depois proferido o despacho de fls. 369 pelo qual se decidiu considerar extemporânea a contestação e consequentemente não se apreciar a questão do chamamento da “Casa Reynolds”.

A R. “(C)” interpôs recurso desse despacho, que foi admitido como de agravo com subida diferida e, nas alegações do recurso de apelação que interpôs da sentença, a R. manifestou interesse no conhecimento daquele Agravo nos termos do art. 748º do CPC.
Nesse recurso de Agravo formulou a recorrente as seguintes conclusões:

1º - Por força do disposto no art. 161º nº 6 do CPC, ex-vi do art. 1º do CPT, as partes não podem ser prejudicadas por erros e omissões praticados pela secretaria judicial.

– A secretaria, no acto de citação da ora recorrente para contestar, erradamente, assinalou-lhe que o prazo de 15 dias que dispunha para o efeito, se suspendia durante as férias judiciais que decorreriam de 22 de Dezembro a 03 de Janeiro.

– A ora recorrente foi citada em 14/12/2004 e o prazo para contestar, tal como indicado na carta de citação, terminava em 11/01/2005.

– A parte, ora recorrente, praticou o acto, contestando, em 10/01/2005, confiando no teor da carta de citação, pelo que, aplicando ao caso concreto o disposto no art. 161º nº 6 do CPC, fê-lo em tempo.

- Tendo praticado o acto em tempo, a contestação não é extemporânea, devendo ser admitida e junta aos autos.

6º - Decidindo em contrário o Mmº. Juiz “a quo” fez incorrecta aplicação da lei, nomeadamente do art. 161º nº 6 do CPC, que violado ficou.

7º - Deve, assim, o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue a contestação da ora recorrente em tempo e mandada juntar aos autos para todos os legais efeitos.

A A. apresentou as contra-alegações de fls. 388 e segs., onde conclui com o entendimento de que as acções emergentes de acidente de trabalho têm natureza urgente, pelo que os actos processuais a praticar pelas partes não se suspendem durante as férias judiciais. Assim, a contestação da recorrente deu entrada fora de prazo, pelo que é extemporânea, razão pela qual o recurso em apreço não merece provimento, pois não tem base legal.

A co-ré seguradora não apresentou contra-alegações.
 
Oportunamente realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida a sentença de fls. 566 e segs., que julgou a acção do seguinte modo:

Nos termos supra expostos, julgo a acção procedente por provada quanto ao pedido principal, condenando a 1ª Ré a:
a) pagar à A. a pensão anual e vitalícia de 11.583,45€ (onze mil quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos) devida desde 11.3.2003.
b) pagar à A. a quantia de 4.279,20€ (quatro mil duzentos e setenta e nove euros e vinte cêntimos) a título de subsídio de morte e a quantia de 2.852,80€ (dois mil oitocentos e cinquenta e dois euros e oitenta cêntimos) a título de despesas de funeral.
c) a pagar à A. a quantia de 87,34€ (oitenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos) a título de despesas médicas ocasionadas com o acidente dos autos e a quantia de 75,00€ (setenta e cinco euros) em deslocações ao Tribunal.
d) a pagar à A. a quantia de 15.000€ (quinze mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.
e) A pagar juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento sobre a quantia global de 22.294,34€ (dois mil e duzentos e noventa e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) resultante da soma das quantias mencionadas em b) c) e d).
f) Mais condeno a 1ª Ré em custas”.

Dessa sentença apresentou a R. “(C)” recurso de apelação nos termos de fls. 602, formulando as seguintes conclusões:
(…)

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer nos termos de fls. 662.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foi dada como provada na primeira instância a seguinte matéria de facto:

1 - No dia 10 de Março de 2003 ocorreu um acidente de trabalho, na Quinta das Amoreiras, sita na Rua de Angola, nº 3, em Santa Iria da Azóia, em que foi vítima (P).
2 - O acidente verificou-se quando o sinistrado trabalhava, por conta e sob fiscalização da 1.ª Ré, (C) - Sociedade de Construções Limitada, como arvorado.
3 - No exercício dessa actividade o sinistrado no citado dia 10 de Março de 2003, sofreu um acidente de trabalho que se objectivou numa queda de aproximadamente 7 metros.
4 - O sinistrado executava trabalhos de alvenaria  (rematava com cimento as beiras de três janelas das águas furtadas, situadas na cobertura do edifício).
5 - O sinistrado recebia os baldes de cimento do servente para a prancha do último piso do andaime, através de uma roldana montada também naquela prancha.
6 - O sinistrado recebia os baldes de cimento no andaime e depois os transportava para o telhado através de um vão existente no canto esquerdo do edifício, conforme resulta do auto de notícia já junto aos autos.
7 - O beiral do telhado não se encontrava protegido por qualquer guarda - corpos ou outras protecções.
8 - O sinistrado caiu do beiral  do telhado para o solo,
9 -  por se ter desequilibrado quando transportava os baldes de cimento.
10 - Em consequência da referida queda o sinistrado veio a sofrer os traumatismos descritos no relatório de autópsia de fls. 98 e seguintes. Lesões essas que lhe determinaram a morte.
11 - O sinistrado não havia recebido da 1.ª Ré a formação adequada para desempenhar o referido serviço, nem a mesma 1ª Ré fiscalizou as condições em que aquele desempenhava o seu trabalho.
12 - O sinistrado deixou como herdeiros, a sua esposa e aqui Autora, de nome (A).
13 - A entidade patronal tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a 2.ª Ré – Companhia de Seguros  Liberty, apenas pela retribuição de 500,00 Euros x 14  a que corresponde a retribuição anual bruta de 7.000,00 euros.
14 - Realizada em 30 de Abril de 2004, a tentativa de conciliação a mesma frustrou-se porque: 
a) a primeira ré aceita o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e o óbito do sinistrado, e apenas aceita que a retribuição auferida, é a que consta dos autos, 500,00 euros x 14 meses, acrescida de 4.00 euros x 22 x 11 de subsídio de alimentação, e ainda 35,95 x 11 de subsídio de transporte;
b) a segunda ré reconheceu a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pelo sinistrado e entre estas a sua morte, e aceita a transferência do salário de 500,00 euros x 14 meses, bem como aceita a responsabilidade, a titulo subsidiário.
21 - Do auto de tentativa de conciliação consta ainda que houve acordo expresso quanto aos seguintes factos:
a) O acidente ocorreu em 10 de Março de 2003;
b)  Desse acidente resultou a morte do trabalhador;
c) Tratou-se de um acidente de trabalho, existindo um nexo causal entre este e as lesões constantes do relatório de autópsia e a consequente morte do trabalhador;
d) A primeira ré aceita que a retribuição auferida a título de subsídio de alimentação e de transporte, não se encontrava transferida para seguradora;
e) As importâncias atribuídas a titulo de valor correctivo da remuneração no montante de 230,00 Euros e o subsídio de transporte não estavam incluídas no montante da retribuição declarada à Ré seguradora, para efeitos de transferência de responsabilidade em caso de acidente de trabalho.
22 - À data da morte o sinistrado tinha 62 anos.
23 - Vivia com a sua esposa, aqui A.
24 - À primeira Ré, na qualidade de responsável pela concepção e realização da obra, bem como fornecedora de mão de obra e materiais, competia implementar, informar e fazer cumprir as regras de segurança aplicáveis.
25 - O acidente dos autos ocorreu única e exclusivamente em virtude de inexistir plataforma de apoio para trabalhos em altura e porque a 1.ª Ré não forneceu ao sinistrado a informação necessária para a realização daquele trabalho, nem providenciou para que o mesmo estivesse preso através do cinto de arnês a um ponto de fixação de molde a impedir a sua queda.
26 - A A. gastou 87,34 euros a título de despesas médicas ocasionadas com o acidente dos autos conforme docs. constantes a fls. 107 aqui dados como reproduzidos.
27 - A A. gastou 75,00 euros em deslocações a este Tribunal.
28 - Desde a morte do seu marido, a A. sofre grande angústia e sofrimento, pois a esta altura da sua vida encontra-se sozinha, sem o apoio e carinho do companheiro de uma vida inteira.
29 - Com a morte do marido foram frustradas todas as expectativas e projectos de vida que ambos haviam formulado no sentido de poderem usufruir do carinho, amor e apoio um ao outro que o caminhar para a velhice lhes exige e proporciona.
30 - O sinistrado era o sustento económico do lar, garantindo à A. o sustento e o pagamento das despesas e necessidades fundamentais como alimentação, vestuário, água, luz, telefone, gás, e medicamentos.
31 - A Autora é doméstica e não tem qualquer rendimento.
32 - A A. vive agora com graves carências económicas, o que a tem levado a abster-se de fazer despesas que normalmente não carecia de evitar, como a compra de fruta, peixe e carne e outros bens de primeira necessidade que, dado o seu valor elevado a A. deixou de comprar.
33 - A insegurança, a solidão, o sofrimento e a angústia da perda têm-lhe perturbado o sono, e a capacidade de raciocínio e trabalho, deixando na A. danos irreparáveis e que a mesma não consegue ultrapassar.
34 - O sinistrado era pedreiro de profissão há mais de 20 anos na empresa “(C), Ldª”.
35 - O sinistrado era um bom trabalhador.
36 - À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração base mensal de 500,00 Euros, acrescida de 230,00 Euros x 14, bem como do subsídio de alimentação, no montante de 4,00 Euros x 22 x 11, e de subsídio de transporte, no montante de 35,95 Euros x 11, a que corresponde a retribuição anual bruta de 11.583,45 Euros.
37 - No dia do acidente prosseguiam trabalhos de recuperação interior e conservação de um edifício antigo, constituído por um piso térreo e por um 1º piso, cuja empreitada havia sido adjudicada pela empresa 1ª Ré à dona da obra.
38 - A obra não tinha plano de segurança e saúde.

