Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8500/2007-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
TRANSFERÊNCIA
BANCO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – No pagamento da renda da casa por transferência, o banco funciona apenas como simples portador do valor destinado à conta bancária do senhorio.
II – Se o portador se atrasa ou se a ordem para transferir ou o dinheiro lhes são dados tão tardiamente que é impossível ao emissário cumprir a sua tarefa no prazo que convém ao devedor, a culpa não é do destinatário, neste caso do senhorio, mas do solvens que elegeu ou instruiu o portador.
III – Ao dar uma ordem de transferência bancária no caixa automático – e não um depósito directo na conta do credor – no último dia do prazo, ao fim da tarde, qualquer pessoa medianamente diligente sabe que o respectivo valor já não chega à conta destinatária nesse mesmo dia.
IV – O facto de o locador ter acordado no pagamento da renda por transferência não pode, só por si, significar que aceitava como bom o pagamento efectuado com a chegada tardia do respectivo valor à sua conta bancária e que renunciava ao direito de pedir a resolução do contrato.
JAP
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 8500/07-1
Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
MARIA, em seu nome e em representação de sua mãe, J, residentes em Queijas, movem a presente acção de despejo, em processo comum na forma sumária, contra A e sua mulher, ambos a citar em Queijas, pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento relativo à cave esquerda do prédio sito na Rua João XXI, n.º 5 (anteriormente denominado Rua P, lote 221 F), em Carnaxide e se condene os RR. a:
a) entregar imediatamente às AA. a referida cave, totalmente livre e devoluta de pessoas e bens;
b) pagar uma indemnização às AA., igual ao valor mensal (por aplicação do regime de renda condicionada, previsto no Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22-12) de € 714,49, desde o termo do prazo para contestar até à data da entrega efectiva da habitação, tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a data de vencimento de cada renda até integral pagamento e no mais legal.

Na sua contestação os RR. impugnaram os factos alegados pelas AA. e pediram a sua absolvição do pedido, bem como a condenação destas, por má fé e abuso de direito, a pagarem-lhes € 2.500,00. Responderam as AA., concluindo como na p. i..
Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença de improcedência e de absolvição dos pedidos formulados.

Não se conformando com este desfecho, as AA. apelaram e concluíram assim as suas alegações:
1. As AA alegaram na PI (art. 11º) que “O Réu não pagou atempadamente, a renda de Fevereiro de 2006 e bem assim as que as rendas referentes aos meses de Março e Abril de 2006, que se venceram respectivamente em 01.01.2006, 01.02.2006 e 01.03.2006.”
2. Na contestação, através do doc. 10, os RR. juntaram talões de Multibanco, comprovativos de que realizaram as transferências seguintes: 03.01.2006: Euros 45; 03.02.2006: Euros 45 e 08.03.2006: Euros 45; na mesma contestação, os RR, alegaram (no art. 8º) que fizeram o pagamento das rendas em 03.01.2006, 03.02.2006 e em 08.03.2006.
3. Na resposta à contestação, as AA, ora recorrentes, impugnando a força probatória do doc. 10, alegaram que a renda que deveria ter sido paga até 08.03.2006, chegou à conta bancária das AA no dia 10.03.2006.
4. Tal facto resulta aqui demonstrado, através do próprio extracto bancário das Recorrentes que se junta como doc. 1, de onde se depreende claramente que a renda chegou à esfera jurídica, ao património e à disponibilidade das Senhorias, no dia 10.03.2006 (dois dias depois do prazo legal), não resultando de parte alguma que os RR tenham feito qualquer depósito liberatório nos termos do art. 1048 do C. Civil.
5. Resulta dos talões de Multibanco, juntos como doc. 10 à contestação que, a conta bancária das AA, está domiciliada noutra instituição financeira (o BPI), resultando das regras da experiência e do conhecimento geral (que os RR não podem ignorar) que, os fundos / dinheiros transferidos através de transferências interbancária, levam entre 24 a 48 horas a chegar ao banco / conta destino, não ficando disponíveis de imediato.
