Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | DIVÓRCIO REAPRECIAÇÃO DA PROVA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | (art.º 663º nº 7 do CPC) 1. Havendo separação de facto, mantém-se o dever de assistência entre os cônjuges, que compreende a obrigação recíproca de prestação de alimentos; 2. Na acção de alimentos que a autora deduziu contra o seu cônjuge, tem aquela que alegar e provar o casamento entre ambos, a separação de facto, a necessidade de alimentos e a capacidade económica do réu de os prestar, enquanto elementos constitutivos do seu direito, tendo o réu, por seu turno, de alegar e provar, por forma a se eximir de dever de prestar alimentos, que a separação de facto é imputável ao cônjuge demandante. 3. Na separação de facto, os alimentos a prestar pelo cônjuge obrigado à prestação compreende o necessário para assegurar o mesmo padrão de vida económico e social que o casal mantinha antes da separação, ao invés do que sucede após o divórcio. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA RELATÓRIO MARIA ……., residente na Rua ……, intentou, em 19.04.2012, contra RUI ……, residente na Rua ….., acção declarativa de condenação, com processo ordinário, através da qual pede que o réu seja condenado a prestar-lhe, a título de alimentos, uma pensão mensal no valor de 1.250,00 euros. Fundamentou, a autora, no essencial, esta sua pretensão nos seguintes termos: 1. A autora e o réu são casados, tendo contraído casamento em 31.10.2004 e estando separados desde Novembro de 2010. 2. A autora abandonou o lar conjugal por ser vítima de violência doméstica. 3. A autora vive em casa arrendada pagando uma renda mensal de 1100,00 euros. 4. A autora aufere mensalmente um vencimento de 455,00 euros por mês. 5. O réu é dermatologista e aufere uma média mensal de 15.000,00 euros. 6. A guarda das filhas do casal foi atribuída à autora. 7. A autora tem despesas mensais no valor de 2.737,00 euros. 8. Têm sido os pais da autora a suportar a maior parte das despesas desta. Citado, o réu apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido formulado pela autora, não necessitando esta de alimentos e invocou, para tanto e em síntese, que: 1. As alegadas agressões estão contraditadas no processo crime que o requerido interpôs contra a requerente. 2. É falso que a Autora aufira 455,00 euros por mês e que o réu aufira 15.000,00 euros por mês. 3. A autora leva uma vida, a nível social e económico, muito acima da média. 4. É falso que a guarda das filhas do casal tenha sido atribuída à autora. Foi proferido despacho saneador, dispensada a audiência prévia, abstendo-se o Exmo. Juiz a quo de fixar, quer a matéria assente, quer a base instrutória. Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 27.06.2014, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno o R a pagar à A uma pensão mensal de 1000.00 (mil) euros, a depositar até ao dia 8 de cada mês em conta que a A indicará em 5 dias. E considerando, ainda, que a Autora fez prova da insuficiência dos seus rendimentos para suportar as suas despesas e que o Réu tem capacidade financeira para suportar esta pensão, julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência condenou o Réu a pagar à Autora uma pensão mensal de 1.000,00 (mil) euros, a depositar até ao dia 8 de cada mês. iii. O Apelante pretende que esse Venerando Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 640.º e 662.º do novo Código de Processo Civil, reaprecie a prova gravada, produzida em sede de julgamento e, consequentemente, altere a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, porquanto considera incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 5, 14, 15, e 17 da enumeração dos factos provados (cfr. 1.4.5, 1.4.14, 1.4.15, e 1.4.17, supra). iv. O R/Apelante considera que, com base na prova produzida em sede de julgamento, não poderia o Tribunal a quo dar como provado que o R., no dia 3 de Novembro de 2010, na presença da filha mais velha do casal, agrediu a Autora, causando-lhe hematomas. v. O R./Apelante considera também que, com base na prova produzida em sede de julgamento, deveria o tribunal a quo ter julgado como não provada a necessidade da Autora em receber alimentos. vi. Que a prova produzida nos autos bem como aquela produzida em sede de julgamento não permite que o Tribunal a quo possa ter dado como provado que o R. aufere rendimentos não inferiores a 11.000,00€ (onze mil euros mensais) e que por tal motivo tem possibilidade de prestar alimentos à R. no montante de 1.000,00€ (mil euros) mensais. vii. Que existe contradição entre os factos provados e a decisão pelo que a sentença está ferida de nulidade (alínea d) do nº 1 do Art. 668º e nº 2 do Art.660.