A estes factos há que acrescentar, relativamente ao recurso de agravo, os seguintes:
39 – A fls. 250 dos autos foi proferido despacho com a seguinte teor: “Citem-se as Rés nos termos dos arts. 128 e 130 do CPT, enviando duplicados da petição aperfeiçoada e dos documentos juntos com a 1ª petição”.
40 – Na sequência desse despacho, foi enviada à R. “(C)” a carta de citação de que consta duplicado a fls. 253.
41 – Dessa carta de citação consta, nomeadamente, o seguinte:
“Assunto: Citação para contestar
Fica citado para no prazo de 15 dias, contestar, querendo, a presente acção, sob pena de se considerarem confessados os articulados pela (a) Autor(a).
(…)
Ao prazo acima indicado acresce uma dilação de 0 dias, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais.”.
42 – Aquela carta de citação foi enviada em 07/12/2004 e recebida em 14/12/2004 (A/R de fls. 256).
43 – A ré “(C)” contestou, por correio electrónico enviado em 10/01/2005 (fls. 287) tendo o suporte em papel entrado no Tribunal em 11 de Janeiro de 2005 (fls. 273 e 288) e nessa contestação requereu a intervenção da Sociedade Agrícola Casa Reynols, como eventual responsável pelo acidente em causa.
44 – A A. arguiu a extemporaneidade da contestação nos termos de fls. 314 e segs. e opôs-se á intervenção da “Casa Reynols.
45 – A R. respondeu defendendo que, atento o decurso das  férias judiciais entre 22/1272004 e 03/01/2005, durante o qual o prazo se interrompeu, a contestação foi apresentada em tempo, já que aquele prazo terminada em 11/’172005 e a contestação foi apresentada em 10/01/2005.
46 – Oportunamente foi proferido o despacho de fls. 369, com o seguinte conteúdo:
“A A. veio excepcionar, ou melhor, invocar a extemporaneidade da contestação da Ré (C) e opor-se ao pedido de intervenção da sociedade Casa Reynols, S. A.
A Ré (C) respondeu pugnando pela tempestividade  da contestação e pelo seu direito a chamar aquela que entendeu ser a responsável pelo acidente.
De novo a A. respondeu invocando a natureza urgente dos processos de acidente de trabalho.
- Decidindo antes de mais esta questão.
A Ré (C) foi citada em 14.12.2004 para contestar em 15 dias.
Apresentou contestação electrónica em 10.1.2005. O prazo para contestar é contínuo e não se interrompe, digo, suspende, nas férias judiciais, ex-vi dos artigos 144 nº 1 CPC e 26 nº 2 do CPT. Assim, o prazo para contestar terminava a 3/1/2005. Nestes termos, julgo extemporânea a contestação, não a admitindo e ordeno o seu desentranhamento e devolução à parte.
Não cumpre assim apreciar a questão do chamamento de terceiro.
Notifique.”
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Definindo-se o âmbito dos recursos, pelas suas conclusões (arts. 684º, nº 3 e 690º nsº 1 e 2 e 713º, nº2, todos do CPC), temos como questões em discussão:
No agravo, saber se o facto de, na carta de citação, a secretaria ter mencionado que o prazo para contestar se suspendia durante as férias judiciais, permitia á recorrente atender a essa informação na contagem do prazo para contestar a presente acção e, consequentemente, saber se foi apresentada em tempo aquela sua contestação.
Na apelação:
a) – Impugnação da matéria de facto;
b) – Saber se a recorrente era a empreiteira e responsável pela obra onde ocorreu o acidente em causa e se tinha poderes de direcção e fiscalização sobre essa obra e sobre o sinistrado, de modo a recair sobre si a obrigação legal de “implementar, informar e fazer cumprir as regras de segurança aplicáveis”.
c) – Se houve culpa da entidade patronal na produção do acidente.
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Nos termos do art. 710º nº 1 do CPC, “A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição;”
Cumpre, assim, conhecer em primeiro lugar do