6. Se os RR, conhecedores de que a conta bancária das Senhorias se situa noutra instituição de crédito (por conheceram bem qual o banco e o n.º de conta destino), quisessem que a renda que se venceu em 01.03.2006 chegasse ao património das AA, no máximo, no dia 08.03.2006 (uma quarta feira), deveriam ter providenciado pela sua realização, ordenando a transferência dos fundos com a antecedência suficiente, de modo a que a renda estivesse no património das Senhorias, até 08.03.2006.
7. Através dos tempos, as partes foram convencionando e aceitando livre e mutuamente que a renda fosse paga através de transferência bancária, costume que se tornou regra entre Senhoria e Inquilinos (art. 1039 n.º 1 in fine, C. Civ).
8. Refere o ponto 7 dos factos provados (fls. 221) que “Os Réus depositaram na conta bancária da Autora, em 3.1.06; 3.2.06 e 8.3.06, o montante referente às rendas de Fevereiro, Março e Abril de 2006, respectivamente
9. Resultando claramente da matéria alegada e dos documentos juntos, que os RR. “transferiram” o montante da renda e não o “depositaram”, é manifestamente incorrecto referir-se, como referiu o Tribunal recorrido, no ponto 7 dos factos provados, que os RR depositaram, facto que, neste contexto assume a maior relevância.
10. Nestas circunstâncias, no Ponto 7, impugna-se a matéria dada como provada, devendo constar (face à matéria alegada e aos documentos juntos aos autos) que Os Réus deram ordem de transferência, a débito da sua conta do BCP, para a conta das Senhorias do BPI, em 03.01.2006, 03.02.2006 e 08.03.2006, do montante referente às rendas de Fevereiro, Março e Abril de 2006, respectivamente
11. Ao considerar que a Renda que se venceu em 01.03.2006, paga através de transferência ordenada / realizada em 08.03.2006 (cfr. doc. 10 da contestação) foi tempestiva efectuada (quando resultou demonstrado que a conta das senhorias se situa noutro banco e que os bancos levam 24 a 48 horas a transferir os fundos) o Tribunal recorrido violou os mais elementares princípios de direito e processo civil e bem assim, os artigos 64 n.º do RAU (DL 321B/90 de 15.10), art. 1038 al. a), 1039, 1041 e 1042 CC.
12. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado os art.ºs. 64 n.º do RAU (DL 321B/90 de 15.10), art. 1038 al. a), 1039, 1041 e 1042, considerando, como é da mais elementar justiça (ao abrigo dos P. Constitucionais da Confiança e da Boa Fé) que a renda que se venceu em 01.03.2006, foi paga fora de prazo (por ter chegado à conta do senhorio no dia 10.03, posteriormente ao dia 8) resolvendo o contrato de arrendamento com fundamento da falta de pagamento de renda, julgando a acção procedente por provada, condenando os RR, nos pedidos formulados.
13. Se os RR inquilinos quisessem que a renda paga em 08.03.2006 fosse paga tempestivamente, das duas uma: ou tinham ordenado a transferência com uma antecedência superior (de modo a assegurarem que o montante chegaria ao destino até ao dia 08) ou tinham feito um depósito bancário, no próprio dia 08, em qualquer agência do Banco das Senhorias cuja identificação e n.º de conta as inquilinas há muito conheciam, (sendo certo e sabido que há balcões BPI em todas as localidades do país).
14. Bem pelo contrário, reiterando uma conduta que não era única, tinha precedentes e vinha-se tornando abusiva, os RR persistiam em pagar mais uma renda fora de prazo, em prejuízo das Autoras, aqui recorrentes. cfr. doc. 2.
Os Recorridos apresentaram as suas contra-alegações, em que defendem a bondade e a manutenção da sentença recorrida.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
São as seguintes as questões suscitadas e delimitadas pelas conclusões das Recorrentes: 1) da invocada desconformidade do ponto 7 da matéria de facto dada como provada; 2) se a renda foi paga dentro do prazo.
Impõe-se de imediato o conhecimento e a resolução da primeira questão, pois a solução que lhe vier a ser dada pode repercutir-se no subsequente elenco de factos provados.
