Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
217/18.1T8MTA.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: ARRENDAMENTO COMERCIAL
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) O princípio do dispositivo, consagrado no art.º 3.º do CPC, além de fazer impender sobre os interessados o ónus da iniciativa processual, estende-se à conformação do objecto do processo integrado, não só pela formulação do pedido, como ainda pela alegação da matéria de facto que lhe sirva de fundamento.
II) De acordo com tal princípio, a lei faz recair sobre a parte onerada com o ónus da prova os meios necessários a convencer o Tribunal da realidade dos factos alegados.
III) O princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.
IV) Não pode o juiz ao abrigo do princípio do inquisitório suprir o incumprimento de formalidades essenciais pelas partes, permitir o atropelo de normas legais e postergar o princípio da auto-responsabilização das partes.
V) Como decorre do artigo 51.º, n.º 6, do NRAU, no caso de ser invocado que o arrendatário é uma “microentidade”, o ónus da junção com a resposta ao senhorio da comprovação de tal qualidade, incorre sobre o arrendatário que não poderá prevalecer-se da circunstância invocada.
VI) O “protestar” juntar documento não tem qualquer consequência, pois, a intenção de praticar um acto processual não equivale à sua prática, não podendo advir daí consequências jurídicas, como se o acto que não foi praticado, o tivesse sido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
AD… e AH… instauraram a presente ação declarativa comum contra M. ROQUE, LDA., pedindo a declaração da resolução do contrato de arrendamento e a entrega do prédio que constitui o estabelecimento comercial da ré, livre e desocupado de pessoas e bens, bem como o pagamento do remanescente das rendas já vencidas, que calcularam no total de €48.323,00, acrescido de juros moratórios a contar desde a citação, bem como as vincendas até efetiva entrega do arrendado.
Alegaram, para tanto e em síntese, serem donos do prédio urbano sito na rua … n.º … – Barreiro, que, por contrato de arrendamento celebrado em 11/02/1977, cederam à ré, destinando-se ao comércio de café – bilhares e snack-bar, convencionando-se o início da cedência em 01/03/1976 e a contrapartida mensal de 10.000$00 (€50,00).
Em 23/09/2013 a ré foi notificada para que o contrato transitasse para o NRAU, passando a ser de prazo certo com duração de cinco anos, bem como da atualização da renda (que a essa data era no valor de €337,13), para o valor mensal de €1.500,00.
A ré respondeu opondo-se à atualização da renda e à transição para contrato a prazo certo, sem que tal comunicação tenha respeitado a exigência legal constante no art.º 51 n.º 4 alínea a) e n.º 5 e 6 do NRAU, razão pela qual a oposição não operou e o contrato celebrado deverá ser entendido de prazo certo, de 5 anos, e atualizada a renda para €1.500,00 mensais, valor que a ré nunca pagou, limitando-se ao depósito de renda mensal com a atualização anual derivada dos coeficientes determinados pelo INE.
Assim, alega o pagamento pela ré de 46 meses de renda relativa ao período de maio de 2014 a fevereiro de 2018, no valor mensal de €449,50, o que totaliza €20.677,00, pagamento que deveria ter sido realizado com a correspondente atualização no valor de €69.000,00 (46 meses x €1.500,00), resultando crédito a favor dos autores de €48.323,00 (€69.000-€20.677,00), razão pela qual pretende a resolução e entrega do arrendado e o pagamento da soma derivada das rendas vencidas e vincendas até efetiva entrega.
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A ré contestou alegando que a pretensão dos autores constitui claro abuso de direito, não tendo rendas em atraso. Confirmou a receção da notificação de 23/09/2013, bem como a dedução de oposição à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, invocando a sua condição de microempresa e que frustrando-se acordo, mormente quanto ao pagamento de atualização e renda, o parâmetro de atualização deveria ser o cálculo da percentagem de 1/15 avos do valor do locado (conforme art.º 35.º n.º 2 alínea a) do NRAU).
Consequentemente, não tendo sido celebrado entre as partes qualquer acordo no sentido de fazer transitar o contrato de arrendamento para o regime intuído pelo NRAU, deve a ré continuar a pagar a renda mensal no valor de €449,00, concluindo pela improcedência da acção e sua absolvição dos pedidos.
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Teve lugar audiência prévia e, após, audiência de discussão e julgamento.
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Falecido o primitivo autor AH…, prosseguiu na posição que aquele ocupava RM….
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Em 05-07-2019, o Tribunal recorrido proferiu sentença que julgou improcedente o pedido de imediata resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, “determinando-se que o valor da prestação mensal a pagar pela ré à autora a título de renda é no valor de €961,00 (novecentos e sessenta e um euros), sendo exigível desde 01/05/2014, inclusive” e reconhecendo-se “um crédito a favor dos autores a título de rendas vencidas (só parcialmente pagas desde a indicada data) de €32.238,06 (trinta e dois mil duzentos e trinta e oito euros e seis cêntimos)”, mais se condenando a ré “no pagamento de juros de mora (à taxa legal) sobre a soma de €32.238,06 a partir da data da presente sentença até efetivo cumprimento” e declarando-se abusiva a pretensão dos autores obterem o pagamento mensal da renda de €1.500,00, desde 01 de maio de 2014.
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Não se conformando com esta decisão, dela apela a ré formulando na alegação que apresentou (e que foi considerada no despacho proferido em 09-01-2020), as seguintes conclusões:
“A) A R., ora Recorrente não se conforma com a parte da douta Sentença que determina o valor da prestação mensal a título de renda exigível desde 01/05/2014, inclusive e reconhecimento do crédito a favor dos AA., ora Recorridos a título de rendas vencidas no valor de €32 238,06 bem como o pagamento de juros de mora sob a soma de 32 238,06, a partir da data da presente sentença até efetivo cumprimento.
B) Do pedido que os AA. apresentaram em sede de P.I., não consta que o Tribunal conheça da oposição da R., ora Recorrente a que o contrato celebrado entre as partes transitasse para o regime NRAU, bem como que o mesmo passasse a ser de prazo certo, nem tão pouco que fosse determinado pelo douto Tribunal a quo o valor da prestação mensal a pagar pela R., ora Recorrente aos AA., ora Recorridos por via do mesmo contrato.
C) Os AA. peticionam que fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento, a entrega do mesmo e o pagamento remanescente das rendas já vencidas, não tendo deduzido qualquer pedido subsidiário para em caso da sua pretensão não ser atendida, fosse declarada que a oposição da R., ora Recorrida, não cumpria o impositivo legal (que na verdade cumpre).
D) Decidindo o douto Tribunal a quo como decidiu, ao conhecer o valor da prestação mensal a pagar pela Ré à A. por via do contrato de arrendamento, o crédito das rendas vencidas só parcialmente pagas e juros de mora subsequentes, fê-lo de uma forma diversa daquela que estava peticionada, ou seja, em excesso de pronuncia,(cfr. Art.º 609º do C.P.C.), uma vez que conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, pelo que a Sentença, salvo douta e melhor opinião é nula.
E) O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, em nossa opinião fê-lo em excesso de pronuncia, violando o Art.º 609º do C.P.C., com a consequente nulidade prevista no Art.º 615º nº 1 al. e) e nº 4 do mesmo Código.
F) A pretensão dos AA., ora Recorridos assenta in totum numa suposta não entrega pela R., ora Recorrente, do documento comprovativo da sua qualidade de microentidade, para a produção dos efeitos do disposto no artigo 51º, n.º4, alínea a) e n.º5 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro na redação conferidas pelas Lei 31/2012 de 14 de agosto e Lei 79/014 de 19 de dezembro, Lei 42/2017 de 14 de junho e Lei 43/2017 de 14 de junho.
G) Constitui-se como fundamental para a resolução do litígio dos presentes autos, que os factos e os elementos juntos ao processo relacionados com o mesmo documento sejam esclarecidos e deles não resulte qualquer dúvida, desta forma concorrendo para a verdade material dos factos e para a melhor resolução do litígio, aplicação do direito e da Justiça
H) A proposta apresentada pelos senhorios, AA. ora Recorridos (Doc. 05 junto com a P.I.), mereceu duas cartas de resposta por parte da R. ora Recorrente, juntas à P.I. (Doc.06 e Doc. 07), sendo que, resulta do texto da última carta/comunicação que foi efetuada a junção do documento comprovativo da sua qualidade de microentidade, sendo certo que, também durante anos aqueles nada disseram, recebendo o valor das rendas que lhes eram pagas, sem qualquer ação tendente a notificar a R. ora Recorrente para suprir tal suposta falta.
I) Em sede de Contestação, a R. e ora Recorrente apresenta requerimento probatório onde protesta juntar documento para prova dos factos alegados nos artigos 6º e 7º do articulado, designadamente o IRC, Modelo 22 dos Anos de 2012 a 2017, embora não tenha solicitado prazo para efetuar tal junção.
J) Aos AA., ora Recorridos, competia, nos termos do art. 342º do Código Civil, fazer a prova dos factos constitutivos do direito sendo que à R. cabia, nos termos do Art.º 346º do C.C., a faculdade de opor contraprova a respeito dos factos que o A. alegou, o que veio fazer em sede de contestação e em requerimento probatório junto à mesma, sendo que esta contraprova destinava-se a esclarecer o douto Tribunal da verdade material, pelo que, o douto Tribunal a quo, constatando a falta de entrega do documento em causa, devia ter ordenado oficiosamente a sua junção, o que não fez.