Recurso de agravo.
Está assente que o prazo para a recorrente contestar a presente acção era de 15 dias; que ela foi citada para contestar no dia 14/12/2004 e apresentou a contestação por correio electrónico no dia 10/01/2005.
Assim, a contestação é ou não tempestiva, conforme se entenda ter-se suspendido ou não, a contagem daquele prazo, durante as férias judiciais do Natal e Ano Novo, que decorrerem entre 22 de Dezembro de 2004 e 03 de Janeiro de 2005.
A primeira questão que poderia colocar-se era a de saber se, estando em causa um processo emergente de acidente de trabalho, o mesmo reveste carácter urgente, correndo também durante as férias judiciais, de modo que os prazos para a prática de actos das partes não se suspendem durante esses períodos.
A questão não é, de todo, pacífica.
No entanto, neste caso concreto, é despiciendo debruçar-nos sobre ela, já que não há divergência de entendimento entre a recorrente e a recorrida, nem entre as partes e o entendimento manifestado no despacho recorrido.
Efectivamente, naquele despacho defendeu-se que o prazo para contestar a presente acção é contínuo, não se suspendendo nas férias judiciais.
A autora, nas suas contra-alegações, vem defender a mesma coisa.
E, o certo é que a recorrente, não defende o contrário disso, antes concorda com tal entendimento, como resulta do conteúdo das suas alegações a fls. 374 dos autos onde diz: “… sem colocar minimamente em causa o acertado da douta decisão … “a quo”, quanto ao facto de considerar ter o presente processo natureza urgente e correr os seus termos durante as férias judiciais …”.
A recorrente só baseia o seu entendimento de que, neste caso concreto (realce nosso) tem de entender-se que o prazo para contestar se suspendeu durante aquelas férias judiciais do Natal e Ano Novo, no facto de a secretaria a ter citado com expressa menção dessa suspensão.
E, realmente, na carta de citação daquela R., de que consta duplicado a fls. 253, refere-se expressamente “… suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais”.
A recorrente defende que, nos termos do disposto no art. 161º nº 6 do CPC, “ex vi” do art. 1º do CPT, aquele erro da secretaria não pode prejudicá-la, sendo que fez fé na carta de citação, confiando que, tal como ali se dizia, o prazo para contestar se encontrava suspenso durante o decurso das férias judiciais.
Cumpre referir que, nas suas contra-alegações, a autora não vem contestar aquele entendimento da recorrente, não se referindo, sequer, ao erro da secretaria, nem àquele citado art. 161º nº 6 do CPC.
Também o Mmº Juiz que proferiu o despacho recorrido, manteve o mesmo a fls. 395, sem se referir àquela questão do erro da secretaria e que ilações retirar dele.
No entanto, essa é a única questão que se levanta no recurso de agravo em causa.
Não há dúvida de que a secretaria errou ao mencionar na carta de citação da R., que o prazo para contestar se suspendia durante as férias judiciais.
E contando com essa suspensão do prazo, a contestação da recorrente foi apresentada em tempo no Tribunal.
Vejamos, então, que relevância deve dar-se àquele erro da secretaria.
Podemos desde já adiantar, que a recorrente tem razão, quanto à sua pretensão.
Efectivamente, é desde logo a própria lei que dá resposta, clara e cabal, à situação em apreço.
Na verdade, dispõe o art. 161º nº 6 do CPC, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro que “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em caso algum, prejudicar as partes”.
Por sua vez o art. 198º nº 3 do mesmo código estabelece que “Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado …”.
Neste mesmo sentido se decidiu no Ac. da R. P. de 05/06/2001 (publicado em www.dgsi.pt/jtrp) onde se diz: “Sempre que, por despacho judicial ou por erro da secretaria se concede a algum interveniente processual em prazo, para a prática de um acto em juízo, que exceda o que for próprio, deve considerar-se o prazo efectivamente assinalado …”.