No art.º 12.º da p. i., as AA. alegam que «o Réu não pagou atempadamente a renda de Fevereiro de 2006» e bem assim «as referentes aos meses de Março e Abril de 2006, que se venceram respectivamente em 01.01.2006, 01.02.2006 e 01.03.2006». No artigo seguinte, as AA. aduzem também que «o Réu pagou a renda de Fevereiro de 2006 no dia 11.01.2006…». Por sua vez, no art.º 8.º da contestação, os RR. contrapõem que «em 03/01/2006, em 03/02/2006 e em 08/03/2006, (…) efectuaram o pagamento das rendas vencidas naqueles meses, conforme se pode comprovar pelo Doc. 10, ora junto».
A M.ma Juíza a quo deu como provado no ponto 7 da «materialidade fáctica», em que fundou a sua douta sentença, que: «Os Réus depositaram na conta bancária da Autora em 3.1.2006, 3.2.2006 e 8.3.2006, o montante referente às rendas de Fevereiro, Março e Abril de 2006, respectivamente».
Nas suas alegações de recurso, as AA. insistem na referida falta de pagamento atempado e realçam que pelos talões de Multibanco juntos com a contestação, como doc. n.º 10, se comprova que os RR. efectuaram transferências, de € 45,00 cada, nas mencionadas datas de 3.1, 3.2 e 8.3 de 2006, a débito das contas bancárias no Millennium BCP para outra instituição financeira, onde a conta das AA. está domiciliada. Sublinham assim as AA., ora recorrentes, que os RR. não depositaram as rendas na conta das senhorias, antes para esta efectuaram transferências bancárias, tendo o dinheiro chegado ao seu poder fora do prazo de pagamento da renda.
Vejamos quem tem razão.
Antes de mais, convém desde já assentar em que a modalidade de pagamento por transferência bancária não está controvertida, pois ambas as partes se mostram concordantes. O problema prende-se é com o tempo do pagamento.
A M.ma Juíza fundamentou a resposta à matéria de facto que consta do referido ponto 7 «na análise crítica dos documentos juntos a fls. 54, os quais não foram impugnados pelas AA.». E, na verdade, a fls. 54 dos autos (doc. 10 da contestação) existem 3 talões Multibanco respeitantes a outras tantas transferências interbancárias a partir do banco Millennium BCP, em relação às quais as partes estão de acordo que se referem às rendas em litígio. Essas transferências, de € 45,00 cada uma, são a favor da autora M Rosário Duarte G Marques Pinheiro e ostentam as seguintes datas e horas de realização: «2006/01/03», às «10:39»; «2006/02/03», às «11:17»; «2006/03/08», às «19:02».
Perante estes factos, tem forçosamente de concluir-se que a redacção do aludido ponto 7 não traduz fielmente o que estes documentos evidenciam. Os RR. não depositaram as rendas na conta da bancária da A. em 3.1.06, 8.2.06 e 8.3.06, pois nestas datas o que fizeram foi, através do sistema de caixa automático, dar uma ordem ao seu banco para efectuar a transferência dos montantes indicados para a conta das AA., noutro banco. Esta diversidade de bancos pode ver-se pelos diferentes números de identificação bancária (NIB), do ordenador da transferência e do destinatário, constantes dos referidos talões (fls. 54).
Por outro lado, não podem ser ignorados os factos alegados nos art.º 12.º e 13.º da petição inicial, pois não os tendo os réus contrariado com a prova do pagamento atempado das rendas, como lhes competia, têm os mesmos de se considerar provados.
Deste modo, ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte, e al. b), do CPC, assistindo razão às AA., neste aspecto, corrige-se a redacção daquele ponto 7, passando a ser a seguinte: «Os Réus através de caixa automático deram ordem de transferência da sua conta no Millennium BCP, dos montantes das rendas de Fevereiro, Março e Abril, respectivamente às 10:39 de 3.1.06, às 11:17 de 3.2.06 e às 19:02 de 8.3.06, para a conta da Autora Maria do Rosário Duarte G. Marques Pinheiro, noutro banco, com o NIB 001000003242673000135».