º, ambos do CPC. viii. O R/Apelante considera, também, que em consequência da prova documental existente nos autos e daquela produzida em sede de julgamento, o Tribunal a quo, deveria ter dado como não provada a alegada agressão de 3 de Novembro de 2010; Deveria ter dado como não provada a necessidade da Autora em receber alimentos, Relativamente a este ponto entende o Apelante que o Tribunal a quo sobrevalorizou a força probatória do documento constante de fls. 212. O Tribunal a quo não tomou em devida consideração a força probatória dos documentos existentes nos autos, nomeadamente os que refletem a contabilidade da sociedade Derme de que a Autora é sócia maioritária. Devidamente considerado aquele testemunho e devidamente considerados os documentos constantes dos autos que evidenciam os rendimentos da Autora, deveria o Tribunal a quo ter dado como não provado o referido facto. Considera, ainda, o Apelante que o Tribunal não levou em devida conta o facto de o R. deter apenas uma quota de 2% na sociedade Seven e deter uma quota na sociedade Dermaxis igual à da própria Autora. ii. Face aos depoimentos transcritos, com as passagens das gravações devidamente localizadas, não há que alterar a resposta à matéria de facto constante dos pontos números 5, 14, 15 e 17. iii. Ficam bem patentes as diferenças de condições económicas entre Apelante e Apelada, os respectivos rendimentos, o apoio dos pais da Apelada para prover à sua subsistência, as possibilidades do Apelante e as sociedade de “cobertura” que utilizava e utiliza para receber os seus honorários e furtar-se ao pagamento das contribuições. iv. No quadro da separação de facto existente cabia ao Apelante fazer prova de que a separação era, unicamente, imputável à Apelada, o que não logrou fazer, uma vez que se provou o contrário. v. Durante a separação dos cônjuges mantém-se o dever de assistência a prestar pelo Apelante nos termos do artigo 1675º, n.º 2 do Código Civil. vi. Nada há a censurar a douta sentença recorrida que deverá ser confirmada. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i. DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC. ii. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto. iii. DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS. O que implica a análise: Û DO DIREITO A ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES SEPARADOS DE FACTO. III . FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Foi dado como provado na sentença recorrida o seguinte: 1. A e R casaram em 31.10.2004. 2. A casa de morada de família era na Rua……., cuja titularidade pertence ao Réu. 3. No Natal de 2006 estavam todos sentados à mesa para a Ceia de Natal e o Réu insurgiu-se contra a presença da irmã da Autora e de um amigo desta na Ceia de Natal de família, abandonando a sala. 4. Nem sempre A e R passava férias juntos. 5. No dia 3 de Novembro de 2010, em condições não concretamente apuradas, na presença da filha mais velha do casal, o R agrediu a A, causando-lhe hematomas. A A recorreu a apoio médico no dia 8.11.2010 na Cuf ……. 6. Em 11.11.2010, a Autora apresentou queixa-crime pelos factos ocorridos a 3.11.2010. 7. Em virtude da ocorrência de 3.11.2010, a mãe da A veio para casa da A. 8. No dia 24 de Novembro, A e R discutiram por aquela ter retirado uma verba de uma conta bancária para pagar a escola das filhas. No mesmo dia, o Réu tentou tirar o computador pessoal da Autora. A mãe da A tentou agarrar o computador e o R empurrou-a. A filha mais velha do casal estava presente. No mesmo dia, o R expulsou a mãe da A de casa. 9. No dia 28.11.2010, a A estava num quarto com as filhas e o R chamou-a. A A trancou-se no quarto e telefonou para a Polícia, tendo um grupo de intervenção entrado na casa de morada de família. Foram apreendidas as armas do pai do R. A A foi, nessa noite, com as filhas para o hotel onde se encontrava a mãe. 10. O pai do requerido tem um grau de incapacidade de 0,9040, sofrendo de Alzheimer com pelo menos 7 anos de evolução. Como tal, a mãe pediu ao filho, ora R., para tomar conta das armas do pai, das quais é proprietário pois foi militar. 11. A A arrendou um apartamento na Rua ……, com base numa renda mensal de 1.100,00 €. 12. A título provisório, a guarda das filhas foi atribuída à A e foi fixada uma pensão mensal de 350,00 € por cada filha, num total de 700,00 € mensais, a suportar pelo R. 13. A Autora tem as seguintes despesas mensais: No arrendamento da casa, 1.100,00 € mensais. Em empregada doméstica, 350,00 € mensais. Em telefone, entre 23.2.2013 e 22.3.2010, gastou 110,29 €. Em telefone/internet/tv em Maio de 2013 gastou 48,37euros e em Junho de 2013 gastou 59,37 euros . Em água gastou 25,32 euros entre 3.1.2013 e 2.2.2013. Em electricidade gasta cerca de 100,00 € mensais. Em gás, gastou 161,08 euros no período compreendido entre 11.1.2013 e 11.3.2013 e 91,01 euros no período compreendido entre 11.3.2013 e 10.5.2013. No ginásio que frequenta paga 72,00 € mensais. 14. A Autora declara um auferir um vencimento de 455,00 € por mês, na sociedade de que é socia maioritária, Derme,S.L., com sede em ….., Espanha. 15. Os pais da Autora têm-lhe prestado assistência, contribuindo mensalmente para o pagamento das suas despesas. 