K) Atendendo a que a prova documental disponibilizada no processo manifestava explicitamente indícios da existência do documento comprovativo da qualidade de microentidade da R. ora Recorrente, ainda o requerimento probatório junto da contestação, ao que acresce os AA. não poderem desconhecer da qualidade de microempresa e subjaz não ter sido produzida em sede de Julgamento qualquer prova testemunhal, o douto Tribunal a quo ao ter constatado a falta de junção de tal documento essencial, deveria ter notificado a R., fixando-lhe prazo, para fazer a junção do mesmo aos autos, em cumprimento do princípio da cooperação na condução do processo, da descoberta da verdade material e do inquisitório (Vide a propósito Acórdão do TRL , Proc. N.º 1389/09.1TTLSB.L1-4, de 25/09/2013 e Ac. TRG, Proc. 14/15.6T8VRL-C.G1, de 20/03/2018.
L) O douto Tribunal a quo, ao não ter determinado oficiosamente a junção do documento em causa, fixando à R., ora Recorrente prazo para o fazer, violou os princípios já atrás referidos e bem assim com a sua decisão os Artigos 7º, 265º nº3, 411º e 436º nº 1 todos do C.P.C.
M) Atendendo à data da comunicação promovida pelos AA., ora Recorridos, de 14/09/2013 e a data de propositura da presente ação sob recurso, 14/03/2018 e porque só ao fim de quase cinco anos os AA., ora Recorridos vieram acionar a R., ora Recorrente, tal constitui-se como um comportamento abusivo, pretendendo aqueles obter uma vantagem inaceitável, porque violadora do princípio da Boa fé, não apenas porque peticiona uma renda sem que tenham observado a prova a que a R., ora Recorrente estava obrigada e cumpriu, como por protelarem desmesuradamente no tempo sem a notificar da suposta falta, recebendo as rendas pontualmente sem nada dizer.
N) Constatando alegadamente os AA., ora Recorridos que o Doc.7 que lhe havia sido enviado não tinha anexado qualquer documento comprovativo a que a mesma se referia, durante mais de quatro anos não praticaram qualquer ato, não efetuaram qualquer comunicação/ notificação para a R. cumprir a suposta falta de documentos comprovativo, inopinadamente vieram intentar a presente ação, o que configura um comportamento integrador de Abuso de direito.
O) Agindo como agiram. os AA. ora Recorridos agiram com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, porquanto, recebendo pontualmente o valor das rendas durante cerca de quatro anos e meio, decorrido este prazo sem terem notificado a R., ora Recorrida para juntar o documento supostamente em falta, não se coibiram de intentar a presente ação, quando, manifestamente, as relações contratuais arrendatícias já se mostravam estabilizadas e reciprocamente aceites.
P) O comportamento dos AA., ora Recorridos afigura-se manifestamente contrário à boa fé na exata medida em que trai a confiança que deve pautar a relação arrendatícia, até porque a mesma é bastante antiga,(vem desde 1 de março de 1976), a que acresce o facto de, decorridos mais de quatro anos, os AA., ora Recorridos, virem levantar judicialmente uma questão, que não levantaram em devido tempo, que foi a alegada falta de um documento demonstrativo da qualidade de microentidade (Vide a propósito Acórdão do STJ, Proc. 1464/11.2TBGRD-A.C1., de 12/11/2013 e Acórdão do TRG, Proc. N.º 5964/15.7TBBRG.G1, de 19/01/2017). .
Q) O douto Tribunal a quo a não reconhecer a má fé dos AA., ora Recorridos no sentido alegado, violou, nomeadamente, os Artigos 334º e 762º nº2, ambos do Código Civil”.
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Os autores apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, tendo concluído que:
“A) A prova documental, confirma o acerto da douta decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto.
B) Nenhum dos argumentos invocados pela Apelante justifica a alteração das respostas dadas pelo Tribunal de 1ª Instância, devendo improceder a valorização ampliada, efetuada pela Apelante, que apenas refere, em parte, e sem rigor que um suposto documento que supostamente ia juntar mas não juntou e ela própria reconhece que o ónus era dela!
C) A fundamentação da douta decisão recorrida sobre a matéria de facto, especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção da Julgadora e aprecia criticamente as provas, explicitando os motivos porque determinado meio de prova foi relevante e outro(s) não foi(ram) para formular a sua convicção, conforme consta da douta fundamentação da decisão da matéria de facto.
D) A Recorrente durante toda a fase dos articulados e consequente audiência de julgamento não alcançou produzir prova suficiente acerca de nada, nem tão-pouco no recurso, onde é claro e manifesto uma tentativa de eximir-se a responsabilidade de pagar ao Recorridos.
E) Carece, pois, de fundamento e deve ser indeferido o pedido de revogação e alteração da sentença proferida por douto acórdão que conheça do excesso de pronuncia ou proferido douto acórdão que anule a sentença pois não existe excesso de pronúncia nem erro na apreciação da prova, nem na fundamentação da mesma.
F) O Tribunal “a quo” indicou os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, o Venerando Tribunal da Relação possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos julgados como provados ou não provados.
G) O Tribunal a quo decidiu com acerto e plena observância da lei, verificando-se que a convicção expressa pelo Tribunal tem suporte razoável nos elementos constantes dos autos não merecendo assim qualquer censura.
I)O Tribunal a quo andou bem ao determinar que o valor da prestação mensal a pagar pela Recorrente aos Recorridos a título de renda fosse €961,00 (novecentos e sessenta e um euros), sendo exigível desde 01/05/2014, inclusive.
Andou bem Reconhecer um crédito a favor dos Recorridos a título de rendas vencidas (só parcialmente pagas desde a indicada data) de €32.238,06 (trinta e dois mil duzentos e trinta e oito euros e seis cêntimos).
Andou bem Condenar ainda a Recorrente no pagamento de juros de mora (à taxa legal) sobre a soma de €32.238,06 a partir da data da presente sentença até efetivo cumprimento.
J) O Tribunal “a quo” andou bem ao não reconhecer a má fé dos Recorridos”.
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O recurso foi admitido e foi proferido despacho, pelo Tribunal recorrido, em 13-02-2020, a considerar inexistir a nulidade arguida pela recorrente.
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir, em termos lógicos, são as de saber:
A) Se a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia, violando o artigo 609.º do CPC – cfr. artigo 615.º nº 1 al. e) e nº 4 do mesmo Código?
B) Se o Tribunal recorrido, ao não ter determinado oficiosamente a junção pela ré de documento comprovativo da sua qualidade de microentidade, para a produção dos efeitos do disposto no artigo 51º, n.º4, alínea a) e n.º5 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro na redação conferidas pelas Lei 31/2012 de 14 de agosto e Lei 79/014 de 19 de dezembro, Lei 42/2017 de 14 de junho e Lei 43/2017 de 14 de junho, violou os princípio da cooperação na condução do processo, da descoberta da verdade material e do inquisitório e os artigos 7º, 265º nº3, 411º e 436º nº 1 do C.P.C.?
C) Se o Tribunal recorrido violou os artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do CC, ao não reconhecer que o comportamento dos autores, ao alegarem a falta de um documento demonstrativo da qualidade de microentidade questão que não levantaram em devido tempo, é manifestamente contrário à boa fé?
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3. Enquadramento de facto:
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Fundamentos de Facto enunciados na decisão recorrida:
“Os factos a considerar para a decisão da ação consistem essencialmente no alegado na petição inicial, bem como do conteúdo da documentação junta mormente a declaração de 23/09/2013 endereçado à ré onde se anuncia o propósito de transição do contrato de arrendamento para o regime instituído pelo NRAU (Lei 6/2006 de 27/02 com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012 de 14/08); a oposição deduzida pela ré onde se apontam os fundamentos do desacordo e esclarecimentos complementares; o contrato de arrendamento inicialmente celebrado; certidão predial inerente ao imóvel no qual incidiu o contrato de arrendamento; bem como certidão permanente do mesmo e certidão de registo comercial da ré.
Os conteúdos dos referidos documentos (não impugnados) consideram-se devidamente comprovados, retirando o tribunal a sua motivação da análise crítica de cada um deles, justificando assim a aplicação do direito aos inerentes factos”.
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4. Enquadramento de Direito:
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A) Se a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia, violando o artigo 609.º do CPC – cfr. artigo 615.º nº 1 al. e) e nº 4 do mesmo Código?
Começa a recorrente por impugnar a decisão recorrida referindo que ocorreu excesso de pronúncia na decisão recorrida, o que conduz à sua nulidade.
Invocou, para tanto, o seguinte:
“A) Do Excesso de pronúncia
Compulsada a Petição inicial apresentada pelos AA., ora Recorridos, constata-se que, em sede de pedido, os mesmos vieram a Tribunal pedir que seja:
• Declarado resolvido o contrato de arrendamento em vigor entre as partes, por falta de pagamento de rendas e, por via disso:
• A R. ora Recorrente condenada a desocupar o locado, deixando-o livre de pessoas e bens, bem como ao pagamento remanescente das rendas já vencidas e não pagas, desde maio de 2014, que calcula no total de €48 323,00, acrescido de juros moratórios a contar desde a citação, bem como as vincendas até efetiva entrega do arrendado.
Ora, compulsada a douta Decisão recorrida, retira-se que a mesma dispõe no sentido de:
• improceder o pedido de imediata resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas,
• Determinar que o valor da prestação mensal a pagar pela ré à autora a título de renda é no valor de €961,00, sendo exigível desde 01/05/2014, inclusive.
