Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5075/16.8T8LSB.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: I - A informação a prestar pelo intermediário financeiro a investidor “não qualificado”, para ser lícita, deve ter elevado padrão informativo, devendo ser clara, completa, verdadeira, actual e objectiva, de modo a que um destinatário médio, colocado no lugar do referido investidor, a possa compreender e tomar uma decisão esclarecida.
            II - As regras sobre a qualidade da informação estabelecidas no artigo 7º do Código dos Valores Mobiliários visam, em simultâneo, defender o mercado em si mesmo considerado e tutelar os interesses individuais do investidor.

III - Tais regras têm por escopo eliminar as assimetrias existentes entre investidor e o intermediário financeiro, de molde a evitar que o investidor, nas negociações tendentes à formação do contrato possa ser induzido em erro sobre o objecto (artigo 251º do Código Civil - quando o desconhecimento ou falsa representação da realidade existente se refira a qualidades que possam ter sido essenciais no objecto do contrato), ou em erro sobre os motivos do negócio (artigo 252º do Código Civil - o que incide sobre a motivação que determinou a celebração do negócio) ou, ainda, que a sua vontade de conclusão do negócio seja determinada por dolo (n.º 1 do artigo 254º do Código Civil - sugestão ou artifício empregue pelo intermediário financeiro com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o investidor, bem como a dissimulação, por aquele ou terceiro, do erro do investidor).

IV - No âmbito dos deveres de informação dos intermediários financeiros a culpa presume-se por força do disposto no n.º 2 do artigo 314º do Código dos Valores Mobiliários e também por força do artigo 799º do Código Civil, sendo que, por via desta última norma, também se presume a ilicitude da conduta do intermediário financeiro.

V - Na decisão sobre a matéria de facto, o juiz deve reconstituir toda a realidade passada (realidade histórica), alegada no processo e controvertida, através da análise ou exame crítico global, quer da prova documental carreada para o processo, quer da prova representativa, como é o caso do testemunho de quem percepcionou os factos, e sempre que possível deverá conjugar os factos apurados com regras de experiência, estas operando a partir de relações de causalidade ou finalísticas, de modo a poder concluir, por ilação, que os factos controvertidos desconhecidos existiram (artigos 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 349º do Código Civil).

VI - Em caso de violação dolosa ou com culpa grave dos deveres legais de informação que incidem sobre o intermediário financeiro, a responsabilidade contratual que lhe possa ser assacada prescreve no prazo ordinário de 20 anos (artigo 309º do Código Civil), considerando a ressalva prevista na primeira parte do n.º 2 do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
           
           I - Relatório:

           1. Serafim…, intentou, 24/02/2016, o presente processo comum de declaração contra o Banco BIC Português, S.A., peticionando a condenação do Réu a restituir-lhes a quantia de €52.897,27€, acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre €50.000,00, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
           Para tanto, alegou, em síntese, que tinha, no Banco Português de Negócios (doravante BPN), em Dezembro de 2006, um depósito a prazo, no montante de €50.000,00. Convencido e seduzido pela conversa dos funcionários do referido Banco que com ele lidavam, nomeadamente o seu gestor de conta, que lhe garantiram que se tratava de um produto sucedâneo de um mero depósito a prazo (doravante DP), com garantia de reembolso do capital dada pelo próprio Banco, resgatou o referido DP e subscreveu, em 19/12/2006, o formulário de compra, por via de transmissão por endosso, de uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, no valor de €50.000,00, que foi colocado à sua frente, já preenchido, limitando-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais remunerado. Alegou, ainda, que só adquiriu a referida obrigação com base na confiança que tinha na relação bancária estabelecida com os funcionários do BPN, sendo que se soubesse que perdia o controlo do dinheiro, que só poderia ser reembolsado a partir de 8 de Maio de 2016 e se tivesse sido informado das características do produto, nomeadamente “REEMBOLSO ANTECIPADO” e “GARANTIAS E SUBORDINAÇÃO”, nunca teria efectuado essa operação.
          Entretanto, a “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS S.A.”, hoje denominada “Galilei, SGPS, S.A.” não pagou as obrigações na data do seu vencimento, em 8 de Maio de 2016, apenas tendo pago os juros semestrais até 30 de Abril de 2015, tendo o Autor entretanto tomado conhecimento que a entidade emitente “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS. S.A.”, apresentou no Tribunal de Comércio da Comarca de Lisboa um Processo Especial de Revitalização
Pretende, assim, ser ressarcido dos prejuízos sofridos por força da actividade do BPN/Réu como entidade bancária e intermediário financeiro, nos termos dos artigos 73º, 74º, 75º e 78º do Regime Geral das Instituições Financeiras e Sociedades de Crédito (doravante RGIFSC), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 298/1992, de 31 de Dezembro e dos artigos 304º, 7º, n.º 1 e 312º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.
           2. Citado, veio o Réu contestar, por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou: (i) a prescrição, argumentando que o Autor tem conhecimento da suposta subscrição abusiva da Obrigação SLN R M 2006, pelo menos desde o início da nacionalização do BPN, em 2009, pelo que o prazo de dois anos previsto no artigo 342º do CVM para o demandar por negócio em que haja intervindo como intermediário financeiro, já se encontrava prescrito quando a acção deu entra em juízo (24/02/2016); e (ii) o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, atendendo à propositura da presente acção decorridos cerca de seis anos após a nacionalização do BPN e a verificação pelo Autor da suposta subscrição abusiva, tendo este aguardado pelo vencimento das obrigações, bem como pelo desenrolar das assembleias de obrigacionistas, sem olvidar o facto de a sociedade Galilei se ter apresentado recentemente a um PER, o que demonstra a consciência que o mesmo tinha e tem do produto que subscreveu e que se conformou com o mesmo. Por impugnação, contrapôs, em substância, que o Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu sempre de acordo com a vontade do Autor e com as instruções recebidas do mesmo, sendo que quando subscreveu a Obrigação SLN, foram naturalmente explicadas aos Autor, pelos funcionários do Réu, quer pessoalmente, quer por telefone, as características do produto, tendo assinado de forma deliberada e consciente o boletim de subscrição. Alegou, ainda, que o Autor sempre recebeu um extracto mensal onde aparecia a aludida obrigação como integrando a sua carteira de títulos e que desde então recebeu, semestralmente, a remuneração dos respectivos cupões. Argumentou, igualmente, que o Autor, previamente à subscrição da aludida obrigação, quer posteriormente, efectuou diversos investimentos em títulos tais como BPNDXE, BPNCSE, BPNEXE e BPN2008, não sendo, assim crível, até pela menção «OBRIGAÇÃO», por todos sobejamente conhecida, constante dos extractos mensais, quer da informação prestada antes do acto de subscrição, que o Autor se pudesse convencer de que se tratava de um DP ou que desconhecesse as condições de reembolso da Obrigação SL R M 2006 por si subscrita e que o mesmo era da inteira responsabilidade da entidade emitente, a SLN, SGPS, S.A.
           Termos em que concluiu pela improcedência da acção.
           3. Em resposta, o Autor pugnou: (i) pela improcedência da excepção peremptória da prescrição, argumentando: (i) que o Réu agiu com dolo ou culpa grave, sendo como tal aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil; (ii) que o Réu, à data da subscrição da Obrigação SL R M 2006 nem sequer estava autorizado pelo Banco de Portugal para o exercício da actividade intermediação financeira; (ii) pela improcedência da excepção de abuso de direito, reiterando que sempre teve plena confiança nos seus interlocutores no BPN, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que o seu gestor de conta lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças, sendo certo que nunca teria aceitado subscrever una obrigação SLN 2006 se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem sido mostrados os documentos n.ºs 6 e 7 da p. i., nomeadamente nos capítulos “REEMBOLSO ANTECIPADO”, “LIQUIDEZ” e “SUBORDINAÇAO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição, além de que, enquanto os juros iam sendo pagos, os incautos, como o Autor, iam sendo deixados inertes e adormecidos, e que após se ter apercebido de ter sido vítima de uma refinada burla por parte do Banco Réu, por diversas vezes, o interpelou, no seu balcão, no sentido de o mesmo lhe restituir as quantias que lhe foram confiadas, o que aquele sempre se recusou a fazer, por isso tendo intentado a presente acção.
           
        4. No dia 14/10/2016 (ref.ª Citius 358877520), teve lugar audiência prévia, no decurso da qual foi elaborado despacho saneador tabelar, relegou-se para a decisão final o conhecimento da excepção da prescrição, fixou-se o objecto do processo e enunciaram-se os temas da prova seguintes:
«1 - O A. transmitiu ao R. que pretendia um produto sem risco de capital e que pudesse ser resgatado a qualquer altura.
2 - O R. disse ao A. que o retorno do capital era garantido pelo Banco.
3 - O R. disse ao A. que as obrigações podiam ser resgatadas em qualquer altura, tendo esse resgate como consequência apenas uma penalização nos juros.
4 - O R. omitiu a entrega de cópia dos docs. 6 e 7 (nota informativa do produto e anexos).
5 - O R. explicou ao A. as características do produto, designadamente que a única forma de o produto ser liquidado de forma unilateral e antecipada consistia em transmitir as suas obrigações a terceiro, mediante endosso.
6 - Após a subscrição, o R. enviou mensalmente ao A. um extracto mensal do qual constavam as obrigações em como integrando a sua carteira.
7 - Previamente e posteriormente ao momento da subscrição, o A. investiu em títulos BPNDXE, BPNEXE e BPN2008».

           5. Em 16/03/2017 (ref.ª Citius 364410664) procedeu-se à audiência de julgamento, numa única sessão e com registo das declarações orais nela prestadas.
          6. Posteriormente, em 10/04/2017 (ref.ª Citius 364655043), foi proferida sentença que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e, em todo o caso, a acção inteiramente improcedente por não provada, absolvendo o Réu do pedido.