16. O Réu é dermatologista e presta serviços nas seguintes clínicas: § Clínica da Ajuda, em ……. § Cuf Alvalade, em ….. Prestou serviço nas seguintes clinicas: § Cintra Médica, em ……. § Centro Médico de ……., até Maio de 2013. § Medical ……., até Abril 2013. § Go Clinic, em ….. até Maio de 2013. § Cliconde, em …. até Abril de 2013. § Clínica do Parque, em ……, até Janeiro de 2013. 17. O Réu aufere uma média mensal não inferior a 11.000,00 €. AO ABRIGO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 607º, Nº 4 E 663º, Nº 2, do NCPC 18. Nos termos do regime provisório, aludido em 12., ficou acordado, designadamente, que: As despesas escolares, nelas incluindo livros escolares, material escolar, equipamento para prática de desporto na escola e a mensalidade escolar que as menores frequentam, serão suportados por ambos os pais, na proporção de 50% para o pai e 50% para a mãe, desde que devidamente comprovada a sua realização. 19. No processo 1423/10.2PBCSC, do Tribunal Judicial da Comarca de …. – Serviços do Ministério Público – 4º secção - foi deduzida acusação, em 27.06.2014, contra Rui ……, pela prática de um crime de coacção na forma tentada p.p. pelos artigos 154º, nºs 1 e 2 e 22º, nºs 1 e 2 ambos do Código Penal e um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos artigos 86º, nº 1, al. c), por referência aos artºs 2º, nº 1 als. p) e q), 3º, nº 4, al. a), todos da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro. 20. No processo e na data referida em 19., foram proferidos despachos de arquivamento, com relação às demais queixas apresentadas por Maria …. contra Rui ……., seu marido, bem como as queixas deste contra aquela, conforme documento de fls. 531 a 547.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO i. DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA C) DO N.º 1 sermeDO ARTIGO 615.º DO CPC A sentença, como acto jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do novo Código de Processo Civil. A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3 do mesmo diploma que: “1 - É nula a sentença: a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....” O apelante imputa à sentença a nulidade decorrente da alínea c) do citado normativo, por contradição entre os factos provados e a decisão, reconduzindo-se tal nulidade a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam. No que concerne ao aludido vício, doutrina e jurisprudência têm entendido que essa nulidade ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada. Esta nulidade – oposição entre os fundamentos e a decisão – só se verifica, portanto, quando os fundamentos, quer de facto quer de direito, invocados pelo juiz devam, logicamente, conduzir ao resultado oposto ao que é expresso na sentença. A contradição entre os fundamentos e a decisão a que se refere o citado normativo é uma contradição de ordem formal, que se refere aos fundamentos estabelecidos e utilizados na sentença, e não aos que resultam do processo. E, tal nulidade traduzida na desconformidade entre a decisão e o direito aplicável - substantivo ou adjectivo – não se confunde com o erro de julgamento, ou seja, na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta. É que, quando o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, poderemos, sim, estar perante um erro de julgamento. Nesse caso, o juiz fundamenta a decisão, mas decide mal. Resolve as questões colocadas num certo sentido porque interpretou e/ou aplicou mal o direito - LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, vol. 2.º, pág. 670. Na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os factos alegados e que resultaram provados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação, não se vislumbrando qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão que, de resto, tão pouco o apelante a concretiza. Situação diversa é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”. O alegado vício de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código do Processo Civil, não se verifica, por conseguinte, na sentença recorrida, pelo que improcede o que a tal respeito consta da apelação (CONCLUSÃO vii.). Importa, então, apurar se há erro de julgamento, o que implica a análise das concretas questões suscitadas no recurso. ii. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui: 1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640ºdo CPC que: 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e o recorrente deu cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do NCPC pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa. O recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos Nºs 5, 14, 15, e 17 da enumeração dos factos provados que, no entender do apelante, deveriam ter sido dados como não provados. Há que aferir da pertinência da alegação do apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto. Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas. |