Do mesmo modo, são incluídos na matéria de facto provada mais dois números, com a seguinte redacção:
- «O Réu não pagou atempadamente a renda de Fevereiro de 2006 e bem assim as rendas referentes aos meses de Março e Abril de 2006, que se venceram respectivamente em 01.01.2006, 01.02.2006 e 01.03.2006».
- «O Réu pagou a renda de Fevereiro de 2006 no dia 11.01.2006».

II – Fundamentação
A – Os factos provados
1 – Entre A, na qualidade de senhorio e Augusto, na qualidade de inquilino, foi celebrado em 1 de Janeiro de 1973, o contrato de arrendamento referente à cave esquerda do prédio sito na Rua João XXI, em Carnaxide, com início em 1.1.1973, pelo prazo de 6 meses e destinado à habitação e com a renda mensal de € 950$00, a ser paga nesta cidade em casa do senhorio ou de quem o representar no 1º dia útil do mês anterior àquele a que respeita.
2 – Actualmente a contrapartida mensal pelo gozo do arrendado é de €45,00.
3 – No dia 6.4.95, no cartório Notarial de Oeiras, foi lavrado o instrumento notarial com o conteúdo de fls. 17 a 19 e que consiste na habilitação das AA. como herdeiras do falecido A.
4 – Em nome do Réu encontra-se instalado em Carregueiros – Casal das Amendoeiras -, um telefone fixo da PT.
5 – Os Réus têm a seu cargo um filho deficiente motor e com problemas de saúde mental.
6 – Entre os Réus e o anterior senhorio foi acordado que as rendas seriam pagas nos primeiros oito dias do mês anterior àquele a que respeitam.
7 – Os Réus através de caixa automático deram ordem de transferência da sua conta no Millennium BCP, dos montantes das rendas de Fevereiro, Março e Abril, respectivamente às 10:39 de 3.1.06, às 11:17 de 3.2.06 e às 19:02 de 8.3.06, para a conta da Autora Maria, noutro banco, com o NIB 001000003242673000135.
8. O Réu não pagou atempadamente a renda de Fevereiro de 2006 e bem assim as rendas referentes aos meses de Março e Abril de 2006, que se venceram respectivamente em 01.01.2006, 01.02.2006 e 01.03.2006.
9. O Réu pagou a renda de Fevereiro de 2006 no dia 11.01.2006
10 – Os Réus passam alguns dias por mês numa casa de que são proprietários em Casal das Amendoeiras, Carregueiros, Tomar.

B - Apreciação jurídica.
A única questão aqui a resolver é a de saber se os RR. pagaram ou não as rendas dentro do prazo.
Os RR., contra-alegando, dizem que «não pode ser imputável aos RR., aqui apelados, o facto de eventualmente o montante das rendas depositado num determinado dia na conta indicada pelas AA., só chegar à conta bancária indicada por estas passados um, dois, três, quatro ou dez dias». Na verdade, é notório que o movimento bancário normal leva o seu tempo, podendo demorar ainda mais quando se trata de uma transferência de fundos de um banco para outro.
Contudo, numa situação destas, o que importa saber é quem deve sofrer as consequências desfavoráveis dessa demora, se o inquilino se o senhorio.
Aquele pode, com a devida antecedência, escolher o dia para ordenar a transferência interbancária do montante da renda para a conta do senhorio ou pode, ou deve, deslocar-se ao domicílio deste para lhe pagar a tempo. O senhorio, por seu turno, tem o direito de receber ou de ter efectivamente à sua disposição o montante da renda dentro do prazo que a lei fixa, seja em sua casa, como o contrato prevê (cláusula 2.ª - fls. 14), ou na sua conta bancária à ordem. O locador não tem de procurar o inquilino para que este lhe pague ou de o avisar para fazer a transferência, só tem de receber a renda. E receber significa ser-lhe entregue o respectivo valor, pois se este se encontra em trânsito nos bancos não está à disposição do destinatário e portanto não foi pago.
A supra referida atitude de autodesresponsabilização dos RR. contraria frontalmente a regulação legal e contratual do pagamento da renda habitacional, pois, segundo eles, como inquilinos, tanto se lhes dá que as senhorias recebam a renda em prazo ou que esperem 1, 2, 3 ou 10 dias para além do termo do prazo de pagamento para terem em seu poder o valor que lhes é devido. Contudo, importa lembrar que os bancos funcionam aqui como simples portadores do valor destinado ao pagamento da renda.
Se o portador se atrasa ou se a ordem para transferir ou o dinheiro lhes são dados tão tardiamente que é impossível ao emissário cumprir a sua tarefa no prazo que convém ao devedor, a culpa não é do destinatário, neste caso do senhorio, mas do solvens que elegeu ou instruiu o portador.
No caso concreto, em relação à transferência efectuada no dia 8-3-2006 (às 19:02) os RR. não podiam ignorar que a renda já não seria paga às senhorias no mesmo dia. De harmonia com um princípio geral de direito civil «o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado» (art.º 762.º, n.º 1, do C.Civ.). O adimplemento da obrigação implica a entrega da «soma em dinheiro ou a coisa devida» ao accipens (cf. I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 2.ª ed., 1979, p. 172). Ao dar uma ordem automática de transferência bancária – e não um depósito directo na conta do credor – no último dia do prazo, ao fim da tarde, qualquer pessoa medianamente diligente sabe que o respectivo valor já não chega à conta destinatária nesse mesmo dia.
As AA. alegaram na p.i. que os RR. não pagaram atempadamente as rendas de Fevereiro, Março e Abril de 2006, vencidas respectivamente em 1.1, 1.2 e 1.3 de 2006, e que a renda de Fevereiro de 2006 foi paga a 11 do mês anterior. Cabia, portanto, aos RR o ónus de demonstrar o contrário, por escrito (art.º 393.º do C.Civ.), isto é, que haviam pago todas as rendas dentro dos oito primeiros dias do mês anterior àquele a que cada uma respeitava. Os ora Recorridos, no entanto, além de não terem provado factos integradores da excepção de cumprimento, que impediria ou extinguiria o direito invocado pelas AA., nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do C. Civ., também não fizeram cessar a mora com o pagamento ou o depósito da indemnização de 50% a que se referem os art.ºs 1041.º, 1042.º e 1048.º do C.Civ.. Consolidou-se, assim, o direito das senhorias à resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento da renda, nos termos dos art.ºs 63.º e 64.º, n.º 1, al. a), do RAU, aqui ainda aplicáveis, pois a acção foi instaurada antes da entrada em vigor do Novo RAU. A tal não obsta o facto de as AA. terem aceite os valores das rendas pagas fora de prazo, pois, nos termos dos citados art.ºs 1041.º e 1048.º, a falta de entrega da referida indemnização de 50% do valor em mora torna aquele pagamento parcial e justificativo da subsistência do direito à resolução do contrato.
Com efeito, o facto de as AA. acordarem no pagamento da renda por transferência não pode, só por si, significar que aceitavam como bom o pagamento efectuado com a chegada tardia do respectivo valor à sua conta bancária e que renunciavam ao direito de pedir a resolução do contrato (cf. ac. da Rel. Guimarães, de 4-2-2004, C.J., tomo 1, p. 283).
Finalmente, as AA. têm direito a ver resolvido o contrato e a obter a entrega do locado, mas não procede o seu pedido de indemnização ao abrigo do art.º 56.º, n.3, do RAU, por este despejo não ter por fundamento a falta de residência permanente, mas sim, e unicamente, na falta de pagamento de rendas. Aliás, nas suas conclusões, as AA. limitam o objecto do recurso apenas a este último fundamento.

III – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar o recurso procedente e, por conseguinte:
a) decreta-se a resolução do contrato de arrendamento dos autos.
b) condenam-se os Réus a entregar imediatamente às Autoras a cave esquerda do prédio sito na Rua João XXI, n.º 5 (anteriormente denominado Rua P, lote 221 F), em Carnaxide, totalmente livre e devoluta de pessoas e bens
Custas pelos Recorridos.
Notifique.
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Lisboa, 13.12.2007
João Aveiro Pereira
Rui Moura
Folque Magalhães