          7. Não se conformando com esta decisão, dela apelou o Autor, formulando, no final das suas alegações, as seguintes Conclusões, que se reproduzem:
«Reputamos, quase como um facto público e notório (sobretudo quando acaba de ser tornado público que …., o chefe da quadrilha, cabeça da SLN e do BPN, foi condenado a 14 anos de prisão e que …., o numero dois do BPN e o gestor da área financeira da SLN, foi condenado a 8 anos e meio de prisão, ambos pela prática, entre outros, do crime de burla qualificada), o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes.
B. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.
C. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.
D. O tribunal a quo não procedeu a uma análise critica das provas, não especificou os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção e não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida e dela não extraiu as presunções impostas por lei ou pelas regras da experiencia, violando destarte o disposto no n.º 4 do artigo 607.º e na línea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C..
E. Os depoimentos de Nuno…. e de Gil … impunham que o tribunal a quo ivesse dado por “provado” que o A. tivesse transmitido ao R. que pretendia um produto sem risco de capital e que pudesse ser resgatado a qualquer altura.
F. Os depoimentos de Nuno …e de Gil …impunham que o tribunal a quo tivesse dado por “provado” que o R. tivesse dito ao A. que o retorno do capital era garantido pelo Banco.
G. Os depoimentos de Nuno…e de Gil…, conjugados com o doc. 6 da petição inicial, impunham que o tribunal a quo tivesse dado por “provado” que o R. disse ao A. que as obrigações podiam ser resgatadas em qualquer altura, tendo esse resgate como consequência apenas uma penalização nos juros.
H. Deparamo-nos com uma sentença minimalista ou, mais do que isso, redutora, no que toca á apreciação de toda a matéria de facto que lhe coube apreciar.
I. A sentença recorrida deixou de se pronunciar sobre muitos factos, importantes para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não os elencando nos factos provados nem nos não provados, destarte violando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C.. Senão vejamos:
J. Deviam ter ficado a constar como provados os factos vertidos nos parágrafos 14.º; 16.º e 77.º da petição inicial, por não terem sido impugnados pelo réu.
K. Para os autos foi carreada prova que impunha que os factos elencados nos parágrafos 7º, 52º, 58º, 62º, 64º, 65º, 68º, 69º, 81º, 89º, 90º, 91º, 92º, 93º e 116º da petição inicial tivessem ficado a constar dos factos provados.
L. Quanto aos factos vertidos no parágrafo 7.º da petição inicial, os mesmos resultam provado da simples consulta das certidões permanentes das descrições comerciais do BPN e da SLN: por ali se pode confirmar que em 2006 José… era Presidente do Conselho de Administração de ambas as entidades.
M. As certidões permanentes constituem documento autêntico, que fazem prova plena dos factos que nelas são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.
N. Quanto aos factos alegados em 52.º da petição inicial, encontra-se demonstrado documentalmente nos autos que o BPN e a SLN se confundiam.
O. As declarações de Nuno…e Gil …, conjugadas com o teor dos documentos 1 e 2 da p.i., impunham inequivocamente que a matéria de facto do paragrafo 52.º da petição inicial tivesse ficado a constar dos factos provados.
P. O depoimento da testemunha Jorge …, impunha que tivesse sido dada por provada a matéria vertida no parágrafo 58.º da petição inicial.
Q. Quanto aos factos vertidos no parágrafo 62.º da petição inicial, os mesmos ficaram bem demonstrados no depoimento da testemunha Nuno Dias.
R. A matéria do parágrafo 64.º da petição inicial também devia ter ficado a constar dos factos provados, uma vez que tanto Nuno … como Gil …foram peremptórios ao referir, respetivamente, que o produto SLN 2006 era vendido como um produto “semelhante a um depósito a prazo” (págs. 6 e 10) ou “o risco que nós associávamos à operação era um risco equivalente a um depósito a prazo”.
S. A matéria de facto vertida no parágrafo 65.º da petição inicial também se encontra provada por documento, junto pelo autor em sede de audiência prévia, que não foi impugnado pelo Banco réu.
T. A resposta positiva á matéria de facto vertida no paragrafo 68.º da petição inicial também se impunha do cotejo de todas as provas carreadas para os autos: a perseguição aos clientes de depósito a prazo, a comparação das obrigações subordinadas emitidas pela dona do Banco a meros depósitos a prazo, a ocultação da ficha técnica, a não referencia á subordinação...
U. Deveria, pois, ter ficado a constar dos factos provados que, como com a generalidade dos incautos que se deixaram levar na conversa do Banco réu, também o autor foi objeto de aliciamento por parte dos funcionários do mesmo para o produto em questão.
V. A prova de que o autor é por natureza avesso a qualquer tipo de jogo ou de risco, stá no depoimento de Nuno…, quando o mesmo referiu que o autor “era um cliente que tinha aplicações de depósitos a prazo”, que “não era cliente de risco, não era cliente que pretendesse subscrever produtos de risco” .
W. A prova de que os funcionários do balcão onde o autor tinha depositadas as suas quantias estavam de boa-fé e acreditavam piamente que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores está nos depoimentos de Nuno…: “O enquadramento que o Banco, que nós dávamos na venda desses produtos é eu eram produtos garantia Banco, produtos sem risco e com uma boa rentabilidade”; “(…) eu não iria vender com certeza ao Doutor S… ou ia, digamos assim, propor ao Doutor S… a subscrição dessa obrigação se eu visse que havia algum risco ou que eu imaginasse que alguma vez poderia haver algum risco de colapsar a SLN ou o BPN ou alguma coisa assim parecida. Não nos passava pela cabeça essa situação”; “Se formos a ver, a nível nacional, a nível das agências, estou convencido que ninguém estava, ninguém tinha formação (…)”; de Gil…: quando questionado se os clientes eram elucidados sobre as características do produto, nomeadamente, sobre a questão da subordinação, respondeu: “Não. Nem nós, eu próprio e seguramente a maioria, para não dizer a totalidade, mas pelo menos uma larga maioria dos meus colegas, muito provavelmente, não teriam, e eu não teria de certeza, não tive de certeza presente na altura o conceito de subordinação. Ou seja, isso não era transmitido ao cliente e honestamente nós na altura não tínhamos isso presente. (…) na altura nós não tínhamos essa noção nem nos foi transmitido claramente, superiormente, esse conceito”; e de Jorge …: “(…) quando estava a vender divida, uma pessoa comprava um depósito a prazo, eu estou a vender divida do Banco (…) obviamente, não me passava pela cabeça que quando o Banco deixasse de honrar, que o Banco nunca iria deixar de honrar o compromisso com um depósito a prazo; “Infelizmente, vim-me a aperceber depois, vim-me a aperceber depois disso, porque se eu tivesse, dentro da minha ingenuidade…”
X. No mail referido em primeiro lugar, a propósito de outro produto financeiro lançado pelo grupo SLN – neste caso, papel comercial da SLN VALOR – apregoava o sr. Jorge…., já citado supra, Diretor Coordenador de Empresas da Região Centro: “chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, acionistas e restantes colegas), tudo aquilo por que temos vindo nestes últimos dois anos, a lutar, ou seja, PROFISSIONALISMO, ATITUDE, e fundamentalmente, HONESTIDADE PROFISSIONAL (…) relembro que a SLN VALOR é a maior acionista da SLN SGPS (31%), que por sua vez detém 100% do BPN, ou seja, na prática, estamos a “vender” o equivalente a um DP, com uma excelente taxa (…). Quando o cliente efetua um DP no BPN está a comprar “risco” BPN. Não vejo diferenças”. – Doc. 8 da petição inicial.
Y. Os depoimentos de Nuno…, Gil…e Jorge …, conjugados com os documentos n.º 8 e n.º 9 da petição inicial, impunham que a matéria alegada no parágrafo 69ºº da petição inicial tivesse ficado na lista dos factos provados.
Z. Também ficou demonstrado que os funcionários do Banco sabiam e tinham perfeita consciência de que o autor nunca, em circunstância alguma, aceitaria subscrever um produto como aquele que está em causa nestes autos: como disse Nuno…eu não iria vender com certeza ao Doutor S…. ou ia, digamos assim, propor ao Doutor . a subscrição dessa obrigação se eu visse que havia algum risco ou que eu imaginasse que alguma vez poderia haver algum risco (…) Nós vendíamos aquilo como um produto garantido, um produto seguro, um produto sem risco (…) uma operação sem risco, (…) um produto sem qualquer risco”.
AA. O depoimento de Nuno …, conjugado com os documentos nº 8 e 9 da petição inicial, impunha que a matéria alegada no parágrafo 94º da petição inicial tivesse ficado na lista dos factos provados.
BB. A prova de que o autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças também se infere dos documentos nº 8 e 9 da petição inicial, conjugados com as declarações de Nuno …e Gil …..
CC. Interrogado se o autor tinha grande confiança nele, respondeu Nuno … Claro que tinha. Sim, claro”, e interrogado se o autor tomava por bons os conselhos que o mesmo lhe dava, este respondeu “Claro, sim. Sim, sim (…) eu falava com ele e dizia “olhe, tenho isto, tenho aquilo” ou sugeria “subscreva isto, compre ali, faça isto” e ele aceitava os meus conselhos”.
DD. A prova de que os funcionários do Banco réu não informaram o autor de que, ao subscrever aquele produto, deixava pura e simplesmente de ter o mínimo controlo sobre o seu dinheiro, e, nomeadamente, perdia a possibilidade de o movimentar, levantar ou até gastar dali para a frente resulta cristalina de tudo quanto ficou dito supra.
EE. Pois se o que foi dito ao autor foi de que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, a qualquer altura resgatável, por endosso!
FF. O mesmo se diga quanto a nunca ter passado pela cabeça do autor – nem tal lhe ter sido alvitrado – de que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Maio de 2016: o que lhe foi afiançado foi que o produto podia ser negociado por endosso, a qualquer altura.
GG. A matéria de facto alegada no parágrafo 93º da petição inicial deveria, pois, ter sido dada por provada, por resultado de mero raciocínio lógico decorrente da apreciação do conjunto de toda a prova produzida.
HH. Também a matéria de facto alegada no parágrafo 116º da petição inicial deveria ter ficado nos factos provados.
II. A tanto o impunham as declarações de Nuno …, quando, interrogado se sabia o que era uma obrigação subordinada, referiu que ele próprio “na altura também não estava alertado para essa situação” e de Gil…, o qual referiu que “de facto (…) não tínhamos presente o conceito da subordinação na altura (…) não tinha presente o conceito da subordinação em 2004 nem em 2006. Não tinha presente”.
JJ. É cristalino que os próprios funcionários do Banco, nomeadamente, os gestores de conta, aconselhavam os seus clientes a subscrever o produto financeiro dos autos sem terem a exata noção de que produto se tratava.
KK. Os depoimentos das testemunhas, supra descritos, não deixam duvidas: o cliente visado era aquele cliente tradicional, de depósito a prazo, que queria produtos sem risco de capital, como o autor e que nunca compraria as obrigações dos autos, devidamente informado
LL. Também deveria ter ficado provado que ao autor foi dito que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um deposito a prazo, com semelhantes características uma vez que assim o impunham as declarações de Nuno …e Gil …., supra-referidas.
MM. O tribunal a quo não procedeu ao exame critico das provas, não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida, não extraindo dela as presunções impostas pela lei e pelas regras da experiencia, nem, por último, se pronunciou, como devia, sobre questões fulcrais levantadas nos autos, violando, destarte, o disposto no artigo 607º, nº 4 e no artigo 615º, nº 1, alínea d), do C.P.C.
NN. A factualidade demonstrada permite suportar decisão diversa daquela que foi proferida.
OO. Contratos de intermediação financeira são os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativos à prestação de atividades de intermediação financeira.
PP. A relação de confiança que se estabelece entre o intermediário financeiro e o cliente pode relevar, para efeitos de responsabilidade contratual, se ocorrerem danos em virtude de falta de informação detalhada fornecida pelo intermediário, ao nível habitualmente atingido pela prestação, no âmbito da relação estabelecida.
QQ. No caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente em termos de informação.
RR. A recomendação é apenas uma subespécie do conselho. Traduz-se na comunicação das boas qualidades acerca de uma pessoa ou de uma coisa, com a intenção de, com isso, determinar aquele a quem é feita a algo.
SS. Conselho e recomendação distinguem-se apenas pela intensidade: o conselho implica, face à recomendação uma exortação mais forte ao seu seguimento.
TT. Por seu turno, informação, em sentido estrito ou próprio, é a exposição de uma dada situação de facto, verse ela sobre pessoas, coisas, ou qualquer outra relação.
UU. Devemos assentar em que o problema se põe, apenas, quando o banqueiro deva informar, a título principal, secundário ou acessório: integra-se, assim, no art.º 485.º, n.º 2 do Código Civil.
VV. A atividade de recolha e difusão de informação, essencial ao sistema bancário, é uma atividade que pode ser lesiva para outrem, nomeadamente para o cliente, se a informação prestada for falsa ou deficiente, e tiver levado o seu destinatário a tomar decisões que, a final, se revelam danosas para si.
WW. A prestação de informação pelo Banco nunca é desinteressada, visando antes que o recetor da informação, ao determinar-se por esta, adquira confiança na competência do Banco que lhe prestou a informação e reforce a sua relação como cliente desse Banco.
XX. Pode, por isso, considerar-se que nas relações entre o Banco e o cliente, sempre que não exista uma relação negocial que corresponda a uma efetiva obrigação de informação, existe uma relação de confiança de onde resulta um dever específico de veracidade das informações espontaneamente prestadas.
YY. Para o que de essencial se reputa no presente recurso da factualidade assente, resulta que o autor é, há mais de 15 anos, cliente do BPN - Banco Português de Negócios, S.A., através da agência da M….
ZZ. Até dezembro de 2006, o autor era um simples aforrador, que tinha no BPN um depósito a prazo e que nunca tinha investido na Bolsa, nunca tinha adquirido produto diverso de depósito a prazo, a não ser outras obrigações do banco réu.
AAA. No dia 19 de dezembro de 2006, o autor subscreveu a ordem de compra (e não o boletim, como por lapso se refere na sentença) de 1 obrigação «SLN 2006», no valor nominal de €50.000,00.
BBB. Foram dadas instruções a todos os funcionários do Banco, nomeadamente aos gerentes e aos gestores de conta, para captarem os depositantes do Banco para o novo produto, que devia ser vendido como um sucedâneo de depósito a prazo e que, podia ser movimentado sempre que o respetivo titular assim o desejasse.
CCC. Mais, que os clientes deviam ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um produto semelhante a um depósito a prazo.
DDD. O Autor pretendia que o «SLN 2006» não comportasse risco e que a recuperação de valores fosse segura a 100%, e que pretendia também que a quantia aplicada pudesse ser resgatada a qualquer altura.
EEE. E que o autor aceitou subscrever as obrigações dos autos convencido da veracidade das informações dadas pelos funcionários do BPN.
FFF. Por fim, demonstrado ficou também que ao Autor não foi dada a «Nota Informativa».
GGG. Como também ficou demonstrado que nem sequer foi referida a característica da subordinação e que os funcionários do banco nem sabiam em que consistia a mesma.
HHH. Houve claramente incumprimento, pois as obrigações SLN 2006 deixaram de ser pagas.
III. Não deixa de ser curioso que o tribunal a quo tenha dado credibilidade, a este respeito, à testemunha Jorge …, precisamente o autor do mail junto como documento n.º 8 da petição inicial.
JJJ. Sobretudo quando agora ficou demonstrado na sentença proferida no 4910/08.9TDLSB, as contas do BPN e da SLN já vinham sendo falsificadas desde o ano 2000!
KKK. Tendo por base a factualidade supratranscrita, não pode afirmar-se que o Autor não foi enganado ao subscrever o produto «SLN 2006» convencido que se tratava de um mero sucedâneo de depósito a prazo.
LLL. Seja, que o produto financeiro impingido ao autor, de um mero sucedâneo de depósito a prazo se tratava, a qualquer tempo mobilizável apenas com penalização de juros, o que não correspondia minimente com a realidade dos factos e implicava automaticamente a procedência da ação e a condenação do banco réu no pedido.
MMM. Não se pode aceitar a asserção do tribunal a quonão se crê, porém, que ao afirmar que o produto era de “capital garantido”, o R. estivesse a omitir ao A. informações relevantes ou a dar uma informação falsa”, que “a expressão capital garantido é uma expressão corrente que explica ao cliente de um, produto seguro, conservador. Os riscos, na verdade, não divergiam, em grau, dos de um depósito a prazo” e que “não se duvida que os funcionários bancários explicassem aos clientes tratar-se de um produto com capital garantido, como efectivamente era, mas garantido no sentido de que, em si mesmo, não apresentava risco de capital (…)”.
NNN. Efetivamente, disse Nuno …: “numa própria norma interna vem lá capital garantido, e era isso que nos era transmitido ao nível das reuniões que nós tínhamos, das reuniões comerciais preparatórias para a subscrição desse produto. Em que nos diziam, “vocês vendam isto, isto é um produto semelhante ao depósito a prazo, vendam isto ao cliente como um depósito a prazo, não tenham problema, isto é garantido pelo banco, estejam à vontade”.
OOO. E disse Gil …: “Era vendido num contexto de capital garantido pelo próprio Banco BPN, havia inclusivamente notas internas e regulação interna nesse sentido. Portanto, os produtos, essas obrigações, eram vendidas precisamente nesse contexto de capital garantido pelo Banco, com risco Banco BPN”.
PPP. Os depoimentos das testemunhas Nuno … e Gil …foram seguros, isentos e credíveis, como já demonstrámos. Acontece é que o tribunal valorou a prova segundo a sua própria convicção sobre o tema do caso BPN: não houve burla nenhuma, não houve engano astucioso dos clientes aforradores….
QQQ. O autor comprou o título ao banco, que se prontificou perante alguém, que o autor não conhece, a obter um interessado no mesmo! Como referiu Nuno …, “neste caso concreto, foi também um cliente que se quis desfazer porque teve necessidade disso (…) Claro que tive interesse que a obrigação ficasse na agência porque contava para os objectivos da agência”.
RRR. Tendo assente que o produto foi vendido como um produto semelhante a um depósito a prazo, garantido pelo banco e que não foi dada ao autor qualquer informação escrita sobre o mesmo, além de ter sido omitida a característica da subordinação, considerar-se que o banco cumpriu adequadamente o seu dever de informação é completamente inaceitável.
SSS. Como referiu Nuno …, a pessoa que enganou o autor, disse “Olhe, Doutor, tenho aqui uma aplicação, ou um produto que é garantido pelo Banco”, estamos a falar da SLN, SLN e BPN, na altura, confundia-se, temos que enquadrar em 2003, 2004 e 2006, “é um produto sem risco, é um produto garantido pelo Banco e tem uma boa rentabilidade, acima do depósito a prazo, Está interessado em comprar?”, ao que o autor respondeu: “Se isso é garantido, se é seguro, tudo bem, eu confio em ti, faz o que quiseres, tudo bem subscreve isso”.
TTT. Anotamos também que, como referiu Nuno …., a propósito do perfil de cliente do autor, disse: “O Doutor S… era um cliente que tinha aplicações de depósitos a prazo (…) era um cliente que tinha ou que queria subscrever produtos com risco Banco e não mais do que isso. Não era cliente de risco, não era cliente que pretendesse subscrever produtos de risco, a grande quantidade de aplicações que o cliente tinha no Banco, o Doutor S…, na altura, o que tinha no Banco eram depósitos a prazo”.
UUU. Tendo em conta a factualidade supratranscrita, não pode afirmar-se que o autor não foi enganado ao subscrever o produto «SLN 2006», convencido de que se tratava de um mero sucedâneo de depósito a prazo, e que, pelo contrário, “o banco demonstrou ter cumprido adequadamente os seus deveres de informação”.
VVV. A douta sentença enferma de vício de contradição profunda entre a factualidade demonstrada em sede de audiência de julgamento e a decisão de direito que tais factos mereceram.
WWW. À luz da matéria de facto demonstrada, dos preceitos legais citados e dos considerandos doutrinários referidos, temos que a informação defeituosa prestada pelo BIC ao autor, seu cliente, acerca das “SLN 2006”, o foi no âmbito de um dever jurídico de informação que sobre ele impendia.
XXX. É obrigacional a responsabilidade do BIC decorrente da eventual prestação defeituosa daquela informação, posto que em momento algum ao autor foi referida a distinção entre os produtos denominados SLN 2006 e um puro depósito a prazo.
YYY. Os contratos de investimento têm como escopo a prestação de serviços na área do investimento em instrumentos financeiros, à luz do art.º 290.º do C.V.M..
ZZZ. Entre eles, destaca-se o subtipo que é o contrato relativo a ordens para a realização de operações sobre instrumentos financeiros, regulado pelos arts. 325.º a 334.º do C.V.M.
AAAA. É deste tipo a relação contratual retratada na matéria de facto provada, no âmbito da qual o autor adquiriu a dita obrigações “SLN 2006”.
BBBB. A informação prestada pelo BIC ao autor acerca do produto financeiro "Obrigações SLN 2006", é suscetível de o responsabilizar, a ele, Banco, enquanto intermediário financeiro e essa responsabilidade é de natureza obrigacional, que não delitual.
CCCC. A informação prestada ao autor pelo BPN, através dos seus funcionários da agência da Moagem, acerca do produto financeiro obrigações “SLN 2006", foi enganosa.
DDDD. No caso sub judice está provado que os funcionários das agências do BIC tinham indicações superiores para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um sucedâneo de um depósito a prazo e que esses funcionários, assim como os seus colegas das demais agências daquele Banco, estavam convencidos, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as obrigações “SLN 2006” constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores, razão pela qual asseguraram ao autor que tais obrigações eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e
EEEE. Como com meridiana clareza se recolhe do mail junto como Doc. 9 da petição inicial, em que os próprios funcionários do BIC admitem terem sido eles próprios levados a vender, soi disant, “gato por lebre” aos seus clientes.
FFFF. O cumprimento defeituoso está diretamente relacionado com o princípio da pontualidade e com o princípio da boa-fé.
GGGG. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
HHHH. Os Bancos devem ter funcionários altamente preparados e especializados, com elevada formação e profundo conhecimento na área dos mercados de valores mobiliários (como, aliás, em qualquer outra área), de modo a proporcionarem aos clientes a melhor e a mais completa informação possível acerca dos produtos financeiros nos quais pretendem investir, até porque, em muitos casos, está em jogo muito dinheiro.
IIII. In casu, na informação prestada ao autor acerca do produto financeiro obrigações “SLN 2006”, exigia-se ao BIC uma atuação caracterizada por um elevado grau de diligência, prudência, zelo e cautela.
JJJJ. Faz parte do referido dever, na leitura aqui sustentada, a obrigação de a entidade bancária colocar à disposição do cliente a respetiva estrutura organizativo funcional, em ordem da execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à atividade bancário-financeira.
KKKK. Este contrato faz nascer, para a instituição bancária, em razão da sua profissionalidade e competência específica, uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário financeiro. Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma atividade de continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado.
LLLL. Desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam.
MMMM. A referência ao princípio da boa-fé tem como consequência que se apliquem  o direito dos valores mobiliários, ainda que com ajustamentos, os conceitos doutrinários e as decisões jurisprudenciais sobre esse tema.
NNNN. Atenta a diversidade entre investidor e intermediário financeiro, este como profissional do mercado, não há fundamento para que se estabeleça uma igualdade formal civilística entre as partes, por sobressair a tendencial debilidade do cliente individual e a experiência profissionalizada do intermediário financeiro, com estrutura organizativa, humana e técnica e orientado por um escopo lucrativo.
OOOO. A conduta diligente, por força do art.º 304.º, n.º 2, do C.V.M. é integrada por um elevado padrão de diligência nas relações com todos os intervenientes no mercado, não sobressaindo apenas na vertente da pontualidade do cumprimento da obrigação, mas quanto à delimitação do conteúdo da mesma.
PPPP. No caso em apreço, ficou demonstrado que “os clientes deviam ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um produto semelhante a um depósito a prazo”.
QQQQ. No caso dos autos não está em causa o risco: o que está em causa é a prestação de informação enganosa!
RRRR. A culpa do BIC presume-se, pois que trilhamos o caminho da responsabilidade contratual.
SSSS. O BIC não logrou provar que informou o autor, nos termos que lhe eram legalmente impostos, acerca das características das Obrigações SLN.
TTTT. Pelo contrário, o que resulta cristalino dos documentos n.º 6, n.º 7 e n.º 8 da petição inicial, dos depoimentos das testemunhas Nuno …e Gil … e da matéria de facto demonstrada suficientemente nos autos, é que o BIC, ao invés de informar o autor do risco inerente à aquisição da obrigação “SLN 2006", emitidas pela SLN, enganou-o sobre as características e o risco da mesma.
UUUU. O autor só adquiriu a obrigação SLN 2006 por ter sido convencido, pelos funcionários da agência da M…do BIC, que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantida pelo próprio Banco, e que se tratava de um sucedâneo de um depósito a prazo, com características semelhantes a este, mas melhor remunerado.
VVVV. O autor, que “pretendia que o «SLN 2006» não comportasse risco, e que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e pretendia também que a quantia aplicada pudesse ser resgatada a qualquer altura, nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro, nem o teria adquirido se os funcionários do BIC o tivessem previamente informado acerca das suas características, ou se lhe tivessem mostrado e explicado o conteúdo da “nota informativa” respeitante a tal produto, nomeadamente o teor dos capítulos “Reembolso antecipado” e “Garantias e subordinação”.
WWWW. Sendo o BIC responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800.º, n.º 1, do C.C.), conclui-se que aquele violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente com o autor, quer na qualidade de intermediário financeiro.
XXXX. Atuou, por isso, de forma ilícita e não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impedia.
YYYY. O prazo prescricional bianual previsto no nº 2, do artigo 324º do CVM só será aplicável caso não se possa imputar ao Réu uma conduta dolosa ou a título de culpa grave, ou, dito pela positiva, se apenas lhe for assacada uma culpa leve ou levíssima.
ZZZZ. No caso em apreço, sobre o Banco réu impendia um dever especial de diligência. O já transcrito art. 304º, nº 2, do CVM, impõe ao intermediário financeiro a observância dos ditames da boa fé, assim como elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, o que se prende com a profissionalidade da actividade por ele exercida.
AAAAA. Daí que, a culpa leve tenha no caso em apreço um padrão de aferição mais exigente do que aquele que incide em geral sobre o «bom pai de família» (art. 487º, nº 2, do CC), bastando por isso para que se integre a culpa grave, a inobservância do grau de diligência requerido ao profissional competente.
BBBBB. No caso concreto, a informação falsa prestada pelo BIC ao autor nos termos que se deixaram descritos, nomeadamente a de que o próprio banco assegurava o reembolso do capital investido, pressupõe uma violação das mais elementares regras da atividade do intermediário financeiro (como se viu, o art.º 305º do CVM regula minuciosamente a estruturação e da organização empresarial do intermediário financeiro em ordem a que sejam observados elevados padrões de qualidade, profissionalismo e eficiência) e só é compreensível num intolerável quadro de amadorismo funcionários do balcão do BIC e, sobretudo de total desconsideração por parte das «estruturas dirigentes» do Banco, relativamente aos interesses dos clientes (face aos seus próprios interesses, assim como da sociedade emitente do produto financeiro), aos quais foi propositadamente induzida uma confiança artificial no investimento proposto, rectius, no investimento que foram convencidos a fazer.
CCCCC. É por demais evidente, no caso em apreço, que o BIC não observou, antes violou grosseiramente, o elevado grau de diligência que legalmente lhe era imposto.
DDDDD. O D.L 357-A/2007, de 31 de outubro tratou-se de uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se limitou a concretizar melhor uma das soluções de direito possíveis que já decorriam da lei anterior.
EEEEE. Como lei interpretativa, a nova lei integra-se na lei interpretada.
FFFFF. O mail junto como doc. nº 8 da petição inicial é revelador de uma narrativa e de um padrão comportamental por parte do banco réu, coerente e em sintonia com os depoimentos das testemunhas, supra reproduzidos, que se traduz num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.
GGGGG. É forçosa a conclusão de que a sua culpa é grave, muito grave mesmo, sendo por isso inaplicável, “in casu”, o prazo prescricional bianual previsto no nº 2, do artigo 324º do CVM.
HHHHH. Não sendo aplicável esse prazo prescricional de dois anos e estando em causa uma responsabilidade obrigacional, o prazo de prescrição é o ordinário previsto no artigo 309º do CC, ou seja, de 20 anos, o qual não decorreu ainda, ao invés do que na douta sentença se deixou consignado.
IIIII. Tem sido esse, de resto, o entendimento pacífico da nossa jurisprudência, como, nomeadamente, resulta da leitura do Acórdão do S.T.J, de 17-03-2016, proferido no âmbito do Processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1.
JJJJJ. A falha de informação inicial do BIC acerca das características das obrigações SLN 2006 (assim como a violação dos demais deveres que sobre si impediam) projetou-se negativamente na esfera patrimonial do autor, o qual, após o vencimento da aplicação, não foi reembolsado pela emitente SLN.
KKKKK. O comportamento do BPN foi decisivo e causal na produção dos danos sofridos pelo autor, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um sucedâneo de um depósito a prazo), que este deu o seu acordo na aquisição das obrigações SLN 2006.
LLLLL. É ostensivo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação, a que o BIC estava adstrito e os danos que o autor reclama nesta ação (art. 563.º do C.C.).
MMMMM. O dano corresponde ao valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.
NNNNN. O ónus da prova da prestação da informação correta sobre o produto financeiro cabia ao Banco réu, por via do disposto nos artigos 304.º-A, n.º 2 do C.V.M. e 344.º, n.º 1 do Código Civil.
OOOOO. O tribunal a quo não teve em conta a existência de um conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu o qual é, no caso dos autos, gritante.
PPPPP. É sintomático das dificuldades sentidas para fundamentar a sentença recorrida que o tribunal a quo se estribe num voto de vencido para fundamentar as suas posições.
QQQQQ. Os autos são reveladores de uma intermediação excessiva, prevista no artigo 310.º do C.V.M., pois a atividade descrita e demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, no verdadeiro sentido do termo: do que se tratava era de utilizar o Banco réu para captar de forma ilícita recursos para a sua dona, através de uma autêntica caça aos depósitos a prazo dos seus clientes.
RRRRR. A prática do Banco réu extravasava em muito a simples intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.
SSSSS. A decisão de que ora se recorre vai contra o entendimento maioritário e consolidado dos juízes do Juízo Cível Central de Lisboa, em causas da mesma natureza, patrocinadas pelo mesmo mandatário, por factos praticados em Leiria, pelos mesmos funcionários, conforme sentenças, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 35242/15.5T8LSB, do Juiz 4; 3317/15.6T8LRA, do Juiz 13 e 3341/15.9T8LRA, do Juiz 18, todas transitadas em julgado.
TTTTT. Entendimento esse que tem sido perfilhado por este Venerando Tribunal no acórdão de 15/09/2015 (Maria Amélia Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt.
UUUUU. Também o Supremo Tribunal de Justiça tem sufragado o mesmo entendimento, no Acórdão, de 10/01/2013 (Tavares de Paiva), e no de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor) ambos disponíveis em www.dgsi.pt
VVVVV. É por demais evidente que o BIC não observou, antes violou grosseiramente, o elevado grau de diligência que legalmente lhe era imposto.
WWWWW. Demonstrados o facto, o tipo, a ilicitude, a culpa (que se presume e que neste caso é grave), bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, deverá, pois, inequivocamente, ser revogada a douta sentença recorrida.
XXXXX. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1 e 76.º do R.G.I.C.S.F.; nos artigos 309.º; 323.º, n.º 1; 344.º, n.º 1; 356º, nº1; 358º, nº1; 371º, 376º, 406.º; 483.º; 485.º; 487.º; 563.º; 573.º; 762.º, n.º 1; 798.º; 799.º e 800.º do Código Civil; nos artigos 429º, 573º, 574º, 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do C.P.C. e nos artigos 1.º, n.º 1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º; 324.º, n.º 2 e 325.º a 334.º do C.V.M..
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, assim, ser revogada a douta sentença ora recorrida e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada, com o que será feita, como é timbre deste Venerando Tribunal, a já costumada JUSTIÇA!».