• Reconhecer um crédito a favor dos autores a título de rendas vencidas (só parcialmente pagas desde a indicada data no valor de €32 238,06.
• Condenar ainda a R., no pagamento de juros de mora, sob a soma de 32 238,06, a partir da data da douta Sentença até efetivo cumprimento.
• Declarar abusiva (nos termos fundamentados) a pretensão dos autores obterem o pagamento mensal da renda de €1500,00 desde 01 de maio de 2014.
(…) a Recorrente concorda com a improcedência do pedido de imediata resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, bem como da douta decisão de declarar abusiva a pretensão dos autores de obterem o pagamento mensal a título de renda no valor de €1500,00 mensais, desde 01 de maio de 2014.
No entanto, olhando para o pedido que os AA., ora Recorridos apresentaram em sede de P.I., do mesmo não consta pedido subsidiário no sentido do Tribunal a quo conhecer da oposição da R., ora Recorrente a que o contrato celebrado entre as partes transite para o regime NRAU, bem como que o mesmo passasse a ser de prazo certo (Docs. 06 e 07 juntos com a P.I.), nem tão pouco que fosse determinado pelo Tribunal o valor da prestação mensal a pagar pela R., ora Recorrente aos AA., ora Recorridos, por via do mesmo contrato.
Na verdade, o que os AA. peticionam é que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento, a entrega do mesmo e o pagamento remanescente das rendas já vencidas, atendendo aos cálculos que fazem com base no facto da comunicação de oposição à atualização da renda bem como à transição do regime do contrato de arrendamento para contrato a prazo certo, supostamente não ter respeitado o impositivo legal prescrito no art.º 51º n.º4 a) n.º 5 e 6 do NRAU.
Os AA., ora Recorridos não deduziram qualquer pedido subsidiário para, caso o Tribunal não atendesse à sua pretensão de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, fosse declarada que a oposição da R., ora Recorrida, não cumpria o impositivo legal (que na verdade cumpre), transitando o contrato por tal facto para o regime instituído pelo NRAU, passando a prazo certo com a duração de cinco anos, nem tão pouco que fosse determinado o valor da prestação mensal de acordo com este novo regime.
Afigura-se, pois, que o Tribunal a quo decidiu de uma forma diversa daquela que estava peticionada, ou seja, declarado improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas e sendo os restantes pedidos conexos com o pedido de resolução do contrato, o douto Tribunal a quo não poderia decidir sobre qualquer outra matéria, sob pena de decidir ultra petitum.
Ao conhecer do valor da prestação mensal a pagar pela R. ora Recorrente aos AA., ora Recorridos, por via do contrato de arrendamento, o crédito das rendas vencidas só parcialmente pagas e juros de mora sequentes, o douto Tribunal a quo fê-lo em excesso de pronuncia (cfr. Art.º 609º do C.P.C.), uma vez que conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, por não lhe ter sido pedido, pelo que a Sentença é nula, conforme prevê o artigo 615º nº 1 al. e) e nº 4 do N.C.P.C..”.
Vejamos se ocorre, na decisão proferida, a nulidade arguida.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, a mesma é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A recorrente invoca verificar-se na decisão recorrida a nulidade da alínea e).
A questão de saber se o juiz condenou em quantidade superior à pedida ou em objeto diverso do formulado contende com o princípio do dispositivo.
Referia Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 372) que “o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado".
Surpreendem-se, pois, dois sentidos do aludido princípio: o princípio da iniciativa ou impulso processual da parte e o princípio da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão; não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado.
O princípio do pedido tem consagração expressa no n.º 1 do artigo 3.º do CPC: O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.
É ao demandante/autor que, naturalmente, incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Será na petição inicial que o autor deve formular esse pedido – art. 552º/1, e) do CPC –, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção" (assim, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, 1985, p. 234, nota 2).
É o pedido, assim formulado, que vinculará o tribunal quanto aos efeitos que pode decretar a final.
Neste sentido, dispõe o art. 609,º, n.º 1, do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Como salienta Lopes do Rego (“O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 788) “não suscita, em regra, problema relevante a existência de um limite quantitativo à decisão de mérito”.
Já assim não sucede, porém, relativamente ao limite qualitativo.
“O processo civil é obviamente regido pelo princípio dispositivo: a iniciativa do processo e a conformação do respectivo objecto incumbem às partes; pelo que – para além do processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida.
Daqui decorre naturalmente um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia” (cfr. Lopes do Rego; “O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 789).
Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo (assim, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Ob. Cit., p. 657).
É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto.
Como afirma Paula Costa e Silva, "o acto (postulativo) tem não só uma eficácia vinculante para o tribunal, como também uma função delimitadora da actuação do tribunal"; esse acto tem uma "função constitutiva insubstituível" (Acto e Processo - O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Acto Postulativo; Coimbra Editora, 2003, p. 263.).
É o princípio do pedido, como sublinha a mesma Autora, que "determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud" (ob. Cit., p. 583).
Procurando determinar as “exactas balizas” à actuação nesta sede do juiz, admitindo casos de convolação do objecto do pedido para a providência ou efeito jurídico judicialmente decretado, tido como mais adequado aos interesses em confronto e à justa composição do litígio, Lopes do Rego (“O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 790) identifica, algumas situações particulares, designadamente, as referenciadas nos n.ºs. 2 e 3 do artigo 609.º e do n.º 3 do artigo 376.º do CPC, concluindo, todavia, que inexiste um princípio geral de adequação da sentença ao pedido.
Mas, ao invés, quanto ao pedido, refere o mesmo Autor (ob. Cit., p. 796) que “o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado”.
Contudo, como salienta Lopes do Rego (ob. Cit., p. 796), nesse caso, não será possível ao julgador atribuir ao autor bens ou direitos materialmente diferentes dos peticionados, não sendo de admitir a convolação sempre que entre a pretensão formulada e a que seria adequado decretar judicialmente exista uma essencial heterogeneidade, implicando diferenças substanciais que transcendam o plano da mera qualificação jurídica.
Do mesmo modo, não será possível operar licitamente uma reconfiguração normativa do resultado pretendido pelo autor, nos casos em que, certo efeito jurídico pressupunha o exercício de um direito potestativo que o interessado não curou de exercitar ou de acautelar atempadamente durante o processo.
“Assim, peticionada indemnização por incumprimento contratual, não pode o tribunal convolar tal pretensão indemnizatória para a que decorreria de uma possível resolução do contrato, apesar de demonstrada a verificação de todos os pressupostos de que dependeria o direito a resolver tal relação contratual, já que, por um lado, os próprios danos a ressarcir, num caso e noutro, seria materialmente diversos, correspondendo a indemnização por resolução a uma indemnização pelo interesse contratual negativo; e, por outro lado, por a resolução do contrato depender inelutavelmente do exercício de um verdadeiro direito potestativo pela parte afetada pelo incumprimento, não podendo ser judicialmente decretada se tal direito não tiver sido exercitado pelo interessado, no âmbito da ação constitutiva proposta ou extrajudicialmente, antes desta ser desencadeada” (cfr. Lopes do Rego; “O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 799).
Todavia, ao invés, já se mostraria possível que, “intentada acção constitutiva de resolução ou de anulação do contrato, o tribunal pudesse convolar de tal pedido constitutivo para o decretamento, no plano da simples apreciação, da resolução ou anulação prévia e extrajudicial do negócio, por se ter apurado, perante a matéria de facto fixada, que, afinal o contrato já se mostrava eficazmente anulado ou resolvido antes de tal acção ter sido proposta: é que, neste caso, o resultado prático e económico da acção acabará por ser inteiramente coincidente, radicando a convolação apenas numa alteração da matéria de facto integradora da causa de pedir, conjugada com o decretamento de um efeito jurídico perfeitamente homogéneo em relação ao peticionado” (aut. Cit., ob. Cit., pp. 799-800).
Revertendo ao caso dos autos e aplicando as considerações expendidas, verifica-se que o pedido dos autores foi o de declaração da resolução do contrato de arrendamento e a entrega do prédio que constitui o estabelecimento comercial da ré, livre e desocupado de pessoas e bens, bem como o pagamento do remanescente das rendas já vencidas, que calcularam no total de €48.323,00, acrescido de juros moratórios a contar desde a citação, bem como as vincendas até efetiva entrega do arrendado. A causa de pedir assentou na invocada circunstância de a ré não ter procedido ao pagamento do valor da renda – de € 1.500,00 mensais – que os autores consideraram devido.
Na decisão recorrida, o Tribunal a quo julga improcedente o pedido de imediata resolução do contrato de arrendamento, precisamente porque considerou abusiva a resolução efetuada e determinou, relativamente aos montantes peticionados, qual o valor de renda que considerou devido, apreciando, igualmente, a questão – decorrente da alegação em que os autores basearam o seu pedido de resolução do arrendamento – de saber se o contrato transitou ou não para o NRAU.
Ora, qualquer das apreciações realizadas pelo Tribunal recorrido a este respeito, circunscreveu-se, ainda, no conhecimento dos fundamentos da pretensão deduzida pelos autores, designadamente, quanto ao valor da renda considerada devida e aos valores das contrapartidas de renda vencidas.
O Tribunal recorrido considerou que o valor do crédito dos autores não é aquele que os mesmos peticionaram, mas um outro que, se contém dentro da dimensão quantitativa peticionada pelos autores.
E, o mesmo se diga relativamente às consequências jurídicas que o Tribunal retirou da apreciação dos factos que realizou: A circunstância de ter considerado improcedente a resolução, mas admitindo a produção de efeitos decorrentes da comunicação endereçada pelos senhorios para a transição do contrato para o NRAU (com efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão dos presentes autos) traduz uma apreciação atinente à pretensão sobre se era ou não devido o pagamento do valor peticionado pelos autores.
Tal apreciação não constitui um “aliud” face à pretensão deduzida pelos autores, ainda se circunscrevendo no leque de efeitos admissíveis consequentes à apreciação da aludida pretensão que, procede parcialmente, nos termos exarados na decisão recorrida.
Isso mesmo foi salientado pelo tribunal recorrido, no despacho proferido em 13-02-2020, sem que tais considerações mereçam qualquer censura: “Conforme se retira do conteúdo da decisão e dos fundamentos que lhe servem se substrato o que o tribunal fez (conforme lhe competia) foi analisar a relação jurídica contratual estabelecida entre as partes, situar a sua envolvência e retirar os devidos efeitos dentro da economia da própria pretensão dos autores.
Quando o tribunal valorou os danos efetivamente advindos do incumprimento, foi dentro das estritas funções que lhe cabe. Reconhecendo ou negando a resolução contratual e mantendo-a, estabelecendo os critérios e montante efetivo do crédito que, segundo o decidido, se considerou devido aos autores.
Todo o raciocínio tomado foi devidamente motivado e os cálculos realizados amplamente justificados, dentro da própria abrangência dos diversos pedidos formulados (…)”.
Assim, conclui-se não se verificar excesso de pronúncia na decisão recorrida, não existindo motivo para o decretamento da nulidade arguida.
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B) Se o Tribunal recorrido, ao não ter determinado oficiosamente a junção pela ré de documento comprovativo da sua qualidade de microentidade, para a produção dos efeitos do disposto no artigo 51º, n.º4, alínea a) e n.º 5 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro na redação conferidas pelas Lei 31/2012 de 14 de agosto e Lei 79/2014 de 19 de dezembro, Lei 42/2017 de 14 de junho e Lei 43/2017 de 14 de junho, violou os princípio da cooperação na condução do processo, da descoberta da verdade material e do inquisitório e os artigos 7º, 265º nº3, 411º e 436º nº 1 do C.P.C.?
Depois, invoca a recorrente que o Tribunal recorrido violou os princípios da cooperação, da descoberta da verdade material e do inquisitório (cfr. artigos 7.º, 265.º, n.º 3, 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC), invocando:
“A pretensão dos AA., ora Recorridos assenta in totum numa suposta não entrega pela R., ora Recorrente, do documento comprovativo da sua qualidade de microempresa, para a produção dos efeitos do disposto no artigo 51º, n.º4, alínea a) e n.º5 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro na redação conferidas pelas Lei 31/2012 de 14 de agosto e Lei 79/014 de 19 de dezembro, Lei 42/2017 de 14 de junho e Lei 43/2017 de 14 de junho.
Com efeito, a R., ora Recorrente, não pode concordar quando, em sede de fundamentação de facto e apresentando os fundamentos para a decisão, o douto Tribunal a quo vem dizer que (…) Os factos a considerar para a decisão da ação consistem essencialmente no alegado na petição inicial (…).
Na verdade, tal conclusão, enferma, ab inicio, o sentido em que o douto Tribunal a quo decide, não podendo resultar desvalor para a posição da R. e ora Recorrente o facto da prova documental ter sida junta aos autos com a P.I.
Como supra se disse em sede de Relatório, em resposta à carta datada de 23 de setembro de 2013, dos senhorios, AA. e ora Recorridos, (Doc. 05 com a P.I.), veio a inquilina, R. e ora Recorrente, responder com duas comunicações (Doc. 06 e Doc. 07 junto com a P.I.), sendo que, do texto da segunda comunicação (Doc. 07 junto com a P.I.), resulta que foi efetuada a junção do documento comprovativo da sua qualidade de microempresa.
Ora, decorridos mais de quatro anos, em 13/03/2018, vêm os AA., ora Recorridos intentar a ação ora sob recurso, com o fundamento que aquela oposição da R., ora Recorrente à atualização do valor da renda, bem como à transição do regime do contrato de arrendamento havido entre as partes, para o contrato a prazo certo, não tinha respeitado o impositivo legal, o qual obriga a que seja junta à comunicação documento comprovativo da qualidade de microempresa.
Dúvidas não devem restar, constituir-se como fundamental para a resolução do litígio dos presentes autos, que os factos e os elementos juntos ao processo relacionados com o mesmo documento sejam esclarecidos e deles não resulte qualquer dúvida.
A não entender-se assim, o que só por mera facilidade de raciocínio se admite, seria não concorrer para a verdade material dos factos e para a melhor resolução do litígio, aplicação do direito e da Justiça que se espera seja aplicada no Tribunais.
• A propósito do documento supostamente não anexado à comunicação, vejamos os elementos dos autos atendendo à P.I.:
A proposta apresentada pelos senhorios, AA. e ora Recorridos (Doc. 05 junto com a P.I.), foi objeto de duas cartas de resposta por parte da R. ora Recorrente, também juntas à P.I. como Doc.06 e Doc. 07.
Resulta do texto da correspondência trocada entre senhorio e arrendatário, ora Recorridos e Recorrente, que a mesma é trocada entre advogados, em representação destes.
Na primeira comunicação da arrendatária, R. e ora Recorrente, in fine, expressa a sua oposição em que o contrato de arrendamento havido entre as partes transitasse para o regime do NRAU e passasse a ser de prazo certo com duração de cinco anos, de entre outros factos. (Doc. 06 junto com a P.I.)
Em comunicação posterior, a R., ora Recorrente, constatando que não tinha junto documento comprovativo à anterior comunicação de que se tratava de uma “microentidade”, veio anexar o mesmo documento, bem como acrescentar outros factos referentes à sua situação económica (Doc. 07 junto com a P.I.).
Compulsado este mesmo documento (Doc. 07 junto com a P.I.), retira-se do texto do mesmo o seguinte: (…) Efetivamente, em resposta à carta da iniciativa do senhorio nos termos do artigo 50º da NRAU, a M. Roque, Lda., não juntou documento comprovativo de que se trata de uma microentidade ou seja que não ultrapassou no total do balanço a quantia de €500,00; (documento que anexa). (…).
Ora, o documento que a R., ora Recorrente refere anexar nesta comunicação é o mesmo que os AA., Recorridos, decorridos vários anos se vêm referir nos seguintes termos a artigo 5º da P.I. (…) tal comunicação não respeitou o impositivo legal (…).
Ainda que, bem sabendo os AA., ora Recorridos que o estabelecimento comercial explorado pela R., ora Recorrente é uma microentidade e que supostamente faltava o documento comprovativo de tal qualidade anexo à comunicação de oposição para que o contrato de arrendamento transitasse para o regime da NRAU, aumento de renda e prazo fixo, que rececionaram, durante anos nada disseram, recebendo o valor das rendas que lhes eram pagas, sem qualquer ação tendente a notificar a R. ora Recorrente para suprir tal suposta falta.
Ainda que tivesse acontecido não ter sido anexo o documento comprovativo de que a R., ora Recorrente tinha a qualidade de microentidade, que não aconteceu, sempre o princípio da Boa fé contratual obrigava os AA., ora Recorridos a notificarem a mesma para apresentar o documento supostamente em falta, sendo incompreensível o recurso abrupto ao meios judiciais para a resolução da situação vários anos depois.
Importa, pois, ora concluir, como já em sede de contestação se fez, pelo abuso de direito, o que mais abaixo se irá desenvolver.
No mais, perscrutando-se a peça processual apresentada pelos AA., ora Recorridos, constata-se que não são alegados quaisquer factos referentes ao texto das comunicações remetidas pela R., ora Recorrente, tendo os mesmos ignorado o escrito na carta que expressamente se refere ao anexo que junta (Doc. 7 junto com a P.I.) e dado por inexistente o mesmo.
Ora, a correspondência trocada entre advogados em representação, junta pelos AA., ora Recorridos na sua P.I., tende a fazer prova do direito que ilegitimamente se arrogam na presente ação, o que lhes traz uma responsabilidade acrescida de esclarecerem o douto Tribunal a quo das dúvidas suscitadas pelo conteúdo.
Na verdade, a R. ora Recorrida, por ter a qualidade de microentidade, invocou e comprovou tal qualidade na carta de resposta à proposta dos senhorios ora Recorridos, de transição para a NRAU (Doc. 06 e Doc. 07 junto com a P.I.), respeitando o impositivo legal constante no artigo 51º, nº 4 alínea a) nº5 e nº 6 da NRAU.
• A propósito do documento supostamente em falta, vejamos agora os elementos dos autos referentes à contestação:
Em sede de Contestação, a R. e ora Recorrente refere no artigo 11º que os AA., ora Recorridos agem de má fé e de modo ilegal (…) ignorando todos os documentos comprovativos que lhes foram remetidos com a carta da Ré (…), apresentando a final requerimento probatório onde protesta juntar documento para prova dos factos alegados nos artigos 6º e 7º do articulado, designadamente o IRC, Modelo 22 dos Anos de 2012 a 2017.
Importa realçar que a R., ora Recorrente não solicitou prazo ao douto Tribunal a quo para efetuar a junção de tais documentos aos autos, nem estava impedida de o fazer, no entanto, é certo que, também o mesmo douto Tribunal não notificou a parte para efetuar tal junção, como com todo o respeito pelo decidido se impunha em observância aos princípios do inquisitório, da cooperação e da descoberta da verdade material.
Na verdade, não bastasse o ónus a que a Lei obriga para comprovar a posição da R. ora recorrente, ao que acresce o facto dos AA. ora Recorridos não terem junto aos autos a prova documental anexa ao Doc. 07, também a R. ora Recorrente não apresentou a prova documental que protestou juntar em sede de contestação.
O douto Tribunal a quo também, malogradamente e com que a R., ora Recorrente embora com todo o respeito pelo decidido não se conforma, não notificou qualquer das partes para efetuar a apresentação do mesmo.
• Princípio da descoberta da verdade material e Princípio do inquisitório
Na verdade, aos AA., ora Recorridos, competia, nos termos do art. 342º do Código Civil, fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alegam e que nos presentes autos se traduz em literalmente “ignorar “o documento comprovativo anexo à comunicação junta como Doc. 07 com a P.I..”.
Sendo que à R. cabia, nos termos do Art.º 346º do C.C., a faculdade de opor contraprova a respeito dos factos que o A. alegou, o que veio fazer em sede de contestação e em requerimento probatório junto à mesma.
Ora, esta contraprova destina-se a esclarecer o Tribunal da verdade material, pelo que, não pode a R. ora Recorrente aceitar, com respeito o afirma, que o douto Tribunal a quo constatando a falta de entrega do documento, como o faz, conclua nos seguintes termos: (…) Todavia ao longo da tramitação da ação, nada mais comprovou (nem sequer a junção do documento que estaria implícito naquela segunda carta quando se refere “documento que anexa” (Págs. 6 da Sentença sob recurso).
Ora, atendendo a que:
a) a prova documental disponibilizada no processo (Doc. 7 junto com a PI) manifestava explicitamente indícios da existência do documento comprovativo da qualidade de microempresa da R. ora Recorrente, já que a mesma expressa anexar o documento que prova tal qualidade;
b) o requerimento da R., ora Recorrente para junção aos autos dos documentos comprovativos dos factos alegados e que supriam a mesma suposta falta documento;
c) que os AA. não poderem desconhecer tal qualidade de microempresa da R., ora Recorrente e da qual tinham efetivo conhecimento, como o apontam os próprios factos expressos nas cartas que juntaram com a P.I.;
d) não ter sido produzida em sede de Julgamento qualquer prova testemunhal;
e) que os documentos juntos com a P.I. não foram impugnados.
não se conforma a R. ora Recorrente que, atendendo a todos estes elementos o douto Tribunal a quo, constatada a falta de junção de tal documento essencial, não tenha notificado a R. para, em prazo, fazer a junção do mesmo aos autos, como havia requerido sob pena de proferir a decisão de mérito, como proferiu.
Na verdade, com todo o respeito pelo decidido o dizemos, o princípio da cooperação na condução do processo e a descoberta da verdade material dos factos obrigava a que o douto Tribunal a quo procedesse oficiosamente para que tais documentos essenciais para produzir decisão de mérito fossem juntos ao processo, notificando a R. ora Recorrente para juntar os mesmos aos autos.
Importava notificar oficiosamente os AA. e ora Recorridos para juntar aos Autos os documentos anexos à carta da R. ora Recorrida que junta como Doc. 07 à P.I., atento o teor da carta/comunicação à P.I. e/ou notificar oficiosamente a R., ora Recorrente para juntar aos autos os mesmos, conforme requerimento que esta apresenta em sede de contestação.
Compulsada doutrina e jurisprudência a propósito dos princípios fundamentais do Código de Processo Civil, a saber: o da descoberta da verdade material e o do inquisitório, em reforço dos poderes do juiz e com vista a privilegiar a decisão de fundo, pode ler-se: (…) O primeiro princípio significa que o processo deve tender à reconstituição dos factos e da situação jurídica tal como efectivamente se verificaram ou verificam (cfr. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 165), e para tal admite a directa intervenção do juiz na produção das provas, não limitando a investigação da verdade à disposição dos meios probatórios que é feita pelas partes, tudo com vista ao apuramento de factos importantes para a boa decisão da causa, nomeadamente possibilitando-se a inquirição de pessoa que presumidamente tem conhecimento desses factos, entroncando portanto aqui o segundo princípio que se prende com a atitude do juiz perante os factos.
Como se sabe, o juiz, em sede de processo civil, só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sendo estas quem tem o “poder de disposição quanto aos factos em causa” (cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol V., 1984, pág. 96). E assim, como sintetiza brilhantemente o insigne Professor “A lei constrói a engrenagem processual sobre uma série de ónus impostos às partes; ao ónus do pedido acresce o ónus da afirmação; ao ónus da afirmação acresce o ónus da prova.” (sic ob citada, pág. 96). Contudo, e para o que ao presente caso interessa, no moderno processo civil determina-se ao juiz a incumbência de “realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” (sic art. 265º nº3 do C.P.C.) (…) (Acórdão do TRL , Proc. N.º 1389/09.1TTLSB.L1-4, de 25/09/2013.
Ora, atento o que supra se disse e aproveitando douta jurisprudência a propósito, importa apenas concluir que a prova documental produzida nos autos com base na qual o douto tribunal a quo poderia validamente e legalmente fundar a sua decisão de facto, bem como das peças processuais apresentadas nos mesmos, resultavam claramente indícios de que os documentos existiam, de que os AA. ora Recorridos tinham conhecimento dos mesmos, bem como sendo aqueles fundamento para o deferimento da pretensão destes nos autos, os mesmos constituíam-se como fundamentais à boa decisão da causa.
Sempre com todo o respeito merecido pela douta Sentença sob recurso, não pode a R. concordar com a inércia do douto Tribunal a quo que não usou das faculdades para ser junto aos autos o documento falta.
Na verdade, mostrando-se os documentos em falta relevantes para a descoberta da verdade e dado que a R., ora Recorrente, malogradamente se diga, não os juntou aos autos (apesar de tal ter requerido), deveria o douto Tribunal a quo, com respeito o afirmamos, por sua iniciativa oficiosa determinar a junção dos mesmos, nos termos do artigo 265º nº3 do C.P.C., o que não determinou.
Vejamos ainda outros ensinamentos jurisprudenciais a propósito:
(…) Nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Civil, “[i]ncumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio, quanto aos factos que lhe é licito conhecer”. (…) Traduzem estes preceitos, como é consensualmente aceite pela doutrina e jurisprudência, a consagração legal do princípio do inquisitório; ou seja, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade (2). E quando se refere todas as diligências, quer-se mesmo significar que o juiz pode e deve determinar a produção de qualquer meio de prova em direito permitido, desde que o mesmo tenha aptidão para fazer corresponder a realidade processual à extraprocessual.
Deve, assim, entre outras diligências com essa finalidade, determinar a junção de documentos ao processo (artigo 436.º n.º 1), ordenar a produção de prova pericial (artigos 477.º e 487.º n.º 2), efetuar inspeção judicial (artigo 490.º, n.º1), ouvir qualquer pessoa não oferecida como testemunha, (…) Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está também a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair alguns ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso mesmo, aquelas têm interesse direto em cumprir. Até porque, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita (artigo 414º). Daí que as partes tenham natural interesse em concorrer ativamente para o processo de instrução da causa.
Esse concurso, no entanto, não se encontra desregulado. Pelo contrário. A lei assinala prazos e limites para as partes apresentarem e produzirem os respetivos meios de prova, conferindo àqueles prazos um caráter preclusivo (princípio da preclusão da prova).
E, assim, na ação declarativa comum, as partes devem - note-se o caráter vinculativo - juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas com os respetivos articulados – artigos 552.º, n.º 2 e 572.º, al d) do Código de Processo Civil.
(…) E, em relação à prova documental, não vigoram critérios muito diversos. O artigo 423.º do Código de Processo Civil, estabelece-os nestes termos: “1- Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2- Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.(…) Por estes condicionalismos se vê que, reconhecendo embora a lei às partes um interesse legítimo na instrução da causa, não lhes permite o exercício desse direito de forma arbitrária. Bem pelo contrário, condiciona esse exercício a determinados pressupostos, fora dos quais aquele direito pode ficar comprometido. E, neste contexto, não faz sentido que esses pressupostos possam ser contornados por recurso aos poderes/deveres que a lei comete ao juiz em sede instrutória.
Como salienta Lopes do Rego (3): “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.
E neste sentido se tem também pronunciado a esmagadora maioria da jurisprudência (4). Se, como salienta Nuno Lemos Jorge, a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse” (5). (…)(Ac. TRG, Proc. 14/15.6T8VRL-C.G1, de 20/03/2018)
Ora, vertendo estes ensinamentos para a situação dos presentes autos, considerando tudo o que supra se disse ora resta concluir que a R. ora Recorrente apresentou requerimento probatório de junção de prova documental, como se retira do articulado que apresentou, cumpriu o ónus que sobre si recaía, indicando tempestivamente o ónus probatório que lhe assistia, não constituindo o seu conduta processual qualquer comportamento grosseiro ou indesculpavelmente negligente.
Posto isto, não se conforma a R. ora Recorrente e daí apresente o presente recurso por via do qual reclama que seja reconhecido que o douto Tribunal a quo, por via oficiosa deveria ter determinado a junção dos documentos, por os mesmos se revelarem determinante para a melhor Decisão da causa.
Repetindo, efetivamente competia à R., ora Recorrente, o ónus de na contestação apresentar todas as provas demonstrativas da improcedência dos factos em que os AA e ora Recorrentes fundam o direito a que se arrogam ser titulares na ação, a mesma veio fazê-lo apresentando requerimento probatório junto com a contestação, não tendo, cotudo, junto os mesmos e constituindo-se fundamental para a descoberta da verdade impunha-se a promoção de diligências probatórias pelo Tribunal a quo e determinada a junção dos mesmos documentos em falta.
• Princípio da cooperação
O princípio da cooperação previsto no Art.º 7º do direito processual civil português e a procura da descoberta da verdade dos factos apresentados em juízo pelas partes, são apresentadas como inseparáveis, no sentido de que o princípio da cooperação é um instrumento viável e idóneo para alcançar a verdade material no processo e esta estabelecer-se-á com facilidade por força de uma cooperação entre todos os intervenientes processuais. (Lei nº 41/2013 de 26-06-2013)
Estatui o Art. 7.º do NCPC em vigor sob a epígrafe “Princípio da Cooperação”:
1. Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
2. O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. (…)
A propósito do princípio da cooperação no Novo Código do Processo Civil (NCPC) e conforme aposto no “Balanço do Novo Processo Civil (Março de 2017, pág. 20), podemos ler os seguintes ensinametos:
(…) Este poder que se refere no n.º 2 (nos demais números estão claramente expressos deveres, não faculdades) é um poder-dever, como o esclarece o Prof. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in ROA, 1995, II, 362 e segs. “Este dever (trata- se, na realidade, de um poder-dever ou dever funcional) desdobrase, para esse órgão, em dois deveres essenciais: um é o dever de esclarecimento ou de consulta, isto é, o dever de o tribunal esclarecer junto das partes as eventuais dúvidas que tenha sobre as suas alegações ou posições em juízo, de molde a evitar que a sua decisão tenha por base a falta de esclarecimento de uma situação e não a verdade sobre ela apurada; o outro é o dever de prevenção ou de informação, ou seja, o dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos e de as informar sobre aspetos de direito ou de facto que por elas não foram considerados”. E, queira-se ou não, prevenir é forçosamente ajudar.
Neste mesmo sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que sendo a realização das diligências uma incumbência do juiz, dentro do seu poder-dever de cooperação, com vista a alcançar, de feição expedita e eficaz, a realização da justiça do caso concreto, o juiz pode e deve tomar a iniciativa, oficiosamente, de ordenar as diligências precisas, sem que elas lhe sejam requeridas pela parte interessada, ou sem necessidade de indicação concreta das diligências, ou ordenando outras mais adequadas.(…) (In http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Balanco_NPCivil.pdf)
Constata-se pelos elementos constantes nos autos que se avocaram, que a promoção pelo douto Tribunal a quo da notificação da R., ora Recorrente traduzida na forma e no momento processualmente adequados, suprindo oficiosamente a falta do documento comprovativo da qualidade de microentidade da R. ora Recorrente para os efeitos emj questão, concorria de forma determinante para o esclarecimento dos factos trazidos a juízo e para a descoberta da verdade, sendo que não o tendo feito, o douto Tribunal a quo violou os Artigos 7º, 265º nº3, 411º e 436 nº 1, todos do C.P.C..”.
Apreciando:
O princípio do dispositivo, consagrado no art.º 3.º do CPC, “além de fazer impender sobre os interessados o ónus da iniciativa processual, estende-se à conformação do objecto do processo integrado, não só pela formulação do pedido, como ainda pela alegação da matéria de facto que lhe sirva de fundamento” (assim, Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, I vol., 2.ª ed., p 50).
De acordo com tal princípio, a lei faz recair sobre a parte onerada com o ónus da prova os meios necessários a convencer o Tribunal da realidade dos factos alegados.
Todavia, no CPC em vigor, a lei veio atribuir ampliados poderes ao julgador, formulando exigências de cooperação entre as partes e entre estas e o Tribunal, em ordem a alcançar a verdade e uma decisão justa.
A prova dos factos deixou, no processo civil actual, de constituir monopólio das partes. O juiz pode amplamente determinar, por exemplo, a junção de documentos ao processo, quer estejam em poder da parte contrária, de terceiro ou de organismo oficial.
Não é alheia a este alargamento de poderes a progressiva alteração da fisionomia do nosso processo civil, que tem como objectivo alcançar a solução judicial que mais se ajuste à real situação litigiosa que é objecto de disputa.
Nesse sentido, de acordo com o nº 1 do artigo 6º do CPC, o juiz tem o dever de gestão processual dirigindo activamente o processo e providenciando pelo seu andamento célere, promovendo as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for meramente dilatório ou impertinente, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Por seu turno, dispõe o artigo 547º do mesmo Código que o juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Ambas as normas visam a justa composição do litígio e o desiderato de alcançar um processo célere justo e equitativo, de um ponto de vista formal e de gestão processual, não se confundindo com o princípio do inquisitório nem com o princípio da verdade material.
Por seu turno, o artigo 7.º do CPC prescreve que um princípio de cooperação entre os intervenientes processuais, podendo o juiz, “em qualquer estado do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência” (n.º 2), sendo que, o juiz deve, sempre que possível, providenciar por remover o obstáculo que se verifique, “sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual” (artigo 7.º, n.º 4, do CPC).
A consagração constitucional do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, nº4 da Constituição da Republica Portuguesa) envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza.
Como é jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos do TC n.ºs 86/88, 157/2008 e 530/2008) o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras.
O direito à prova significa que as partes em conflito, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal e, ainda, o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como, o direito à contraprova.
O artigo 411.º do CPC – correspondendo, em parte, ao anterior artigo 265.º do CPC de 1961 – estatui sobre o denominado “princípio do inquisitório” em sede de instrução do processo, prescrevendo que: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Apreciando este princípio – aliás, expresso ou manifestado perante outros normativos legais (v.g. arts. 6.º, 7.º, 436.º, 452.º, 467.º, 490.º, 526.º, 590.º, n.º 2, al. c) e 3 e 607.º, nº 1) - , refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2019 (Processo 68/12.7TBCMN-C.G1, rel. CONCEIÇÃO SAMPAIO) que: “O processo é constituído por uma série de atos dirigidos a um fim - a decisão judicial que resolve o conflito entre as partes -, devendo obedecer a formas e requisitos adequados a esse escopo. Sem regras o processo fica sujeito à indisciplina das partes e cria insegurança, e presta-se a manobras que prejudiquem a obtenção da decisão em tempo razoável e útil.
Tem portanto o processo exigências técnicas, designadamente sujeitando as partes a um tecido de ónus necessários à boa administração da justiça.
Um dos princípios do processo civil é precisamente o da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco.
O princípio do inquisitório traduz uma ideia de divisão subordinada de trabalhos, dominante em matéria probatória, entre o juiz e as partes (estas num primeiro plano).
Recebeu consagração legal no art. 411.º ao dispor que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
O princípio do inquisitório exerce atualmente, é certo, um importante papel no processo civil português mas, a nosso ver, funciona subordinado ao princípio do dispositivo, parecendo-nos excessiva a sua configuração como um sistema processual híbrido, que se coaduna em par em torno dos dois princípio).
O nosso sistema processual civil é norteado pelo princípio do dispositivo, competindo-lhe o “monopólio” dos factos e dos meios de prova.
Como escreve Mariana França Gouveia esteirada nos ensinamentos dos mais ilustres processualistas, “O princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. Assim, o exato limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a ação (e de se defender), como delimitam o seu objeto. O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar). No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão.”
Compreende-se, assim, por que o princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.
Assim, se a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse” (assim, Nuno Lemos Jorge; “Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, in Julgar, nº 3, p. 70).
“Ou seja, o juiz não se encontra obrigado a proceder à inquirição de uma testemunha só porque a parte, que não apresentou oportunamente o rol, invoca a importância daquela inquirição para a descoberta da verdade. (….). Esse uso decorrerá da ponderação feita pelo juiz, em face das circunstâncias concretas que em cada caso se deparem; o que afasta a sua aplicação automática na sequência de simples requerimento, em sede de julgamento, de uma das partes (ou de ambas)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-03-2013 Processo 293/12.0TBVCT-J.G1, rel. ANA CRISTINA DUARTE).
Não pode, pois, o juiz ao abrigo do princípio do inquisitório suprir o incumprimento de formalidades essenciais pelas partes, permitir o atropelo de normas legais e postergar o princípio da auto-responsabilização das partes.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-02-2016 (Processo n.º 788/14.1T8VNG, rel. PEDRO MARTINS): “O princípio do inquisitório (art. 411 do CPC) não pode ser utilizado para, objectivamente, auxiliar uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir no processo documentos que não apresentou atempadamente nos termos do art. 423 do CPC”.
O disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.
Assim, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-03-2018 (Processo 14/15.6T8VRL-C.G1, rel.        JOÃO DIOGO RODRIGUES):
“1- De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.
2- Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir.
3- Neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia”.
Por sua vez, o artigo 417º do CPC, sob a epígrafe (Dever de cooperação para a descoberta da verdade) estipula:
“1.– Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados (…)”.
A propósito desta norma, escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, p. 221) que: “O dever de cooperação para a descoberta da verdade, de que trata este artigo (que reproduz, com a mera alteração dum tempo verbal, a redação do artigo 519º do CPC de 1961), constitui, enquanto radicado nas partes, emanação do dever geral de cooperação consagrado no art. 7 no campo da instrução da causa. Tal como o dever de esclarecer imposto pelo nº 2 do art.7 respeita ao plano da cooperação material, dele se distinguindo, porém, por respeitar, já não ao esclarecimento da alegação, mas ao esclarecimento dos factos, isto é, à prova (veja-se o nº 3 do comentário ao art. 7). Além disso incumbe também a terceiros”.
Deste modo, sem se postergarem as regras atinentes ao ónus da prova, em sede de apreciação dos poderes de requisição constantes do artigo 436.º do CPC, o que releva em face dos mencionados princípios processuais da colaboração, do inquisitório e da boa-fé processual, é saber se os documentos ou as informações solicitadas pela parte à outra (ou a terceiro), por intermédio do tribunal, são ou não relevantes e adequadas à prova dos factos. Se o forem, deve ser deferido o requerido, sendo que não é indiferente em termos probatórios a recusa – injustificada - de colaboração (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-09-2011, Processo 6074/09.1TBMAI-A.P1, rel. MARIA ADELAIDE DOMINGOS).
Diferente é saber se deve o tribunal substituir-se à parte logo que esta o requeira, com vista a determinar a atuação que lhe seja solicitada, posto que o exercício do inquisitório há-de ser conjugado com os termos da cooperação exigível ao Tribunal, desde logo, em face do comando normativo constante do n.º 4 do artigo 7.º do CPC.
No caso dos autos, a ré reporta-se a documento que comprove a sua qualidade de microentidade, para a produção dos efeitos do disposto no artigo 51º, n.º 4, alínea a) e n.º5 do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (na redação conferidas pelas Lei 31/2012 de 14 de agosto e Lei 79/2014 de 19 de dezembro, Lei 42/2017 de 14 de junho e Lei 43/2017 de 14 de junho).
De acordo com o mencionado n.º 5 do artigo 51.º do NRAU, para efeitos dessa lei, “microentidade” é “a empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes: a) Total do balanço: (euro) 2 000 000; b) Volume de negócios líquido: (euro) 2 000 000; c) Número médio de empregados durante o exercício: 10”.
Nos termos do artigo 51.º, n.º 6, do NRAU, o arrendatário que invoque uma das circunstâncias previstas no n.º 4 do mesmo artigo “faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo da mesma, sob pena de não poder prevalecer-se da referida circunstância”.
Como decorre desta norma, no caso de ser invocado que o arrendatário é uma “microentidade”, o ónus da junção com a resposta ao senhorio da comprovação de tal qualidade, incorre sobre o arrendatário que não poderá prevalecer-se da circunstância invocada.
Ora, no caso, a ré não promoveu – tanto quanto é dada conta nos autos - a junção do documento que agora considera essencial.
A circunstância de, em determinado momento processual, ter manifestado “protestar” juntar o documento comprovativo da sua situação de “microentidade” não tem qualquer consequência, pois, a intenção de praticar um acto processual não equivale à sua prática, não podendo advir daí consequências jurídicas como se o acto que não foi praticado, o tivesse sido.
Por outro lado, como se assinalou, não tendo a ré, por qualquer modo, manifestado como essencial o documento que, agora, considera que revestia tal natureza, não se pode considerar que tenha ocorrido alguma “inércia” do Tribunal recorrido no facto de não ter determinado às partes a sua junção aos autos.
Mas, como se disse, atento o que consta do artigo 7.º, n.º 4, do CPC, não foi alegada, no decurso dos autos, alguma justificada dificuldade na apresentação do documento em questão, que determinasse algum condicionamento da ré no exercício dos seus direitos ou faculdades e que pudesse inculcar ter o Tribunal recorrido omitido o cumprimento do princípio da cooperação processual expresso nesse preceito legal. Não se afigura que algum dos demais princípios invocados pela recorrente impusesse diversa solução.
Conforme se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2019 (Processo 68/12.7TBCMN-C.G1, rel. CONCEIÇÃO SAMPAIO):
“I - O princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.
II - O princípio da cooperação deve ser conjugado com o princípio da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão da apresentação dos meios de prova no momento processualmente determinado.
III - O juiz não se encontra obrigado a determinar a junção de um documento só porque a parte, que não o apresentou oportunamente, invoca a importância daquele para a descoberta da verdade. A não se entender assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova em momentos processuais determinados, pois restaria sempre à parte a possibilidade de invocar a sua essencialidade”.
Apreciando uma situação em que o arrendatário procurou comprovar, em sede de recurso, a qualidade de microentidade, nos termos e para os efeitos consignados no artigo 51.º do NRAU, considerou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2018 (Processo 10909/17.7T8LSB.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES) que não deveria ser admitida a junção probatória do documento que visava comprovar tal qualidade da arrendatária, designadamente, pelos seguintes motivos:
“Em primeiro lugar, não se pode dizer que a Recorrente, não podia razoavelmente contar com o objecto da sentença recorrida e respectiva fundamentação porquanto era expectável, que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre a verificação da circunstância prevista na alínea a) d n.º 4 do artigo 51.º do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto [“Que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa”], a qual foi, aliás, invocada pela própria Recorrente.
E, como decorre dos artigos 51.º, n.º 4 e 54.º, n.º 1, do NRAU, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto [versão em vigor e a que respeitam as posteriores referencias ao NRAU, sem outra menção], e da regra geral do art.º 342.º do Cód. Civil, era sobre a Recorrente que incumbia o ónus da prova relativo ao número médio de pessoas empregues durante o exercício «critério de efectivos» e dos limites máximos de volume de negócios ou dos limites máximos do balanço no exercício contabilístico encerrado imediatamente anterior «critério de volume de negócios ou de balanço total» ao da comunicação do senhorio a que alude o art.º 50.º do NRAU.
Tal invocação e prova tinha de ser feita no prazo de 30 dias a contar da recepção da comunicação do senhorio para actualização da renda [art.º 51.º, n.º 1, do RAU] (…).
E, em caso de desacordo e litígio entre as partes contratantes, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, a actividade do Tribunal tem de incidir sobre as circunstâncias alegadas pelo senhorio como fundamento da caducidade do contrato de arrendamento e as circunstâncias que, em resposta, forem invocadas pelo arrendatário como obstativas da caducidade (…)”.
Ora, todas estas circunstâncias são perfeitamente transponíveis para a situação dos autos, em que a ré considera que o Tribunal recorrido a deveria ter notificado para juntar o documento de comprovação da sua qualidade de microentidade.
Não se vê que a ré estivesse impossibilitada de juntar, em tempo, tal documento; nem, como se disse, que tenha ocorrido justificada dificuldade na sua oportuna junção; tal como, perante a demanda apresentada pelos autores, certamente, que a ré, usando da necessária diligência, configuraria como conveniente, para a defesa da argumentação que desenvolvesse, a junção do documento em questão, que, aliás, como se disse, protestou juntar, assim admitindo, claramente, que o mesmo poderia ser pertinente para a defesa dos seus interesses.
Certo é que, não ficou patenteado, junto do Tribunal recorrido que este tivesse incumprido algum dever processual, pelo facto de não ter determinado a junção do documento em questão, não prevalecendo, no caso em apreço, o princípio da cooperação, do inquisitório ou da descoberta da verdade material, sobre o princípio da auto-responsabilização da ré, relativamente à sua posição processual.
Em face do que vem exposto, conclui-se não ter o Tribunal recorrido violado o disposto nos preceitos legais invocados pela recorrente.
*
C) Se o Tribunal recorrido violou os artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do CC, ao não reconhecer que o comportamento dos autores, ao alegarem a falta de um documento demonstrativo da qualidade de microentidade questão que não levantaram em devido tempo, é manifestamente contrário à boa fé?
Finalmente, considera a recorrente que foram violados os artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do CC, não tendo o tribunal recorrido reconhecido que o comportamento dos autores foi abusivo, invocando o seguinte:
“Apreciando o comportamento dos AA., ora Recorridos, enquanto senhorios, diz o douto Tribunal a quo que (…) convém frisar que o comportamento dos autores em terem protelado desmesuradamente no tempo o reconhecimento do seu direito e por via disso pretenderem auferir um rendimento que lhe seria devido caso o contrato transitasse imediatamente para o novo regime do NRAU, como se tivesse ocorrido aceitação da ré na sua resposta, é em nossa opinião inaceitável por se enquadrar no disposto no art.º 334º do Código Civil.(…)
No entanto, apesar de tal conclusão, os efeitos que o douto Tribunal a quo retira do comportamento dos AA. vai apenas no sentido de (…) não seria reconhecido o direito dos autores em embolsarem 1500,00 mensais desde a data da interpelação (…) Atendendo à data da comunicação promovida pelos AA., ora Recorridos, de 14/09/2013 e a data de propositura da presente ação sob recurso, 14/03/2018 e porque nada fizeram, apenas ao fim de quase cinco anos vieram acionar a R., com base no incumprimento legal da declaração, conclui doutamente o Tribunal a quo, pelo comportamento abusivo dos AA., ora Recorridos, quando estes pretendem obter uma vantagem que qualifica de inaceitável.
Com esta afirmação, concorda a R, plenamente com o douto Tribunal a quo, quando este efetua a análise da conduta dos AA., ora Recorridos.
No entanto, já não pode concordar com os parcos efeitos que o Tribunal a quo retira da referida conclusão.
Com efeito, vem o Tribunal a quo a páginas 8 da Sentença sob recurso dizer que: (…) a ré embora não tivesse indicado o valor preciso da nova renda manifestou disponibilidade em negociar esse valor, integrando assim essa declaração a nosso ver o disposto no art.º 51º nº 3 alínea b) do NRAU, proposta a que os autores não responderam (…) assim sendo, é aplicável o art.º 33º nº 5 alínea b) do NRAU (…) concretizando em seguida o raciocínio.
Na verdade, partindo do princípio, com o fez o douto Tribunal a quo, que o direito dos AA. ora Recorridos existe, que não existe, leva a que o mesmo em seguida efetue os cálculos preconizados pelas alíneas a) e b) do nº2 do art.º 35º do NRAU.
Acontece que, ao contrário do concluído pelo douto Tribunal a quo, tem de ser negada a aplicabilidade das normas, atento o comportamento abusivo e violador do princípio da Boa fé que deve reger as relações entre os contraentes.
Os AA., ora Recorridos agiram em abuso de direito, não apenas porque peticionam um valor da renda, sem que tenham observado a comunicação a que estavam obrigados, como por protelarem desmesuradamente o tempo sem notificar a R., ora Recorrente da suposta falta, durante décadas recebendo pontualmente as rendas.
Ora, constatando os AA., ora Recorridos que na declaração de oposição da R., ora Recorrente faltava o documento anexo comprovativo a que o texto da mesma se refere (Doc.7), durante mais de quatro anos não praticaram qualquer ato, não efetuaram qualquer comunicação/notificação para a R. cumprir a suposta falta, inopinadamente, sem mais, decorrido um tempo desmesurado intentam a presente ação sob recurso.
Ora, não pode deixar-se de concluir nesta vertente, do mesmo modo que o douto Tribunal a quo conclui no sentido de um comportamento abusivo dos AA., violador dos princípios contratuais
Os AA. ora Recorridos agiram com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, porquanto quatro anos e meio depois de terem notificado a R., ora Recorrida da intenção dos senhorios que o contrato de arrendamento transitasse para a NRAU, datada de 23 de setembro de 2013, a qual mereceu as respostas da R., ora Recorrente que aquele juntou à P.I:, e aos quais juntou os documentos comprovativos da qualidade a que se arroga, os AA., ora Recorridos, venham com fundamento na suposta falta de documento comprovativo, e quando a R. julgava estar tudo esclarecido, com a presente ação sob recurso.
É inadmissível e contrária à boa fé a conduta assumida pelos AA. na exata medida em que trairam a confiança gerada na R., com quem mantém um contrato de arrendamento desde 1 de março de 1976, objetivamente reforçado pelo decurso de um tão dilatado lapso de tempo.
No sentido contrário ao comportamento dos AA., ora Recorridos, veja-se excerto de jurisprudência que a seguir se transcreve:
(…) I - A proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra na proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC), nessa medida sendo de conhecimento oficioso; no entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório.
II - São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou. (…) (In Acórdão do STJ, Proc. 1464/11.2TBGRD-A.C1., de 12/11/2013)
Como é sabido o n.º 2 do artigo 762º do Código Civil determina que, “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
Compulsando jurisprudência que se debruça sobre esta matéria, importa transcrever parte de Acórdão que, em nosso entendimento, muito ajuda a opinar sobre o comportamento dos AA., ora Recorridos: (…) “A lei confere assim ao princípio da boa fé, na área do exercício da relação obrigacional, a sua verdadeira dimensão”. “A necessidade juridicamente reconhecida e tutelada de agir com correcção e lisura não se circunscreve ao obrigado; incide de igual modo sobre o credor, no exercício do seu poder. E, tal como sucede com o dever de prestar, também no lado activo da relação o dever de boa fé se aplica a todos os credores, seja qual for a fonte do seu direito, embora isso não exclua a desigual intensidade do dever de cuidado e diligência que pode recair sobre as partes”. (Acórdão do TRG, Proc. N.º 5964/15.7TBBRG.G1, de 19/01/2017)”.
Ora, ao contrário do invocado pela recorrente, não se vislumbra ter ocorrido violação dos artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do CC pelo Tribunal a quo.
Importa sublinhar, aliás, que, como resulta da petição inicial, nela não é invocada qualquer invalidade ou falta de documento que a ré devesse juntar, por parte dos autores. Tal articulado decompõe-se em 17 artigos e nos mesmos os autores invocaram, tão-só, o seguinte:
1º Os Autores são comproprietários de um prédio urbano sito na rua …, n.º …, no Barreiro, inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia do Barreiro, (Doc 2), e descrito na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o n.º …,(Doc 3 que protesta juntar).
2º Por contrato de arrendamento celebrado a onze de Fevereiro de 1977, fazendo reportar o seu inicio ao dia 1 de Março de 1976, e pela renda mensal de 10 000$00, (dez mil escudos), correspondendo hoje a € 50,00, (cinquenta euros), os Autores deram de arrendamento à Ré o imóvel referido, sito na Rua …, n.º …, no Barreiro, (doc. n.º 4).
3º O local arrendado destinava-se ao comércio de café e bilhares e Snak-bar.Sucede que:
4º Em 23 de Setembro de 2013, a Ré foi presencialmente notificada na pessoa do Sr. SL…, com a carta de condução n.º SE …-…, de que era intenção dos Senhorios que o contrato transitasse para o NRAU, passando a ser do tipo “prazo certo com duração de 5 anos”, tendo sido ainda notificada da intenção de atualizar a renda, (cujo valor á data ara de € 337,13), para o valor mensal de € 1 500,00, (mil e quinhentos euros). (doc. n.º 5).
5º A Ré respondeu, opondo-se á atualização do valor da renda bem como á transição do regime do contrato de arrendamento para contrato a prazo certo, no entanto, tal comunicação não respeitou o impositivo legal constante do art.º. 51 n.º 4 a), n.º 5 e 6 do NRAU, (doc 6 e doc 7), tendo-se assim tornado inoperante a oposição.
6º Não operando tal oposição, tem-se que o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e a Ré passou a ser do tipo termo certo, pelo período de 5 anos, e a renda foi atualizada para o valor de € 1500,00, (mil e quinhentos euros) mensais, a partir de Janeiro de 2014. ORA
7º A Ré, nunca efetuou o pagamento da renda pelo valor atualizado, € 1500,00, limitando-se a depositar mensalmente o valor da renda com a atualização anual devida pelos coeficientes de atualização determinados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
8º Desde o ano de 2014, a Ré efetuou depósitos mensais em conta titulada pelos autores no valor de € 449,50 (trezentos e quarenta euros) mensais, pelo que até á presente data, a Ré pagou a título de renda parcial a quantia de € 20 677,00, (vinte mil seiscentos setenta e sete euros). Maio 2014 a Fevereiro 2018 = 46 meses X € 449,50 = € 20 677,00
9º A Ré deveria ter pago, em resultado da atualização das rendas operada em setembro de 2013, a título de rendas a quantia de € 69,000,00 Maio 2014 a Fevereiro 2018 = 46 meses X € 1500,00 = 69 000,00
10º Assim, a ré é devedora perante ao Autores da quantia de € 48 323,00 (quarenta e oito mil trezentos e vinte e três euros).
€ 69000,00 – € 20 677,00 = € 48 323,00
11º A Ré recusa proceder ao pagamento das rendas em falta, bem como a entregar o locado livre e desocupado.
12º Os autores tentaram a notificação judicial avulsa da Ré, proc. …/…TBBRR Barreiro …º Juízo Cível, a qual se revelou impossível, como resulta do (doc. n.º 8) que se junta. Assim,
13º Em consequência do dispositivo constante do art.º. 51 do NRAU, e pese embora a oposição feita pelo arrendatário, Ré, a oposição não pode produzir quaisquer efeitos porquanto, nos termos dos n.º 4 e 6 do citado art.º. 51, a oposição á atualização das rendas não é eficaz, em virtude de a Ré não ter feito acompanhar a sua resposta de documento comprovativo da circunstância de se tratar de uma microentidade.
14º Assente será que o valor da renda foi atualizado de acordo com o NRAU, e por isso o valor de cada renda em atraso não equivale a € 449,50, valor que a Ré continua a depositar a título de renda, mas sim a € 1500,00, valor que os Autores peticionam a título de renda mensal.
15º A Ré efectua um depósito parcial de renda, de montante por si determinado, equivalente a € 449,50, ficando assim em divida mensalmente o remanescente da renda.
16º O pagamento parcial do valor da renda equivale a falta de pagamento
17º O não pagamento de rendas é fundamento para resolução do contrato de arrendamento, o que se pretende com a presente acção”.
Os demais termos processuais não evidenciam qualquer ilegítima invocação por parte dos autores.
Aliás, o comportamento dos demandantes não foi sancionado em sede de litigância de má fé.
E se o Tribunal recorrido considerou abusivo – violador do artigo 334.º do CC – que os autores pudessem obter a pretensão resolutiva e, bem assim, o valor integral peticionado a título de rendas - , não decorre de qualquer modo dos autos, que as demais pretensões dos demandantes sejam infundadas ou que o Tribunal recorrido tenha incumprido os normativos dos artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do CC.
A alegação, a este respeito, produzida pela recorrente soçobra.
A apelação deverá, em consequência, ser julgada improcedente, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
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A responsabilidade tributária inerente deverá ficar a cargo da ré/recorrente, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem o colectivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar a apelação improcedente e, em consequência, em confirmar a decisão proferida pelo Tribunal recorrido.
Custas a cargo da ré/apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 21 de maio de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes