Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3189/13.5TTLSB.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
FASE CONTENCIOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I. O erro na forma de processo a que alude o art.º 193.º do CPC não é uma nulidade sentença mas do processo.

II. Sendo essa nulidade de conhecimento oficioso do tribunal, mas não tendo sido concretamente conhecida, ainda assim poderá sê-lo por via do recurso porque se não forma caso julgado formal (art.os 193.º, n.os 1 a 3 e 196.º CPC) .

III. E ainda assim deve ocorrer apesar de ter sido qualificada como nulidade da sentença, por força do princípio iure novit curia (art.º 5.º, n.º 3 do CPC).

IV. Se na tentativa de conciliação, a seguradora e o trabalhador se não conciliaram por aquela não ter aceitado a data da alta, a forma de processo adequada para dar início à fase contenciosa é a prevista n.º 2 (petição inicial) e não no n.º 1 (requerimento para junta médica) do art.º 138.º do CPT.

V. Apresentando o trabalhador requerimento para junta médica ao invés de petição inicial, ocorre a nulidade processual do erro na forma de processo, o que impossibilita o aproveitamento desse e dos actos posteriores e gera a sua anulação, incluindo a sentença (art.º 193.º, n.os 1 e 2 do CPC).

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório.


AAA, S. A. arguiu a nulidade da sentença e apelou da mesma, a qual fixou em 3% a IPP de que actualmente padece o Sinistrado BBB em consequência do acidente de trabalho objecto dos presentes autos, desde 15-12-2015 e a condenou a pagar-lhe o capital de remição correspondente à pensão anual de € 388,73, com efeitos a partir de 16-12-2015, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legal mente fixada, desde essa data até integral e efectivo pagamento, a quantia de € 30211,03, a título de indemnização por incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legal mente fixada, desde o último dia de cada mês em que era devido o pagamento (30-08-2013 e últimos dias dos meses subsequentes) até integral e efectivo pagamento e o valor de €15,00, a título de transporte e ainda todas as quantias médica e medicamentosas que o sinistrado comprove junto da seguradora serem devidas em função do sinistro.

Quanto à nulidade da sentença, alinhou as seguintes conclusões:
1.Na tentativa de conciliação do presente processo, a seguradora e ora apelante não aceitou o grau de incapacidade de que o sinistrado ficou afectado nem a data da alta, considerando que este ficara afectado de uma IPP de 3% e considerando que a data da alta era 23/08/2013, pelo que também não aceitou qualquer período de ITA posterior a esta data.
2.Na sequência da apresentação de requerimento para o efeito, foi ordenada e realizada Junta Médica que, aceitando a descrição das lesões e o grau de incapacidade fixado no exame singular de fls. 180 e 181, considerou expressamente, e por unanimidade, na resposta dada ao quesito 4 formulado pela ora apelante que 'a intervenção cirúrgica a que foi submetido [o sinistrado] a 10/2/2015 não tem nexo causal com o acidente'.
3.No entanto, a Junta Médica não se referiu expressamente à questão da incapacidade temporária provocada por essa intervenção cirúrgica a que o sinistrado foi submetido em 10/2/2015, sendo certo que no exame singular de fls. 180 e 181 o perito médico que o realizou considerou que existia nexo de causalidade entre esta operação ('Sinistrado foi reoperado em 10/02/2015…) e o acidente de trabalho sofrido pelo autor em 25/05/2013, pelo que o período de ITA que atribuiu incluiu também a incapacidade temporária resultante desta operação.
4.Assim, sendo inquestionável que da operação efectuada em 10/02/2015 resultou para o sinistrado um período de ITA, mais ou menos prolongado mas existente (nem que fosse apenas o do próprio dia dessa intervenção cirúrgica), e não havendo referência expressa no auto de exame por Junta Médica de qual o período de ITA exclusivamente imputável a esta intervenção cirúrgica sem nexo causal com o acidente, o Mt.º Juiz recorrido deveria ter determinado a realização das diligências necessárias a apurar esse período de incapacidade, fosse ordenando aos senhores peritos médicos que intervieram na Junta Médica para esclarecer essa questão, fosse determinando a realização de pareceres complementares ou requisitando pareceres técnicos (como estabelece o art.º 139.º-7 do Código de Processo do Trabalho).
5.Ao omitir tais diligências o Mt.º Juiz a quo cometeu uma nulidade, uma vez que o apuramento do período de ITA em causa tem manifesto interesse para o exame e decisão da causa (art.º 195.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho).
6.Esta nulidade acarreta a nulidade de todos os actos subsequentes que dele dependem absolutamente, sendo manifesto que a douta sentença recorrida depende absolutamente desse acto omitido, uma vez que este tem implicação directa na decisão sobre a matéria de facto.
7.Assim, devem ser anulados todos os actos subsequentes, designadamente a douta sentença recorrida.
8.Como se aflorou acima, a fase contenciosa do presente processo iniciou-se com o requerimento que, por mera cautela e nas circunstâncias também acima descritas, a ora recorrente apresentou ao abrigo do disposto no art.º 138.º-2 do Código de Processo do Trabalho.
9.Ora, a fase contenciosa inicia-se dessa forma apenas nos casos em que na tentativa de conciliação apenas houve discordância quanto à questão da incapacidade e, no caso dos autos, não só houve discordância quanto à incapacidade fixada, mas também quanto à data da alta e quanto aos períodos de incapacidade temporária que afectaram o sinistrado.
10.Assim, a fase contenciosa deveria ter tido início com a apresentação da petição inicial pelo sinistrado, de forma a permitir a produção de outros meios de prova, designadamente pericial, quanto ao nexo de causalidade entre o acidente sofrido pelo sinistrado e os períodos de incapacidade temporária.
11.A douta sentença recorrida, ao ter sido proferida nesta fase contenciosa, sem acordo das partes quanto a questões essenciais e controvertidas, como a data da alta do sinistrado e duração dos períodos de incapacidade temporária sofridos pelo sinistrado e imputáveis ao acidente dos autos, é nula por ter sido proferida na sequência de preterição de formalidades essenciais previstas nos art.os 117.º-1a), 119.º e 138.º-2 Código de Processo de Trabalho e, como tal, deve ser revogada e substituída por decisão que ordene o prosseguimento do processo com a apresentação da petição inicial.

No que concerne à apelação, culminou as alegações com as seguintes conclusões:
12.O exame médico singular considerou que o sinistrado sofrera lesões que tinham determinado a sua sujeição a duas intervenções cirúrgicas, a última das quais ('reoperação') fora realizada em 10/02/2015, e em consequência das quais o sinistrado estivera com incapacidade temporária absoluta desde o dia seguinte ao do acidente, 26 de Maio de 2013, e até à data da alta, 15/12/2015, já depois da segunda operação.
13.A ora apelante não concordou com essa posição assumida pelo perito médico, uma vez que os seus serviços clínicos tinham dado alta ao sinistrado em 12/08/2013, considerando que a segunda intervenção cirúrgica não tinha qualquer nexo causal com o acidente.
14.Na Junta Médica realizada, os senhores peritos médicos, por unanimidade, entenderam que a segunda operação cirúrgica a que o sinistrado fora submetido não tinha nexo causal com o acidente.
15.Face a estes elementos de facto, só é possível concluir-se que a data da alta a considerar é a que foi dada pelos serviços clínicos da ora apelante, uma vez que, como eles, também os senhores peritos médicos que intervieram na Junta Médica entenderam que a segunda intervenção cirúrgica a que o sinistrado se submetera, em 10/02/2015, não tinha qualquer nexo causal com o acidente e não podendo haver dúvidas de que a segunda intervenção cirúrgica provocou um período de incapacidade temporária ao sinistrado.
16.Assim, tem de dar-se como assente que o período de incapacidade temporária absoluta sofrida pelo sinistrado em consequência do acidente dos autos é aquele que decorreu entre o dia seguinte ao do acidente e o dia 12/08/2013, data em que lhe foi dada alta pelos serviços clínicos da seguradora.
17.Ao decidir de forma diversa, a douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos art.os 139.º e 140.º do Código de Processo do Trabalho, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue que o período de incapacidade temporária absoluta sofrida pelo sinistrado em consequência do acidente dos autos é aquele que decorreu entre o dia seguinte ao do acidente e o dia 12/08/2013 e, em consequência, fixe em € 213,01 a quantia em dívida pela apelante ao sinistrado, a título de indemnização por incapacidades temporárias e resultante da consideração como incapacidade temporária absoluta o período de 10 dias que a ora apelante considerou como incapacidade temporária parcial a 40%.
12.O exame médico singular considerou que o sinistrado sofrera lesões que tinham determinado a sua sujeição a duas intervenções cirúrgicas, a última das quais ('reoperação') fora realizada em 10/02/2015, e em consequência das quais o sinistrado estivera com incapacidade temporária absoluta desde o dia seguinte ao do acidente, 26 de Maio de 2013, e até à data da alta, 15/12/2015, já depois da segunda operação.
13.A ora apelante não concordou com essa posição assumida pelo perito médico, uma vez que os seus serviços clínicos tinham dado alta ao sinistrado em 12/08/2013, considerando que a segunda intervenção cirúrgica não tinha qualquer nexo causal com o acidente.
14.Na Junta Médica realizada, os senhores peritos médicos, por unanimidade, entenderam que a segunda operação cirúrgica a que o sinistrado fora submetido não tinha nexo causal com o acidente.
15.Face a estes elementos de facto, só é possível concluir-se que a data da alta a considerar é a que foi dada pelos serviços clínicos da ora apelante, uma vez que, como eles, também os senhores peritos médicos que intervieram na Junta Médica entenderam que a segunda intervenção cirúrgica a que o sinistrado se submetera, em 10/02/2015, não tinha qualquer nexo causal com o acidente e não podendo haver dúvidas de que a segunda intervenção cirúrgica provocou um período de incapacidade temporária ao sinistrado.
16.Assim, tem de dar-se como assente que o período de incapacidade temporária absoluta sofrida pelo sinistrado em consequência do acidente dos autos é aquele que decorreu entre o dia seguinte ao do acidente e o dia 12/08/2013, data em que lhe foi dada alta pelos serviços clínicos da seguradora.
17.Ao decidir de forma diversa, a douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos art.os 139.º e 140.º do Código de Processo do Trabalho, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue que o período de incapacidade temporária absoluta sofrida pelo sinistrado em consequência do acidente dos autos é aquele que decorreu entre o dia seguinte ao do acidente e o dia 12/08/2013 e, em consequência, fixe em € 213,01 a quantia em dívida pela apelante ao sinistrado, a título de indemnização por incapacidades temporárias e resultante da consideração como incapacidade temporária absoluta o período de 10 dias que a ora apelante considerou como incapacidade temporária parcial a 40%.

Para tal notificado, o sinistrado não contra-alegou.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e determinou que os autos fossem com vista ao Ministério Público com vista a que emitisse parecer sobre a decisão final a proferir.[2]

Nessa sequência, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta foi de parecer que a apelação deve ser provida.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente é considerado, é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa saber se:
i.- na nulidade, se à fase conciliatória deveriam autos ter aguardado que o sinistrado desse início à contenciosa apresentando petição inicial e não requerimento para exame por junta médica, nos termos do art.º 117.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo do Trabalho ;

ii.- na apelação se a data da alta do sinistrado não foi a 15-12-2015 (como considerou o exame médico singular) mas 12-08-2013 (como considerado pelos serviços médicos da apelante), tendo o sinistrado estado com ITA desde a data do acidente até então.
***

II Fundamentos.

1. Factos julgados provados:

1.-No dia 25-05-2013, pelas 21:00 horas, BBB sofreu uma queda da qual resultou traumatismo ao nível do joelho e perna esquerda, quando trabalhava sob as ordens, fiscalização e direcção da sociedade 'AAA, Ld.ª', com a categoria profissional de vigilante.
2.-Em consequência directa e necessária do acidente de trabalho descrito advieram para o sinistrado as lesões descritas e examinadas no auto de fls. 180 que lhe determinaram ITA (Incapacidade Temporária Absoluta) desde 26-05-2013 a 15-12-2015 e IPP (Incapacidade Permanente Parcial) de 3%, desde 15-12-2015 (data da alta).
3.-À data do acidente, o Sinistrado auferia uma Rendimento anual no valor de €18511,04.
4.-A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho em relação ao acidentado transferida para a entidade seguradora acima identificada cobrindo a totalidade da retribuição.
5.-A seguradora pagou ao sinistrado a título de ITA o valor de € 2946,55.
6.-O sinistrado despendeu €15,00, em deslocações ao tribunal.

2.Outros factos processuais relevantes:
No dia 01-03-2016, nos serviços da Procuradoria junto do Tribunal recorrido, teve lugar, sob a presidência do Exm.º Sr. Procurador Adjunto, uma tentativa de conciliação entre o sinistrado e a apelante na qual, além do mais que aqui não releva, pelo representante desta foi dito o seguinte:
"Não aceita a data da alta, que considera ter ocorrido em 23-08-2013, não aceitando consequentemente o pagamento de quaisquer valores a título de 11ª posteriores a tal data, não aceitando por isso, o pagamento da quantia acima reclamada a esse mesmo título.
Pelas mesmas razões, não aceita o pagamento das despesas médico-medicamentosas agora requeridas".

3.O direito.

3.1.Da nulidade da sentença.
O n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil estabelece, de modo taxativo, os casos em que a sentença é nula.[5] Tal ocorre verificada uma das seguintes situações: "a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido".

Por outro lado, tem sido salientado que uma coisa são as nulidades da sentença, que lhe são imanentes e, outra, as nulidades processuais, que lhe são alheias e resultam de um acto processual desconforme à lei, seja por ter sido praticado um acto por ela proibido, seja por ter sido omitido um outro que a mesma impunha fosse praticado.[6]

Do que reclama a seguradora é que a Mm.ª Juíza a quo praticou actos processuais que não deveria ter praticado e, simultaneamente, deixou de realizar outros que a lei impunha, em boa verdade seguindo os trâmites correspondentes a uma forma de processo,[7] que era inadequada, em detrimento de outra,[8] que era a apropriada. Quer isto dizer, portanto, que não se reporta intrinsecamente à sentença mas, outrossim, a aspectos que lhe são externos, não se subsumindo por isso a nenhuma das situações erigidas na lei como causas da sua nulidade, que, recordêmo-lo, se resumem à falta da assinatura do juiz ou de fundamentação, à contradição entre os fundamentos e a decisão, à sua ambiguidade ou obscuridade, à omissão ou o excesso de pronúncia ou à condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Ou seja, o que no caso sub iudicio a seguradora efectivamente reclama não é da nulidade sentença mas da nulidade processual do erro na forma de processo a que alude o art.º 193.º do Código de Processo Civil,[9] a qual, sendo de conhecimento oficioso do tribunal,[10] mas não tendo sido concretamente conhecido, sempre poderá sê-lo por via do recurso pois que então se não forma caso julgado formal.[11]O mesmo se deverá dizer quando "excepcionalmente, o erro na forma de processo consubstancia-se numa excepção dilatória insanável, mormente nos casos em que a petição é inaproveitável dentro do critério fixado na lei, em virtude da sua inadequação grave à luz do pedido formulado pelo autor. Neste caso, a errada indicação da forma de processo determina a absolvição do réu da instância".[12] Aliás, conforme já considerou o Supremo Tribunal de Justiça, "apesar do réu não haver arguido até à contestação, ou neste articulado, a ineptidão da petição por que conheceu do pedido, deve o Tribunal da Relação apreciar a questão, por ser de conhecimento oficioso e não se encontrar sanada, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia sobre questão de que devia conhecer".[13]

Baixando ao caso concreto, importa então verificar se a Mm.ª Juíza seguiu uma forma de processo quando a adequada seria outra.
O n.º 1 do art.º 117.º do Código de Processo do Trabalho estabelece que "a fase contenciosa tem por base":
"a)-Petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
b)-Requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho".

Depois, o n.º 2 daquele preceito refere que "o requerimento referido na alínea b) do número anterior deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos" e o n.º 3 que "a fase contenciosa corre nos autos em que se processou a fase conciliatória".

No primeiro caso, à petição inicial[14] segue-se, em 1.ª instância, o despacho liminar do juiz que, sendo de citação,[15] pode originar a contestação do responsável,[16] o despacho saneador,[17] com eventual desdobramento do processo num apenso para apurar a desvalorização do sinistrado,[18] o julgamento[19] e,por fim,a sentença;[20] já neste, apresentado o requerimento para realização da junta médica,[21] o juiz nomeia os peritos[22] e, uma vez realizada, profere decisão sobre o emérito, fixando a incapacidade e os direitos que assistem ao sinistrado.[23]

Ora, na tentativa de conciliação, os interessados não se conciliaram porque a seguradora apelante "não aceit[ou] a data da alta, que consider[ou] ter ocorrido em 23-08-2013, não aceitando consequentemente o pagamento de quaisquer valores a título de 11ª posteriores a tal data, não aceitando por isso, o pagamento da quantia acima reclamada a esse mesmo título. Pelas mesmas razões, não aceit[ou] o pagamento das despesas médico-medicamentosas agora requeridas". Por conseguinte, o desacordo entre os interessados foi muito para além "da questão da incapacidade" a que alude o n.º 2 do art.º 138.º do Código de Processo do Trabalho e, portanto, como em casos semelhantes a jurisprudência vem considerando, a única forma de conduzir o processo à via contenciosa que se adequava não era a prevista na alínea b) mas, sim, a da alínea a) do Código de Processo do Trabalho.[24] E sendo a desadequação formal impeditiva do aproveitamento de todos os actos processuais praticados, incluindo o requerimento inicial para realização da junta médica, restará julgar verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo e absolver a apelada da instância,[25] devendo os autos ficar a aguardar que o Ministério Público assuma o patrocínio do sinistrado e apresente a petição inicial, para desse modo dar início à fase contenciosa do processo.[26] E com isto fica prejudicado o conhecimento da apelação.
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IIIDecisão.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, julgar verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo a partir do requerimento para realização de junta médica e absolver a apelada da instância, devendo os autos ficar a aguardar que o Ministério Público assuma o patrocínio do sinistrado e apresente a petição inicial com vista a iniciar a fase contenciosa do processo.
Sem custas (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
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Lisboa, 11-10-2017.



(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)



[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Neste sentido, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-05-2010, no processo n.º 4670/2000.S1, publicado em http://www.dgsi.pt e de 27-01-2015, no processo n.º 2251/05.2TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, publicado em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Cvel2015.pdf; e da Relação de Guimarães, de 22-01-2013, no processo n.º 2659/11.6TBBRG-A.G1 e da Relação de Coimbra, de 20-01-2015, no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, publicados em http://www.dgsi.pt.
[6]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-09-2002, no processo n.º 02B2281, publicado em http://www.dgsi.pt.
[7]A que alude o art.º 117.º, alínea b) do Código de Processo do Trabalho.
[8]A que se reporta o art.º 117.º, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
[9]Acórdãos da Relação de Lisboa, de 23-06-2004, no processo n.º 93/2004-4, da Relação do Porto, de 21-09-2015, no processo n.º 1427/13.3TTVNG.P1 e da Relação de Évora, de 13-07-2017, no processo n.º 1776/15.6T8TMR.E1, publicados em http://www.dgsi.pt.
[10]Art.º 193.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
[11]Acórdão da Relação de Lisboa, de 03-02-2011, no processo n.º 1076/09.0TBOER-A.L1-2, publicado em http://www.dgsi.pt.
[12]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-09-2006, no processo n.º 4196/05 - 2.ª Secção, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=23817&codarea=1.
[13]Em acórdão de 18-01-2005, no processo n.º 4281/04, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano de 2005, tomo I, página 45.
[14]Art.º 119.º do Código de Processo do Trabalho.
[15]Art.º 128.º do Código de Processo do Trabalho.
[16]Art.º 129.º do Código de Processo do Trabalho.
[17]Art.º 131.º do Código de Processo do Trabalho.
[18]Art.º 132.º do Código de Processo do Trabalho.
[19]Art.os 131.º, n.º 2 e 68.º do Código de Processo do Trabalho.
[20]Art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho.
[21]Art.º 138.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.
[22]Art.º 139.º do Código de Processo do Trabalho.
[23]Art.º 140.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
[24]Acórdãos da Relação do Porto, de 16-12-2015, no processo n.º 19/14.4TUVNG.P1e da Relação de Évora, de 28-04-2016, no processo n.º 486/14.6TTSTB.E1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[25]Art.os 193.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b) e 577.º, n.º b) do Código de Processo Civil: Neste sentido, cfr. os acórdãos Relação do Porto, de 09-10-1989, no processo n.º 23.326, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1989, tomo IV, página 246, de 17-02-2014, no processo n.º 1427/13.3TTVNG.P1 e de 21-09-2015, no processo n.º 1427/13.3TTVNG.P1, da Relação de Lisboa, de 23-06-2004, no processo n.º 93/2004-4 e da Relação de Évora, de 13-07-2017, no processo n.º 1776/15.6T8TMR.E1, estes publicados em http://www.dgsi.pt.
[26]Art.º 119.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.