           8. O Réu Banco BIC Português, S.A., apresentou contra-alegações, suscitando a Questão Prévia do incumprimento, pelo Autor/Recorrente, do ónus de indicação das passagens das gravações dos depoimentos, por referência temporal às mesmas, e não por remissão para as páginas da transcrição das gravações e para excertos dessa transcrição, para concluir que, por tal motivo, que o Apelante não pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto deveria, devendo o recurso ser rejeitado nessa parte. À cautela, caso assim não se entenda, pugnou pela improcedência do presente recurso de Apelação, e por via dela, pela manutenção da decisão posta em crise, que absolveu do pedido o Apelado, com o argumento de que não foi violado pelo Banco Recorrido qualquer dever legal de informação ao cliente, nem ficou demonstrada qualquer ilicitude na sua actuação, não lhe podendo, assim, ser assacada qualquer responsabilidade pelo incumprimento verificado no pagamento da Obrigação SLN R M 2006 pela entidade emitente. Admite, no entanto, ter havido informação menosprezada, como a da subordinação de créditos, mas qual informação apenas foi omitida por ser, à data do facto, “informação desprezível em função da segurança óbvia do produto, não se concebendo qualquer cenário de concurso de credores que obrigasse a justificar tal instrumento ou figura!”.

        9. Por despacho de 14/07/2017 (ref.ª Citius 367970860), a Senhora Juíza a quo admitiu o recurso interposto pelos Autores e ordenou a sua subida, por considerar que a sentença recorrida não está afectada das nulidades arguidas pelo Autor.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre decidir.

            II – Âmbito do recurso – Questões a decidir:
1. De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[1]-[2].
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
1ª - Questão prévia: Saber se o Recorrente cumpriu o ónus de alegação na impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
      2.ª - Saber se houve erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto julgada provada e não provada, mais concretamente:
   (i) Se os depoimentos de Nuno … e de Gil … impunham que o tribunal a quo tivesse dado por provado que:
- “O A. tivesse transmitido ao R. que pretendia um produto sem risco de capital e que pudesse ser resgatado a qualquer altura”;
- “O R. tivesse dito ao A. que o retorno do capital era garantido pelo Banco”;
(ii) Se os depoimentos de Nuno …e de Gil …, conjugados com o doc. 6 da petição inicial, impunham que o tribunal a quo tivesse dado por provado” que:
- “O R. disse ao A. que as obrigações podiam ser resgatadas em qualquer altura, tendo esse resgate como consequência apenas uma penalização nos juros”;
(iii) Se deveriam ter ficado a constar como provados os factos vertidos nos parágrafos 14.º; 16.º e 77.º da petição inicial, por não terem sido impugnados pelo Réu.
(iv) Se o exame crítico da prova testemunhal e documental produzida, impunha, pelos fundamentos apontados pelo Recorrente, que os factos elencados nos parágrafos 7º, 52º, 58º, 62º, 64º, 65º, 68º, 69º, 81º, 89º, 90º, 91º, 92º, 93º e 116º da petição inicial tivessem ficado a constar dos factos provados;
- Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, ou de ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC) ou se ostenta erro de julgamento que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente.
4ª - Saber se o direito do Autor prescreveu ou não.
            III Fundamentação:
A) Motivação de Facto:
           A.1) Factos provados:
           A 1ª Instância deu como provados e não provados os seguintes factos:
«1 - Em 19-12-2006, o A. subscreveu o boletim de uma obrigação SLN 2006 no valor nominal de € 50 000, 00 (doc. 10 junto com a petição inicial).
2 - As obrigações em causa, subordinadas ao portador e escriturais com o valor nominal de €50 000,00, cada uma, foram emitidas por um prazo de 10 anos (de 10 de Abril de 2006 a 5 de Maio de 2016), não sendo permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas (doc. 6 da petição inicial, a fls. 65 e ss.).
3 - Eram remuneradas no primeiro semestre à taxa anual nominal bruta de 4,5%, nos cupões vencidos entre 8 de Maio de 2007 e 8 de Maio de 2011, inclusive, à taxa Euribor a seis meses, em vigor no segundo dia útil Target imediatamente anterior à data de início de cada um dos períodos de contagem de juros, acrescida de 1,15% e à taxa Euribor + 1,5% nos restantes cupões.
4 - A responsabilidade pelo pagamento da obrigação no momento do vencimento era da entidade emitente, a “SLN, SGPS, S.A.” (posteriormente “Galilei, SGPS, S.A.”).
5 - O R. omitiu a entrega de cópia dos docs. 6 e 7 (nota informativa do produto e anexos), não havendo à época boletins de subscrição, por essa fase já ter decorrido.
6 - O R. transmitiu ao A. que o produto consistia em obrigações da sociedade dona do Banco, que o grau de risco era similar ao de um depósito a prazo, que se tratava de um produto seguro e que a única forma de o produto ser liquidado de forma unilateral e antecipada consistia em transmitir as suas obrigações a terceiro, mediante endosso, havendo grande procura do produto.
7 - O A. já tinha investido noutras obrigações.
8 - A entidade emitente pagou ao A. a remuneração prevista até 30 de Abril de 2015, enviando-lhe os documentos correspondentes.
9 - A entidade emitente não procedeu ao pagamento das obrigações SLN 2006 na data prevista».

A.2) Factos não provados:
E considerou não provados os seguintes factos:
           «que o A. tivesse transmitido ao R. que pretendia um produto sem risco de capital e que pudesse ser resgatado a qualquer altura;
- que o R. tivesse dito ao A. que o retorno do capital era garantido pelo Banco;
- que o R. tivesse dito ao A. que as obrigações podiam ser resgatadas em qualquer altura, tendo esse resgate como consequência apenas uma penalização nos juros;
- que após a subscrição o R. tivesse enviado mensalmente ao A. um extracto mensal do qual constavam as obrigações em como integrando a sua carteira».

B) - Motivação de Direito:
1. Da questão prévia:
O Recorrido sustenta que a reapreciação não deve ser concedida pois, ainda que o Recorrente haja junto a transcrição integral da prova produzida em audiência e invocado as concretas passagens da gravação em eu fundam tal impugnação, transcrevendo-as e remetendo para páginas da transcrição, não deram cumprimento ao ónus de indicação das concretas passagens da gravação em que funda a impugnação, com remissão aos suportes emanados do Tribunal, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640º do CPC.
A propósito desta temática, a jurisprudência das Relações oscilou consideravelmente tendo alcançado níveis de rigor formalista que o Supremo Tribunal de Justiça veio a rejeitar, em obediência ao princípio da aquisição da verdade material. Desde então, o limite do inaceitável, situa-se ao nível da impossibilidade prática ou excesso manifesto de trabalho por parte da Relação na dilucidação dos concretos meios probatórios invocados, em contrário ao sentido da imposição formal, que era afinal o da agilização do trabalho da própria Relação. Se em concreto a Relação pode, sem particular esforço, aceder aos referidos meios probatórios invocados, deve prevalecer a aquisição da verdade material. No caso concreto, afigura-se muito útil - e agilizadora - a oferta da transcrição, visto que tendo as testemunhas sido ouvidas por videoconferência, de facto, algumas palavras se tornam imperceptíveis, como a transcrição, aliás, aqui e ali dá nota. Na audição que fizemos, a partir do “Citius” dos depoimentos prestados pelas seis testemunhas inquiridas na audiência de julgamento, conseguimos ouvir alguns excertos que a transcrição diz serem imperceptíveis. Em todo o caso também haverá de ponderar que não estamos perante um julgamento que pela extensão dos depoimentos comportasse um volume despropositado do trabalho de audição.
Consideramos, assim, que a referência às páginas da transcrição situa o tribunal de recurso no âmago dos fundamentos do recurso, servindo tal referência o propósito ínsito na alínea a) do n.º 2 do artigo 640º do CPC.
Concluímos, pois, pelo cumprimento dos ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nada obstando à peticionada reapreciação das provas.
*
2. Da questão de saber se houve erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto, na pare impugnada pelos Recorrentes:

2.1. Vejamos, então, se procede a argumentação do Recorrente, considerando que este deu cabal cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC, não se limitando a uma impugnação genérica e global sustentada em mera afirmação de discordância.
Previamente, porém, há que delimitar a intervenção da Relação quando está em causa apreciar da valoração probatória feita pelo tribunal de primeira instância.
Essa análise só deve ser efectuada com referência àqueles factos que assumem relevância para a decisão do mérito da causa, ponderando as várias soluções plausíveis da questão de direito, quer na perspectiva da acção, quer da defesa. Considerando que o tribunal está vinculado a providenciar pelo andamento regular e célere do processo, recusando o que for impertinente e dilatório – artigo 6º, n.º 1, do CPC –, nenhum sentido ou utilidade teria efectuar uma análise crítica sobre o mérito da valoração da prova feita pela primeira instância, quando a impugnação do julgamento de facto recaia sobre factos que não tem qualquer potencialidade de influenciar o sentido da decisão (factos essenciais, instrumentais ou complementares, conforme o art.º 5º). Acrescente-se que a afirmação serve para as hipóteses de exclusão/eliminação de factos dados como assentes pela Senhora Juíza a quo, como também para as hipóteses de inclusão de factos a que, indevidamente, o tribunal não atendeu e até nas situações de simples alteração dos termos em que determinado circunstancialismo é dado como provado[3].
Por outro lado, está em causa exclusivamente o apuramento de matéria de facto e não de matéria de direito. Admitindo-se o “melindre da distinção”[4] temos, no entanto, por seguro que meras conclusões ou apreciações valorativas, não se enquadram na definição (naturalística) de facto, como o “acontecimento ou circunstância do mundo exterior ou da vida íntima do homem, pertencente ao passado ou ao presente, concretamente definido no tempo e no espaço e como tal apresentando as características de objecto”[5], cabendo nesta “categoria” (factos processualmente relevantes), não apenas “os eventos reais, as ocorrências verificadas”, como ainda “as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não meros factos, mas verdadeiros juízos de facto”[6].
Em suma, as enunciações constantes dos articulados das partes que se reconduzem a meros juízos conclusivos e de direito, a afirmações genéricas, vagas e abstractas que não se reconduzem a factos - só estes importam -, não devem ser incluídas no acervo fáctico probatório, acrescentando-se que, quando o são, indevidamente, têm as mesmas que ser desconsideradas, isto é, impõe-se que (oficiosamente) se considerem as mesmas como juridicamente irrelevantes – não escritas, na terminologia da anterior lei processual civil (art.º 646º, n.º 4, do CPC/61).
Dito isto, passemos à apreciação do recurso interposto pelos Recorrentes, na parte em que incide sobre a matéria de facto, ponderando a matéria que especificamente pretende que se dê como assente, com a consequente correcção e ampliação da factualidade tida por provada, bem como os elementos de prova concretamente indicados, nomeadamente documental e depoimentos de testemunhas em audiência, a cuja audição integral se procedeu.

2.1.1. Os depoimentos de Nuno …e Gil …impunham que o tribunal a quo tivesse dado por provados os seguintes factos que elencou entre os factos julgados não provados?
- “O A. tivesse transmitido ao R. que pretendia um produto sem risco de capital e que pudesse ser resgatado a qualquer altura”;
- “O R. tivesse dito ao A. que o retorno do capital era garantido pelo Banco”;

2.1.2. Ao expressar a sua motivação relativamente aos factos provados e não provados, de fls. 147 a 149, a Senhor Juíza a quo referiu:
«Não se provou que o R. tivesse dito ao A. que o retorno do capital era garantido pelo Banco, mas sim que o produto consistia em obrigações da sociedade dona do Banco e que o grau de risco era similar ao de um depósito a prazo, tratando-se de um produto seguro. A convicção do tribunal a este propósito firmou-se nos depoimentos de Nuno…, o funcionário do BPN que foi o interlocutor do A., Gil …, gerente de uma outra agência da zona centro e Jorge …, de acordo com o qual a dona do Banco nunca deixaria de honrar os seus compromissos. Os depoimentos foram concordantes entre si e verosímeis em face da atmosfera que se vivia na altura.
Conforme adiantou Nuno … à época não se colocava a possibilidade de falências de bancos, banca era banca, não havia risco, não havia distinção, nem na mente dos funcionários do Banco, entre o risco da sociedade mãe do Banco e o próprio Banco, SLN e BPN confundiam-se. Entendiam não haver risco, tal como os clientes não entreviam risco. O enquadramento dado aos clientes era o de que se tratavam de produtos garantia Banco, sem risco e com uma boa rentabilidade.
Não se nos afigurou minimamente credível, por isso, que os funcionários do Banco tivessem transmitido, por sua livre iniciativa ou a solicitação do A., que, em caso de a SLN não pagar o capital na data do vencimento da obrigação, o Banco se comprometia a fazê-lo. Essa questão não se colocava, para além de a afirmação ser pouco verosímil, pois que se a sociedade detentora do Banco não estivesse em condições de o fazer, seria pouco credível que o Banco detivesse essa capacidade. Foi transmitido, isso sim, que o produto era seguro, que funcionários e clientes tinham o Banco como um banco seguro, como, aliás, os bancos eram genericamente tidos à época - se os clientes não tivessem essa crença nem se perceberia porque assumiriam essa qualidade.
A questão da liquidez do produto foi também explanada. Face à rentabilidade, nas palavras de Nuno …não havia qualquer dificuldade em obter liquidez imediata, pois a procura era superior à oferta. Note-se que o próprio A. adquiriu o produto a um outro cliente que quis desfazer-se de uma obrigação no valor de € 50 000, 00.
Há ainda que tomar em consideração que as características intrínsecas de uma obrigação não tornam esta, pelo menos tradicionalmente, um produto financeiro de risco. O risco inerente é o risco do próprio negócio. Daí a expressão garantia banco, pois estavam em causa obrigações da detentora do Banco, sendo certo que não se levantavam quaisquer dúvidas sobre o que estava realmente a ser vendido: obrigações da SLN e não do BPN.
Não se provou que o A. tivesse transmitido ao R. que pretendia um produto sem risco de capital e que pudesse ser resgatado a qualquer altura, que o R. tivesse dito ao A. que as obrigações podiam ser resgatadas em qualquer altura, tendo esse resgate como consequência apenas uma penalização nos juros e que, após a subscrição, o R. tivesse enviado mensalmente ao A. um extracto mensal do qual constavam as obrigações em como integrando a sua carteira por ter sido omitida qualquer prova relevante a este respeito.
Do documento de fls. 82 a 85, a propósito das obrigações SLN 2006, consta expressamente obrigações subordinadas a 10 anos e do argumentário, a fls. 85, capital garantido. Esta expressão nada induz a pensar que fosse garantido pelo Banco, o que seria, diga-se, contrário à própria natureza jurídica e lógica da obrigação.
Já a fls. 84 verso constam as características da emissão, a saber, a subordinação, nelas se lendo, enquanto regras definidas pelo Banco de Portugal, que o reembolso do subscritor ficaria subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores, tendo, no entanto, prioridade sobre os accionistas da “SLN, SGPS, S.A.”. Ficou claro dos depoimentos prestados que a questão da subordinação não foi explicitada aos clientes, o que é inteiramente verosímil. Trata-se de matéria que só revestiria alguma relevância para a eventualidade de haver lugar a incumprimento. Ora, como se explicitou, o contexto era inteiramente outro. Como referiu a testemunha Jorge Pessoa, a ideia era a de que a dona do Banco nunca deixaria de honrar os seus compromissos e a convicção dos clientes era a de que estavam a adquirir um produto de elevada rentabilidade e cujo capital não deixariam de receber no final do prazo» (fim de citação)

2.1.3. Salvo, o devido respeito, a apreciação global, o exame crítico e conjugando de toda a prova documental e testemunhal produzida, em particular dos testemunhos, que ouvimos integralmente, prestados em audiência, por Nuno …, que trabalhou para o BPN – Agência …., desde 2002 e posteriormente para o Banco BIC, conhece o Autor há cerca de 30 anos, tendo sido o seu Gestor de Conta, Gil …., que trabalhou para o BPN – Agência de …, desde Fevereiro de 1999 e actualmente trabalha no Banco BIC, Teresa …., que trabalhou para o BPN, desde 1999 e posteriormente para o Banco BIC e conhece o Autor como cliente do Banco e Jorge …, que trabalhou para o BPN a partir de Junho de 2005 e até Novembro de 2011 como director coordenador de empresas da Zona Centro e foi administrador do Banco, por convite da CGD, até Abril de 2012, permitiam ao tribunal a quo inferir, por recurso às presunções e às regras de experiência (artigos 349º e 351º do CC e 607º, n.º 4, do CPC), uma realidade bem diferente, a impor uma outra leitura dos factos e, necessariamente uma outra decisão sobre a matéria de facto.
         A testemunha Nuno …, à época Gerente da Agência do BPN em…, gestor de conta do Autor, [funcionário em que o Autor depositava toda a confiança, tanto assim que o acompanhou, alterando a domiciliação das suas contas, quando aquele foi transferido para as Agências de …., ambas na zona de Leiria], deixou bem claro no seu depoimento que o Autor era um cliente que tinha na sua grande maioria aplicações de DP e que tinha ou aceitava subscrever produtos com risco Banco e não mais do que isso (04’10” a 04’38”), como sucedeu com a obrigação SLL RM 2006 e com as outras obrigações que teve em carteira emitidas pelo BPN ou empresas do Grupo (SLN Valor ou BPN Rendimento Mais 2ª Emissão – cf. Doc. 10 da p.i.). Esclareceu, de forma escorreita e sem vacilar, num registo persuasivo e verosímil, o contexto em que apresentou ao Autor e negociou com este a subscrição da obrigação SLN RM 2006, asseverando que o produto foi anunciado como sendo um produto garantido pelo Banco, sem risco com boa rentabilidade, acima de um DP (05’15” a 07’15”), que não entregou ao cliente nem a ficha técnica do produto, nem qualquer boletim de subscrição com as respectivas características, documento que, aliás, já não existia à data por estar ultrapassado o prazo de subscrição e tratar-se de uma transmissão, por meio de endosso de outro cliente que teve necessidade de liquidez (07’30” a 08’10”). Ainda sobre o contexto da apresentação e comercialização do produto, a testemunha afiançou que o argumentário utilizado por si - e pelos demais funcionários do BPN - era o que decorria de instruções superiores e das notas informativas internas, que não informou o Autor que se tratava de uma obrigação subordinada, conceito que à data nem entendia, apenas que se tratava de um produto sem risco, como um DP, mas com melhor rentabilidade (08’48” a 11’40”). Tendo sido questionado pelo Ilustre mandatário do Autor se era dito ao cliente, no caso o Autor, se o produto tinha liquidez, referiu que informava que era uma aplicação a dez anos, mas que tinha muita procura e por isso em caso de necessidade seria fácil obter liquidez, através do endosso a terceiro e que tudo faziam para que o produto ficasse na carteira de um cliente da Agência, porque contava para os objectivos da mesma (12’06” a 14’07”. Asseverou, ainda, que a SLN e o BPN confundiam-se, que diziam às pessoas que o produto era da dona do Banco e por isso era seguro (16’04” a 16’45”), que era um produto semelhante a um DP, que esta afirmação tranquilizava os clientes e levava-os a aderir ao produto (15’56 a 18’36”). A instâncias do Ilustre mandatário do Réu, a testemunha manteve que apenas transmitia aos clientes que era tudo garantido pelo Banco, como lhe era transmitido superiormente e que na Nota Interna para a comercialização das obrigações SLN 2004 constava mesmo que era capital garantido pelo Banco (26’25” a 28’25” e 28’45” a 29’37”), assim como manteve tudo quanto afirmara anteriormente sobre o argumentário utilizado na apresentação do produto aos clientes (29’38” a 31’54”) sobe a omissão da informação acerca da característica da subordinação e o desconhecimento por parte dos funcionários do que fosse uma “obrigação subordinada”.
            Por sua vez, o depoimento prestado pela testemunha Gil …, que trabalhou no BPN desde Fevereiro de 1999 e foi depois integrado nos quadros de pessoal do Banco Réu (Banco BIC), onde exerce funções de Gerente de Agência, foi concordante com o prestado por Nuno …, e tal como este revelou-se consistente e verosímil. Asseverou que as Obrigações SLN eram vendidas no contexto de capital garantido pelo Banco BPN (01’57” a 2’55”), que era dito tratar-se de produto equivalente a um DP, no que toca a garantia de capital (3’04” a 3’35”), que os clientes não eram elucidados sobre a característica da subordinação de créditos, sendo que os funcionários do Banco nem sequer sabiam o que isso significava (3’44” a 4’27”) e que asseguravam ao cliente que a maturidade do produto era de dez anos, mas que tinha liquidez pela via do endosso a um terceiro (04’38” a 6’26”).
           A testemunha Jorge…, que trabalhou para o BPN de Junho de 2005 até Novembro de 2011, como director coordenador de empresas da Zona Centro e que, após a nacionalização do Banco foi seu Administrador até Abril de 2012, confirmou a autoria do e-mail junto aos autos como Doc. 8 da p.i. datado 26 de Julho de 2008, e que o mesmo teve por destinatários as chefias - directores de empresas da Zona Centro - e esclareceu que hoje não escreveria uma mensagem com o referido conteúdo, que o contexto então era diferente.
           As declarações prestadas por Teresa …nenhum contributo trouxeram para o esclarecimento dos factos.

          2.1.4. Ora, por acordo das partes e mercê da análise ou exame crítico e conjugado das provas - [Docs. 6 (Nota Informativa, a fls. 65 e segs), 7 (Prospecto das Obrigações SLN RM 2006, a fls. 82 e segs.), 8 e 9 (e-mails, a fls. 86 e 86 verso) da petição inicial; e depoimentos das supra referidas testemunhas, que foram concordantes, persuasivos, imparciais e por isso mesmo verosímeis], resulta, a par da matéria assente e não impugnada, o seguinte acervo factual:
- O Autor era um cliente BPN de perfil conservador, essencialmente aforrador de DP e com algumas aplicações em obrigações BPN ou SLN, que lhe eram apresentadas como produtos sem risco e com capital garantido pelo Banco;
- Até à nacionalização do “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.”, operada pela já referida Lei n.º 62-A/2008, de 11-11, a totalidade do capital social do Banco em causa era detida, na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”;
- Na altura dos factos vigorava a Instrução de Serviço (IS) n.º 19/01, de 05-02-2003, subordinada ao Tema “Mercado de Capitais” e ao Sub-Tema “Papel Comercial”, a qual, no Capítulo I, ponto 2-“Principais Definições”, estabelecia que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o BPN e/ou Banco Efisa([7]);
- O Autor, ….de profissão, não tinha realizado naquele Banco quaisquer “operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres”, nem tinha “uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00”, nem tinha, por último, “prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários”; que é há mais de 15 anos cliente do Banco Réu;
- Da Nota Interna junta como doc. 7, constava na página 8: “Capital Garantido”;
- O Autor tinha aplicado no banco Réu, num depósito a prazo, em 19 de Dezembro de 2006, a quantia de €50.000,00;
- No mesmo dia, foi resgatado o supra referido depósito a prazo, tendo sido debitada na conta à ordem do autor a quantia de €50.000,00 para a compra de títulos “SLN Rendimento Mais 2006”;
- A “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” e o “BPN – Banco Português
de Negócios, S.A.”, à data dos factos, tinham por Presidente do Conselho de Administração a mesma pessoa, José ….;
- As Administrações do BPN e da SLN, SGPS, S.A., sua única accionista, para além de se confundirem, prosseguiam desideratos e objectivos comuns;
- Os clientes foram convidados a aderir ao novo produto como se de um produto similar a um depósito a prazo se tratasse, mas com maturidade a 10 anos e facilidade de obtenção de liquidez, através da transmissão a terceiro, por via do endosso;
- O Autor acabou por ser seduzido a subscrever a obrigação SLN Rendimento Mais 2006, pela forma como o produto lhe foi apresentado;
- O Autor, é por natureza avesso a qualquer tipo de jogo ou de risco;
- Todos os funcionários do Banco Réu que lidavam com o autor sabiam que este nunca tinha investido na Bolsa, nunca tinha adquirido a qualquer Banco qualquer produto diverso de depósitos a prazo, a não ser obrigações do próprio Banco;
- Os funcionários do BPN também tinham perfeita consciência de que o Autor nunca, em circunstância alguma, aceitaria subscrever um produto como aquele que está em causa nestes autos;
- O Autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestavam aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.

           Estes elementos probatórios, associados à confiança que à época os então clientes aforradores do BPN - com o perfil conservador do Autor - depositavam nas instituições bancárias em geral e em particular naquela com que se relacionavam (BPN) e no respectivo gestor de conta suportam decisão sobre a matéria de facto diversa daquela que foi proferida.
           Na verdade, no caso concreto, é apodíctico que o Autor foi aliciado pelo funcionário do BPN Nuno …(gestor de conta) e que, seduzido pelas anunciadas características do produto Obrigação SLN Rendimento Mais 2006 (algo similar a um DP, em termos de segurança, ou seja, sem risco, mas com maior rentabilidade, e com boa liquidez, por ser de fácil transmissão a terceiro, por via de endosso, face à sua atractividade e elevada procura registada) -, anuiu na transferência de valores que tinha em DP para a subscrição de uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, no valor nominal de €50.000,00. Sabemos das regras de experiência e da prática judiciária que os intermediários financeiros, ávidos de lucro fácil, na comercialização de produtos financeiros e em especial de papel comercial, fornecem, na grande maioria dos casos, uma informação deficitária ou enganosa, que induz ou mantém em erro aqueles que, sem preparação adequada (investidores não qualificados[8]), julgaram ter descoberto uma aplicação financeira com rentabilidade acima da média. Sabemos, ainda, das regras de experiência, que é prática corrente, como sucedeu no caso em apreço[9], os intermediários financeiros incitarem os seus clientes a efectuarem operações repetidas sobre instrumentos financeiros com objectivo estranho ao seu interesse e que os funcionários dos intermediários financeiros são fortemente pressionados e incentivados a incitar os seus clientes a subscrever instrumentos financeiros postos à comercialização nos respectivos balcões através da criação de um sistema de incentivos (prémios/comissões) e penalizações.
           2.1.5. Destarte, neste segmento, a impugnação da decisão da matéria de facto procede parcialmente e, em consequência, decide-se:
a) Alterar a referida decisão e aditar aos factos dados como provados os pontos 10. e 11., com a redacção seguinte:
          «10. O Autor sempre fez saber ao Réu que pretendia um produto sem risco de capital;
11. O gestor de conta, Nuno …, disse ao Autor, quando o contactou para a compra da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, que o retorno do capital era garantido pelo BPN na maturidade do produto».
b) Eliminar dos factos dados como não provados a seguinte factualidade:
«-que o A. tivesse transmitido que pretendia um produto que pudesse ser resgatada em qualquer altura»;
«- que o R. tivesse dito ao A. que as obrigações podiam ser resgatas em qualquer altura, tendo esse resgate como consequência apenas uma penalização nos juros».

2.2.1. Se deveriam ter ficado a constar como provados os factos vertidos nos parágrafos 14.º, 16.º e 77.º da petição inicial, por não terem sido impugnados pelo Réu:

2.2.2. Nos artigos 14º, 17º e 77º da petição inicial, o Autor alegou:
«14º - O autor é, como veremos, na terminologia legal adotada pelo C.V.M., desde sempre e até à presente data, perante o Banco réu, investidor não qualificado.”
17º - “Efetivamente, o autor não tinha realizado naquele Banco quaisquer “operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres”, nem tinha “uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00”, nem tinha, por último, “prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários” – artigo 110.º-A, n.º 1, al. b) do C.V.M. in fine.”
77º - O autor tinha, no Banco réu, em Dezembro de 2006, um depósito a prazo, no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros).»

2.2.3. O teor do artigo 14º é conclusivo e encerra um conceito de direito, sendo que é dos factos apurados que se há apurar o perfil de investidor do Autor e enquadrá-lo na lei. O afirmado no artigo 17º, ao contrário do afirmado pelo Autor foi impugnado expressamente pelo Réu e não se alcançou prova do número de operações realizadas pelo Autor e respectiva periodicidade, prova essa vinculada, na medida em que só poderia ser feita pela apresentação de documentos
Resta, assim, provada, pelas declarações prestadas por Nuno …, conjugadamente com o teor dos Docs. 11 e 13, a factualidade alegada no artigo 77º da petição inicial.
2.2.4. Portanto, na procedência parcial desta impugnação decide-se aditar à decisão da matéria de facto o ponto 12., com a redacção seguinte:
«12. O Autor tinha, no BPN, em Dezembro de 2006, um depósito a prazo, no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros)».

2.3. Se o exame crítico da prova testemunhal e documental produzida, impunha, pelos fundamentos apontados pelo Recorrente, que os factos elencados nos artigos 7º, 52º, 58º, 62º, 64º, 65º, 68º, 69º, 81º, 89º, 90º, 91º, 92º, 93º e 116º da petição inicial tivessem sido julgados como provados:
2.3.1. Importa dizer que na decisão sobre a matéria de facto, o juiz deve reconstituir toda a realidade passada (realidade histórica), alegada no processo e controvertida, através da análise ou exame crítico global, quer da prova documental carreada para o processo, quer da prova representativa, como é o caso do testemunho de quem percepcionou os factos, e sempre que possível deverá conjugar os factos apurados com regras de experiência, estas operando a partir de relações de causalidade ou finalísticas, de modo a poder concluir, por ilação, que os factos controvertidos desconhecidos existiram (artigos 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 349º do Código Civil).
Ora, do exame crítico, segunda a lógica e as regras da experiência, dos testemunhos de Nuno …, Gil…e Carlos , conjugadamente com o teor do Doc. n.º 6 junto com a petição inicial -, “NOTA INFORMATIVA SLN 2006”, a fls. 65 e segs. com os Capítulos “1- ADVERTÊNCIA AOS INVESTIDORES” e “2 - DESCRIÇÃO DA OFERTA”, e neste capítulo com o item “COLOCAÇÃO E AGENTE PAGADOR: BPN – Banco Português de Negócios, S.A” - o que se pode extrair é que os funcionários do BPN faziam crer aos clientes que adquirir “Obrigações SLN RM 2006” era o mesmo que efectuar um DP, só que com melhor remuneração; que foram dadas orientações superiores para que os funcionários dos balcões do BPN assegurassem aos clientes que o Banco garantia o reembolso do capital investido na aquisição das “Obrigações SLN RM 2006”; que a aquisição das “Obrigações SLN RM 2006” não envolvia qualquer risco para os adquirentes; que a ficha técnica do produto não foi exibida ao Autor; que as características do produto não foram discutidas com o cliente Autor que era também transmitido pelos funcionários do BPN aos clientes que, não obstante ser de 10 anos a maturidade do produto, se aqueles o quisessem alienar, o Banco se encarregaria de arranjar de cliente para o mesmo, dada a forte procura que o produto registava; e que a forma enganosa como as “Obrigações SLN RM 2006” eram apresentadas aos clientes, criava nestes a convicção de que se tratava efectivamente de um produto de capital garantido pelo BPN, quando tal não era asseverado directamente ao cliente, como sucedeu com o Autor, a quem isso mesmo foi afiançado pelo seu gestor de conta – a testemunha Nuno …. Tudo se resumiu, na expressão feliz do Ilustre mandatário dos Recorrente, “numa política de canibalização dos depósitos” a prazo de simples aforradores, com o objectivo, sabe-se hoje, de reforçar graves défices de tesouraria do BPN ou de empresas do universo SLN, SGPS,S.A..
A tudo acresce que, na altura, vigorava a Instrução de Serviço (IS) n.º 19/01, de 05-02-2003 (doc de fls. 116 a 122), subordinada ao Tema “Mercado de Capitais” e ao Sub-Tema “Papel Comercial”, a qual, no Capítulo I, ponto 2-“Principais Definições”, estabelecia que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o BPN e/ou Banco Efisa. Esta IS, seguramente do conhecimento dos seus destinatários, funcionários do BPN, em particular dos comerciais, terá tido um contributo decisivo no seu convencimento de que a solvabilidade das Obrigações SLN RM 2006 era garantida pelo Banco e na informação que, nesse sentido, transmitiram aos clientes, aquando da angariação, a qual, aliás, decorreu em contexto de forte pressão por parte da Administração e Chefias do Banco, que fixavam objectivos a cumprir.
2.3.2. Do exame crítico da prova documental e testemunhal a que procedemos e atenta a matéria factual vertida nos pontos n.ºs 5., 6. 10., 11. e 12., dos factos julgados provados, impõe-se considerar, nesta parte, a impugnação parcialmente procedente e em consequência alterar a decisão da matéria de factos, aditando à mesma a factualidade (expurgada de termos conclusivos e conceitos de direito) alegada nos artigos 7.º, 52.º, 64.º, 65.º, 68.º, 69.º, 81.º, 89.º (em parte), 90.º (em parte), 91º (em parte ) e 116.º da petição inicial.
Os factos vertidos no artigo 7º da petição inicial, resultam provados do teor das certidões permanentes das descrições comerciais do BPN e SLN (Docs. n.ºs 1 e 2, juntos com a p.i.), que fazem prova plena dos factos que nelas são atestados (artigo 371º, n.º 1, do CC).
A prova do facto alegado no artigo 52º da petição inicial emerge da análise crítica e conjugada das referidas certidões, das quais resulta que as administrações de ambas as sociedades se confundiam, que tinham o mesmo Presidente do Conselho de Administração, José …., e dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas Nuno …e Gil ….
A matéria alegada no artigo 64º da petição inicial resultou provada à saciedade das declarações prestadas por Nuno …e Gil …., testemunhas que asseveraram que as obrigações SLN Rendimento Mais 2006 eram vendidas como produto semelhante a um depósito a prazo, mas com maior rentabilidade.
A factualidade alegada no artigo 65º da petição inicial também se mostra provada por acordo e através do documento constante de fls. 116 a 122, não impugnado (artigos 376º, n.º 1, do CC e 574º, n.º 2, do CPC).
Como bem sustenta o Recorrente, a resposta positiva à matéria do artigo 68º da petição inicial também se impunha do cotejo de todas as provas carreadas para os autos e produzidas em audiência, sendo disso indícios: a angariação agressiva de clientes de DP; a comparação das obrigações subordinadas emitidas pela dona do Banco a DP com meros DP; a ocultação da ficha técnica do produto; e a omissão da referência à característica da subordinação.
A matéria alegada no artigo 69º da petição inicial emerge provada da conjugação dos depoimentos prestados por Nuno … e Gil ….
Que o Autor é por natureza avesso a qualquer tipo de risco e não investia na Bolsa de Valores (artigos 81º e 89º da p. i.) resulta do seu histórico de poupanças e investimentos e do depoimento prestado por Nuno…, seu gestor de conta durante largos anos.
O exame crítico de todas as provas produzidas e em especial dos depoimentos de Nuno …e Gil …também impunham que se tivesse dado como provado que o Autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do BPN, especialmente no seu gestor de conta (Nuno…), que lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão da sua carteira (parte do artigo 91º da p.i.) e que, caso tivesse sido devidamente informado das características da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, não a teria adquirido (parte do artigo 90º da p.i.).
A consideração como provada da factualidade alegada no artigo 116º da petição inicial impunha-se da ponderação conjugada das declarações produzidas pelas testemunhas Nuno…, Gil … e Jorge …..
Por falta de prova da verificação da respectiva factualidade, a impugnação improcede, relativamente ao constante dos artigos 58º, 62º (no que concerne às instruções dadas aos funcionários, sendo que ficou provada a omissão da entrega da nota informativa – ponto 5 dos factos provados), 90º (relativamente à primeira parte, porque se apurou que o Autor já tinha adquirido outras obrigações - ponto 7. dos factos provados), 92. e 93. (por incompatibilidade com o provado sob os pontos 6. e 11. dos factos provados).
O facto alegado sob o artigo 18.º da petição inicial não pode ser dado como provado, face ao cotejo de toda a prova e por não se conceber, das regras de experiência, que um funcionário bancário com a experiência da testemunha Nuno …acreditasse “piamente” que a obrigação que vendeu era segura, semelhante a um DP, que não ofereciam risco para o Autor.
2.3.3. Por conseguinte, decide-se aditar à decisão da matéria de factos os pontos 13., 14., 15. 16., 17., 18., 19. 20., 21. e 22., com a redacção seguinte:

«13. A “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, a “SLN, SGPS, S.A.” e o “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”, à data dos factos relatados neste processo, e mais uma vintena de empresas do “universo BPN/ SLN”, repartidas entre a área financeira e a área não financeira, tinham por Presidente do Conselho de Administração a mesma pessoa, o omnipotente, hoje caído em desgraça, José …..
14. As Administrações do BPN e da sua única accionista, a SLN, SGPS, S.A. para além de se confundirem, prosseguiam desideratos e objectivos comuns.
15. Os clientes deviam ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um simples sucedâneo de um depósito a prazo.
16. Vigorava, na altura, a Instrução de Serviço (I.S.) n.º 19/01, de 05-02-2003, cujo tema é, precisamente, “Mercado de Capitais e Papel Comercial”, a qual determinava que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o BPN e/ou Banco Efisa (Doc. de fls. 116 a 122).
17. Tal como com a generalidade dos incautos que se deixaram levar na conversa do BPN, também o Autor foi objecto de aliciamento por parte do seu gestor de conta no BPN para a compra do produto (papel comercial) em questão.
18. O Autor é por natureza avesso a qualquer tipo de jogo ou de risco e sempre fez questão de o frisar junto dos seus interlocutores do BPN.
19. Os funcionários do BPN que lidavam com o Autor sabiam que este não tinha por hábito investir na Bolsa e que era cliente de perfil conservador, que detinha depósitos a prazo e subscrevera obrigações emitidas pelo BPN ou pela SLN.
20. O Autor, se fosse devidamente informado sobre as características e risco associado das Obrigações SLN Rendimento Mais 2006 não aceitaria subscrever tal produto.
21. O Autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.
22. Muitos gestores de conta do BPN aconselharam os seus clientes a subscrever o novo produto (SLN Rendimento Mais 2006) que lhes era oferecido sem terem a exacta noção do que se tratava».
*
           3. Da questão de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, ou de ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC) ou se ostenta erro de julgamento que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente.

            3.1. Da invocada nulidade da sentença, por violação do n.º 4 do artigo 607º e do artigo  615º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC:
O Recorrente invoca a nulidade de sentença, por violação dos dispositivos legais supra citados, com o argumento de que “o tribunal não procedeu a uma análise crítica das provas, não especificou os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção e não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida e dela não extraiu as presunções impostas por lei ou pelas regras da experiência”.
           3.1.1. Dispõe o artigo 607º do CPC, no seu n.º 4: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Por sua vez, o artigo 615º do CPC, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença», dispõe:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
A nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 deste artigo 615º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do artigo 608º, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não devendo confundir-se questões com argumentos, estando, assim em causa, o dever de conhecer de forma completa do processo, definido pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir.
As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
A nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado na segunda parte do n.º 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras
Terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, etc. - e todos os factos em que assentam, bem como todos os pressupostos processuais desse conhecimento, sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Todavia, as questões a resolver para os efeitos do n.º 2 do artigo 608º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, ambos do CPC, são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo quer com a questão jurídica quer com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor aos quais o tribunal não tem de dar resposta especificada.
Por outro lado, importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
           Contudo, como se ponderou no Acórdão do STJ, de 5-05-2005: Proc. 05B839, acessível em www.dgsi.pt.), “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º([10]) do CPC, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença”.
           3.1.2. É o que sucede no caso concreto em que as diagnosticadas patologias de que enferma a decisão da matéria de facto (insuficiência da indicação de factos provados e de factos não provados e deficiente especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador) não conduz à suposta nulidade da sentença recorrida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 607º, n.º 4 e 615º, n.º 1, alíneas b) e d), antes determina que este Tribunal da Relação altere, como alterou, a decisão proferida sobre a matéria de facto, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 1 do artigo 662º do CPC, e revogue a sentença sempre que a alteração e/ou ampliação da matéria de facto conduza a um enquadramento jurídico diverso do efectuado pelo Tribunal a quo, questão que apreciaremos de seguida
           3.1.3. Termos em que improcede, nesta parte, a apelação.

           3.2. Do erro de julgamento a impor a revogação da sentença recorrida e consequente substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente:

           3.2.1. Insurge-se, ainda, o Recorrente contra o entendimento vazado na sentença recorrida pela 1ª instância de que não se está perante uma verdadeira violação, pelo BPN, dos deveres inerentes à actividade de intermediação financeira e que, em consequência, o Recorrido não praticou qualquer facto ilícito e que mesmo que assim se não entendesse não haveria lugar à sua responsabilização por inexistência de nexo de causalidade entre a actuação do banco Réu e o prejuízo sofrido pelos Autores.
           Alega a violação dos deveres de informação por parte do Recorrido, a presunção de culpa do BPN, enquanto intermediário financeiro, a responsabilidade do Recorrido pelos actos dos seus funcionários e conclui pela actuação ilícita e pela não elisão da presunção de culpa. Sustenta, ainda, que existe o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano que consiste no montante investido e não reembolsado. Argumenta, por fim, que era ao Recorrido que competia provar ter cumprido o dever de informação, que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o conflito de interesses entre a recorrida e a SLN e que a decisão vai contra o entendimento maioritário e consolidado dos Juízes do Juízo Central Cível de Lisboa, por factos praticados em Leiria, pelos mesmos funcionários, entendimento esse que tem sido perfilhado por esta Relação e até pelo Supremo Tribunal de Justiça.
          3.2.2. O Recorrido defende a solução preconizada pelo tribunal a quo, argumentando que à data dos factos o elenco dos deveres do intermediário financeiro era bem menos exaustivo do que resultou da transposição da chamada DMIF, ainda assim foram prestadas informações bastantes sobre o produto, que a informação prestada foi verdadeira e não enganosa. Mais refere que não resultou provada a prática de qualquer ilícito e que, ainda que assim se não entendesse, sempre restaria por provar qualquer nexo de causalidade entre qualquer eventual falta do Recorrido e os alegados danos dos Recorrentes, o qual não se presume.

          3.2.3. O tribunal a quo, ao tratar a questão da invocada violação grave dos deveres de infirmação, por parte do BPN, expressou o seu entendimento da forma seguinte:
«(…)
João Calvão da Silva (Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 335) escreve que a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, muitas das quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de protecção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor. Deste modo, a relação de clientela não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradoura de negócios assentes em ligação especial de confiança e lealdade mútua das partes, cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós-extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual.
No direito bancário, as informações há muito que perderam a sua natureza instrumental e secundária: antes surgem como objecto principal de muitos obrigações, como as derivadas de um contrato de acompanhamento ou de aconselhamento (Cordeiro, António Menezes, Manual de Direito Bancário, 4.ª Edição, revista e actualizada, Almedina, 2010, pp. 367 e ss.).
A instituição financeira tem conhecimentos e experiência para, perante cada negócio, reconhecer, de imediato, o ponto que deve ser “informadoao cliente (…) (…) o banqueiro deve desenvolver uma certa actuação pedagógica, junto dos clientes: uma postura reforçada pela crise de 2007/2010 … O banqueiro deve também ponderar bem o que diga quando saiba que, na base disso, o seu cliente irá tomar importantes decisões (…) A informação bancária distingue-se da comum por ser - tendencialmente - técnico-jurídica, simples, directa e eficaz. Ela é muito diversificada, segundo os produtos que respeite, dobrando-se, ainda, de deveres de acompanhamento e atingindo novos níveis com a automação” (obra citada, pp. 373 e 374).
Inexistem, pois, quaisquer dúvidas de que impendia sobre o R. um dever de informação. Este dever de informação decorre objectivamente da boa-fé contratual.
Relativamente à alegada violação de deveres de informação subjacente à presente acção enunciaremos as principais normas do Código de Valores Mobiliários com interesse atinente.
Art.º 304.º (Princípios)
1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente.
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.
Art.º 312.º (Deveres de informação)
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:
a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;
b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;
c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não
sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;
g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
h) Ao custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
Este diploma, no seu art.º 314.º, sob a epígrafe “responsabilidade civil”, dispõe:
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Dispõe-se ainda, no tocante à responsabilidade contratual, no art.º 324.º:
1 - São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar.
2 - Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
A propósito da comunicação entre R. e A. apurou-se que o R. comunicou ao A. que o produto consistia em obrigações da sociedade dona do Banco, que o grau de risco era similar ao de um depósito a prazo, que se tratava de um produto seguro e que a única forma de o produto ser liquidado de forma unilateral e antecipada consistia em transmitir as suas obrigações a terceiro, mediante endosso, havendo grande procura do produto.
É certo que o R. omitiu a entrega de cópia dos docs. 6 e 7 (nota informativa do produto e anexos), não havendo à época boletins de subscrição, por essa fase já ter decorrido, mas o que é facto é que o A. comprou a obrigação de um outro cliente e que não se lhe suscitaram quaisquer dúvidas relevantes que coubesse esclarecer no âmbito do período de maturidade do produto.
Não se nos oferece, assim, dúvidas dizer que o Banco demonstrou ter cumprido adequadamente os seus deveres de informação, mas, ainda que o não tivesse feito, na omissão ou no eventual modo negligente incorrido nunca teria incorrido em culpa grave. É, salvo melhor opinião, indefensável a posição assumida pelo A. quando, para obviar à prescrição, imputa ao R. a existência de dolo/culpa grave.
O eventual direito do A. encontra-se, por conseguinte, no entender do tribunal, prescrito.
O processo prosseguiu, porém, os seus termos, existindo condições para o conhecimento do mérito. Uma vez que o desenlace do processo será o mesmo, e tomando em consideração as várias soluções plausíveis de direito, não se deixará de o fazer.
*
As observações já avançadas a propósito da comunicação das características das obrigações SLN para efeitos da existência de negligência e culpa grave são também válidas no que respeita à responsabilidade do R..
Reitera-se que face à natureza específica da actividade prosseguida pelo banco e perante um cliente não institucional o grau de exigência relativamente à informação a prestar é superior.
Sobre o cliente impende também, enquanto investidor, o cumprimento de deveres de diligência, sem cuidar apenas de aferir da rentabilidade máxima do produto.
Da matéria enunciada surge como cristalino que à data da subscrição o Banco considerava as obrigações como “produto conservador” e garantia aos clientes, inclusive ao A., que o capital investido seria reembolsado na data do vencimento.
Não se crê, porém, que ao afirmar que o produto era de “capital garantido” o R. estivesse a omitir ao A. informações relevantes de que dispusesse ou a dar uma informação falsa. Quer para Banco, quer para os respectivos funcionários, por um lado, quer para os clientes, por outro, tratava-se de produto sem riscos previsíveis. A expressão capital garantido é uma expressão corrente que explica ao cliente que se trata de um produto seguro, conservador. Os riscos, na verdade, não divergiam, em grau, dos riscos de um depósito a prazo.
A única interpretação plausível a dar a esta garantia era a de que assegurava que não se tratava de um produto com perda possível de capital - como há muitos, tal como há produtos com taxa de juro não garantida, variável, que pode chegar a 0% e como há produtos em que é possível que o cliente tenha ainda que fazer um reforço de capital. Não se tratava de um produto com risco de capital, ou seja, de um produto financeiro em que o montante do capital a reembolsar ou do preço a receber na maturidade da aplicação é incerto, podendo vir a ser inferior ao capital inicialmente investido. Não estava em causa um produto com risco de capital alavancado, produto em que o investidor não só pode perder a totalidade do capital inicialmente investido, como pode vir a ser chamado a assumir perdas que vão além desse montante. Tão pouco se estava perante um produto com risco de rentabilidade, isto é, um produto financeiro que apresenta risco de capital e/ou cujo rendimento periódico é incerto e/ou variável. Tratava-se de uma obrigação clássica, valor mobiliário representativo de uma dívida que confere ao seu titular o direito ao recebimento periódico de juros durante a vida útil do empréstimo e ao reembolso do capital na respectiva data de maturidade.
Não se duvida de que os funcionários bancários explicassem aos clientes tratar-se de um produto com capital garantido, como efectivamente era, mas garantido no sentido de que, em si mesmo, não apresentava risco de capital, o que era rigorosamente verdade. Ninguém pode legitimamente assegurar que um negócio não tem risco, é essa a natureza dos negócios, pode ter maior ou menor risco, e é aceitável que nas práticas comerciais e na prática bancária se avance com a informação de que o negócio é seguro, isto é, que tem todas as condições para vir a ser cumprido, que não se vislumbra que vá correr mal. O risco de incumprimento, todavia, persiste. É inerente ao próprio negócio.
A acção parece, nesse sentido, fundar-se num equívoco: o de que é possível garantir a inexistência de risco. O A. não pode, ao menos com êxito, pretender que lhe foi assegurado que o contrato não era passível de incumprimento. O risco próprio dos contratos é do incumprimento.
Em conclusão, julga-se que não se está perante uma verdadeira violação do dever de informação.
A alusão à garantia de capital fundava-se nos elementos de que os agentes financeiros dispunham à época. Só uma situação anormal, histórica e estatisticamente incomum, como a efectivamente ocorrida, levou a que essa “garantia” deixasse de subsistir.
Na normal estado das operações financeiras que se vinham realizando no mercado sempre os juros tinham sido pagos, como efectivamente foram e os clientes tinham a possibilidade de colocar as obrigações no mercado, antes do prazo, para as transmitir a terceiros, dada a sua procura. Tratava-se de um banco que era tido como sólido - diga-se que, à época, todos os bancos eram tidos como sólidos. Comprar dívida de um banco era encarado como seguro e não como uma actividade de risco. Só a insolvência dos bancos poderia pôr em causa a segurança desses produtos. Ora no período anterior a 2008 tal não era configurável, nem no mercado europeu, nem no mercado dos produtos financeiros global.
Mas mesmo que se considerasse ter havido violação de deveres de informação por parte do R., acompanhamos o voto de vencido do Cons. Abrantes Geraldes, proferido no Ac. do S.T.J. de 6-2-2014 (acessível na base de dados da DGSI), que aqui reproduzimos pela sua inteira pertinência para o caso concreto, ressalvada a questão do incumprimento do dever de informação:
Sem embargo, concordo que houve incumprimento, por parte das RR., de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts. 7.º (qualidade da informação), 8.º (conteúdo das recomendações), 304.º e 312.º (dever de informação) do CVM. Porém, em meu entender, tal não basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido, já que não foi essa a causa que despoletou a situação danosa na esfera jurídica da A. Com efeito, malgrado o referido incumprimento, a aquisição do produto financeiro concretizou-se e produziu efeitos durante um prolongado período de 6 anos, sem que a Autora alguma vez tenha posto em causa a execução da referida aplicação que lhe garantiu efectivamente a rentabilidade procurada.
E prossegue: “Sendo insofismável e do conhecimento geral que no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias), não fora a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro, atingindo o produto K2 Corporation Capital, a Autora teria porventura procedido ao resgate dos títulos, sem que as falhas de informação inicial se projectassem negativamente na sua esfera patrimonial.”
“… considero que a actuação dos RR. é insuficiente para a sua responsabilização, já que a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos se encontra num factor que lhes era estranho (a crise financeira global despoletada em 2007), sem que algo permita concluir que em 2001 pudesse ser antecipada a sua ocorrência. Assim, sendo verdade que houve incumprimento de deveres legais e contratuais (ilicitude) e que não foi elidida a presunção de culpa que recai sobre o intermediário financeiro, nos termos do art.º 314º do CVM, para que se possa afirmar a existência de responsabilidade civil a partir da actuação inicial dos RR., falta, em meu entender, o nexo de causalidade entre o incumprimento de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira e a desvalorização dos títulos (sobre a matéria cf. Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil dos Intermediários Financeiros Perante o Cliente, pp. 222 e ss.).”
Neste sentido, quer se entenda que o R. não praticou qualquer facto ilícito, quer se entenda que houve lugar a ilicitude, sempre falhará a sua responsabilização por inexistência de nexo de causalidade entre a actuação do R. e o prejuízo sofrido.
Ainda que já sem interesse directo para a decisão, concorda-se, assim, com a asserção do Banco R. de que ao pretender reaver o seu investimento junto do R., o A. incorre em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
*
           O A. parece ainda invocar que a sua vontade terá sido determinada por erro.
Nos termos do preceituado no art.º 247.º do C.P.C. quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Não foi, porém, produzida prova, nem de que o A. não pretendesse subscrever a obrigação nem de qualquer desconformidade entre a vontade real e a afirmada. Por maioria de razão, tão pouco de que o R. soubesse da essencialidade para a A. de um elemento dessa natureza. Em suma, não se provou qualquer vício da vontade que permitisse ao A., se em devido tempo, desmontar o negócio. Os factos provados não se subsumem a qualquer figura conducente à nulidade ou à anulabilidade do negócio.
Por outra parte, é apodíctico que o A. optou claramente por não invocar a suposta anulabilidade, conformando-se com a aquisição da obrigação e continuando a perceber os juros acordados pagar.
Ora, nos termos do preceituado no art.º 288.º/1 do C.C., a anulabilidade é sanável mediante confirmação e, nos termos do n.º 3, a confirmação pode ser tácita.
Conclui-se, assim, que o negócio, a ser anulável, que não era, foi tacitamente confirmado.
As consequências jurídicas do negócio não poderão deixar de emergir na esfera jurídica do A..
Ainda que se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais (art.º 799.º/1 do C.C.), é sempre necessária a prova da ilicitude, que falhou. Em todo o caso, não há causalidade adequada entre o dano sofrido pelo A. e a pretensa violação do dever de informação. O tribunal não está, pois, por inerência, em condições de formular um juízo valorativo negativo relativamente à actuação do R.» (fim de citação).

           3.2.4. Em primeiro lugar, importa dizer que a situação sub judice tem de ser enquadrada nas pertinentes disposições do RGIFSC([11]), do Código dos Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro [com as actualizações introduzidas pelas Rectificações n.º 23-F/99, de 31/12 e 1-A/2000, de 10/01; pelo Dec.-Lei n.º 61/2002, de 20/03; pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08/03; pela Rectificação n.º 5-C/2003, de 08/03; pelo Dec.-Lei n.º 107/2003, de 04/06; pelo Dec.-Lei n.º 183/2003, de 19/08; e pelo Dec.-Lei n.º 66/2004, de 24/03], ou seja, antes ainda das alterações ao CVM introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro. Pode, ainda, atender-se às disposições imperativas e suficientemente claras e precisas da Directiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril, que entrou em vigor nesta data, relativa aos mercados de instrumentos financeiros (DMIF), que só foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro[12].
           De entre as disposições imperativas da referida Directiva, contam-se as dos artigos 18º e 19º, que se transcrevem infra, pela sua relevância, a primeira relativa a “conflitos de interesses e a segunda respeitante a “normas de conduta a seguir na prestação de serviços de investimento aos clientes”.
            «Artigo 18ª - «Conflitos de interesses»:
           1. Os Estados-Membros devem exigir às empresas de investimento que tomem todas as medidas razoáveis para identificar possíveis conflitos de interesses entre elas próprias, incluindo os seus dirigentes, empregados e agentes vinculados ou quaisquer pessoas com elas directa ou indirectamente ligadas através de controlo, e os seus clientes, ou entre os próprios clientes, susceptíveis de surgir no quadro da prestação de quaisquer serviços de investimento e auxiliares, ou de combinações desses serviços.
            2. Caso as medidas a nível organizativo ou administrativo, adoptadas pela empresa de investimento nos termos do n.º 3 do artigo 13.º para gerir conflitos de interesses, não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados os riscos de os interesses dos clientes serem prejudicados, a empresa de investimento deve informar claramente o cliente, antes de efectuar uma operação em seu nome, da natureza genérica e/ou das fontes destes conflitos de interesses.
           3. A fim de atender à evolução técnica dos mercados financeiros e para assegurar uma aplicação uniforme dos n.º 1 e 2, a Comissão adoptará, nos termos do n.º 2 do artigo 64.º, medidas de execução destinadas a:
a) Definir as diligências que é razoável esperar que as empresas de investimento empreendam para identificar, impedir, gerir e/ou divulgar eventuais conflitos de interesses na prestação dos diferentes serviços de investimento e auxiliares, ou de combinações desses serviços;
b) Estabelecer critérios apropriados para determinar os tipos de conflito de interesses cuja existência possa prejudicar os interesses dos clientes ou clientes potenciais da empresa de investimento.
            Artigo 19.º - «Normas de conduta a seguir na prestação de serviços de investimento aos clientes»:
           1. Os Estados-Membros devem exigir que as empresas de investimento, ao prestarem serviços de investimento e/ou, sendo o caso, serviços auxiliares aos clientes, actuem de forma honesta, equitativa e profissional, em função do interesse dos clientes, respeitando nomeadamente os princípios enunciados nos n.ºs 2 a 8.
           2. Todas as informações, incluindo as comunicações comerciais, enviadas pelas empresas de investimento aos seus clientes ou clientes potenciais devem ser correctas e claras e não induzir em erro. As comunicações comerciais devem ser claramente identificadas como tal.
           3. Devem ser prestadas informações adequadas, de forma compreensível, aos clientes ou clientes potenciais acerca:
            - da empresa de investimento e dos respectivos serviços,
            - dos instrumentos financeiros e estratégias de investimento propostas; tal deve incluir orientações adequadas e avisos sobre os riscos inerentes a investimentos nesses instrumentos ou no que respeita a determinadas estratégias de investimento,
            - dos espaços e das organizações de negociação, e
            - dos custos e encargos associados,
que lhes permitam razoavelmente compreender a natureza e os riscos inerentes ao serviço de investimento e ao tipo específico de instrumento financeiro que é oferecido e, por conseguinte, tomar decisões de investimento de forma informada. Estas informações podem ser fornecidas em formato normalizado.
4. Ao prestar serviços de consultoria para investimento ou de gestão de carteiras, a empresa de investimento deve obter as informações necessárias relativas aos conhecimentos e experiência do cliente ou cliente potencial em matéria de investimento no que respeita ao tipo específico de produto ou serviço em questão, bem como as relativas à sua situação financeira e aos seus objectivos de investimento, de modo a permitir à empresa recomendar ao cliente ou cliente potencial os serviços de investimento e os instrumentos financeiros que lhe são mais adequados.

5. Os Estados-Membros devem assegurar que, ao prestarem serviços de investimento diferentes dos referidos no n.º 4, as empresas de investimento solicitem ao cliente ou potencial cliente que lhes forneça informações sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo específico de produto ou serviço oferecido ou solicitado, de modo a permitir à empresa determinar se o produto ou o serviço de investimento considerado lhe é mais adequado.
Se, com base nas informações recebidas ao abrigo do parágrafo anterior, a empresa de investimento considerar que o produto ou serviço não é adequado ao cliente ou potencial cliente, deve avisá-lo desse facto. Este aviso pode ser feito em formato normalizado.
           No caso de o cliente ou cliente potencial decidir não fornecer as informações a que se refere o primeiro parágrafo, ou não fornecer informações suficientes, sobre os seus conhecimentos e experiência, a empresa de investimento deverá avisar o cliente ou cliente potencial de que essa decisão não permitirá à empresa determinar se o produto ou serviço de investimento considerado lhe é adequado. Esse aviso pode ser feito em formato normalizado.
(…)».
            3.2.5. Em segundo lugar, não podemos deixar de expressar a nossa discordância com o entendimento expresso pela Senhora Juíza a quo na decisão recorrida de que o BPN não omitiu ao Autor informações relevantes de que dispusesse, nem deu uma informação enganosa e falsa, ao afirmar ao Autor que o produto era de “capital garantido”, na medida em que associa esta asserção à falta de previsibilidade do risco, quer para o Banco, quer para os seus funcionários. Acontece que o BPN e os seus funcionários, no momento da formação do contrato, foram mais longe e apresentaram ao Autor as Obrigações «SLN Rendimento Mais 2006» como um produto de características idênticas a um DP, com a mesma segurança e com garantia de capital, dada pelo próprio Banco e não pela entidade emitente (SLN), no termo da maturidade. Sabemos das regras de experiência que um Banco e os respectivos funcionários não desconhecem a diferença entre um DP e uma «obrigação». Infere-se, assim, que os funcionários do BPN, aquando da negociação do produto estavam cientes do previsível maior risco de perda de capital que este produto financeiro representa para o cliente/investidor, Sabiam, necessariamente, em razão das sua experiência e competências profissionais[13], que, ao contrário do que sucedia com os DP do BPN, o valor das Obrigações SLN RM 2006 não estava coberto pelo Fundo de Garantia dos Depósitos (FGD)([14])([15])([16]) e não ignorariam, certamente, que as «obrigações subordinadas» estão abrangidas por uma cláusula de subordinação, isto é, no caso de falência ou liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo todavia prioridade sobre os accionistas. É o que resulta, aliás, da Nota Informativa constante dos autos, que certamente foi difundida pelos balcões do BPN e estava em rede para consulta pelos comerciais, na qual se anunciam as características da emissão do produto financeiro em causa, nomeadamente a da «Subordinação», fazendo-o, nos seguintes termos: “As receitas da SLN respondem solidariamente pelo serviço da divida do presente empréstimo obrigacionista, sendo que os Subscritores terão sempre prioridade sobre os accionistas da SLN, mas estarão subordinados aos restantes credores”. Não estamos, assim, confrontados com as denominadas «obrigações clássicas», estas sim, tipicamente empréstimos obrigacionistas. Em caso de falência da empresa emitente, o reembolso das obrigações subordinadas e o pagamento dos juros fica dependente (subordinado) da liquidação anterior das dívidas não-subordinadas. Dito de outro modo, em caso de falência, os titulares das obrigações subordinadas apenas receberão o que lhes é devido depois de as dívidas a todos os restantes credores estarem pagas. Mesmo assim, têm prioridade sobre os accionistas da empresa. É evidente que estas obrigações são, à partida, mais arriscadas do que as obrigações clássicas, tendo como contrapartida taxas de juro mais elevadas.[17]

3.2.6. Decorre da factualidade provada que, em 19/12/2006, o Autor subscreveu um impresso de compra, por endosso de terceiro, de uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, no valor nominal de €50.000,00 (ponto 1., dos factos provados e doc. 10 da p.i.) e que o valor aplicado nesse produto foi resgatado de um DP a prazo que tinha no BPN (ponto 11. Dos factos provados). Emerge, igualmente, do acervo de factos provados que o Autor só fez esse investimento, no valor de 50.000,00€, em obrigações SLN RM 2006, convicto de que estava a colocar o dinheiro numa aplicação segura e com características similares a um depósito a prazo, com garantia de capital assegurada pelo próprio BPN, sendo que, até ao presente, e apesar de já ultrapassado há cerca de dois anos o prazo do vencimento da referida obrigação, não logrou, ainda, o Autor ser reembolsado da referida quantia e juros remuneratórios.
            Está, assim, o objecto do processo relacionado essencialmente com a actividade de intermediação financeira exercida pelo então BPN, enquanto entidade bancária, e tendo presente que uma «Obrigação subordinada» [para todos os efeitos um valor mobiliário, cfr. artigo 1º, alínea b),do CVM, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, em face do disposto no art.º 348º, do CSC, representa um direito de crédito sobre a entidade emitente (in casu a SLN, a Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.), sendo portanto o titular da obrigação um credor perante a entidade emitente, e sendo a relação jurídica [no âmbito da qual o credor obrigacionista tem o dever de entregar fundos à entidade emitente, ficando esta vinculada à obrigação sinalagmática de restituir o montante que lhe é mutuado, e sendo convencionado, os respectivos juros] subjacente e existente na base do referido valor mobiliário, tipicamente, um contrato de mútuo.“ [18]
3.2.7. Decorre do n.º 2 do artigo 289º do CVM que apenas os intermediários financeiros - nos quais se incluem as instituições de crédito (artigo 4º, n.º 1, alínea f), do RGIFC), vulgarmente designadas por “Bancos” - podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira, assim se compreendendo que esteja o desfecho da presente acção directamente interligado com a forma/modo como o então BPN e em sede da actividade de intermediação financeira exercida, “convenceu” os Autores a subscreverem as referidas Obrigações SLN Rendimento Mais 2006.
Evidencia com segurança a factualidade provada que foi o Recorrente, na qualidade de clientes da agência do BPN de ….[instituição de crédito à data autorizada a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal], direccionado para a aplicação de €50.000,00 em produto financeiro - Obrigação Subordinada - importa doravante, e em traços gerais, elucidar quais os deveres gerais que sobre os intermediários financeiros incidem, no âmbito da respectiva e específica actividade de intermediação, tanto no momento da formação do contrato, como no momento da sua execução.
EDUARDO PAZ FERREIRA[19] define informação como um acto que visa “originariamente dar forma a alguma coisa que, por esse modo, se torna cognoscível e, como tal, transmissível. Assim a informação designa simultaneamente o processo de formulação e transmissão de objectos de conhecimento e este último como conteúdos
A informação, no seu estado mais puro encontra o seu limite na comunicação ditecta de factos objectivos[20]. Não aconselha, não toma posição, não recomenda, limita-se a transmitir dados[21].
Acompanhando uma vez mais SÓNIA MOREIRA[22], poder-se-á afirmar igualmente que o dever de informação será tido, ainda, como o dever jurídico de proceder à indicação, ou melhor dito, à comunicação dos factos que em face do direito positivo devam ser comunicados.
O dever de informação assume relevância especial sobretudo no âmbito das funções que o CVM lhe atribui, visa, fundamentalmente, a protecção do mercado em si mesmo considerado[23]. Pressupõe a defesa do mercado, não esquecendo os interesses individuais dos investidores (individuais ou institucionais)[24].
Estas regras, respeitantes à qualidade, completude e objectividade da informação visam, sobretudo, suprir as assimetrias existentes entre os vários sujeitos intervenientes no mercado que possam levar os investidores a tomaram decisões erradas e ruinosas[25].
Um outro aspecto a ter em consideração, além do dever de informação imposto aos intermediários financeiros, que não podemos olvidar, prende-se com a avaliação que o intermediário financeiro faz que, na maioria dos casos, funciona como o catalisador da decisão de modificação ou de investimento inicial por parte do cliente/investidor[26].
O CVM, no seu n.º 1 do artigo 7.º estabelece que a informaçãodeve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.
Resulta do enunciado legal que protecção conferida por estar norma e por outras destinadas a disciplinar a actuação do intermediário financeiro não se centra na decisão de investimento mas sim o processo que leva à formação dessa decisão de investimento. O que releva é a formação esclarecida da decisão de investimento, sendo o critério da exigência da qualidade da informação seguido pelo legislador o critério do “investidor médio e as suas necessidades para formar uma decisão de investimento esclarecida[27].
O requisito da completude da informação visa a suficiência da informação[28], em ordem a obstar à omissão de dados informativos que, pela sua relevância, devam ser tidos como essenciais e que seriam susceptíveis de influenciar negativamente o processo de tomada de decisão. Em conformidade, o intermediário financeiro deverá explicitar ao cliente/investidor quais as especificidades do contrato e/ou produto financeiro que possam influir no processo de tomada de decisão.
No caso em apreço, o BPN, agindo na qualidade de intermediário financeiro, não prestou uma informação completa aos Autores, omitindo especificações próprias das obrigações SLN RM 2006, como a da subordinação, e do risco acrescido que essa circunstância acrescentava ao investimento. Ora estas omissões são claramente violadoras do requisito da completude da informação.
A informação é verdadeira sempre que, por assentar em factos verídicos, seja coincidente “com a realidade dos factos, situações, circunstâncias, valores ou perspectivas que se destina a reflectir, não induzindo em erro o investidor ou o potencial investidor[29]. A discrepância entre a realidade e a comunicação tem de ser tomada como violadora do dever de verdade, sendo, sem mais, falsa. Assim tem de ser entendido, porque o legislador quis acautelar que a informação prestada sobre qualquer instrumento financeiro contratado - no caso obrigações subordinadas – eram correctas, com o propósito de obviar a que o intermediário financeiro induza, ainda que negligentemente, em erro o investidor.
3.2.8. Na situação que nos ocupa, os funcionários do BPN/Réu apresentaram o produto financeiro em causa – obrigações subordinadas SLN RM 2006 como um produto similar a um DP, sem riscos, com garantia de capital assegurada pelo próprio Banco, falsidades que induziram em erro os Autores/Recorrentes e tiveram, claramente, um efeito catalisador, da sua decisão de contratar/investir. Afigura-se-nos, assim, que tal conduta do BPN foi, claramente, violadora do requisito da veracidade da informação relevante que deveria ter sido prestada por este intermediário financeiro.
O requisito da actualidade da informação esta conexionado com o da veracidade da informação, na medida em que a partir do momento em que uma determinada informação deixa de ser actual, necessariamente deixa de ser tida como verdadeira.
O requisito da informação clara considera-se preenchido sempre que o cliente/investidor entenda as especificidades do instrumento financeiro que lhe é proposto para investir ao ser informado pelo intermediário financeiro das suas características. A informação prestada tem de ser apta a dissipar todas as dúvidas que possam surgir ao cliente/investidor durante o processo de decisão de investimento. A informação não pode ser vaga, ambígua, omissa, pouco explícita ou confusa.[30]
Revertendo, novamente, ao caso dos autos em que não se apurou que ao Autor tivessem sido explicadas as características das Obrigações SLN RM 2006 (cfr. pontos 17 a 21 dos factos provados), limitando-se a afirmar que era um produto similar a um DP e que a única forma de o liquidar unilateral e antecipadamente seria por via da transmissão por endosso, tem de se concluir que o Banco Réu prestou uma informação falsa, reticente, ambígua face ao uso da expressão (“produto similar?”), pouco explícita, não obedecendo, deste modo, ao requisito de clareza do artigo 7º do CVM.
O requisito relativo ao grau de objectividade da informação está correlacionado com a concretização dos factos que apoiam a informação prestada, não devendo ser afectado pela função afectiva da linguagem[31]. São, deste modo, desaconselháveis expressões como “ausência de risco”, ou, “sem risco”, ou ainda contrato destinado a “clientes especiais” e outras similares mais aptas a funções de publicidade e à “sedução” ludibriosa do cliente/investidor, do que à prestação de informação completa, verdadeira, clara, objectiva e lícita, por serem idóneas à indução dolosa do cliente/investidor em erro por parte do intermediário financeiro.
No caso que nos ocupa deveria o BPN - intermediário financeiro – ter explicado ao Autor (cliente/investidor), detalhadamente as características do produto e os riscos associados à sua subscrição – diversos dos riscos e das vicissitudes inerentes aos DP. Não o tendo feito, induziu em erro o Autor.
O último requisito é o requisito da licitude da informação. Refere-se este requisito, no essencial, à proibição da violação das regras jurídicas na construção e comunicação da mensagem informativa[32].
Cabe aqui recordar, a este propósito, o disposto no artigo 312º do CVM [na versão anterior às alterações nele introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro], que estatui:
“1. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral”.
Mas, se o CVM, na sua versão original, era já de alguma forma exigente em sede de cumprimento do dever de informação, inquestionável é que, com as alterações que nele foram introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro[33], a importância do dever de informação acentuou-se, sendo cada vez mais as exigências e preocupações a salvaguardar e sempre em defesa/protecção do investidor.
É assim que, passou o respectivo artigo 312.º-A, sob a epígrafe de “Qualidade da informação”, a dispor, que:
1 - A informação divulgada pelo intermediário financeiro a investidores não qualificados deve:
(…)
c) Ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio;
            d) Ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes.
           2 - A comparação de actividades de intermediação financeira, instrumentos financeiros ou intermediários financeiros deve incidir sobre aspectos relevantes e especificar os factos e pressupostos de que depende e as fontes em que se baseia.
(…)”
É assim também que, o respectivo artigo 312.º-B, sob a epígrafe de “Momento da prestação de informação”, passou a dispor, que:
1- O intermediário financeiro deve prestar a investidor não qualificado, com antecedência suficiente à vinculação a qualquer contrato de intermediação financeira ou, na pendência de uma relação de clientela, antes da prestação da actividade de intermediação financeira proposta ou solicitada, a seguinte informação:
a) O conteúdo do contrato;
b) A informação requerida nos artigos 312.º-C a 312.º-G relacionada com o contrato ou com a actividade de intermediação financeira.
2 - O intermediário financeiro pode prestar a informação requerida no número anterior imediatamente após o início da prestação do serviço, se: a) A pedido do cliente, o contrato tiver sido celebrado utilizando um meio de comunicação à distância que o impediu de prestar a informação de acordo com o n.º 1; ou
b) Prestar a informação prevista no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio, como se o investidor fosse um 'consumidor' e o intermediário financeiro um 'prestador de serviços financeiros' na acepção do presente Código.
(…)”
E ainda com base na referida preocupação ampliada do legislador em informar o investidor, compreensível é também o disposto no Artigo 312.º-E [com a epígrafe de Informação relativa aos instrumentos financeiros, e com redacção introduzida logo com o DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro], ao dispor que:
1- O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
2 - A descrição dos riscos deve incluir:
a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;
b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;
c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;
d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.
3 - A informação, prestada a um investidor não qualificado sobre um valor mobiliário objecto de uma oferta pública, deve incluir a informação sobre o local onde pode ser consultado o respectivo prospecto.
4 - Sempre que os riscos associados a um instrumento financeiro composto de dois ou mais instrumentos ou serviços financeiros forem susceptíveis de ser superiores aos riscos associados a cada um dos instrumentos ou dos serviços financeiros que o compõem, o intermediário financeiro deve apresentar uma descrição do modo como a sua interacção aumenta o risco.
5 - No caso de instrumentos financeiros que incluem uma garantia de um terceiro, a informação sobre a garantia deve incluir elementos suficientes sobre o garante e a garantia, a fim de permitir uma avaliação correcta por parte de um investidor não qualificado.
6 - Um prospecto simplificado relativo a unidades de participação num organismo de investimento colectivo harmonizado e que respeite o artigo 28.º da Directiva n.º 85/611/CEE, do Conselho, de 20 de Dezembro, é considerado adequado para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 312 º
Por último, significativo é também o disposto no art.º 314º [com a epígrafe de Princípio geral, e com redacção introduzida logo com o Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro], ao expressar que:
“1 - O intermediário financeiro deve solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos.
           2 - Se, com base na informação recebida ao abrigo do número anterior, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto.
3 - No caso do cliente se recusar a fornecer a informação referida no n.º 1 ou não fornecer informação suficiente, o intermediário financeiro deve adverti-lo, por escrito, para o facto de que essa decisão não lhe permite determinar a adequação da operação considerada às suas circunstâncias.
4 - As advertências referidas nos n.ºs 2 e 3 podem ser feitas de forma padronizada.».
Perante o quadro normativo acabado de traçar, e como bem salienta Paula Costa e Silva([34]), manifesto é que o exercício da actividade de intermediação exige uma intervenção desenvolvida a título profissional, por um lado, e por outro, a sujeição do intermediário a um processo de registo [reza o n.º 2, do ar.º 65º, do RGICSF, que “No caso de o objecto das instituições de crédito incluir o exercício de actividades de intermediação de instrumentos financeiros, o Banco de Portugal comunica e disponibiliza à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários o registo referido no número anterior e os respectivos averbamentos, alterações ou cancelamento] e a um apertado conjunto de deveres de conduta.
É que, para todos os efeitos, e como chama à atenção Paulo Câmara[35], um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham em relação aos seus clientes, razão porque obrigados estão eles a “pautar, em geral, o seu comportamento, no relacionamento que estabelecem com os intervenientes no mercado, por critérios de transparência [cfr. art.º 304º,do CVM], devendo prestar ao seu cliente, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada [cfr. art.º 312, n.º 1, do CVM ].
           Dito isto e feito um breve excurso sobre os deveres de informação que sobre os intermediários financeiros incidem, e analisando o que nos diz a factualidade assente, é para nós manifesto que, no caso vertente, não foi de todo o BPN, na qualidade de intermediário financeiro, um exemplo a seguir no âmbito do seu cumprimento.
Na verdade, não podendo os funcionários da agência de Leiria-Moagem do BPN desconhecer que o Autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e, bem assim, que tinha inclusivamente o Autor um perfil conservador, de mero aforrador de DP ou investidor em obrigações BPN e só BPN - [certamente por estar convencido que eram produtos «similares», dadas as informações que lhe eram prestadas]-, no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, não se escusaram de aconselhar o Autor a aplicar as suas poupanças em Obrigações SLN RM 2006, informando-o [erroneamente] que se tratava de uma aplicação financeira que era similar a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.
Foi com base nas referidas informações, inexactas e falsas, na contaminação do processo de formação da vontade que se formou a vontade [viciada] do Autor que o determinou a autorizar a aplicação de fundos seus - no valor de €50.000,00 – numa obrigação SLN RM 2006, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um DP, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.
É que, e em bom rigor, não sabendo sequer o Autor e em concreto quem era a empresa emitente do empréstimo obrigacionista “Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” (SLN), que serviços prestava ou actividade exercia e sobre as estratégias de investimento propostas, acabou por seguir a sugestão dos funcionários do BPN e subscreveu, em tais circunstâncias, aplicações em obrigações SLN, aceitando como boa a informação do BPN no sentido de que o risco era mínimo ou inexistente, tratando-se de produto idêntico a um depósito a prazo.
Por conseguinte, não foi uma decisão livre e informada por parte dos Autores que os determinou a subscrever a Obrigação SLN RM 2006, investimento que se revelou desastroso e que quis evitar.
Realce-se que, no cumprimento do n.º 1 do artigo 314º do CVM, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, que resultou da transcrição do n.º 5 do artigo 19º da DMIF, já citado, o intermediário financeiro deve sujeitar o investidor a toda aquela “informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos
O que o legislador do CVM não quer é que o intermediário financeiro incentive, artificiosamente, o cliente/investidor não-qualificado, induzindo-o, com maior ou menor pressão, a investir num instrumento financeiro cujas características e risco desconhece.
Ante o exposto e a factualidade dada como provada, não subsistem dúvidas que no caso sub judice o BPN – intermediário financeiro - violou grosseiramente o dever de informação, não elucidando convenientemente [antes prestando informação inexacta e enganadora] o Autor sobre as características do instrumento financeiro que lhe era proposto/sugerido.

           3.2.9. Demonstrada a grosseira violação do dever de informação por parte do BPN, importa apreciar quais as consequências jurídicas civis dessa conduta, ou seja, se mesma dá ou não lugar a responsabilidade civil e à consequente obrigação de indemnização dos danos sofridos pelos Autores.
             O artigo 304º, do CVM, com a epígrafe «Princípios», e com redacção introduzida logo com o Dec.-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, rezava que:
“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
Também do n.º 1, do art.º 77º, do RGICSF (Dec.-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), e ainda com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 1/2008 , de 3 de Janeiro, dispunha que:
“ 1-As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.”
Por sua vez, o art.º 304º-A, do CVM [com a epígrafe de Responsabilidade civil, aditado pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, mas na linha do que já dispunha o art.º 314º, com a redacção do Dec.-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro], veio dispor que:
“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
MENEZES LEITÃO ([36]) considera existir  inquestionavelmente do quadro legal acima indicado uma acentuação da responsabilidade no âmbito das ligações especiais como as da responsabilidade contratual e pré-contratual entre as quais se inclui o dever de informação.
No entanto, a doutrina e a jurisprudência não são consensuais em sede de caracterização da natureza da responsabilidade civil dos intermediários financeiros, pois que, se alguns qualificam-na como sendo uma responsabilidade delitual, apresentando os deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade como normas de protecção ([37]), outros antes se inclinam para a integrar no campo da responsabilidade contratual.
No que nos diz respeito, com o amparo dos doutos considerandos explanados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/3/2016 ([38]), inclinamo-nos a considerar que, se por um lado a responsabilidade do intermediário financeiro e a que alude o artigo 314º do CVM, é uma responsabilidade contratual, por outro e porque é fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos nos temos do artigo 75º, nº 1, do RGIFSC, a responsabilidade civil aproxima-se da delitual, logo, e em última análise, a responsabilidade em apreço situa-se numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, aplicando-se em todo o caso o regime do art.º 799.º do Código Civil.
         Presumindo-se a culpa nos termos do art.º 799.º do CC., e também por força do disposto no art.º 314º, n.º 2, do CVM, e, porque a norma do CC referida contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, então, e quando na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente [caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»] a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado, apenas logrando este último obstar à sua responsabilização se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de excusa([39]).
            Não divergindo, em rigor, do acabado de expor, já no âmbito de Acórdão proferido em 06-02-2014[40], veio o Supremo Tribunal de Justiça outrossim considerar que “A responsabilidade do intermediário financeiro, in casu um Banco, a que alude o artigo 314º do CVM é uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC “, sendo “ fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12“.
           Face ao exposto, e porque a factualidade que resultou provada é elucidativa no que concerne à verificação de um facto voluntário do devedor/Banco Réu [pelo menos, na modalidade de comissão por omissão de um dever de informação, ou dolo omissivo do dever de elucidar] e cuja ilicitude resulta do não cumprimento do referido dever/obrigação de informação, a que acresce a culpa [pelo menos com base em presunção não ilidida], o dano [o não reembolso de capital investido em instrumento financeiro] e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, prima facie tudo aponta para a inevitabilidade da condenação do Réu no pagamento ao Autor de uma indemnização, tema que trataremos mais adiante.
Por fim, importa ter presente que o Banco Réu é responsável perante os Autores pelos “actos dos seus representantes legais ou pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados por si” – artigo 800º, n.º 1, do CC.

4. Da suposta prescrição do direito do Autor:
           O Banco Réu invocou na sua contestação a excepção de prescrição e o tribunal recorrido reforçou a sua decisão absolutória conhecendo da mesma e julgando-a procedente por ter concluído pela inexistência de violação, com negligência ou culpa grave, de qualquer dever por parte do BPN, enquanto intermediário financeiro, nomeadamente do dever legal de informação do Autor, susceptível de conduzir à responsabilização do Réu, pelo que, aquando da propositura da presente acção (24/02/2016), já teria decorrido o prazo prescricional de dois anos estipulado no artigo 324º, n.º 2, do CVM, contado do momento em que o Autor tomou conhecimento da nacionalização do BPN, ocorrida em 2009.
           Nos termos do artigo 324º n.º 2 do CVM “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.
           Assim, o facto que releva para o início da contagem do prazo de prescrição é o do «conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos», o que sucedeu com a aquisição da Obrigação SLN RM 2006, em 19/12/2006.
           Ora, em face da factualidade submetida a julgamento impõe-se aqui determinar se os factos apurados integram dolo ou culpa grave, pois que em tal caso o prazo de prescrição a considerar é o ordinário, isto é, o de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil.
           Parece-nos, de todo o excurso feito sobre ter sido dada garantia de segurança, sobre a informação prestada sobre as características do produto, ter sido omitida dum aspecto essencial que era o de se tratarem de obrigações subordinadas e desta omissão ter sido deliberada ou pelo menos plenamente consciente, pois era sabido o tipo de aplicação que o Autor sempre tinha feito e era sabido que pela confiança cega que depositava no gestor de conta do BPN – e por se ter provado que ao Autor não foi sequer dada qualquer explicação que fosse e que o Autor não tinham intenção de adquirir uma obrigação com as características da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, tudo portanto o que já antes tínhamos dito, faz concluir pela determinação da informação insuficientemente prestada ao Autor como claramente instrumental à consecução do negócio, sendo afinal que, também como já referimos, a explicação dada pelo funcionário, no sentido que o capital era garantido e de que o produto era seguro, semelhante a um depósito a prazo, é inverídica visto que o depósito a prazo estaria coberto pelo Fundo de Garantia e a obrigação subordinada não estava coberta por segurança semelhante. Já dissemos também que, quando o produto envolvia uma aplicação por dez anos, a informação sobre garantia era essencial, como resultava do n.º 1 al. c) do art.º 312º do CVM [na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro].
           Pode pois concluir-se, se não por um dolo ao menos por uma culpa particularmente grave. 
            Voltando a citar o acórdão acima referido:
           “Acresce que, como bem se salienta no Ac. do STJ acima indicado e de 17-03-2016 “a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto”.
            Em rigor, tudo aponta para que [tal como o considerado no Ac. do STJ de 17-03-2016 já citado] tenha o Autor sido vítima de “técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido“, e, consequentemente, não se justifica considerar in casu como aplicável o prazo curto de prescrição fixado no art.º 324.º, n.º 2 do CVM, mas antes o prazo geral de prescrição mais alargado de 20 anos, e ao qual alude o art.º 309.º do CC.
           Termos em que se concluiu pela improcedência da excepção peremptória da prescrição.

           5. Aqui chegados, impõe-se ponderar agora sobre a procedência do pedido formulado pelo Autor.
           O Autor peticiona a restituição da quantia de €50.000,00 correspondente ao capital investido, acrescida de 2.897,27€ de juros vencidos e de juros vincendos, contados à taxa supletiva legal para as operações comerciais, sobre €50.000,00, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
           Conforme se ponderou em recente acórdão desta Secção (6ª) da Relação de Lisboa - de 22/02/2018 -, relatado pelo Exmo. Desembargador António Santos, no proc. n.º 20742/16.8T8SNT.L1, em que as questões que se discutiam eram as mesmas:
In casu, porém, e como vimos supra, a obrigação da Ré, enquanto intermediária financeira, apenas será concebível com fundamento em responsabilidade civil pré-contratual  ou culpa in contrahendo (cfr. art.º 227.º do Código Civil),  já que, estando em causa sobremaneira a violação de deveres de informação, e os quais têm por escopo, a título principal, apoiar os clientes para que possam eles tomar as decisões de investimento de forma esclarecida e informada, inquestionável é que o timing primordial do seu in/cumprimento é o momento anterior à tomada de decisão de investimento. Não é por acaso que o sistema protege aquele que dispõe de menos meios, ou menor capacidade para entender a informação fornecida, mas também aquele que disponha de menor informação para a tomada da decisão de contratar([41]).
Provado que ficou que o que motivou a autorização, por parte do A. marido, à subscrição de uma aplicação em obrigações SLN, foi o facto de (…) que o risco era mínimo, tratando-se de produto idêntico a um depósito a prazo, também não deve questionar-se a verificação do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, e sendo este último equivalente à perda do capital investido pelos AA na subscrição de OBRIGAÇÕES SLN (…).
Isto dito, decorre do art.º 562º, do Código Civil, que o princípio básico da obrigação de indemnização obriga a que, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento se não fosse a lesão.
Por outro lado, e sendo vero que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, certo é que o  dever de indemnizar compreende, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (cfr. art.ºs 563º e 564º, ambos do CC).
Ou seja, a indemnização devida abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando os primeiros uma diminuição efectiva e actual do património e, os segundos, a frustração de um ganho.
Não se olvidando que, em sede de responsabilidade pré-contratual, não é a doutrina e a jurisprudência consensual quanto à questão de saber se a indemnização está limitada ao interesse contratual negativo ou, ao invés, se abrange o interesse contratual positivo, temos para nós que de controvérsia que in casu não se justifica, porque, para todos os efeitos, o relacionamento entre AA e Ré não se quedou pela fase pré-contratual e /ou meros contactos e negociações, antes culminou com a efectiva conclusão/subscrição pelos AA de um concreto instrumento financeiro ou instrumento mobiliário.
Destarte, inclinamo-nos para que a indemnização deva abranger o interesse contratual positivo, ainda que o facto ilícito e atinente à violação de deveres de informação tenha tido lugar na fase da formação do contrato, maxime em momento em que era a informação omitida a decisiva para que tivessem os AA. tomado a decisão de investimento de forma esclarecida e informada.
De resto, mesmo em sede de ruptura ilícita de negociações, mas quando as negociações tenham atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio, tem a jurisprudência vindo a admitir que a indemnização possa/deva ser medida pelo interesse contratual positivo[42].
Aqui chegados, e tendo os AA ficado despojados do montante de (…) há-de o montante indemnizatório, no mínimo, corresponder ao referido valor, a título de dano emergente.
Já relativamente aos lucros cessantes, diz-nos a factualidade assente que, aos AA. foram sendo semestralmente pagos juros da aplicação que o A. marido fez,  e , que a partir de (…) 2015 o Banco R. deixou de pagar os juros respectivos.
Porque os referidos juros, prima facie, serão os juros contratados, ou seja, os juros remuneratórios, certo é que é a factualidade assente em absoluto omissa de quais as respectivas taxas.”
Destarte, resta a atribuição aos AA dos juros de mora sobre a quantia/capital de €100.000,00, e devidos e vencidos desde a data da citação, e vincendos até integral pagamento.” (fim de citação).
Ora, no presente caso, resulta dos factos provados (ponto n.º 3.) que as Obrigações SLN Rendimento Mais 2006 “eram remuneradas à taxa anual nominal bruta de 4,5% nos cupões vencidos entre 8 de Maio de 2007 e 8 de Maio de 2011, inclusive, à taxa Euribor a seis meses, em vigor no segundo dia útil Target imediatamente anterior à data de início de cada um dos períodos de contagem de juros, acrescida de 1,15% e á taxa Euribor+1,5% nos restantes cupões”.
Considerando que as obrigações se venceriam em 5 de Maio de 2016 (ponto n.º 2. dos factos provados), entendemos que os juros remuneratórios devidos devem ser os contratados entre 30/04/2015 (data de pagamento do último cupão de juros) e 8/05/2016 (data de vencimento da obrigação) e que a partir desta última data são devidos juros à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 30.04.2015, até efectivo e integral pagamento.
Ou seja, o Autor razão quando reclama juros de mora à taxa supletiva para os juros comerciais, porquanto não estamos em presença duma transacção comercial coberta pelo artigo 103º do Código Comercial (na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 62/2013 de 10 de Maio) tal como definida pelo artigo 3º al. b) do referido diploma.
            Assim, e em jeito de conclusão, procede o recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida que absolveu o Réu do pedido, sentença essa que deverá ser substituída pelo presente acórdão que julga a acção parcialmente procedente por provada, e em consequência condena o Réu Banco BIC Português, S.A. a restituir ao Autor a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa Euribor+1,5%, em vigor entre 30/04/2015 e 08/05/2016 e à taxa de 4% ao ano, desde 09/05/2016 até efectivo e integral pagamento.
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           Tendo decaído na acção e na apelação, ambas as partes são responsáveis, na medida do respectivo decaimento, que se fixa em 3% para o Autor/Recorrente e 97% para o Réu/Recorrido – artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

           IV. Decisão
           Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e em consequência revogar a sentença recorrida, que substituem pelo presente acórdão, que julga a acção parcialmente procedente e provada, condenando o Réu Banco BIC Português, S.A. a pagar ao Autor a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), a restituir ao Autor a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa Euribor+1,5%, em vigor entre 30/04/2015 e 08/05/2016 e à taxa de 4% ao ano, desde 09/05/2016 até efectivo e integral pagamento.
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         Custas da acção e da apelação por ambas as partes, na proporção de 3% para o Autor/Recorrente e de 97% para o Réu/Recorrido.
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            Registe e notifique
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Lisboa, 15 de Março de 2018

Manuel Rodrigues

Ana Paula A. A. Carvalho

Maria Manuela Gomes

[1]Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.
[2]Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-7-2016 (Conselheiro Gonçalves Rocha), processo n.º 156/12, «Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3]Neste sentido vão os Acórdãos da Relação de Coimbra, 25/10/2011, proc.º 1006/10.7TBCVL.C1 (Relator: Henrique Antunes) e de 12/06/2012, proc.º 4541/08.3TBLRA.C1 (Relator: António Beça Pereira), acessíveis em www.dgsi.pt.
[4]Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 370. Refere ainda o autor que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa”. 
 
[5]Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, Coimbra, 1991, p. 44.
[6]Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pp. 392-393. 
[7]Cfr. artigo 65º da petição inicial e do documento junto de fls. 116 a 122 (Instrução de Serviço (IS) n.º 19/01, de 5/02//2003, não impugnados
[8]O legislador do Código dos Valores Mobiliários não nos dá uma definição de investidor qualificado e e investidor não qualificado, sendo que apenas elabora no n.º 1 do artigo 30º uma lista de investidores institucionais, discutindo-se na doutrina se a mesma é ou não taxativa (cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, A protecção do Investidor - Direito dos Valores Mobiliários, Vol. IV, 2003, Lisboa, Coimbra Editora, p. 15.). Uma possível definição de «investidor qualificado» poderá ser encontrada na Directiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril, relativa aos Mercados de Instrumentos Financeiros (doravante DMIF), parcialmente transposta para o CVM, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro. No Anexo II da DMIF definem-se os clientes que devem ser tidos por clientes profissionais, dizendo-se, a este respeito, que são aqueles “clientes que dispõem da experiência dos conhecimentos e da competência necessárias para tomar as suas próprias decisões de investimento e ponderar devidamente os riscos em que incorrem”. A DMIF refere-se aos investidores como clientes, o que tem sido entendido como uma preferência do legislador comunitário pela denominação de clientes ao invés de investidores. Pelo exposto, na ausência de definição legal, deve determinar-se o conceito de investidor não qualificado por exclusão de partes (cfr. ISABEL ALEXANDRE, in Investidor Institucional, Não Institucional, Equiparado e Investidor Comum, Direito dos Valores Mobiliários, Vol. V, 2004, Lisboa, Coimbra Editora, p. 12). Trata-se de uma categoria residual de investidores/clientes de instrumentos financeiros que não incorpora nenhum dos requisitos caracterizantes dos investidores qualificados, nomeadamente os que não sejam instituições de crédito, empresas de investimento, instituições de investimento colectivo, sociedades gestoras de fundos de pensões, que, em face do seu estatuto, lhe vêm ser dedicados preceitos especificamente desenhados em função das suas especiais necessidades de protecção (cfr. ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., pp. 12-13.
[9]A testemunha Nuno …afirmou em audiência que, caso um cliente pretendesse transmitir uma Obrigação, por endosso, para obter liquidez, procuravam que o título passasse a integrar a carteira de títulos de um outro cliente da mesma Agência, porque contava para os objectivos da Agência.
[10]Actual alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC/2013, que manteve a redacção anterior.
[11]Do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades (RGICSF), importa relevam as seguintes disposições:
«- Artigo 73º
1 - As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.
- Artigo 74º:
Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.
- Artigo 76º:
Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores”.
[12]Em princípio, as directivas não são directamente aplicáveis, mas o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que determinadas disposições podiam, a título excepcional, produzir efeitos directos num Estado-Membro mesmo que este não tenha adoptado um acto de transposição, sempre que: a) a transposição para o direito interno não tenha sido efectuada ou o tenha sido incorrectamente; b) as disposições da directiva sejam imperativas e suficientemente claras e precisas; e c) as disposições da directiva confiram direitos aos particulares.
Sempre que estiverem reunidas estas condições, os particulares podem invocar as disposições em causa junto das autoridades públicas. Mesmo que o disposto na directiva em questão não confira direitos aos particulares e que, em consequência, apenas estejam reunidas a primeira e segunda condições, as autoridades dos Estados-Membros têm de ter em conta as disposições da directiva não transposta. A supracitada jurisprudência apoia-se sobretudo nos argumentos do efeito útil, da repressão dos comportamentos contrários ao Tratado e da protecção jurisdicional. Em contrapartida, um particular não pode invocar contra outro particular (efeito dito «horizontal») o efeito directo de uma directiva não transposta (vide processo Faccini Dori, C-91/92, Colectânea da Jurisprudência, p. I-3325 e seguintes, ponto 25).
Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (vide processo Francovich, processos apensos C-6/90 e C-9/90), um particular tem o direito de exigir a reparação de um dano sofrido num Estado-Membro que não respeite o direito da União. Sempre que se tratar de uma directiva não transposta ou insuficientemente transposta, é possível interpor recurso desde que: a) a directiva vise conferir direitos aos particulares; b) o conteúdo dos direitos possa ser identificado com base nas disposições da directiva; e c) exista um nexo de causalidade entre o não respeito da obrigação de transposição da directiva que incumbe ao Estado-Membro e o prejuízo sofrido pelo lesado. Não é, pois, necessário demonstrar que o Estado-Membro cometeu uma infracção para que exista responsabilidade.
[13]O gestor de conta do Autor (Nuno Dias), que foi quem o convenceu a comprar o produto era Gerente de Agência com larga experiência bancária.
[14]Nos termos do artigo 6º Regulamento do Fundo de Garantia de Depósitos (FGD), aprovado pela Portaria n.º 285-B/95 (2ª Série), de 15 de Set., alterado pela Portaria n.º 530/2003 (2ª Série), de 14.Abril, e do artigo 166º do RGIFC, o FGD assegurava à data e continua a assegurar o reembolso dos depósitos constituídos junto das instituições de crédito participantes neste Fundo, até ao limite de €100.000,00 (cem mil euros) por depositante e por instituição de crédito, no caso de se verificar uma situação de indisponibilidade de depósitos numa instituição de crédito participante.
[15]Com relevo para o caso, diga-se que em 16 de Abril de 2010, o FGD, tornou público o seguinte «COMUNICADO»:
Tendo o Banco de Portugal tornado pública em 16 de Abril de 2010 a decisão pela qual foi revogada a autorização do Banco Privado Português, S.A., compete ao Fundo de Garantia de Depósitos nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 167.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras iniciar os procedimentos com vista ao reembolso dos depósitos abrangidos pela garantia, com o limite de 100.000,00 euros por depositante.
Nos termos da lei, o reembolso de depósitos tem por base uma relação completa que o Banco Privado Português, S.A. deve fornecer ao Fundo de Garantia de Depósitos, independentemente das informações e análises de que este careça para satisfazer os seus compromissos, nomeadamente para confirmação das situações de exclusão da garantia de reembolso enumeradas no artigo 165.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras
Tendo presente a necessidade de proceder, com a devida segurança, às operações de reembolso dos depósitos abrangidos na referida relação, foram solicitados pelo Banco Privado Português, S.A. a todos os depositantes os números de identificação bancária (NIB) com vista à transferência dos fundos a que cada um dos depositantes tem legalmente direito.
Nestes termos, comunica-se a todos os depositantes do Banco Privado Português, S.A. abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos que o reembolso a favor dos depositantes que forneceram o número de identificação bancária (NIB), mediante transferência bancária ordenada através do Banif, Banco Internacional do Funchal, SA, deverá ter lugar dentro dos seguintes prazos:
a)Uma primeira parcela até 10.000 euros de todos os depósitos abrangidos pela garantia, no prazo de sete dias a contar da data em que o Banco de Portugal tornou pública a revogação da autorização do Banco Privado Português, S.A.;
b)O remanescente até ao limite de 100.000 euros, no prazo máximo de vinte dias úteis a contar da data em que o Banco de Portugal tornou pública a revogação da autorização do Banco Privado Português, S.A., sem prejuízo da prorrogação daquele prazo, por período não superior a dez dias úteis, nos termos do n.º 2 do art.º 167º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;
c)Relativamente aos depositantes que não indicaram ao Banco Privado Português, S.A. o número de identificação bancária (NIB), os respectivos reembolsos serão processados à medida que os mesmos sejam disponibilizados.
No caso de existirem dúvidas sobre determinadas situações, o Fundo de Garantia de Depósitos suspende o pagamento até ao seu cabal esclarecimento.”
[16]Em 23 de Abril de 2010, o FGD tornou público o seguinte «COMUNICADO»:
No seguimento do comunicado de 16 do corrente mês, o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) torna público que, por deliberação da Comissão Directiva tomada ontem, 22 de Abril, foi ordenado o pagamento imediato do montante previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 167.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (parcela até 10 000 euros), a todos os titulares de depósitos constantes da relação apresentada pelo Banco Privado Português, SA (BPP), cujo direito ao reembolso não suscitou dúvidas.
O pagamento será processado através do Banco Internacional do Funchal, SA, a quem foram transmitidas as ordens de transferência das importâncias devidas, para as contas correspondentes aos NIB fornecidos ao BPP pelos depositantes.
Para um número significativo de depositantes, não é ainda possível proceder ao pagamento acima referido, por não terem, até esta data, enviado o respectivo NIB ao BPP. A transferência será realizada logo que os interessados transmitam ao BPP o NIB da conta onde desejam que seja creditado o reembolso.
Conforme referido no comunicado de 16 de Abril, o reembolso da importância remanescente, até ao limite de 100 000 euros, será realizado no prazo máximo de vinte dias úteis contados a partir da data em que o Banco de Portugal tornou pública a decisão de revogar a autorização ao BPP.
Nos casos que suscitaram dúvidas quanto à existência do direito ao reembolso, a Comissão Directiva determinou a suspensão do pagamento, para que seja possível proceder aos necessários esclarecimentos e averiguações complementares, no mais curto prazo possível. Sempre que estas diligências permitam ultrapassar as dúvidas existentes, será ordenado o imediato pagamento das importâncias devidas. Nos casos em que persistam dúvidas fundadas sobre o direito ao reembolso, os interessados serão notificados para exercerem o direito de audiência, antes da decisão final quanto aos créditos em causa.
As principais dúvidas suscitadas, tendo em conta o número de situações envolvidas, são as seguintes: (i) contas abertas posteriormente à data em que o BPP anunciou a suspensão de pagamentos (24 de Novembro de 2008); (ii) contitulares que foram aditados, após a mesma data, a contas de depósito já existentes; (iii) contas cujos titulares têm dividas ao BPP que não foram objecto de compensação por motivo da protecção de direitos de terceiros.
Em relação aos depósitos abrangidos por causas legais de exclusão do direito ao reembolso, o FGD irá proceder à notificação dos respectivos titulares, identificando a norma de exclusão aplicável.
O FGD irá divulgando informação referente a este processo, sempre que tal se justifique.
Lisboa, 23 de Abril de 2010
[17]Cf. José Engrácia Antunes, in Os Instrumentos Financeiros, 2017, 3ª Edição, Almedina, pág.120.
[18]Cfr. Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, pág.139
[19]Cfr. Informação e Valores Mobiliários, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. III, 2001, Lisboa, Coimbra Editora, p. 142.
[20]Cfr. SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, 1989, Coimbra, Almedina, p. 15.
[21]Cfr. SÓNIA MOREIRA, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, 2003, Braga, Almedina, p. 67.
[22]Idem, pp. 67-68.
[23]EDUARDO PAZ FERREIRA, obra citada, p. 140.
[24]Cfr. PAULO CÂMARA, Manual do Direito dos Valores Mobiliários, 2012, 2ª Edição, Almedina, p. 685.
[25]Cf., neste sentido, OSÓRIO DE CASTRO, A Informação no Direito do Mercado de Valores Mobiliários, in Direito dos Valores Mobiliários, 1997, Lisboa, Lex., p. 336.
[26]Cfr. GONÇALO CASTILHO DOS SANTOS, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, in Estudos Sobre o Mercado de Valores Mobiliários, 2008, Lisboa, Almedina, p. 135.
[27]PAULO CÂMARA, obra citada, p. 689.
[28]Cfr. MAFALDA GOUVEIA MARQUES/MÁRIO FREIRE, A Informação no Mercado de Capitais, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 3, 2º Semestre de 1998, Lisboa, p. 115.
[29]Obra citada, p. 116.
[30]Cfr. FILIPE MATIAS SANTOS, Divulgação de Informação Privilegiada, in Estudos Sobre o Mercado de Valores Mobiliários, 2011, Lisboa, Almedina, p.
[31] Ibidem, p. 37.
[32]Cfr. FILIPE MATIAS SANTOS, pp. 37-38.
[33]
[34]Cfr. Direito dos Valores Mobiliários, Relatório, Lisboa, 2005, pág. 179
[35]Ibidem, p. 711
[36]In Direito Dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 148.
[37]Vg. Adelaide Menezes Leitão, in Normas de Protecção e danos puramente patrimoniais, Almedina, Coimbra, 2009,
[38]Proferido no processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, Relatora: Exma. Juíza Conselheira MARIA CLARA SOTTOMAYOR, acessível em www.dgsi.pt
[39]Cfr. Menezes Cordeiro, in Direito Bancário, 5.ª Edição revista a actualizada, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 431 e segs., citado no Ac. do STJ indicado na nota antecedente.
[40]Proferido no processo n.º 1970/09.9TVPRT.P1.S1, Relator: Exmo.Juiz Conselheiro GRANJA DA FONSECA, acessível em www.dgsi.pt 
[41]Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos I, Conceito, Fontes, Formação, 2013, Reimpressão da 5ª edição, Lisboa, Almedina, p. 199.
[42]Cfr. Ac. do STJ de 28-04-2009, proferido no processo n.º 09A0457, Relator: Juiz Conselheiro AZEVEDO RAMOS, acessível em in www.dgsi.pt