Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2367/07.0TDLSB.L1-3
Relator: CONCEIÇÃO GONÇALVES
Descritores: SENTENÇA PENAL
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECUSRSO PENAL
Decisão: IMPROVIDO
Sumário: I – A nossa lei penal adjectiva estabelece como regra a presença obrigatória do arguido na audiência de discussão e julgamento, e institui depois excepções a que atribui regimes diversos: (i) a excepção decorrente do art. 333.º, n.º 1 e 2 em que o arguido, regularmente notificado, foi julgado na sua ausência; (ii) as excepções decorrentes dos nºs 1 e 2 do art. 334.º em que o arguido consente que a audiência tenha lugar na sua ausência.
II – No caso do julgamento na ausência consentida pelo arguido, a sentença não deixa de lhe ser notificada depois de lida, através do seu defensor que o representou para todos os efeitos possíveis como determina o art. 344.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
III – A sentença penal não deve ser notificada pessoalmente ao arguido que, nos termos do n.º 2, do art. 334.º, do CPP, consentiu na realização da audiência na sua ausência.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.

1. No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Singular, a correr termos no 3º Juízo, 1ª secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, com o número supra identificado, a arguida C..., após a prolação da sentença condenatória, datada e depositada em 12.04.2010, apresentou em 21.05.2010 o requerimento que consta de fls. 286 a 289, reclamando a falta de notificação pessoal da sentença, e a anulação da remessa do boletim ao registo criminal, que levou à prolação do despacho de fls. 299-301 que indeferiu tal pretensão.

2. Neste despacho consignou-se o seguinte:
“Conforme consta da acta de audiência de julgamento de 1.03.2010- cfr. fls. 208 e seguintes –o ilustre Mandatário da arguida veio expressamente solicitar que a audiência decorresse na ausência da arguida uma vez que a mesma dava o seu expresso consentimento para o efeito.
A arguida, embora tivesse chegado após o início da audiência de julgamento, estava presente aquando da elaboração de tal requerimento.
Conforme despacho exarado em acta, tal requerimento foi logo deferido ao abrigo do disposto no nº 2, do artº 334º do CPP.
A arguida vem agora arguir que a notificação da sentença deve ser feita, não só ao seu mandatário mas também a ela e, como não foi, ainda não transitou em julgado.
Cumpre decidir.
Sobre esta questão estatui directamente o nº 6 do artº 334º, do CPP:
“Fora dos casos previstos no nºs. 1 e 2, a sentença é notificada ao arguido que foi julgado como ausente logo que seja detido ou se apresente voluntariamente”.
A redacção de tal norma é bem clara ao excluir as situações previstas nos nºs. 1 e 2 do artº 334.
Ora, foi ao abrigo do disposto no artigo 334º do CPP que a arguida consentiu que a audiência tivesse lugar na sua ausência e que tal lhe foi deferido.
Por isso, a situação aqui em causa, está manifestamente fora da previsão do nº 6 do artº 334º do CPP e por isso, conforme resulta de fls. 276, a arguida foi notificada da sentença via postal.
Por outro lado, o nº 4 do mesmo artigo estabelece de forma clara e expressa que “sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo seu defensor”.
Ora um dos efeitos possíveis ali previstos é a sua notificação da sentença.
Entende-se que o arguido que expressamente consente que a audiência se realize na sua ausência prescinde do direito de prestar declarações, assume que é representado para todos os efeitos pelo seu mandatário, e isso inclui a notificação da sentença via postal.
Aliás tem-se entendido que ao prescindir do direito de estar presente em audiência de julgamento, o arguido tem perfeito conhecimento de que vai ser proferida uma decisão final, não podendo por isso, exigir-se que essa notificação seja pessoal.
(...).
Nesta conformidade, atendendo ao exposto, é manifesta a falta de razão da arguida, pelo que se indefere o requerido, frisando-se que a sentença já transitou em julgado.
Custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
Notifique.”

3. Deste despacho recorre a arguida para este Tribunal da Relação, apresentando as seguintes conclusões:
“1º. A arguida foi julgada na respectiva ausência, tendo-o consentido.
2. Mas não prescindiu de ser notificada, nem podia sequer fazê-lo em circunstâncias alguma, mormente da sentença, nos termos do artº 113º-9 do CPP.
3. Assim, deverá ser revogado o despacho proferido e, nessa conformidade, ser a arguida notificada da Sentença contra si proferida, para apresentar recurso da mesma, tempestivamente, querendo.
4. Foi violado o artº 113º, nº 9 e 1 do CPP e o artº 32º da CRP.
5. Revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a notificação postal da arguida, para que a mesma, querendo, apresente recurso da sentença contra si proferida.”

4. O Ministério Público veio responder, concluindo pela bondade da decisão, dizendo que a arguida requereu o julgamento na sua ausência, passando a estar representada para todos os efeitos pelo seu defensor, designadamente, na leitura da sentença, ficando assim devida e regularmente notificada da sentença, para todos os efeitos, pugnando por isso pela improcedência do recurso.

5. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (cfr. despacho de fls. 323).

6. Neste Tribunal da Relação, o Srº. Procurador Geral Adjunto elaborou parecer constante de fls. 331, subscrevendo na íntegra os argumentos aduzidos pelo MºPº na 1ª instância, pugnando assim pela confirmação do decidido.

7. Procedeu-se ao conhecimento do recurso por decisão sumária, nos termos do disposto no artº 417º, nº 6, al. d), do CPP, inserta a fls. 336 a 339 dos autos.

8. A recorrente, notificada desta decisão, veio reclamar para a conferência nos termos consentidos no nº 8 do citado artº 417º, do CPP.

9. Após, foram os autos aos Vistos e procedeu-se á Conferência com observância do legal formalismo.
*

II-Fundamentação.

O recurso coloca uma única questão: a de saber se a sentença deve ser notificada pessoalmente ao arguido que, nos termos do artº 334º, nº 2, do CPP, consentiu na realização do audiência na sua ausência?

Entende a recorrente que, não obstante ter autorizado o julgamento na sua ausência, a sentença deveria ter-lhe sido notificada pessoalmente, conforme dispõe o artº 113º, nº 9, do CPP, e não apenas ao seu defensor. E diz mais: que se limitou a consentir no julgamento na sua ausência, mas não prescindiu, nem podia prescindir de ser notificada em conformidade com a lei, pretendendo a revogação daquele despacho e a sua substituição por outro que determine a sua notificação, começando a partir daí a contar o prazo para apresentar o recurso da sentença.
Mas, com todo o devido respeito, não lhe assiste razão.

A resposta à questão suscitada pela recorrente é simples, e tem vindo a ser apreciada de modo uniforme.
E a solução está plasmada na lei, sem ser necessário grande esforço interpretativo.
É verdade que a lei na notificação respeitante á sentença determina que ela seja também feita ao arguido (cfr. artº 113º, nº 9, do CPP).
Acontece que a nossa lei processual penal estabelece como regra a presença obrigatória do arguido na audiência, e estabelece depois excepções a que atribui regimes diversos: i) a excepção decorrente do artº 333º, nº 1 e 2 em que o arguido, regularmente notificado, foi julgado na sua ausência; ii) e as excepções decorrentes dos nºs 1 e 2 do artº 334º, como seja a situação ocorrida nos presentes autos, em que o arguido consente que a audiência tenha lugar na sua ausência.
E sendo diversas estas situações de ausência, também a notificação da sentença tem um regime diverso, conforme resulta claramente do disposto no nº 6 do artº 334º, do CPP, em que o legislador, ressalvando os casos previstos nos nºs. 1 e 2- onde se inclui a situação de ausência requerida ou consentida -apenas exige a notificação pessoal da sentença ao arguido nos outros casos em que foi julgado como ausente e logo que seja detido ou se apresente voluntariamente.
neste último caso de arguido ausente é que a sentença tem de ser pessoalmente notificada ao arguido [Neste caso, considerou o Tribunal Constitucional que os preceitos constantes dos artigos 334º, nº 6 e 373º, nº 3, do CPP devem, sob pena de inconstitucionalidade por violação dos nºs. 1 e 6 do artº 32º da CRP, ser interpretados no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso (Ac do TC nº 274/2003; P. nº 7/2003, de 20/05 de 2003; DR,II série, de 3/06/2003)].
Nos demais casos opera a regra geral, em que o arguido fica notificado da sentença depois de lida perante o seu defensor. São as situações em que o arguido esteve presente na audiência, e mesmo faltando á leitura, considera-se notificado da sentença depois de ter sido lida perante o seu defensor (cfr. artº 373º, nº 3, do CPP), e nas situações de ausência consentida, ressalvada, como vimos, da exigência de notificação pessoal nos termos do nº 6 do citado artº 334º.
Ora, no caso dos autos, em que está em causa o julgamento na ausência consentida pelo arguido, a sentença não deixou de lhe ser notificada depois de lida, através do seu defensor que o representou para todos os efeitos possíveis como determina o artº 344º, nº 4, do CPP, e nos termos expressamente previstos na lei.
E neste regime de notificação da sentença no caso de ausência consentida não se vê que os direitos do arguido fiquem afectados pois a audiência na sua ausência emerge da sua vontade e o risco não é desproporcionado porque está representado para todos os efeitos pelo seu defensor.
Deste modo, a decisão recorrida que considerou a arguida legal e regularmente notificada da sentença fez correcta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, não merecendo por isso qualquer censura.

Improcede, assim, o recurso.

*


III-Decisão

Termos em que os Juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça.

Notifique.

Lisboa, 16/02/2011.
Elaborado, revisto e assinado pela relatora Conceição Gonçalves e assinados pela Desembargadora Maria Elisa Marques.

.................................................................

.................................................................