Também no Ac. da R. E. de 04/03/1999 (BMJ nº 485, pag. 496), se defendeu: “Caso a secretaria, na nota de citação, errar na indicação do prazo para contestar, fixando prazo superior ao estabelecido na lei, é àquele prazo que deve atender-se, visto, nos termos do nº 6 do art. 161º do Código do processo Civil, os erros e omissões praticados pela secretaria judicial não poderem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.
No caso “sub judice” a secretaria, na carta de citação que enviou à recorrente, não indicou prazo mais longo do que o legalmente estabelecido (15 dias nos termos da art. 128º do CPT), mas mencionou que aquele prazo se suspendia durante as férias judiciais o que, na prática, implica um alargamento do prazo legal, pois que, não se suspendendo durante as férias judiciais, o mesmo terminaria no dia 03/01/2005 e, suspendendo-se durante aquelas férias, terminava no dia 11/01/2005.
Tão susceptível de “enganar” a parte é a indicação, por erro da secretaria, de um prazo mais longo para contestar, como é a indicação de que o prazo legal se suspende durante as férias judiciais.
E, como se entendeu no Ac. do STJ de 21/10/1997 (BMJ nº 470, pag. 532 a 537), “As partes têm que contar com a diligência e eficácia dos servidores judiciais confiando neles e não desvirtuando o papel que cada agente judiciário tem no processo idóneo para produzia o resultado que a todos interessa – cooperar com boa fé numa sã administração da justiça”
Também a doutrina se vem pronunciando no mesmo sentido. Assim, nomeadamente Lebre de Freitas, no Código de Processo Civil anotado, 1º Vol., pag. 285, escreveu a propósito do nº 6 do art. 161º “Esta regra implica, por exemplo, que o acto da parte não pode, em qualquer caso, ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido”.
Concordamos inteiramente com este entendimento doutrinal e jurisprudencial, contra o qual, aliás, nenhum argumento ou fundamento foi invocado, quer no despacho recorrido, quer nas contra-alegações da autora sobre esta questão, pois, repetimos, nem sequer se pronunciaram sobre o erro da secretaria e suas consequências.
Realmente, não se vislumbra qualquer razão ou fundamento para entender de outro modo, face ao estabelecido nos citados art.s 161º nº 6 e 198º nº 3, ambos do CPC.
Assim sendo, temos de concluir que, face ao erro da secretaria, em indicar na carta de citação da recorrente, que o prazo de 15 dias para contestar a presente acção, se suspendia durante as férias judiciais e, não podendo a parte, neste caso a recorrente, ser prejudicada por aquele erro, a contestação da mesma tinha que ser admitida, pois que deu entrada no tribunal dentro do prazo de 15 dias, descontado o prazo de suspensão durante as férias judiciais de Natal e Ano Novo, que decorreram (tal como, também, se referiu na mesma carta de citação em nota de rodapé), entre 22 de Dezembro e 3 de Janeiro.

E, assim sendo, há que revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que admita a contestação da ré aqui recorrente, o que implica a anulação de todo o processado posterior a esse despacho, incluindo o julgamento e a sentença, a qual foi objecto do recurso de apelação também interposto nestes autos pela mesma ré, tornando-se despiciendo apreciar as questões suscitadas naquele recurso de apelação, pois as mesmas ficam prejudicadas (art. 660º nº 2 do CPC).
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se:
- Em julgar procedente o recurso de agravo e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, proferido a fls. 369, o qual deve ser substituído por outro que admita, por tempestiva, a contestação da ré entidade patronal.
- Em anular todo o processado posterior, incluindo o julgamento e a sentença, o que implica que fique prejudicado o conhecimento do recurso de apelação, também interposto pela mesma ré daquela sentença.
Custas do recurso de agravo a cargo da parte que decaiu quanto ao mesmo;
Custas do recurso de apelação a cargo da parte vencida a final.
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Lisboa,  17/10/2007



Hermínia Marques
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas