Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1710/03.6TTLSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCIDENTE DE REVISÃO
PRAZO
LESÃO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 - Deduzido incidente de revisão da pensão em processo emergente de acidente de trabalho ao qual é aplicável a Lei 100/97 de 13/09, se as circunstâncias invocadas convencerem que o prazo de 10 anos subsequente à sentença que fixou a pensão (reportado no Artº 25º/2) revelou alterações constantes, então tal prazo não deve ser extintivo do direito à revisão.
2 - Do mesmo modo, se se alega que a lesão determinante do agravamento é superveniente.
3 - A norma em causa não é ofensiva da CRP se, durante aquele período de 10 anos não tiver sido formulado qualquer pedido de revisão ou quando, tendo-o sido, a situação não se revelou como agravada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AAA, sinistrado nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado da decisão proferida, julgando procedente a exceção deduzida pela entidade responsável, de caducidade do direito a pedir a revisão da incapacidade, e com a mesma não se conformando, vem interpor Recurso de Apelação.
Pede que se revogue a decisão, sendo a mesma substituída por outra que admita o incidente de revisão de incapacidade apresentado pelo sinistrado em 19/03/2020.
Formulou as seguintes conclusões:
1– Vem o presente recurso interposto da douta decisão que julga caducado o direito do sinistrado a requerer revisão da incapacidade de acidente de trabalho ocorrido em 16/05/2002, por aplicação da Lei n.º 100/97, de 13/09, doravante LAT, bem como o Decreto-Lei n.º 143/199, de 30/04, visto ter decorrido sobre a data de trânsito da decisão de fixação de pensão mais de dez anos.
2– A douta decisão ora recorrida ao determinar a caducidade do direito do sinistrado de requerer a revisão de incapacidade, através de requerimento apresentado nos autos em 19/03/2020, além de profundamente injusta, encontra-se sustentada numa interpretação e aplicação errada do direito pelo Tribunal a quo, sendo o mesmo tempestivo.
3– É verdade que à data do acidente se encontrava em vigor a LAT a qual determinava no seu artigo 25.º um prazo de dez anos para revisão da incapacidade, contudo, em 01/01/2010 entrou em vigor a Lei n.º 98/2009, de 04/09, doravante NLAT, que passou a permitir, através do seu artigo 70.º, a referida revisão a todo o tempo.
4- A adoção do entendimento do Tribunal a quo implica que um qualquer sinistrado, enquanto vítima de um acidente de trabalho, tenha tratamento e direitos distintos consoante o mesmo tenha ocorrido antes ou após o dia 01/01/2010, o que é além de profundamente injusto manifestamente inconstitucional, por se mostrar gerador de desigualdade de tratamento para casos semelhantes, em que a única distinção é a data da ocorrência do sinistro, consubstanciando uma clara violação de direitos fundamentais, não sendo certamente essa a pretensão nem do legislador nem de um Estado de Direito Democrático.
5– Ao não ser imposto na NLAT qualquer limite para a formulação do pedido de revisão das prestações devidas em consequência de acidente de trabalho é porque foi afastada a presunção de que o decurso de 10 anos, contados da data da fixação da pensão, e sem que o sinistrado requeira a revisão, é tempo mais do que suficiente para se considerar a consolidação das lesões decorrentes do acidente de trabalho, dando uma expressão mais consistente ao direito constitucional dos trabalhadores à assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho.
6– Embora consagrado nos artigos 187.º e 188.º da referida lei, que esta apenas seja aplicável aos acidentes ocorridos após 01/01/2010, o desaparecimento, no referido artigo 70.º, do prazo preclusivo para requerer a revisão da incapacidade constitui verdadeiramente uma alteração do conteúdo da relação jurídica emergente de acidentes de trabalho, pelo que tem plena pertinência a aplicação dessa norma às situações jurídicas já constituídas à data da entrada em vigor da lei, em conformidade com o disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, só assim se assegurando o princípio constitucional da igualdade de tratamento, pois caso contrário, estaria criada uma situação de desigualdade, no que a esta questão concerne, entre os sinistrados de acidentes de trabalho ocorridos na vigência NLAT e os sinistrados de acidentes de trabalho ocorridos na vigência da LAT, para a qual não se vislumbra fundamento material bastante.
7- Uma interpretação conforme ao princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) impõe que o conteúdo do artigo 70.º da NLAT, introduzido na nossa ordem jurídica a partir de 01/01/2010, e que traduz de uma forma mais perfeita e efetiva o direito constitucional à justa reparação por acidente de trabalho consignado no artigo 59.º n.º 1 al. f) da CRP, se estenda também aos acidentes ocorridos na vigência das leis anteriores, sendo estendido aos sinistrados e entidades responsáveis que igualmente podem lutar contra a melhoria do sinistrado e pugnar pelo desagravamento da sua responsabilidade pensionística para além de 2019, enquanto a responsável por sinistro ocorrido em 2010 já o poderá fazer sem limite.
8- O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se nesta polémica, gerada a partir do disposto nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, não tem sido uniforme: no sentido da inconstitucionalidade, podem apontar-se os Acórdãos n.os 147/2006, 59/2007, 161/2009, 548/2009; com entendimento oposto, os Acórdãos n.os 155/2003, 612/2008, 411/2011, 219/2012, 111/2014, 136/2014, 205/2014, 583/2014, e 638/15. Exemplos desta polémica são, também, os Acórdãos de sentido contrário da Relação e Supremo Tribunal de Justiça: de um lado, defendendo a necessidade de observar o prazo de 10 anos, o Acórdão da Relação de Évora de 24/04/2012 e o Acórdão do STJ de 22/05/2013, e pronunciando-se no sentido da inconstitucionalidade da aplicação do prazo previsto na lei antiga, os Acórdão da Relação de Lisboa de 02/02/2011 e de 08/02/2012 e os Acórdãos da Relação do Porto de 19/12/2012, o proferido no processo 374/1990.1.P1 e de 05/05/2014 proferido no processo 193/1999.1.P1.
9- Não obstante esta querela jurisprudencial, sempre será de levar em consideração ter a pensão sido fixada em 11/03/2003, não estando o prazo de dez anos, estabelecido no 25.º, n.º 2 da LAT, ultrapassado quando entrou a NLAT entrou em vigor em 1/1/2010.
10– Por este facto, seguindo os Acórdãos do Tribunal Constitucional que pugnaram pela não constitucionalidade, sempre seria de referir que uma hipotética aplicação da nova lei ao prazo em curso, eliminando o limite temporal de dez anos que LAT fixava, não seria suscetível de alguma forma abalar a confiança e a certeza das relações jurídicas estabelecidas. Assim sucederia, com efeito, se o prazo em causa já estivesse esgotado aquando do início da vigência NLAT.
11- Inexiste, assim, a possibilidade de ser alegada qualquer intolerável violação da segurança jurídica, tal como não a há sempre que uma lei nova, fixando um prazo mais longo, passa a aplicar-se aos prazos em curso, conforme solução acolhida no artigo 297.º, n.º 2, do Código Civil, o que é obviamente aplicável ao caso dos autos.
12- Por outro lado, tendo presente que o direito à reparação dos danos decorrentes de um acidente de trabalho compreende prestações em dinheiro e em espécie, mantendo-se estas últimas, em caso de recidiva ou agravamento, podendo ser exercidos a todo o tempo, durante toda vida do sinistrado após o acidente e a concessão da alta, mantendo a entidade responsável a obrigação de lhe prestar a assistência em espécie que ao caso se justifique, demonstrada obviamente que esteja a causalidade com o sinistro que o vitimou, parece-nos obvio que deverá, também, então permitir-se uma revisão da incapacidade a todo o tempo, sendo incoerente manter-se a todo o tempo o direito à reparação em espécie, e simultaneamente negar-se uma revisão da incapacidade cujo grau fosse, entretanto, alterado, se já tivessem decorrido mais de dez anos após a fixação da pensão.
13– Ao considerar caducado o direito do sinistrado a requerer incidente de revisão de incapacidade por decorridos mais de 10 anos sobre a fixação da pensão, salvo o devido respeito, a decisão recorrida, violou, entre outros, o disposto no artigo 25.º da Lei n.º 100/97, o artigo 284.º do Código do Trabalho, o artigo 297.º n.º 2 do Código Civil, o artigo 70.º da Lei n.º 98/2009 e os artigos 13.º e 59.º, n.º 1 al. f) da Constituição da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO manifestou-se no sentido da procedência da apelação.
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Os autos resumem-se como segue:
AAA veio deduzir incidente de revisão de incapacidade alegando um agravamento da situação clínica resultante do acidente de trabalho que sofreu em 16.05.2002,
Notificada para o efeito, a entidade responsável pronunciou-se dizendo que decorreram mais de dez anos desde a data da alta e, por isso caducou o direito. Foi submetido a um exame de revisão que, por decisão datada de 08.07.2008 manteve a IPP atribuída em 2003, tendo por isso decorrido mais de 17 anos sobre a atribuição da alta não deverá ser admitido o pedido.
Notificado respondeu o sinistrado à exceção refutando aquela conclusão dizendo que à data em que entrou em vigor a Lei n.º 98/2009, de 04.09., que revogou o n.º 2 do artigo 25º da Lei n.º 100/97, não tinha ainda decorrido o período de dez anos.
Foi proferido despacho que julgou procedente a exceção da caducidade do direito do autor de pedir a revisão e, em consequente, não admitiu o pedido de revisão da incapacidade.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- Não se mostra caducado o direito do sinistrado a pedir a revisão da pensão?
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FUNDAMENTAÇÃO:
OS FACTOS:
Resultam dos autos os seguintes factos:
1 – O sinistrado sofreu o acidente trabalho em 16.05.2002.
2 – A data da alta é 11.03.2003.
3 – A decisão do Tribunal de Trabalho que fixou a IPP em 8% é de 06.01.2004.
4 – O sinistrado requereu em 20.09.2007 exame de revisão.
5 – Por decisão de 29.05.2008 foi proferida decisão no incidente de revisão que manteve a IPP de 8%.
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O DIREITO:
Conforme emana dos autos em 19/03/2020 foi apresentado requerimento tendo em vista o presente incidente de revisão.
O acidente ocorreu em 16/05/2002, tendo, desde a data de fixação da pensão, sido já intentada uma revisão que não logrou sucesso.
A lei aplicável à revisão da incapacidade é a Lei 100/97, de 13/09 (aplicável aos acidentes ocorridos a partir de 01/01/2000, nos termos do Artº. 41º/1-a), conjugado com os Artº 71º do D.L. 143/99 e 1º do D.L. 382-A/99, de 22/09).
O alegado agravamento das lesões decorrentes do acidente constitui, em face do Artº 25º/1 da Lei 100/97, fundamento de revisão das prestações.
Dispõe o Artº 25º/2 que a revisão só pode ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data de fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
No caso concreto a pensão foi fixada por decisão de 6 de Janeiro de 2004, transitada em julgado, tendo o presente incidente de revisão dado entrada, como acima dito, em 19/03/2020.
Decorreram, assim, mais de 10 anos após a data da fixação da pensão.
Donde, em face da Lei 100/97 se extinguiu o direito à revisão.
Alega, porém, o Apelante que em 01/01/2010 entrou em vigor a Lei n.º 98/2009, de 04/09 que passou a permitir, através do seu artigo 70.º, a referida revisão a todo o tempo, pelo que a adoção do entendimento do Tribunal a quo implica que um qualquer sinistrado, enquanto vítima de um acidente de trabalho, tenha tratamento e direitos distintos consoante o mesmo tenha ocorrido antes ou após o dia 01/01/2010, o que é além de profundamente injusto manifestamente inconstitucional. Ao não ser imposto na NLAT qualquer limite para a formulação do pedido de revisão das prestações devidas em consequência de acidente de trabalho é porque foi afastada a presunção de que o decurso de 10 anos, contados da data da fixação da pensão, e sem que o sinistrado requeira a revisão, é tempo mais do que suficiente para se considerar a consolidação das lesões decorrentes do acidente de trabalho, dando uma expressão mais consistente ao direito constitucional dos trabalhadores à assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho. Embora consagrado nos artigos 187.º e 188.º da referida lei, que esta apenas seja aplicável aos acidentes ocorridos após 01/01/2010, o desaparecimento, no referido artigo 70.º, do prazo preclusivo para requerer a revisão da incapacidade constitui verdadeiramente uma alteração do conteúdo da relação jurídica emergente de acidentes de trabalho, pelo que tem plena pertinência a aplicação dessa norma às situações jurídicas já constituídas à data da entrada em vigor da lei.
Este coletivo já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão agora trazida a recurso no Ac. desta Relação proferido no âmbito do Proc.º 2833/05.2TTLSB, pelo que seguiremos de perto o que então equacionámos.
“Como ponto de partida não poderemos deixar de equacionar que segundo a normalidade das coisas, um prazo de 10 anos é suficientemente dilatado para permitir considerar como consolidada a situação clínica do sinistrado. Donde, a não ser que se invoquem especiais razões ou factos, o juízo que se efetue sobre a questão que nos ocupa, não pode deixar de passar pela aplicação do regime vigente à data do acidente.
A jurisprudência dos tribunais superiores, a do Constitucional incluída, parece ter acertado caminho no sentido de, por um lado, a aplicação a todas as situações do regime agora constante da Lei 98/2009 ofender gravemente a certeza e segurança jurídicas que devem presidir à aplicação do direito e, por outro, que a norma limitadora do prazo não é, à partida inconstitucional. Desde logo porque o princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objeto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado.
Daí a necessidade, que se nos afigura emergir da jurisprudência constitucional, de ponderar as circunstâncias do caso concreto.
É assim que no Ac. STJ 29/10/2014, Proc.º 167/1999.3 se decidiu que não é inconstitucional, à luz do princípio da igualdade – não se revestindo, por isso, de flagrante desrazoabilidade –, o entendimento de que, decorridos 10 anos sobre a data da fixação da pensão, sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora do pedido de revisão, se considera consolidada a situação clínica relativa às lesões do sinistrado, sendo, por isso, de considerar extinto o direito do sinistrado a suscitar o incidente de revisão da sua incapacidade por ter transcorrido o prazo de 10 anos entre a data da (última) fixação e o requerimento de exame de revisão. A aplicação ao caso dos Autos do regime introduzido pela NLAT – que, não prevendo qualquer limitação temporal para dedução do pedido de revisão, apenas se dirige aos acidentes ocorridos a partir de 1.1 2010 – ofenderia gravemente a certeza e segurança do direito, sendo inaceitável que a parte responsável/seguradora se pudesse ver confrontada com o ressurgimento de um direito que estava já juridicamente extinto à luz da Lei aplicável.
No mesmo sentido o Ac. do STJ de 5/11/2013, Proc.º 858/1997.2 e Ac. RP de 2/06/2014, Proc.º 358A/2000.
É certo que o Ac. TC nº 280/2011 (www.tribunalconstitucional.pt) julga inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma do n.º 2 da Base XXII, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, mas nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido atualizações da pensão por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado[1].
Entendimento também subjacente ao Ac. do TC nº 433/2016 que julga inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma contida nos números 1 e 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo de dez anos, contados da fixação original da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento superveniente de lesões sofridas, nos casos em que, desde a fixação da pensão e o termo desse prazo de dez anos, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável fique judicialmente obrigada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado[2].
Já o Ac. TC nº 411/2011 (idem) não julga inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, interpretada no sentido de permitir a revisão da prestação devida por acidente de trabalho apenas nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão inicial, caso não tenha havido revisões anteriores procedentes. Jurisprudência que manteve no Ac. TC 621/2015 (idem) que não julga inconstitucional a norma do artigo 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, na parte em que estatui que a revisão das pensões por incapacidade permanente só pode ser requerida dentro de cinco anos posteriores à data da fixação da pensão. Ou ainda o Ac TC nº 583/2014 (idem) onde se pondera que “…Inexistindo qualquer circunstância que afaste, de modo irrecusável, a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado, inexistem motivos para manter o julgado de inconstitucionalidade da norma do artigo 25.º, n.º 2, da LAT que, como vimos, tem como ratio a presunção de que findo o período de dez anos se pode ter por adquirida a estabilização das lesões do sinistrado.”
   No mesmo sentido, podemos ver o Ac. TC 694/2014 (idem) que alerta para o seguinte:
“… Não existe um fator racional e objetivo de distinção no que toca ao regime de revisão de pensões por acidentes de trabalho relativamente às doenças profissionais evolutivas se as sequelas do acidente se presumirem evolutivas por ocorrência de agravamentos no decurso de 10 anos posteriores à data da fixação da pensão. O caráter evolutivo ou não evolutivo do acidente ou da doença profissional é que dita a diferença de regimes. Como se decidiu nos Acórdãos nºs 147/06 e 280/11, só haverá violação do princípio da igualdade, por comparação com o regime das doenças profissionais, se não for permitido ao sinistrado por acidentes de trabalho requerer a revisão da pensão nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo do prazo de dez anos tiver ocorrido atualizações da pensão por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas, situação em que se presume o caráter evolutivo da lesão[3].
…No presente caso, a pensão foi fixada em 23 de maio de 1990 e o sinistrado só 22 anos após – em 9 de maio de 2012 – veio requerer exames médicos de revisão, invocando o agravamento das lesões. Não tendo havido nos primeiros 10 anos após aquela data atualizações intercalares de pensões, presume-se estabilizada a situação de incapacidade resultante do acidente de trabalho, não se verificando sequer qualquer circunstância que afaste, de modo irrecusável, essa presunção, como se verificou no caso excecional em que se permitiu a revisão da pensão por agravamento da lesão detetado após os 10 anos (cfr. Acórdão nº 161/2009).”
Assim, analisada a jurisprudência constitucional, o que dela emerge é que se as circunstâncias convencerem que o prazo de 10 anos revelou alterações constantes, então tal prazo não deve ser extintivo do direito à revisão. Ou, do mesmo modo, se se alega que a lesão determinante do agravamento é superveniente.
Já não se poderá ter a norma infraconstitucional como ofensiva da CRP se, durante o período de 10 anos, não tiver sido formulado qualquer pedido de revisão ou quando, tendo-o sido, a situação não se revelou como agravada.
Vai neste sentido também a jurisprudência dos tribunais superiores, de que se destaca o Ac. da RP de 15/12/2016, Proc.º 605/03.8TOAZ cuja síntese ali efetuada é bem reveladora do que vimos afirmando, ou seja, da necessidade de, casuisticamente, se apreciarem as situações em presença.
E, como ali bem se pondera sendo a jurisprudência reiteradamente uniforme no sentido nela apontado – da inaplicabilidade do art. 70º, nº 3, da Lei 98/2009 e da não inconstitucionalidade do art. 25º, nº 2, da Lei 100/97 -, também nós entendemos ser de a sufragar, tanto mais atento o disposto no art. 8º, nº 3, do Cód. Civil.”
Mantemos o entendimento assim explícito que, aliás, não registou qualquer modificação.
Assim, e retornando ao nosso caso, compulsado o requerimento apresentado para iniciar o incidente verificamos que, a propósito da revisão, ali se alega que as lesões decorrentes do acidente de trabalho têm sofrido agravamento, tendo o Sinistrado de recorrer a tratamento, vindo a efetuar, a expensas próprias, tratamentos de fisioterapia. Em consequência desse agravamento, foi informado necessitar de uma prótese pelo que solicitou à entidade responsável uma consulta médica, consulta que esta recusou marcar.
Verdadeiramente nem é de revisão da incapacidade que trata a discórdia, mas sim de assistência clínica que, adiantamos, a Seguradora não pode recusar, conforme decorre de quanto se dispõe no Artº 10º/a) da Lei 100/97 de 13/09. Porém, essa não é a questão suscitada pelo despacho recorrido.
Do despacho recorrido, impugnado por via da presente apelação, decorre que se considerou caducado o direito a pedir a revisão, decisão que subscrevemos pelos motivos acima expostos, salientando ainda que a alegação efetuada no requerimento inicial para fundamentar a revisão da incapacidade é, em face do regime legal e da interpretação constitucional que abraçamos, manifestamente insuficiente para fundamentar a prossecução do incidente.
Improcede, pois, a apelação.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Notifique.

Lisboa, 2020-12-16
MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES
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[1] Sublinhado nosso
[2] Idem
[3] Idem