Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
288/18.0T8SNT.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: CONJUGES
DEVER DE FIDELIDADE
VIOLAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Tendo sido eliminado pela Lei nº 61/2008, de 31.10, o sistema do divórcio-sanção baseado na violação dos deveres conjugais, mantiveram-se os referidos deveres conjugais cuja violação não se sanciona hoje pela via da ação de divórcio mas que nem por isso deixam de merecer a tutela do direito conforme previsto no art. 483 do C.C., por força do disposto no nº 1 do art. 1792 do mesmo Código;
II - Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, o que vale por dizer que devem concertar vontades num mesmo sentido, mas não que deva prevalecer a vontade de um sobre a do outro;
III - Tendo resultado apurado que, em determinada altura, o R. propôs à A. que deixassem a ilha da Madeira e passassem a viver no Continente o que esta recusou, tal não significa que a mesma tenha violado o dever conjugal de coabitação, quando se desconhece quando e em que circunstâncias tal sucedeu ou mesmo se o R. não terá então aceitado essa solução e concordado ambos com a manutenção da situação existente, ainda que de forma temporária;
IV - Provando-se que o R. violou, de forma grave e especialmente censurável, os deveres conjugais de fidelidade e respeito, e com isso lesou a integridade psíquica da A., justifica-se a atribuição à mesma de uma compensação indemnizatória a título de danos não patrimoniais, devendo atender-se, na determinação do respectivo valor, ao grau de culpabilidade do R., à situação económica deste e da A. e às demais circunstâncias do caso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
A [Maria …..] veio, em 5.1.2018, propor contra B [ Luís ….], ação declarativa comum pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação, e o pagamento da quantia de € 514,89 a título de danos patrimoniais, bem como as quantias que vier a despender até ao trânsito em julgado da sentença, com juros acrescidos desde o momento em que estas foram efetivadas.
Invoca, para tanto e em síntese, que tendo casado com o R. em 1991, casamento do qual nasceram dois filhos comuns, descobriu, em Agosto de 2016, que o R. era pai de Maria ….., nascida em 14.2.2013, e cuja mãe é Helena ……. Refere que o R. sempre escondeu da A. e dos filhos do casal tal realidade, tendo-lhes mesmo apresentado a criança como uma “futura afilhada”, tendo esta feito parte, por diversas vezes, dos convívios e do Lar da A. e dos seus filhos, sem que a A. tivesse qualquer desconfiança, tanto mais que não ocorriam quaisquer discussões entre o casal nem separação física ou sexual entre ambos. Diz que a referida conduta do R. a faz sentir humilhada e com vergonha perante a família e todos os que vão tendo conhecimento da situação, gerando-lhe constante mau estar, angústia e um sentimento de falhanço e desconfiança, provocando-lhe grande desgaste físico e emocional, pelo que teve de recorrer a acompanhamento psicológico para ultrapassar o estado depressivo a que chegou. Mais refere que tais factos foram motivo de divórcio, decretado por sentença de 22.7.2017 da qual o R. interpôs recurso.
Contestou o R., impugnando em parte a factualidade alegada e afirmando, no essencial, que por motivos profissionais se ausentava com frequência da Região Autónoma da Madeira onde morava o casal e que regressava à ilha de 3 em 3 semanas, onde permanecia pelo período de 5 dias por mês, junto da A., e que esta sempre recusou que passassem a viver no Continente. Refuta, igualmente, o alegado estado depressivo da A., afirmando que a mesma não deixou de trabalhar, nem de conviver com os amigos e de fazer vida social, continuando a apresentar-se tal como antes do divórcio. Conclui pela improcedência da causa.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, sendo fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, mais se atribuindo à causa o valor de € 30.514,89.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, em 21.11.2019, proferida sentença nos seguintes termos: “(...), o Tribunal julga a ação totalmente procedente, por provada, e consequentemente:
1. Condena-se o R. a pagar à A. a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
2. Condena-se o R. a pagar à A. a título de danos patrimoniais a quantia de €514,89 (quinhentos e catorze euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da data da sua efetivação.
Custas pelo R. - art. 527° do C.P.C.(…).”
Inconformado, interpôs recurso o R., culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem (não obstante a sua extensão e ao arrepio do disposto no art. 639, nº 1, do C.P.C.):
    “
1. O presente Recurso tem por objecto a matéria de Facto e de Direito da Douta Sentença proferida.
2. A Douta Sentença em causa, julgando provados os factos que enumera, condenou o Recorrente B a pagar à Recorrida, A, a quantia de € 30,000,00 (Trinta mil Euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, á taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento e a quantia de € 514,89 (Quinhentos e catorze Euros e oitenta e nove cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, á taxa legal, contados da data da sua efectivação.
3. O Recorrente não se conforma com tal decisão, porque, salvo o devido respeito, e que é muito, o Tribunal a quo, não fez a mais justa e criteriosa apreciação de toda a prova que foi produzida.
4. O Recorrente controverte a Douta Decisão condenatória ora recorrida por considerar que alberga matéria de facto erradamente julgada e articulada.
5. É com manifesta surpresa que o Recorrente se vê obrigado a pagar á Recorrida o valor integral do seu pedido de indemnização Civil, uma vez que a prova produzida em sede de julgamento, não podia de modo algum, levar o Tribunal a quo a decidir nesse sentido.
6. Fazendo uma criteriosa análise ao julgamento da matéria de facto, propugnamos pelo entendimento que a Decisão recorrida constituiu uma afronta às mais elementares regras da experiência comum, bom senso, livre arbítrio, valores indemnizatórios atribuídos pelos Tribunais Portugueses, designadamente, em casos de danos corporais graves e até de morte.
7. O nobre Principio da Livre Apreciação da prova, pilar essencial nos nossos Tribunais, não foi aplicado com o rigor, objectividade e neutralidade, como se exige.
8. O Recorrente considera que a reapreciação, in casu das provas, abalará a convicção acolhida pelo Tribunal a quo, porquanto, é verosímil que a Douta Decisão sobre a matéria de facto tem gritantes contradições que resultam do próprio texto, está profundamente desapoiada face às provas produzidas em audiência de Julgamento, encontra-se ferida por nulidades e mostra-se desajustada à realidade e às regras da experiência comum.
9. Por isso, os pontos concretos que o Recorrente considera incorrectamente julgados são os seguintes os PONTOS v, vi, vii, xii, xiii, xv, xvi, xvii, xviii, xix, xx, xxi, xxii, xxiv da matéria considerada provada e as alíneas a, b, c, d, e, f da matéria considerada não provada.
10. Na perspectiva do Recorrente houve erro na apreciação da prova impondo-se, por elementar Justiça uma Decisão Judicial diversa daquela que foi proferida.
11. No que respeita à prova documental junta aos autos, o tribunal a quo afirma na motivação, que apreciou documentos Doc. 1: Sentença de Divorcio, Doc. 2: Requerimento de Recurso parcial, versando exclusivamente sobre a parte do incidente que atribuiu provisoriamente a casa de morada de família, Doc. 3: Informação clinica relativa à A. e Doc. 4: Recibos relativos aos pagamentos das consultas de psicologia da A.
12. O Recorrente insurge-se no presente recurso porque, a prova documental constante dos autos, é manifestamente insuficiente para considerar como provada a factualidade descritas nos pontos: xvi, xix, xx e xxix.
13. Inexiste prova documental que permita ao tribunal a quo, concluir que a Recorrida em consequência do comportamento do R. tenha sofrido e ainda sofra de qualquer “estado depressivo”, como da produção de prova em audiência e discussão de julgamento, nenhuma testemunha arrolada pela Autora, com conhecimento de ciência, atestou e prestou quaisquer declarações que confirmassem o seu sofrimento causado por esta doença.
14. Do teor da Douta Sentença Judicial transitada em julgado no âmbito do Processo de divórcio entre a Recorrida e o Recorrente, o Tribunal a quo apenas extraiu estritamente factos assentes desse processo que beneficiam, a demanda da Recorrida em total detrimento daqueles que denunciavam condutas censuráveis da Recorrida para com o Recorrente.
15. Da análise dos documentos n.° 3 e 4 juntos pela Recorrida, atento o teor da “informação clinica”, não podia a Exma. Sra. Julgadora deixar de constatar como era sua obrigação, que não existe qualquer referência a uma suposta “ doença depressiva da A”, não existe uma única prescrição médica da administração de tratamento por fármacos, não existe um único comprovativo de despesa dessa medicação, pelo que não podiam ser considerados provados os pontos xvi e xix.
16. O que a “Informação clinica” refere, é que a Recorrida em consequência da relação extraconjugal do R. e do conhecimento que este teria tido uma filha fora do casamento que lhe foi relatada pela própria, já que o psicólogo não teve qualquer acompanhamento da recorrida em agosto de 2016, revelou “ instabilidade, fragilidade emocional” que justificou acompanhamento em consulta de psicologia em 7 de Dezembro de 2017.
17. Analisados da data dos documentos, inexiste qualquer nexo de causalidade entre o alegado choque da Recorrida em Agosto de 2016 e os tratamentos iniciados, passados mais de 1 ano e meio, em 07-12-2017, como inexistem quaisquer comprovativos que justifiquem a sua atual fragilidade psicológica desde a data da última consulta de Junho de 2017 até á data da entrada da presente acção no dia 05-01-2018.
18. É de todo incompreensível para o Recorrente, de que elemento de prova, o tribunal a quo se socorreu para extrair a conclusão de que, ainda na presente data, a Recorrida sofre de “depressão” já que também nenhuma testemunha neste julgamento era ou foi psicólogo da Recorrida, designadamente para dar conhecimento de que forma soube a causa da sua instabilidade psicológica ocorrida em Agosto de 2016.
19. Também não se extrai de que elemento de prova, com valor de ciência, a Exma. Sra. Julgadora, considerou como facto provado que alguma vez a Recorrida tenha sofrido de depressão.
20. Existe um evidente desfasamento ou desconexão temporal em toda a prova documental e leva à conclusão da inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a conduta do Recorrente e a produção dos danos morais e patrimoniais da Recorrida.
21. Acresce, atentas as datas dos recibos das consultas, 7 Dezembro de 2017, Fevereiro de 2017, Abril de 2017 e Junho de 2017, o tribunal a quo não explica porque condena o Recorrente numa indemnização a titulo de danos morais de € 30 000,00, já que o mau estar psíquico da Recorrida terá incidido a partir de 7 de Dezembro de 2017 e o choque da noticia terá ocorrido em 6 de Agosto de 2016.
22. O Tribunal não explica este desfasamento temporal, pelo que entende o Recorrente que, por não se ter provado o nexo de causalidade entre o evento do conhecimento da filha do Recorrente e os danos morais alegados, deve o presente pedido ter totalmente julgado improcedente por não provado.
23. Em rigor é legítimo ao Recorrente afirmar que se outras causas provocaram os damos morais, pelo menos concorreram nessa factualidade, designadamente, o processo de divórcio, o excesso de trabalho ou a reorganização funcional da Segurança social, a litigância ainda pendente dos ex-cônjuges pela atribuição do uso da casa de morada de família como adiante se esclarecerá.
24. Ademais, no valor da Indemnização não teve o tribunal a quo em consideração que a Recorrida, nunca deixou de trabalhar, exerceu a sua profissão sem quaisquer limitações e não deixou de se relacionar social, familiar e profissionalmente com colegas, amigos e familiares.
25. A factualidade do ponto c) julgada matéria considerada não provada, foi erradamente decida, pelo que, aqui se impõe por elementar justiça, uma correcção pelo Tribunal Superior, considerando-a antes como factualidade provada.
26. Assim, da análise criteriosa dos documentos junto aos autos, não podia o Tribunal a quo concluir que a Recorrida padeceu de qualquer doença depressiva, causada pelo Recorrente ou EXCLUSIVAMENTE por este.
27. Os factos, constantes nos pontos xvi e xix, têm de ser corrigidos por não corresponderem á informação clinica junta autos e por não terem sido correctamente articulados, devendo ser antes considerados como não provados.
28. No que respeita à prova testemunhal, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo, um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida, na forma como apreciou a prova.
29. Na perspectiva do Recorrente o Tribunal a quo considerou erradamente provada a factualidade constante nos PONTOS: VII, XII, XIII, XV, XVI, XVIII, XIV, XX, XXI, XXII, que impugna por existir prova testemunhal que impunha uma decisão diversa da que foi proferida.
30. Na audiência e discussão de julgamento, foram prestados depoimentos cujo teor e valorização, contrariam a matéria considerada provada supra referenciada.
31. Depoimento de Parte da Recorrida A, assistente Social, gravado na sessão de audiência e julgamento no dia 21-01-2019 com inicio pelas 16 horas e 22 minutos e termo pelas 16 horas e 55 minutos.
32.(Passagem minuto 2:05)- (Passagem minuto 9:47)-(Passagem minuto 14:44) - (Passagem minuto 17:20)-( Passagem minuta: 19:59)- (Passagem minuto: 27:37) –
33. No que concerne á este depoimento, importa o Tribunal Superior apreciar e fiscalizar o modo como a Exma. Senhora Julgadora dirigiu o interrogatório e registou o seu comportamento, postura, emoções, extraídas as suas conclusões, em comparação com interrogatório que realizou no depoimento de parte do ora Recorrente.
34. Na sua motivação, a Exma. Sra. Juiz tomou nota do discurso emotivo, sofrido da Recorrida, registou “ o seu choro e a dificuldade em se conter “ e interpretou estas manifestações como dor e sofrimento presente na data do seu depoimento.
35. Salvo o devido respeito e que é muito, por mais sensível que fosse Exma. Sra. Juiz a estas manifestações emocionais, o tribunal a quo tinha obrigação de decidir de forma objectiva e em articulação com a prova documental existente nos autos e concluir que a postura da Recorrida, contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, revelou-se manifestamente exagerada, encenada e desonesta.
36. Não podia o tribunal a quo, deixar de considerar exagerado o choro e as manifestações de sofrimento ainda “presentes” quando já tinham decorrido mais de 10 anos sobre a data da separação do ex casal (2006), 3 anos sobre a data da descoberta do nascimento de uma criança fora do casamento (Agosto de 2016) e 6 anos desde o conhecimento deste facto sobre a data da audiência.
37. Não podia também deixar de estranhar o injustificado sofrimento fase ao teor da “informação clinica “ datada de Dezembro de 2017 e sobretudo, não podia ignorar que foi a Recorrida quem recusou regressar ao Continente com o marido.
38. Fase às regras da experiência e numa audiência que teve lugar em 2019, não existe uma justificação lógica e coerente para tanta fragilidade e choro.
39. Por isso, existe uma incoerência gritante entre a valorização do depoimento da Recorrida e a objectividade de toda a documentação junta aos autos, razão pela qual não podem ser considerados provados os pontos xvi e xix e o nexo de causalidade. 
40. Acresce ainda que, a Recorrida confessou que em 2006, quando o Recorrente por motivos profissionais teve de regressar ao continente, recusou acompanha-lo, em conformidade com o ponto xxvi.
41. Ora, não obstante tal factualidade ser considerada provada, competia ao tribunal a quo apreciar, não apenas a conduta do Recorrente, mas também a da Recorrida e valora-las objectivamente na produção dos danos, uma vez que tal recusa foi facto alegado na contestação do Recorrente.
42. Não se compreende igualmente a incongruência entre o ponto xxv e a al. a) dos factos considerados não provados, tendo em conta que foi confessado por ambas as partes que em média encontravam 4/5 dias por mês, arguindo-se neste ponto uma NULIDADE da Sentença ao abrigo do disposto previsto no Artigo 615° n.° 1 al. b) e c) do C.P.C.
43. Também é imperceptível para o Recorrente que o Tribunal a quo, tenha considerado como facto provado no ponto xxvi que o Recorrente tenha proposto à Recorrida deixar a ilha da Madeira e que esta recusa ou conduta não tenha sido apreciada nem enquadrada no apuramento da responsabilidade exclusiva ou não do Recorrente na produção dos danos.
44. Considera o Recorrente que a “recusa” da Recorrida concorreu DETERMINANTEMENTE, não apenas no distanciamento, mas igualmente na produção dos alegados danos.
45. Na motivação, a Exma. Sra. Julgadora não podia fundamentar a sua decisão referido que o Recorrente se tinha limitado a “ vitimizar-se “ no seu discurso culpando a Recorrida por estar só e ter tido uma relação extra-conjugal, tinha de apreciar em concreto a conduta da Recorrida, que também nas suas declarações limitou-se a “ vitimizar-se” culpando o ex-marido por não lhe dar estabilidade financeira, o que a impedia supostamente de regressar ao continente.
46. Aqui importa realçar que, enquanto o recorrente teve uma relação extra conjugal em meados de 2013 (Assento de nascimento da criança), a Recorrida desde 2006, sem justificação, desrespeitava culposamente o seu dever de coabitação para com o Recorrente.        
47. Este distanciamento teve repercussões bastantes mais gravosas que as instabilidade emocional da Recorrida, já que ficou privado da união familiar e de ser um pai presente na vida dos filhos durante mais de uma década.
48. A recusa que a Recorrida insistiu em manter por mais de 10 anos consecutivos, revelou a sua verdadeira personalidade, uma pessoa insensível, de pouca ou nenhuma afectividade pelo ex-marido, determinada, independente, EGOÍSTA que preteriu a união familiar em prol da sua carreira e prestígio profissional na Madeira.
49. A Exma. Sra. Julgadora errou na apreciação da prova, não foi suficientemente neutra e objectiva.
50. A. Exma. Sra. Juiz, sensibilizada pelo choro da Recorrida, não procurou averiguar da veracidade da justificação financeira para a recusa da Recorrida, acreditando na historia da “ coitadinha “ quando tinha ao seu alcance provas documentais concretas nos autos que demostravam o contrario.
51. Convenceu-se ainda, sem que a Recorrida tivesse apresentado quaisquer provas documentais, de que era exclusivamente ela quem assumia todos os encargos financeiros, quando o ónus da prova lhe cabia exclusivamente.
52. Na análise desta apreciação, concluiu-se que a Exma. Sra. Juiz, não articulou as declarações da Recorrida, como era sua obrigação com toda a informação clinica documentada e com o teor da Sentença de divórcio cujos pontos 23 e 25 provam a falsidade da justificação apresentada pela Recorrida. 
53. Não tendo o tribunal a quo apreciado a conduta da Recorrida decorrente de um facto considerado assente, a Sentença proferida encontra-se ferida de Nulidade nos termos previstos no Artigo 615° n.° 1 al. d) do Código de Processo Civil.        
54. Não foi apenas o incumprimento culposo do Recorrente que eventualmente causou os damos morais, também o incumprimento culposo da Recorrida do dever conjugal da coabitação durante 10 anos, sem justificação comprovada no presente processo, merece um juízo de reprovação e censurabilidade e concorre na responsabilidade dos danos.
55. Sem prejuízo do Tribunal Superior, confirmar a falta de nexo de causalidade e operar por si á determinação e graduação das culpas do Recorrente e Recorrida, fase aos elementos de prova existentes nos autos, impõe-se por elementar Justiça excluir-se a RESPONSABILIDADE CIVIL DO RECORRENTE, absolvendo do pedido ou REDUZIR substancialmente o montante de indemnização civil por o mesmo revelar-se absolutamente INJUSTO e EXCESSIVO.
56. As alíneas a) e b) dos factos considerados não provados, têm de serem julgadas como provadas.
57. Das declarações dos ex-cônjuges, quem tinha planos para a união da família era exclusivamente o Recorrente, que não apenas tinha na Segurança Social um posto de trabalho, mas acima de tudo, desejava trabalhar na sua própria empresa com a sua mulher numa área da seu agrado “nos cuidados continuados”, tendo celebrado inclusive acordos com unidades hospitalares, em união familiar com os seus filhos, numa casa construída de raiz por eles antes de irem para a Madeira, perto dos seus familiares, na Gafanha.
58. Consequentemente, o tribunal a quo errou em considerar provada a factualidade dos pontos xxv e xxvi.
59. No entender o Recorrente, devia o Tribunal a quo, julgar provada a responsabilidade da Recorrida no incumprimento culposo e censurável do seu dever conjugal de coabitação e nessa conformidade, ser julgado senão totalmente, pelo menos parcialmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido no presente processo
60. LUIS ….., gestor irmão da A. cujo depoimento foi gravado na sessão de audiência e julgamento no dia 21-01-2019 com inicio pelas 16 horas e 56 minutos e termo pelas 17 horas e 24 minutos
61. Relativamente ao depoimento desta testemunha, não mereceu qualquer credibilidade na fixação da factualidade considerada assente, já que como registou o tribunal a quo, o irmão da Recorrida, para além de demostrar a sua forte ligação familiar á Recorrida, registou que todo o seu discurso revelou claramente um forte sentimento de “ revolta “ pelo comportamento do Recorrido para com a irmã aquando da descoberta da sua vida dupla e da existência de uma criança nascida fora do casamento.
62. O seu discurso teve por principal foco, censurar, responsabilizar exclusivamente o recorrido em claro beneficio da sua irmã, pelo que por falta de imparcialidade e isenção, no que tange á discrição do relacionamento entre a irmã e o Recorrente não merece qualquer credibilidade.
63. Contudo, excluindo a versão dos factos no relacionamento entre os ex-cônjuges, trouxe aos presentes autos, alguns factos objectivos com relevo, designadamente, que no continente o ex-casal tem uma casa própria, construída de raiz por ambos no início do seu projecto de vida e que tanto ele como a sua Irmã, tinham desconfianças na existência de uma relação extra conjugal e de uma filha do Recorrente e que ambos alertaram á Recorrida, antes de Agosto de 2016, pelo que, por total coincidência com as declarações da testemunha MARIA ….., professora de educação especial, irmã da A. cujo depoimento foi gravado na sessão de audiência e julgamento no dia 07-02-2019 com inicio pelas 12 horas e 51 minutos e termo pelas 13 horas e 21 minutos., nesta parte em concreto, o Tribunal a quo, não podia considerar provada a factualidade dos pontos vii, xii no que concerne á falta de desconfiança da Recorrida sobre a vida dupla do marido e da sua filha.
64. CARINA ……, assistente social cujo depoimento foi gravado na sessão de audiência e julgamento no dia 21-01-2019 com inicio pelas 15 horas e 41 minutos e termo pelas 16 horas e 15 minutos.
65. Relativamente à valoração deste depoimento, inexistem quaisquer considerações da Exma. Julgadora sobre o seu juízo de valor ou credibilidade.
66. Ao Tribunal Superior é de todo impossível corrigir a valoração que o tribunal a quo atribuiu a esta testemunha, nomeadamente, a sua isenção, o seu raciocínio logico, a sua adequação às regras da experiência.
67. Quando não se diz por palavras o que motivou o tribunal a quo a decidir sobre a credibilidade do depoimento de uma testemunha, existe falta de fundamentação que constitui uma Nulidade ao abrigo do disposto no Artigo 615° n.° 1 ali. b) do C.P.C.
68. Porém, caso assim não se entenda, o Recorrente considera que do depoimento desta testemunha, não podia o tribunal a quo deixar de considerar como matéria provada as alínea c) da factualidade considerada não provada.
69. (Passagem minuto 9: 42)- (Passagem minuto 20:43)- são as que contrariam a factualidade considerada provada.
70. Em síntese e de relevante, esta testemunha referiu que A Recorrida nunca deixou de trabalhar, nos dois lados, Segurança social e Lar, confirmou ter sofrido de excesso de trabalho na Segurança social. 
71. Em total contradição com a prova documental, afirmou ver a Recorrida depender de medicação psicológica, ter uma depressão e ter problemas financeiros.
72. Na gravação, á semelhança de todas as testemunhas arroladas pela Recorrida, é manifesta o sentimento de revolta e constante censura do Recorrente, o que retira a sua credibilidade total na produção de prova.
73. Com base neste tipo de depoimento, não pode o tribunal extrair conclusões que sustente qualquer ponto da matéria considerada assente.
74. CARLOS ……., psicomotricrionista cujo depoimento foi gravado na sessão de audiência e julgamento no dia 21-01-2019 com inicio pelas 15 horas e 11 minutos e termo pelas 15 horas e 36 minutos.
75. O depoimento desta testemunha é na perspectiva do Recorrente, aquele que merece a maior credibilidade na produção da prova deste processo.
76. Alias, a Exma. Julgadora teve o especial cuidado, de descrever por palavras, o juízo de valor que lhe atribuiu na sua motivação, considerando o seu depoimento “ sincero e honesto “, “ cuidadoso nas palavras evitando constrangimentos com qualquer das partes. “
77. Nesta parte, o Tribunal a quo, fez uma avaliação assertiva e correcta, já que esta testemunha foi a única que revelou total isenção.
78. Contudo, tal não significa que a Douta Sentença não mereça reparo, já que o Tribunal acabou por dele não extrair qualquer conclusão na motivação para a prova dos factos, o que não surpreende o Recorrente, atenta a postura da Exma. Sra. Juiz que evidenciou claramente falta de neutralidade e objectividade diante do “ choro “ da Recorrida.
79. Esta testemunha, que mereceu credibilidade, prestou declarações totalmente contraditórias com as declarações da Recorrida, dos seus irmãos e da sua melhor amiga, Carla ….. por esta razão, é imperceptível o raciocínio que levou o tribunal a quo a preterir este depoimento aos das testemunhas da Recorrida, já que sem exceção, revelaram uma relação de interesse no sucesso da sua demanda, por serem familiares directo e pessoas muitos próximas.
80. Não é também compreensível, como esta testemunha e Carina ……, ambos colegas de trabalho na Segurança Social e com relações de amizade, descrevem condutas e comportamentos da recorrida tão antagónicas.
81. Nestas duas versões em confronto, não se extrai da motivação, o que levou a Exma. Julgadora a desconsiderar uma versão em relação á outra totalmente oposta.
82. Relativamente ao sofrimento da Recorrida, o depoimento desta testemunha foi totalmente coincidente com a prova documental junta aos autos, frisando acha-la “mais magra.”
83. Escutando as gravações do depoimento de Carlos ….., este bem expressou a sua isenção ao ponto de evitar falar da relação das partes, focando-se no essencial na parte profissional.
84. Contrariamente ao depoimento da Testemunha Carina ….., a descoberta da existência de uma relação extra conjugal e de uma filha resultante desta relação não afectou a capacidade para o trabalho e não afectou particularmente a sua saúde.
85. Considera por isso o Recorrente, que o tribunal a quo cometeu erro na apreciação da prova já que com base neste depoimento não poderia considerar provados os pontos xv, xvi, xviii (à exceção da perda de peso) xviiii, xx, xxi, xxii, xxiii e as alíneas a) c), d), e) e f) deveriam antes serem consideradas com factualidade provada.
86. (Passagem minuto 6:46) - (Passagem minuta 9:34) - (Passagem minuto 11:40)- (Fim: minuto 24:30)
87. De realçar deste depoimento a afirmação de que há 2 anos atrás ocorreram alterações na Segurança Social, tendo a Recorrida mudado de local de trabalho, período esse que coincide concretamente com as consultas de acompanhamento psicológico da Recorrida, acrescentando ainda não ter notado quaisquer alterações na saúde da Recorrida na sua rotina diária profissional e pessoal.
88. ALDINA …… cujo depoimento foi gravado na audiência e julgamento no dia 07-02-2019 com inicio pelas 10 horas e 41 minutos e termo pelas 10 horas e 58 minutos: e CELSO …… reformado, cujo depoimento foi gravado na sessão de audiência e julgamento no dia 07-02-2019 com inicio pelas 10 horas e 59 minutos e termo pelas 11 horas e 36 minutos, por não ter ficado gravado no sistema integrado de gravação digital de forma perceptível, o Recorrente está impossibilitado de aferir do juízo de valoração do tribunal a quo quanto a estas duas testemunhas.
89. O Recorrente, B, empresário, cujas declarações foi gravado na sessão de audiência e julgamento no dia 07-02-2019 com inicio pelas 11 horas e 39 minutos e termo pelas 12 horas e 50 minutos:
90. Reitera-se que ao Tribunal Superior cumpre verificar a existência da prova, mas também, controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório (...) verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes.
91. Existindo desconformidade na forma como o tribunal dirigiu e controlou a produção da prova na decisão de primeira instância, esta pode ser modificada.
92. O Recorrente insurge-se contra o tribunal da 1ª Instância, pela forma como conduziu o seu interrogatório em total desrespeito ao dispositivo contido no Artigo 4°e 6° do C.P.C. e da inquirição realizada pela Exma. Sra. Julgadora ao Recorrente, não se pode extrair, nem prova, nem convicção fiável, muito menos uma justa e imparcial convicção sobre a veracidade ou falsidade da sua versão dos factos.
93. Está irremediavelmente comprometido qualquer juízo de valor do tribunal a quo, no que concerne á valoração das declarações do ora Recorrente, razão pela qual e para se aferir da legalidade ou não do interrogatório do Recorrente, impõe-se a audição do mesmo, porque apenas deste modo, poderá O Tribunal Superior controlar a sua legalidade.
94. (Passagem Minuto 8:30) - (Passagem 15:30) - (Passagem minuto Página | 58 18:55 até ao fim)
95. Ao longo da gravação é notória a impaciência, a irritabilidade e a incompreensão da Meritíssima Julgadora que ficou registada na alteração do seu tom de voz, nas suas observações pessoais e na rapidez da colocação das questões.
96. Com demasiada frequência, o Recorrente foi impedido de responder a questões que a Exma. Sra. Juiz considerava impertinentes, pesem embora relacionados com a sua contestação e referentes a factos concretos da vida do casal.
97. Quando o Recorrente pretendia apresentar a sua versão dos factos, designadamente no que concerne ao conhecimento da existência da sua filha pelos familiares da Recorrida, que aliás confirmaram em juízo que tinham transmitido as suas desconfianças á Recorrida, era interrompido.
98. Sentiu-se uma tensão, ao Recorrente não lhe era permitido desenvolver um raciocínio logico com plena liberdade.
99. O Recorrente estava nervoso e com o decorrer do interrogatório ainda mais ficou pelo tom intimidatório da inquiridora.
100. O Recorrente também emocionou-se, mas nem o seu nervosismo, nem a sua manifestação emocional foi digna de registo pelo tribunal a quo, que apenas se focou no “ choro” e suposta fragilidade da Recorrida.
101. Tal circunstância, por si só, é reveladora da falta de neutralidade e objectividade do Tribunal a quo que na sua motivação chega ao ponto de destacar em total desabono do Recorrente a sua personalidade como “egocêntrica”, a sua “ vitimização “ em vez de realçar a humildade de quem em juízo reconheceu o seu erro e confessa que deixou a recorrida triste e magoada.
102. Contrariamente á Recorrida, o Recorrente ficou perturbado e emocionado quando questionado sobre ruptura do casamento, evidenciando ainda presentemente, sentimento de afectividade pela sua ex-mulher ao ponto de ter afirmado em Juízo que aquando do divórcio, ainda tinha esperança no reatamento do seu casamento.
103. Pela forma como foi interrogado pela Exma. Sra. Juiz o Recorrente sentiu que não teve o mesmo tratamento em juízo que a Recorrida que foi tratada como se fosse a única e exclusiva vitima, totalmente inocente.
104. Por isso, o Recorrente, insurge e não deixa de manifestar a sua indignação por o tribunal a quo ter referido expressamente que o seu depoimento teve o intuito de “ vitimizar se “ com a solidão de estar sozinho no Continente.
105. Quem vitimiza-se, não se envergonha, nem assume com desgosto e emoção que não agiu correctamente para com a sua ex-companheira.
106. Quem vitimiza-se não assume em tribunal que tinha esperança de reatar com a Recorrida.
107. Quem vitimiza-se não elogia as suas excepcionais capacidades profissionais.
108. Foi desconcertante o interrogatório do Recorrente e até intimidador, existindo por isso justificação para o seu nervosismo.
109. Em resultado, foi proferida uma Sentença nula, injusta e profundamente parcial.
110. Impunha-se ao tribunal a quo apreciar objectivamente os factos alegados pelas partes em articulação com as provas documentais trazidas ao processo e apreciar com rigor a responsabilidade de cada um dos ex-cônjuges no incumprimento dos deveres conjugais que concorrem na produção dos danos reclamados pela Recorrida.
111. Por outras palavras, impunha-se julgar a “ vitimização “ de ambas as partes na produção dos danos objecto da presente demanda.
112. É inegável que o Recorrente escondeu da Recorrida a relação extraconjugal, mas também é inegável que a Recorrida preteriu da coabitação durante 10 anos com o recorrente por puro comodismo financeiro e egoísmo em prol de uma carreira profissional.
113. Dizem-nos também as regras da experiencia que, tendo a Recorrida sido alertada pelos seus familiares mais próximos e directos das suas desconfianças concretas sobre a existência de um relacionamento extra conjugal do seu ex-marido e da existência de uma filha, não se entende como o tribunal a quo deu como facto provado que a Recorrida, pessoa licenciada que exerce com funções de chefia e direcção em Instituições do Estado e num lar de idosos tivesse sido surpreendida da forma como foi e sem quaisquer desconfianças conforme alegado no ponto xii da matéria assente.
114. Trata-se de um facto irreal que contraria todas as regras da lógica e raciocínio experientes.
115. A tese da falta de desconfiança é indiscutivelmente contrariada, pelo depoimento dos seus irmãos da Recorrida, pelo Recorrente e pelo teor da informação clinica e relatório de consultas em acompanhamento psicológico que regista um desfasamento temporal de mais de 1 ano e meio, sem qualquer perturbação emocional após a suposta descoberta da filha do recorrente.
116. Também considera o Recorrente não ser de todo normal, “a excessiva” censura ao seu comportamento manifestada pela Exma. Sra. Julgadora, não obstante ter humildemente reconhecido ter magoado a sua ex-mulher com a sua relação extra conjugal e o nascimento da sua filha. 
117. Por duas vezes, o Recorrente dirigiu-se á Exma. Sra. Juiz e disse lhe, sempre respeitosamente, que sentia-se ofendido com os reparos que lhe dirigia.
118. Em conclusão, o Recorrente insurge-se por o tribunal a quo considerou provado o ponto xxvi, mas não apreciou nem subsumiu no direito objectivamente e em concurso a “recusa” da Recorrida em regressar ao continente com o Recorrente, na produção dos danos, como não assegurou um estatuto de igualdade substancial das partes.
119. Não basta o Tribunal a quo na sua douta Sentença referir que decidiu segundo a sua livre apreciação da prova com vista a alcançar a verdade material, que analisou criticamente entre si os diversos meios de prova, que os analisou de forma ponderada segundo a lógica e as regras da razoabilidade e experiencia comum se a forma como realizou esta busca da verdade material não obedeceu às regras gerais da inquirição a que os magistrados estão obrigados a respeitar.
120. A liberdade de apreciação da prova, configurada como uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a “ verdade material “ num compromisso com as garantias de defesa constitucionalmente consagradas, tem como tempero imposto por Lei um especial dever de fundamentação, a exigir que o julgador seja coerente, claro, neutro e transparente no percurso lógico que efectuou na formação da sua convicção.
121. Neste processo, o percurso e modo como o tribunal a quo apreciou e valorou o depoimento de parte do Recorrente está inquinado, porque da forma como o recorrente foi interrogado, não podia o tribunal a quo obter qualquer juízo de valorização ou desvalorização.
122. Desse tipo de inquirição, não se pode extrair, nem prova, nem convicção fiável, muito menos uma justa e imparcial convicção sobre a veracidade ou falsidade da versão dos factos apresentada pelo Recorrente.
123. Está irremediavelmente comprometido qualquer juízo de valor do tribunal a quo no que concerne á valoração das declarações do ora Recorrente, pelo que os pontos vii, xii, xiiii, xxix não podem ser considerados factos provados, nem pode o tribunal concluir que o recorrente agiu com requintes que tornam a sua culpa de grau elevado, por não afigurar minimamente credível a versão da Recorrida que não desconfiava nem nada sabia da relação extraconjugal e da filha do seu ex-marido.
124. Também não se compreende como o tribunal dando como provado que a Recorrida recusou regressar com o Recorrente ao Continente conforme alegado na sua contestação, não subsumiu tal conduta no Direito extraindo as necessárias consequências na demanda da Autora.
125. Em síntese, os v, vi, vii, xii, xiii, xv, xvi, xvii, xviii, xix, xx, xxi, xxii, xxiv não devem ser considerados como provados.
126. Acresce, a tudo o que anteriormente foi referenciado que, competia á Recorrida o ónus da prova dos danos por si reclamados, os quais por si só não se ajustam aos valores arbitrados pelos tribunais Portugueses por danos desta natureza a valores desta importância, como demostram inequivocamente falta de nexo de causalidade.
127. Quanto à matéria de DIREITO, da factualidade considerada provada, o tribunal a quo julgou o comportamento do Recorrente, moralmente censurável, constituindo uma conduta ilícita e uma violação dos seus deveres conjugais, designadamente, uma ofenda á personalidade e integridade moral da Recorrida.
128. Com a sua conduta, o Recorrente afectou a integridade moral da Recorrida, provocando-lhe sofrimento, humilhação, o que originou danos patrimoniais que implicaram a despesa global de € 514,00 até acção relativos a cuidados médicos especializados (psicologia).
129. Consequentemente, considerou erradamente o tribunal a quo que o comportamento do Recorrente, foi DETERMINANTE E EXCLUSIVO na produção dos danos, tendo agido dolosamente e com requintes que tornam a sua culpa de grau elevada.
130. Nos termos do disposto previsto nos artigos 483°, 563°, 566° julgou o tribunal a quo o pedido de indemnização Cível deduzido pela Recorrida totalmente procedente por provado, condenando o recorrente no pagamento a titulo de danos patrimoniais na importância de € 30,000,0, considerando a gravidade da sua conduta e repercussões na esfera da Recorrida, assim como na quantia de € 514,00 correspondente aos cuidados de saúde suportados por esta até á data da presente acção.
131. Salvo o devido respeito e que é muito, o Tribunal a quo violou o Artigos 1672°, 1673°, 487°, 496°, 497 e 570° do Código Civil e arbitrado de forma absolutamente exagerada o montante indemnizatório dos danos morais.
132. Num casamento, os cônjuges estão RECIPROCAMENTE vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e Assistência.
133. Acrescenta ainda o Artigo 1673° do C. Civil que, os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos, procurando SALVAGUARDAR A UNIDADE FAMILIAR. Através do casamento pretende-se que entre os cônjuges exista UM COMPROMISSO DE PLENA COMUNHÃO DE VIDA.
134. O casamento baseia-se na igualdade de direitos mas também de deveres dos cônjuges, sendo o principal objectivo dessa união, prosseguir uma vida comum e o bem da unidade familiar.
135. O Recorrente não se conforma com douta sentença proferida que focou-se e julgou exclusivamente a conduta do Recorrente, quando na sua contestação, em concreto no seu Articulado 7° alegou igualmente que a Recorrida se recusou a regressar ao continente facto aliás, assente no ponto xxvi.
136. O Tribunal a quo, no entendimento do Recorrente tinha de apreciar e avaliar essa conduta que foi considerada assente e alegada na contestação.
137. Não o tendo feito, proferiu uma Sentença Nula.
138. Mas ainda que assim não se entenda, o que não se concebe, salvo o devido respeito e que é muito, proferiu uma Sentença ilegal por violação ao Principio da Reciprocidade e Deveres Conjugais na constância do casamento.
139. A recusa da Recorrida em regressar com o Recorrente ao Continente, enquadra-se juridicamente na violação do dever de coabitação contemplado no nosso Código Civil.
140. Mais, da factualidade considerada provada, resulta inequivocamente uma CONCOMITÂNCIA DA VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS.
141. Para afastar a sua responsabilidade no incumprimento deste dever conjugal justificado por supostos compromissos financeiros e instabilidade financeira do Recorrente, cabia á Recorrida o ónus de fazer prova documental dessa factualidade.
142. Em matéria patrimonial, considera o Recorrente que não basta nem é suficiente alegar que se tem compromissos financeiros que a impedem de regressar e coabitar com o ex-marido ao Continente, como não basta alegar que é a exclusivamente a Recorrida que honra tais compromissos, até porque do divórcio não é a esta a realidade que resultou provada.
143. Afinal, quem em tribunal apresenta a tese da coitadinha palavra usada pela Exma. Sra. Juiz e quem se vitimiza é a Recorrida, sem apresentar uma única prova credível e documentada que era quem exclusivamente sustentava a família.
144. Na apreciação da culpa e consequências da conduta da recorrida na produção dos danos que alega, tinha ainda o tribunal proceder à respectiva graduação, considerando-se que, essa “recusa” por “alegados motivos financeiros” perdurou uma década.
145. O comportamento da Recorrida não se revelou menos censurável que o do Recorrente na violação dos deveres conjugais, evidenciando falta de empenho no compromisso do projecto de vida que tão falsamente projecta nesta demanda, desprezo pelo marido e pela união da sua família em benefício do seu próprio ego enquanto profissional que exerce cargos de chefia e direcção na ilha da Madeira e que segundo ela, não conseguiria recuperar no Continente.
146. Pessoas que não abdicam da sua carreira e estatuto profissional em beneficio da família, são pessoas que pouco se importam por projectos de união familiar, com a falta de afectividade e proximidade emocional e não tem por experiência e natureza, o desgosto, sofrimento, humilhação e depressão que o tribunal erradamente considerado como factos provados ao ponto de arbitrar a titulo de indemnização o valor integral da demanda da Autora.
147. No seu entender e respeitando o teor dos dispositivos legais contidos nos Artigos 1672°, 1673°, 1671, 483°, 570° e 572 do Código Civil, resultou provado da douta sentença que existe CONCOMITÂNCIA DA VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS, seja na responsabilidade da conduta de cada ex cônjuges, seja nas suas consequências e graduação de culpas por todas as razões referenciadas.
148. Finalmente, considera ainda o Recorrente que foi desrespeitado o dispositivo legal previsto no Artigo 562° do Código Civil.
149. Na fixação do valor indemnizatório, considerando em rigor o dano psicológico sofrido pela Recorrida em função dos documentos junto aos autos, (e apenas na eventualidade de V. Excelências confirmarem a existência do nexo de causalidade) importa o Tribunal Superior corrigir o montante da Indemnização da responsabilidade do Recorrente.
150. A Recorrida não correu risco de vida, não esteve hospitalizada, não teve de tomar medicação, não despendeu qualquer despesa em fármacos, não perdeu o seu trabalho, não perdeu a fama, honra e prestígio profissional, não deixou de trabalhar com o mesmo empenho e dedicação, não foi abandonada e desprezada por familiares, colegas ou amigos e não deixou de realizar as suas tarefas diárias.
151. Acresce ainda que resultaram da prova, outras causas que concorreram na produção do dano psicológico: o excesso de trabalho na Segurança Social com acumulação com funções de direcção no Lar de São Bento, reorganização na orgânica dessa Instituição que a obrigou a mudar de local de trabalho, processo de divorcio com julgamento.
152. O período da fragilidade também terá de ser levando em linha de conta na fixação, como a intensidade do sofrimento relativamente ao qual não foram prescritos fármacos.
153. Concluindo, sem prejuízo de julgaram V. Exa. e presente acção totalmente improcedente por não provado o nexo de causalidade entre a conduta do Recorrente e os danos alegados pela Recorrida, o valor indemnizatório no valor de € 30,000.00 é manifestamente exagerado e por respeito aos normativos legais previstos nos Artigos 1672°, 1673°, 487°, 496°,
497 e 570° todos do Código Civil, V. Excelências por ELEMENTAR JUSTIÇA não deixaram de julgar parcialmente improcedente a presente demanda reduzindo o valor de indemnização de forma Justa e equitativa, fazendo a Costumada JUSTIÇA!”
Em contra-alegações, a recorrida defende o acerto do decidido.
O recurso foi recebido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentação de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:
i) No dia 22 de Julho de 2017 foi proferida, no processo número 6742/16.1T8FNC, do Juízo de Família e Menores do Funchal, da Comarca da Madeira - J1, sentença onde se julgou procedente os pedidos ali efetuados, em concreto: decretar o divórcio entre a aqui Autora (doravante abreviadamente designada por A.) e o ora Réu e atribuir à A. a utilização provisória da casa de morada de família até à partilha ou à venda.
ii) A ação em causa foi objeto de recurso por parte do R. para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa - que até à presenta data, não notificou a A. do acórdão proferido-, somente no que concerne à atribuição provisória à A. da casa de morada de família.
iii) Na ação referenciada em 1. foi provado, entre outros factos, que:
1 A Autora, A, e o Réu, B , casaram um com o outro no dia 7 de setembro de 1991, sem convenção antenupcial.
2 Tiveram dois filhos em comum: Luís ……, nascido em 30 de Setembro de 1993, e Rafael ……, nascido em 20 de Novembro de 1999.
3 A criança Maria …… é filha de B (Réu) e de Helena ….. e nasceu em 14 de Fevereiro de 2013.
4 No mês de Agosto de 2016, a Autora descobriu que o Réu era pai de uma criança nascida em 14 de Fevereiro de 2013, melhor identificada no facto provado que antecede v. A Autora sente-se humilhada e com vergonha perante a família e todos os que vão tendo conhecimento do facto descrito no ponto anterior.
5 O facto referido em 4. gera na Autora um constante mal-estar, angústia, um sentimento de falhanço e de desconfiança, que lhe provoca um grande desgaste físico e emocional.
iv) No mês de Agosto de 2016, a A. descobriu que o R. era pai de Maria ….., nascida em 14 de Fevereiro de 2013, cuja mãe é Helena ……;
v) Esse facto fá-la sentir humilhada e com vergonha perante a família e todos os que vão tendo conhecimento desta situação,
vi) Gerando-lhe um constante mal-estar, angústia, um sentimento de falhanço e de desconfiança o que inelutavelmente lhe provoca um grande desgaste físico e emocional.
vii) A A. tomou conhecimento, por si, desta situação, somente em Agosto de 2016, ou seja, mais de três anos após o nascimento da criança.
viii) Criança que o R., sabe a A., acompanhou a gravidez e o nascimento.
ix) Todavia, sempre escondeu da A. e dos filhos de ambos esta situação, tendo inclusive apresentado a sua filha como uma “futura afilhada”.
x) Criança que fez, por bastantes vezes, parte dos convívios e do Lar da A. e dos seus filhos, sem que em nenhum momento o R. tenha referido que a “futura afilhada” era na realidade sua filha.
xi) Comportamento que manteve até à descoberta por parte da A., negando ainda assim esse facto, mas que através de uma certidão de nascimento daquela criança, na posse da A. e na qual constava como pai o aqui R., acabou por admitir.
xii) A A. viveu durante 3 (três) anos sem qualquer desconfiança na qual pudesse ser previsível ocorrer uma situação desta natureza, na medida em que não existiram neste hiato temporal, contabilizando-se o período de gestação, quaisquer discussões, separação física e sexual entre a A. e o R..
xiii) Toda esta situação - de modo particular o conhecimento em agosto de 2016 da existência de uma filha do R. fruto de uma relação extraconjugal - provocou, e provoca, na A. um grande desgaste físico, emocional, acompanhado de uma angustia constante.
xiv) Esta situação foi essencial para o rompimento da vida conjugal entre A. e R. e o desmoronar de um projeto de vida delineado aquando do casamento entre ambos firmado em 07 de setembro de 1991.
xv) Esta situação afetou e afeta, emocional e psicologicamente a ora A..
xvi) Levando-a, inclusive, a um estado depressivo.
xvii) Em virtude desse estado de saúde a A. perdeu peso, falta de apetite, insónias, falta de alegria de viver, o que a obrigou, por imposição dos seus familiares mais próximos, a ter que ser acompanhada por profissional devidamente habilitado.
xviii) A A. ao ver terminada a vida em comum com o R. sente-se desiludida e, acima de tudo, vencida e humilhada, tendo interiorizado que foi “usada” pelo R. durante mais de 25 anos de casamento.
xix) O que a fez contrair a supra referida depressão e que até ao presente ainda não conseguiu ultrapassar.
xx) Não obstante o acompanhamento psicológico que tem regularmente efetuado, a dissolução do casamento por força do adultério do R. constituiu o desmoronar de todos os seus projetos, de toda uma vida de trabalho e luta que sempre procurou atingir em conjunto com aquele.
xxi) Perante a dissolução do casamento pelo comportamento por parte do R. para com a A., esta sente uma profunda angústia, sofrimento psicológico, assim como sentimental, na medida em que assumiu o casamento com o R. como um projeto de vida, no qual depositou toda a sua esperança e se dedicou com todo o empenho.
xxii) A A. sofreu uma grande mágoa, perdendo a alegria de viver, tornando-se pessoa triste, deprimida, vivendo com vergonha dos seus familiares, amigos e colegas de profissão.
xxiii) A A. e o R. estavam casados há mais de 25 anos, têm dois filhos em comum (um com 24 anos de idade e outro com 18 anos de idade), são pessoas inseridas na comunidade, e no caso da A., com funções de grande responsabilidade e visibilidade na Região Autónoma da Madeira, onde reside, e residiu com o R., há largos anos.
xxiv) O comportamento do R. ao manter uma relação extraconjugal, ao assumir a paternidade decorrente do fruto dessa relação, mas apresentando-a no seu seio familiar como sua “futura afilhada”, sem nunca ter transmitido e/ou assumido perante a A. e os seus filhos a real condição daquela criança, demonstra um egotismo e falta de consideração pela dignidade e autoestima da A..
xxv) Também ficou provado na sentença do divórcio que o ora Réu, por motivos profissionais, necessitou de se ausentar com frequência da R.A.M e que regressava à ilha de 3 em 3 semanas, onde permanecia pelo período de 5 dias.
xxvi) Em determinada altura o ora R., propôs a A., para deixarem a ilha da Madeira e passarem a viver no continente o que a A. recusou.
Deu-se ainda como não provado na sentença que:
a. Durante o casamento da A. e R., desde que se deslocaram para a ilha da Madeira, que foram vários anos, ambos apenas permaneciam juntos cerca de 5 dias por mês.
b. A distância pessoal foi uma constante durante o casamento de ambos.
c. A A. não deixou de trabalhar, continuando a exercer a sua profissão sem quaisquer limitações.
d. A Autora também não deixou de conviver com os seus amigos e fazer a sua vida social, não transparecendo qualquer tipo de debilitação seja física seja psicológica.
e. A A. é e continua a apresentar-se bem, bem vestida, bem arranjada, continuando a ser a pessoa que era antes do divórcio.
f. A A. já se deslocou para a terra onde tem os seus familiares em Campo de Besteiros e é vista no café e restaurante, convivendo, bem apresentada não aparentando qualquer tipo de comportamento que se possa presumir que se encontre debilitada emocional e/ou fisicamente.
*                                          
III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre-nos apreciar:
- das nulidades da sentença;
- da impugnação da matéria de facto;
- da aplicação do direito aos factos (da violação pelo R. dos deveres conjugais e da obrigação de indemnizar a A.; do valor da indemnização devida).
A) Das nulidades da sentença:
Diz o apelante que a sentença é nula, nos termos do art. 615, nº 1, als. b) e c), do C.P.C., atenta a incongruência entre o ponto xxv) e a al. a) dos factos não provados, uma vez que foi confessado por ambas as partes que em média se encontravam 4/5 dias por mês (conclusão 42ª).
Diz também que a sentença é nula, nos termos do art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C., porque o tribunal não apreciou a conduta da A. respeitante à violação do dever de coabitação (conclusões 53ª, 136ª e 137ª).
Defende ainda que a sentença é nula, nos termos do art. 615, nº 1, al. b), do C.P.C., porque nada a mesma refere sobre a credibilidade do depoimento da testemunha Carina ….(conclusão 67ª).
Apreciando.
As nulidades da decisão previstas no art. 615 do C.P.C. de 2013 – à semelhança do que sucedia com as antes consagradas no art. 668 do C.P.C. de 1961 – constituem deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento.
O erro de julgamento corresponde a uma desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável. Haverá erro de julgamento, e não deficiência formal da decisão, se o tribunal decidiu num certo sentido, embora mal à luz do direito.
Há, designadamente, nulidade da sentença, quando esta “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (al. b) do nº 1 do art. 615), quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” (al. c) do nº 1 do art. 615) ou quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (al. d) do nº 1 do art. 615).
No que se refere à ausência de fundamentação (al. b) do nº 1 do art. 615), temos que a razão de ser da sanção prevista é a circunstância da motivação, quer de facto quer de direito, constituir pilar essencial da sentença ou, em geral, de uma qualquer decisão.
Como explica J. Alberto dos Reis a propósito desta mesma nulidade, embora em diverso quadro normativo: “(…) Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. (…)”. E, mais adiante: “(…) O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do nº 2 do art. 668º. (…)”. E ainda mais à frente: “(…) Pelo que respeita aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juiz cite os textos de lei que abonam o seu julgado; basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou. (…)”([1]).
Antunes Varela([2]) assinala, de igual modo, que a falta de fundamentação, de facto ou de direito, que motiva a nulidade da sentença é a falta absoluta, considerando também a jurisprudência maioritária que este tipo de nulidade só se verifica em caso de omissão absoluta de fundamentos e não perante uma fundamentação deficiente([3]).
Em resumo, a nulidade a que respeita a al. b) do nº 1 do art. 615 corresponde à falta absoluta de motivação, à ausência total de fundamentos de direito e/ou de facto.
Já a al. c) do nº 1 do mesmo art. 615 refere-se à contradição entre os fundamentos e a decisão ou a alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Por sua vez, no que se refere à omissão ou excesso de pronúncia, a al. d) do nº 1 do art. 615 do C.P.C. deve conjugar-se com o nº 2 do art. 608 do mesmo Código. Assim, ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nessa medida, se o mesmo deixar de pronunciar-se sobre questões que, nos moldes indicados, devia apreciar ou decidir de matérias de que não podia tomar conhecimento, a sentença é nula.
Aproximando do caso em análise, é manifesto que não pode ter-se como verificada qualquer das nulidades arguidas.
Quanto à alegada falta de fundamentação, é evidente que foram na sentença, além do mais, elencados os factos dados como provados e não provados, o que significa que se mostram devidamente especificados os fundamentos de facto que justificam a decisão, mostrando-se depois realizada a correspondente subsunção jurídica.
Por conseguinte, a assinalada falta, deficiente ou insuficiente fundamentação da resposta à matéria de facto é questão diversa que não gera a nulidade da sentença, conforme previsto no art. 615 do C.P.C. ou em qualquer outro normativo.
A argumentação do apelante dirige-se, aliás e no essencial, à justificação da decisão quanto à matéria de facto e ao exercício a que alude o art. 607, nº 4, primeira parte, do C.P.C., e não por referência à falta de factos (provados ou não provados) ou à ausência de motivação da decisão final da causa propriamente dita, só a estes respeitando a aludida al. b) do nº 1 do art. 615 do C.P.C..
O que sucede quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada é que a Relação deve determinar, ainda que oficiosamente, que a 1ª instância a fundamente, nos termos e para os efeitos previstos no art. 662, nº 2, al. d), do C.P.C., determinando a baixa do processo para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova([4]). Quer isto significar que a indevida motivação da resposta à matéria de facto permite, autonomamente, que a falta seja colmatada na 1ª instância por ordem do tribunal superior.
Da mesma forma, os vícios de deficiência, obscuridade, contradição ou excesso da factualidade enunciada na sentença poderão ser arguidos como fundamento do recurso de apelação ou conhecidos oficiosamente pelo tribunal superior, nas condições previstas no art. 662, nº 2, al. c), do C.P.C.([5]).
Ou seja, nem a indevida motivação da resposta à matéria de facto nem a deficiência nas respostas dadas dão lugar à nulidade da sentença, nos termos do art. 615, nº 1, do C.P.C.. A primeira apenas permite que a falta seja colmatada na 1ª instância por ordem do tribunal superior (al. d) do nº 2 do art. 662). A segunda poderá dar causa à anulação da decisão da 1ª instância se não for possível a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto (al. c) do nº 2 do art. 662).
Como temos por várias vezes observado em casos semelhantes, constituindo a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto a forma através da qual o juiz explica os motivos porque se pronunciou num certo sentido e não noutro, deu como provado certo facto e como não provado um outro, a inconsistência da explicação ou a incoerência do raciocínio seguido espelhadas na fundamentação a que alude primeira parte do nº 4 do art. 607 do C.P.C. constitui sobretudo argumento para atacar a própria decisão proferida sobre a matéria de facto. Isto é, não convencendo o juiz, através de uma explicação insuficiente e/ou contraditória, da bondade da decisão proferida quanto a certo(s) facto(s) que julgou provado(s) ou não provado(s), passará, em princípio, a parte descontente com essa decisão a dispor de motivos bastantes para a questionar, impugnando, para tanto, a própria decisão quanto à matéria de facto.
No caso em análise, apesar de não ter sido adotada na sentença a melhor técnica na fundamentação da matéria de facto, a verdade é que a mesma não é omissa nessa parte nem o apelante requer a remessa dos autos à 1ª instância, ao abrigo da al. d) do nº 2 do art. 662 do C.P.C.. A decisão de facto encontra-se, pois, motivada e indicados os meios de prova e razões que justificaram a convicção do julgador, se bem que de forma global (e sem referência individualizada a cada facto).
O que sucede é que o apelante discorda da decisão proferida quanto a determinados pontos de facto e com as razões que terão determinado a convicção do julgador, mas tal nada tem que ver com a invocada deficiente motivação do decidido neste tocante.
Assim, se o apelante considera que foram indevidamente valorizados meios de prova e/ou não concorda com a decisão de facto, tal constitui apenas motivo bastante para a impugnação das respostas dadas. De resto, o apelante não se mostrou limitado nesse exercício, atacando a decisão nesta vertente, como de seguida melhor apreciaremos.
Do mesmo modo, é medianamente evidente que a alegada falta de apreciação, pelo Tribunal a quo, da conduta da A. (a invocada violação por esta do dever de coabitação), nada tem que ver com qualquer vício formal da decisão.
O que se verifica, também aqui, é que o apelante não concorda com o enquadramento jurídico que foi feito dos factos apurados, na motivação de direito da sentença, mas tal constitui a invocação de um erro de julgamento.
Em suma, não ocorre a invocada nulidade da sentença em qualquer das vertentes referidas pelo apelante.
Da impugnação da matéria de facto:
Defende o apelante, em síntese, que devem dar-se como não provados os pontos v), vi), vii), xii), xiii), xv), xvi), xvii), xviii), xix), xx), xxi), xxii), xxiv) da matéria considerada provada e julgados provados os pontos a), b), c), d), e) e f) da matéria considerada não provada. Invoca os meios de prova que justificam, a seu ver, tal pretensão.
A recorrida sustenta, no essencial, o acerto do decidido.
Como é sabido, de acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C., o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.
Vejamos, depois de ouvidos os depoimentos prestados e vistos os autos.
Assinala-se, em qualquer caso, que se revelam inaudíveis os depoimentos das testemunhas Aldina … e Celso ….., não se mostrando, por sua vez, invocada oportunamente tal deficiência nos termos do nº 4 do art. 155 do C.P.C..
Na sentença, justificou-se genericamente a resposta à matéria de facto na apreciação global da prova, documental e testemunhal produzida, com ênfase na apreciação detalhada de cada depoimento.
O apelante defende, por sua vez, que os documentos juntos não justificam as respostas dadas, desvalorizando ainda as declarações de parte da A. e valorizando as do R.. Mais desvaloriza, reputando-os como tendenciosos, os depoimentos das testemunhas Luís …. e Maria …., irmãos da A., e de Carina Faria, amiga e colega desta, invocando como independente e a merecer maior credibilidade o depoimento de Carlos ….. ainda que o Tribunal a quo desconsiderou, sem razão, as declarações de parte do R..
- Pontos v) e vi) provados:
Deu-se como provado sob os pontos iv), v) e vi) supra:
“iv) No mês de Agosto de 2016, a A. descobriu que o R. era pai de Maria …., nascida em 14 de Fevereiro de 2013, cuja mãe é Helena …..;
v) Esse facto fá-la sentir humilhada e com vergonha perante a família e todos os que vão tendo conhecimento desta situação.”
vi) Gerando-lhe um constante mal-estar, angústia, um sentimento de falhanço e de desconfiança o que inelutavelmente lhe provoca um grande desgaste físico e emocional.”
O apelante entende que os factos constante dos ponto v) e vi) não se provaram.
Não lhe assiste razão.
Resulta dos depoimentos das testemunhas Luís ….. e Maria ……, irmãos da A., e de Carina ….., amiga desta há cerca de 12 anos e sua colega de trabalho, que a A. sofreu grande humilhação e vergonha perante a família e todos os que se deram conta da relação extraconjugal do R. referida no ponto iv), com o nascimento de uma filha, na pendência do casamento com a A. e da vida em comum de ambos.
Tal resulta igualmente evidenciado das declarações de parte da A. que referiu, além do mais, ter-lhe sido difícil “encarar as pessoas”, tanto mais que a A. e o R. eram considerados, perante todos, como um casal de referência e que, apesar da distância física, a relação entre ambos se mantinha sólida.
Do mesmo modo, ficou patenteado a partir de tais depoimentos que a A. sofreu com a situação um profundo abalo, experimentando um sentimento de falhanço e de desconfiança.
As testemunhas Luís …., Maria ….. e Carina …., não obstante a sua relação familiar ou de amizade com a A., mostraram-se credíveis e convincentes,
revelando idoneidade e conhecimento dos factos que acompanharam de perto, dada a relação próxima que mantinham com esta, tendo deposto de forma lógica e coerente por forma a permitir a convicção do Tribunal.
Por seu turno, a testemunha Carlos …., antigo colega da A., apesar de revelar isenção no seu depoimento, referiu não estar a par da separação do casal, afirmando desconhecer as razões do divórcio e mencionando ter apenas, depois do mesmo, encontrado ocasionalmente a A. com quem não mantém qualquer proximidade. Não evidenciou, assim, ter efetivo conhecimento dos factos atinentes à separação do casal e do impacto das causas do divórcio na vida da A..
A matéria dos ditos pontos v) e vi) impugnados é, por sua vez, inteiramente plausível e está conforme com as regras da experiência comum. Especialmente se tivermos em conta que o sucedido foi do conhecimento da população da localidade de onde é natural e reside a família da A. (na Gafanha da Nazaré) e em que o R. se passou a fazer acompanhar da filha e da mãe desta, pernoitando mesmo na casa que a A. e o R. ali construíram. E se considerarmos, ainda, que a A. exerce funções de chefia e direção na Segurança Social na Madeira onde é muito conhecida e dispõe de elevada reputação profissional (ver ponto xxiii) supra).
São de manter, assim, os pontos v) e vi) como provados.
- Ponto vii) provado:
Deu-se como provado sob o ponto vii) supra: “A A. tomou conhecimento, por si, desta situação, somente em Agosto de 2016, ou seja, mais de três anos após o nascimento da criança.”
O apelante entende que tal facto não se provou.
Somente o R., em declarações de parte, afirmou que foi ele próprio quem contou à A. que tinha uma filha, cerca de ano e meio depois do nascimento desta, o que está em contradição manifesta com o relatado, além do mais, pelos irmãos da A., Luís e Maria ……. Segundo estes referiram, na Páscoa de 2015, quando a família se reuniu na Gafanha da Nazaré, houve comentários sobre a existência de uma filha do R.. Na sequência, a A. confrontou o marido, em frente dos pais e de um irmão deste, na presença dos filhos do casal e da própria testemunha Maria ….., mas este negou o facto, convencendo-a de que se tratava de uma mentira. Segundo disseram os irmãos da A., esta até se afastou então da família e ficou do lado do marido, dizendo que não se metessem na vida dela.
Não se mostra, por sua vez, corroborada por qualquer testemunha a versão do R. neste tocante.
Finalmente, o facto referido em vii) está em coerência com o descrito no ponto iv) que o apelante não impugnou.
É de manter o ponto vii) como provado.
- Ponto xii) provado:
Deu-se como provado sob o ponto xii) supra: “A A. viveu durante 3 (três) anos sem qualquer desconfiança na qual pudesse ser previsível ocorrer uma situação desta natureza, na medida em que não existiram neste hiato temporal, contabilizando-se o período de gestação, quaisquer discussões, separação física e sexual entre a A. e o R..”
O apelante defende que tal facto também não se provou.
Segundo resulta dos depoimentos que acima descrevemos, começaram a existir rumores e certas desconfianças na família, pelo menos a partir da Páscoa de 2015, sobre a existência de uma filha de uma relação extraconjugal do R., mas este negava esse facto e a A. acreditou nele.
De acordo com o relatado pela A. em audiência, o comportamento deste para com ela nunca mudou – o que não foi minimamente contrariado por qualquer testemunha ou outro meio de prova – pelo que a A. não dava crédito ao que se dizia.
O próprio R. admite que durante bastante tempo (segundo o mesmo, cerca de ano e meio) escondeu da A. que tinha uma filha de outra relação, o que permite acreditar que lhe não terá dado razões para que a mesma achasse que algo mudara na relação entre os dois e que manteve com ela, mesmo após o nascimento daquela filha, a relação de sempre.
Finalmente, tal resposta confere com os indicados pontos iv) e vii).
É de manter o ponto xii) como provado.
- Pontos xiii), xv), xvi) e xvii) provados:
Deu-se como provado sob o ponto xiii) supra: “Toda esta situação - de modo particular o conhecimento em agosto de 2016 da existência de uma filha do R. fruto de uma relação extraconjugal - provocou, e provoca, na A. um grande desgaste físico, emocional, acompanhado de uma angústia constante.”
Sob o ponto xv) supra: “Esta situação afetou e afeta, emocional e psicologicamente a ora A.”
Sob o ponto xvi) supra: “Levando-a, inclusive, a um estado depressivo.”
E sob o ponto xvii) supra: “Em virtude desse estado de saúde a A. perdeu peso, falta de apetite, insónias, falta de alegria de viver, o que a obrigou, por imposição dos seus familiares mais próximos, a ter que ser acompanhada por profissional devidamente habilitado.”
O apelante desvaloriza o impacto do sucedido e defende que tal não terá já qualquer efeito na vida da A., admitindo apenas que esta perdeu peso.
No entanto, apenas o R., uma vez mais, o afirmou em declarações de parte, sendo certo que as testemunhas Luís ….., Maria ….. e Carina ….. referiram, em audiência de julgamento, que o decurso do tempo e todas as questões ainda pendentes associadas ao divórcio têm piorado a situação emocional e o sofrimento da A. que acabou por recorrer, por pressão da família, a ajuda médica e a um psicólogo para combater esse estado psíquico.
A própria A. referiu, de forma espontânea, em declarações de parte, que ainda hoje se interroga se determinadas situações ocorridas entre o casal não constituiriam sinal do que se passava, o que denota que tais acontecimentos continuam presentes na sua vida, causando-lhe enorme sofrimento.
Finalmente, consta de fls. 25 “Informação Clínica”, com data de 7.12.2017, subscrita por Psicólogo Clínico, atestando, no essencial, que o acompanhamento psicológico da A. se justificou na sequência das circunstâncias da rutura e conflito conjugal por que passou que “afetou e continua a afetar, de forma significativa, o seu estado de humor e bem-estar psicológico geral, desde o processo de descoberta da infidelidade até à convivência ocasional e presente com o cônjuge.”
O apelante invoca que a referida informação apenas foi emitida em 7.12.2017, baseada em indicações da A. perante o Psicólogo Cínico, e não fala em qualquer depressão daquela, pelo que não pode relacionar-se tal acompanhamento profissional com o que terá sucedido em Agosto de 2016, mais referindo que a A. nunca deixou de trabalhar.
As suas objeções, no entanto, não justificam a eliminação dos aludidos factos impugnados.
Por um lado, do referido documento não resulta que só então a A. tenha recorrido a acompanhamento clínico – antes se afigurando que terá procurado obter tal relatório nessa data a fim de instruir o presente processo (instaurado em 5.1.2018).
Por outro lado, ainda que só em Dezembro de 2017 tivesse procurado ajuda profissional, nem por isso tal significaria que não fossem os acontecimentos relacionados com a rutura conjugal a justificá-lo. De resto, não podendo um Psicólogo Cínico naturalmente atestar factos da vida pessoal da A., pode atestar o seu estado emocional e conferir as razões pelas quais foi oportunamente solicitado o apoio clínico, o que, na circunstância, não suscita dúvida razoável.
A circunstância da A. não ter ficado de “baixa médica”, como resultou dos depoimentos prestados, não significa, por sua vez, que não tenha sido emocionalmente afetada, constituindo o trabalho, em boa parte destes casos, a melhor reação para tentar atenuar o sofrimento.
Por fim, muito embora não conste textualmente da dita “Informação Clínica” a referência ao “estado depressivo” da A. e o mesmo não se encontre referido enquanto patologia clínica autónoma, cremos que o “estado depressivo” indicado no ponto xvi) se contextualiza no descrito estado emocional da A., de abatimento psíquico e de afetação significativa de humor desta a que se alude no texto da informação, o que os indicados irmãos e amiga da A. também corroboraram.
São de manter, por isso, os ditos pontos xiii), xv), xvi) e xvii) como provados.
- Pontos xviii), xix), xx), xxi) e xxii) provados:
Deu-se como provado sob o ponto xviii) supra: “A A. ao ver terminada a vida em comum com o R. sente-se desiludida e, acima de tudo, vencida e humilhada, tendo interiorizado que foi “usada” pelo R. durante mais de 25 anos de casamento.”
No ponto xix) supra: “O que a fez contrair a supra referida depressão e que até ao presente ainda não conseguiu ultrapassar.”
No ponto xx) supra: “Não obstante o acompanhamento psicológico que tem regularmente efetuado, a dissolução do casamento por força do adultério do R. constituiu o desmoronar de todos os seus projetos, de toda uma vida de trabalho e luta que sempre procurou atingir em conjunto com aquele.”
No ponto xxi)     supra: “Perante a dissolução do casamento pelo comportamento por parte do R. para com a A., esta sente uma profunda angústia, sofrimento psicológico, assim como sentimental, na medida em que assumiu o casamento com o R. como um projeto de vida, no qual depositou toda a sua esperança e se dedicou com todo o empenho.”
E no ponto xxii) supra que: “A A. sofreu uma grande mágoa, perdendo a alegria de viver, tornando-se pessoa triste, deprimida, vivendo com vergonha dos seus familiares, amigos e colegas de profissão.”
O apelante sustenta que tal factualidade não se provou.
Verifica-se que tais factos constituem, no essencial, repetição parcial uns dos outros e dos já antes julgados assentes, nomeadamente quanto à persistência dos efeitos psicológicos que a rutura conjugal e os seus especiais contornos provocaram na A..
Assim, em conformidade com os depoimentos prestados pelas já indicadas testemunhas Luís e Maria ….. e Carina ….. e na sequência do que vimos referindo, deve apenas alterar-se a redação de um deles e eliminar-se, por redundantes e/ou não demonstrados nos exatos contornos, os restantes.
Assim, cumpre eliminar os pontos xix), xx), xxi) e xxii), passando o ponto xviii) a ter a seguinte redação:
A A. ao ver terminada a vida em comum com o R. sente-se desiludida, vencida e humilhada, vendo desmoronar todos os projetos de vida que construíra com o mesmo, nos quais depositara esperança e a que se dedicara.”
- Ponto xxiv) provado:
Deu-se ainda como provado sob o ponto xxiv) supra: “O comportamento do R. ao manter uma relação extraconjugal, ao assumir a paternidade decorrente do fruto dessa relação, mas apresentando-a no seu seio familiar como sua “futura afilhada”, sem nunca ter transmitido e/ou assumido perante a A. e os seus filhos a real condição daquela criança, demonstra um egotismo e falta de consideração pela dignidade e autoestima da A..”
O apelante considera que tal também não se provou.
Neste tocante cremos estar perante uma mera conclusão que nada tem de novidade factual.
Ou seja, já consta dos pontos iv) a xii) que o R. manteve uma relação extraconjugal e teve uma filha dessa relação, apresentando-a no seu seio familiar como sua “futura afilhada”, sem nunca ter transmitido e/ou assumido perante a A. e os filhos do casal que essa criança era sua filha.
Interpretar o desvalor dessa conduta do R. é, salvo o devido respeito, inteiramente conclusivo, não tendo qualquer cabimento na matéria de facto.
Por conseguinte, elimina-se o dito ponto xxiv) supra.
Pontos a), b), c), d), e) e f) não provados:
O Tribunal a quo considerou ainda como não provado que:
“a. Durante o casamento da A. e R., desde que se deslocaram para a ilha da Madeira, que foram vários anos, ambos apenas permaneciam juntos cerca de 5 dias por mês.
b. A distância pessoal foi uma constante durante o casamento de ambos.
c. A A. não deixou de trabalhar, continuando a exercer a sua profissão sem quaisquer limitações.
d. A Autora também não deixou de conviver com os seus amigos e fazer a sua vida social, não transparecendo qualquer tipo de debilitação seja física seja psicológica.
e. A A. é e continua a apresentar-se bem, bem vestida, bem arranjada, continuando a ser a pessoa que era antes do divórcio.
f. A A. já se deslocou para a terra onde tem os seus familiares em Campo de Besteiros e é vista no café e restaurante, convivendo, bem apresentada não aparentando qualquer tipo de comportamento que se possa presumir que se encontre debilitada emocional e/ou fisicamente.”
O apelante entende que tais factos se provaram tendo em conta, no essencial, os depoimentos das já identificadas testemunhas Carlos …e Carina …. .
Sucede que nenhum dos referidos depoimentos ou outros permitem sustentar a prova da generalidade daqueles factos.
Na verdade, o que resultou do conjunto da prova é que o casal, oriundo da Gafanha da Nazaré, foi viver para a Madeira entre 1997/1998 por motivos profissionais do R., tendo a A. deixado o emprego que então mantinha. Por sua vez, tendo o R. ficado mais tarde desempregado, veio este trabalhar para o Continente, passando a ir à Madeira mais ou menos de 3 em 3 semanas, como referiram as testemunhas Carlos … e Carina ….e foi confirmado pelas declarações de parte da A. e do R..
Por conseguinte, não se fez a mínima prova de que, desde que foram para a Madeira, a distância pessoal entre ambos tenha sido uma constante.
Não há também, obviamente, qualquer contradição entre o ponto xxv) provado e o ponto a) não provado, porque se o primeiro somente se reporta ao que ficou provado no processo de divórcio, o ponto a) não provado refere-se a um suposto distanciamento físico de ambos desde que foram residir para a Madeira, factualidade de que não se fez a menor prova.
Por sua vez, não foi também feita a prova da matéria constante dos pontos d) a f), nem as indicadas testemunhas o confirmaram.
Mas ainda que tivesse sido feita a demonstração correspondente, tal sempre seria irrelevante para a decisão da causa, posto que estamos perante a descrição de uma simples aparência que a A. poderia até ter procurado transmitir a terceiros para proteger a sua imagem pública, sem que isso traduzisse necessariamente o seu estado emocional que é o julgado assente nos pontos de facto acima indicados.
Admite-se, em todo o caso, que foi feita prova suficiente de que, em data indeterminada e por motivos profissionais, o R. passou a ter necessidade de se ausentar da R.A.M., regressando à ilha de 3 em 3 semanas, e que a A. não deixou de trabalhar após Agosto de 2016, embora nenhuma testemunha tenha asseverado que trabalhou a partir de então sem quaisquer limitações (ver pontos a) e c) impugnados).
Assim, aditam-se dois novos pontos xxvii) e xxviii) ao elenco dos factos assentes com a seguinte redação:
“xxvii) Em data indeterminada e por motivos profissionais, o R. passou a ter necessidade de se ausentar da R.A.M., regressando à ilha de 3 em 3 semanas.”
“xxviii) A A. não deixou de trabalhar após Agosto de 2016.”
Repetimos, finalmente, e em jeito de síntese, que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas (art. 607, nº 5, do C.P.C.).
Como acentua, por outro lado, Luís Filipe Pires de Sousa([6]) – que também subscreve o presente acórdão como 2º adjunto – o standard de prova que opera no processo civil é “o da probabilidade prevalecente ou «mais provável que não»”, devendo preferir-se, entre as várias hipóteses de facto, a que conte com um grau de confirmação superior com relação às demais, tal como deve preferir-se a hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que falsa.
Em suma, e por quanto se deixa dito:
I. eliminam-se os pontos xix), xx), xxi), xxii) e xxiv);
II. o ponto xviii) a ter a seguinte redação:
A A. ao ver terminada a vida em comum com o R. sente-se desiludida, vencida e humilhada, vendo desmoronar todos os projetos de vida que construíra com o mesmo, nos quais depositara esperança e a que se dedicara.”
III.  aditam-se dois novos pontos xxvii) e xxviii) ao elenco dos factos assentes com a seguinte redação:
“xxvii) Em data indeterminada e por motivos profissionais, o R. passou a ter necessidade de se ausentar da R.A.M., regressando à ilha de 3 em 3 semanas.”
“xxviii) A A. não deixou de trabalhar após Agosto de 2016.”
IV. no mais mantém-se inalterada a resposta dada em 1ª instância à matéria de facto.
C) Da aplicação do direito aos factos (da violação pelo R. dos deveres conjugais e da obrigação de indemnizar a A.; do valor da indemnização devida):
Uma vez fixados definitivamente os factos, passemos ao respetivo enquadramento jurídico.
Na sentença julgou-se a ação totalmente procedente, condenando-se o R. conforme peticionado, afirmando-se, designadamente, que: “(…) Não merecerá dúvidas que o comportamento do R., para além de moralmente censurável, constitui uma conduta ilícita, e que constitui uma violação dos seus deveres conjugais, mas também uma ofensa à personalidade e integridade moral da A..
Com a sua conduta, afetou o R. a integridade moral da A., provocando-lhe sofrimento, humilhação, vergonha e depressão, o que por sua vez originou danos patrimoniais que implicaram a despesa global de €514,89 (quinhentos e catorze euros e oitenta e nove cêntimos) até à entrada da presente ação relativos a cuidados médicos especializados (psicologia) suportados.
No caso em apreço, estamos perante uma situação onde a eficácia causal do comportamento do R. é determinante e exclusivo na produção dos danos, tendo agido dolosamente e com requintes que tornam a culpa de grau elevado, como por exemplo apresentar a criança como sua afilhada e levá-la a frequentar a sua casa e levar a mãe da criança e esta para a casa de família no continente, aos fins de semana, numa terra pequena onde todos conheciam A. e R..
Da matéria de facto provada, resulta que dos factos praticados pelo R. e do seu comportamento advieram danos patrimoniais e não patrimoniais, que constituem pressuposto essencial da responsabilidade civil.
A obrigação de reparar um dano pressupõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo (cfr. art. 563° do Cód. Civil), que como já vimos, e existiu.
Quanto à indemnização, dispõe o art. 566° do Cód. Civil que esta é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
O pagamento da quantia peticionada pela reparação dos danos visa ressarcir a autora na tarefa de reposição natural da situação que existia antes dos factos e que a mesmo já levou a cabo, a suas expensas, sendo por isso inteiramente devida a indemnização em dinheiro.
Neste sentido Vide Ac. R.C. de 26/04/90: “A restauração natural não é possível se o lesado se adiantou na reparação, substituindo-se ao obrigado, caso em que o lesado só pode pedir a respetiva indemnização em dinheiro. ” (in Col.Jur., Tomo II, pág.73).
Apurou-se que despendeu já a autora a quantia global de €514,89 (quinhentos e catorze euros e oitenta e nove cêntimos) em consultas de psicologia, a que acrescem os juros moratórios vencidos desde a citação.
In casu, pretende a A. ser ressarcida no âmbito da presente ação, também e sobretudo, dos danos não patrimoniais por si sofridos na sequência dos factos praticados pelo R..
Peticiona a A. a condenação do R. no pagamento da quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais por si sofridos na sequência dos factos dos autos.
Nos termos do artigo 496°, n° l, do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Em tal caso se encontram os que acima se referiram na medida em que a integridade psíquica, moral e até física (depressão) constitui valor de suma importância merecedor de tal tutela (coisa diversa é o grau de gravidade da lesão que será apreciado em sede de fixação da indemnização).
Neste caso é óbvia a impossibilidade de reparação natural do dano. Em consequência, têm de procurar-se critérios que levem à determinação do indeterminável, ou seja, a exprimir em valor patrimonial aquilo que o não tem, por ser de outra ordem.
Nestas difíceis circunstâncias, o critério de fixação da indemnização funda-se na equidade, tem em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesado e do lesante e outras circunstâncias que concorram no caso - artigos 496°, n°3, e 494°, ambos do Código Civil.
No caso há que ter em conta o bem que a integridade moral e psíquica constitui e que foi lesado pela conduta e atuação dolosa do R. e a sua gravidade.
Dos autos resulta que A. e R. eram casados há quase 25 anos, tinham dois filhos, uma vida estável, sendo que o R. nunca deu a entender à A. que havia qualquer tipo de problema no casamento ou distância entre o casal.
Manteve a relação fora do casamento por mais de três anos, uma verdadeira vida dupla, com duas famílias, acompanhou a gravidez e parto da criança, e levou-a para casa, apresentando-a como afilhada à A. e filhos.
O R. atuou de forma egocentrista, com total falta de consideração pela dignidade e autoestima da A..
Resulta também que o R. nunca contou à A., tendo esta descoberto a situação acidentalmente, de forma pouco digna e humilhante, porquanto a família do R. (sogros da A.) estavam a par da situação comportando-se com aprovação da mesma, sendo que mesmo perante as evidências o R. negou os factos.
A A. sofreu grande mágoa, humilhação, tristeza e depressão, sentindo-se envergonhada perante familiares, amigos e colegas de trabalho.
A A. é pessoa de estatuto profissional e social elevado, sendo conhecida e considerada no meio em que se insere, onde desempenha funções de relevo.
A A. continua a ser acompanhada por médico especialista (psicologia) não tendo ainda conseguido ultrapassar a situação.
Em consequência, tudo ponderado, entende-se que a indemnização de €30.000,00 (trinta mil euros) peticionada pela A. é equilibrada e adequada.
Nesta conformidade, procede o pedido na sua totalidade.”
O apelante questiona no recurso, por um lado, a existência do nexo de causalidade entre o conhecimento que a A. teve da filha do R. e os invocados danos sofridos por esta. Por outro lado, considera que o Tribunal a quo não considerou, como devia, que a A. violou o dever de coabitação, recusando regressar com o R. ao Continente, o que é igualmente censurável. Finalmente, entende excessivo o valor arbitrado a título de danos não patrimoniais.
Vejamos.
A Lei nº 61/2008, de 31.10, veio pôr cobro ao divórcio litigioso fundado na violação dos deveres conjugais, consagrando o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, por rutura do casamento com os fundamentos previstos no art. 1781 do C.C., ainda que não exista culpa de qualquer deles.
Por sua vez, o art. 1792 do C.C., com a epígrafe “Reparação de danos”, passou a ter com a referida Lei a seguinte redação: “1 - O cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns.
2 - O cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea b) do artigo 1781.º deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento; este pedido deve ser deduzido na própria acção de divórcio.”
Assim, passou a permitir-se que o cônjuge lesado possa intentar ação nos tribunais comuns para efetivação de responsabilidade civil, nos termos gerais previstos nos arts. 483 e ss. do C.C.([7]).
Deste modo, foi eliminado o sistema do divórcio-sanção baseado na violação dos deveres conjugais, mas mantiveram-se os referidos deveres conjugais no art. 1672 do C.C. cuja violação não se sanciona hoje pela via da ação de divórcio mas que nem por isso deixam de merecer a tutela do direito conforme previsto no art. 483 do C.C..
Como se diz no Ac. do STJ de 12.5.2016 citado em rodapé: “(…) não obstante a abolição do sistema do divórcio-sanção, fundado na violação dos deveres conjugais, o certo é que se manteve o elenco de tais direitos/deveres enunciados no artigo 1672.º do CC, sendo que essa abolição deixou de fora o sancionamento daquela violação por via da ação de divórcio. 
Assim, independentemente de se discutir a natureza contratual ou não do casamento, parece inegável que a tais direitos/deveres é atribuída juridicidade bastante para assegurar o compromisso de plena comunhão de vida assumido pelos nubentes, nos termos dos artigos 1577.º e 1671.º do CC, não se divisando que a degeneração daqueles direitos/deveres em meras obrigações naturais seja adequada a acautelar os interesses dos cônjuges envolvidos nesse compromisso.
Por isso, acompanha-se a posição doutrinária de Duarte Pinheiro, quando considera que[..]:
   «(…) a previsão legal de deveres a que estão reciprocamente obrigados os cônjuges tem de ser interpretada como beneficiando de sanção jurídica, não só porque ao legislador não compete pronunciar-se sobre os assuntos que são do mero foro interno dos indivíduos mas também porque a Constituição incumbe o Estado da protecção da família (…)»   
Na mesma linha de raciocínio, não se afigura que o facto de a atual lei não admitir o divórcio-sanção com fundamento na violação dos deveres conjugais tenha o efeito de derrubar a tutela autónoma daqueles deveres nos termos gerais da responsabilidade civil, dantes já admitida pela generalidade da jurisprudência e por boa parte da doutrina e agora até expressamente ressalvada no n.º 1 do artigo 1792.º do CC.(…).”
São, por sua vez, pressupostos da responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, o nexo de imputação (do facto ao lesante), o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, estabelecendo o art. 483 do C.C. que: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
De acordo com o disposto no art. 1672 do mesmo Código, os cônjuges estão reciprocamente vinculados aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Como explica Antunes Varela, o dever de fidelidade recíproca corresponde ao compromisso da dedicação exclusiva dos cônjuges entre si e envolve a proibição de qualquer deles em manter relações sexuais com terceiras pessoas([8]). De acordo com o mesmo autor, a forma extrema da quebra do dever de fidelidade, a que se dá o nome de adultério, denomina-se por infidelidade material, mas existem, segundo defende, outras formas de traição a tal compromisso conjugal que podem designar-se por infidelidade moral([9]).
Por seu turno, o dever de respeito corresponde à obrigação que recai sobre cada um dos cônjuges de não atentar contra a integridade física ou moral do outro([10]). Trata-se do dever recíproco de consideração pela vida, pela integridade física e pela personalidade moral, na medida em que cada um dos cônjuges conserva o poder de disposição sobre os assuntos de carácter estritamente pessoal, não abdicando, por força do casamento, das suas liberdades individuais ou dos seus direitos de personalidade.
Tal como se afirmou no Ac. da RL de 21.6.2004([11]): “(...) É sabido que, apesar do casamento ter por finalidade a plena comunhão de vida, a entrega de cada um dos cônjuges no outro, não elimina a personalidade de nenhum deles.
Fazendo surgir «uma unidade moral de tal modo que a dignidade, a honra, a reputação de um dos cônjuges são, ao mesmo tempo, a dignidade, a honra, a reputação do outro» (Pereira Coelho, ob. cit., pág. 315), não destrói a individualidade de cada um deles, não anula esses valores na pessoa de cada um, antes se poderá dizer que, numa relação salutar, até os desenvolve e estimula.
Nessa medida, aceita-se que se a todos é de exigir o respeito pela honra, dignidade e consideração social de cada um dos cônjuges, por maioria de razão tal exigência se impõe ao outro cônjuge. (...)”.
O dever de coabitação, por sua vez, envolve a comunhão de cama, mesa e habitação do casal e encontra-se especialmente relacionado com o disposto no art. 1673, nº 1, do C.C., segundo o qual “Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar.”
Revertendo para o caso em análise, cremos que a matéria de facto definitivamente fixada patenteia, de forma clara, a existência de um nexo causal entre a descoberta pela A. da infidelidade do R. e da existência de uma filha deste fora do casamento, então com três anos de idade, e o estado emocional e psicológico gerado na A. que continua a afetá-la.
Assim, provou-se, designadamente, que a referida descoberta, ocorrida em Agosto de 2016, e as circunstâncias que a rodearam, provocou e provoca na A. um grande desgaste físico, emocional, acompanhado de uma angústia constante, que foi essencial para o rompimento da vida conjugal entre A. e R. e o desmoronar de um projeto de vida delineado aquando do casamento entre ambos firmado em 7.9.1991, levando a um estado depressivo da A. que persiste apesar do acompanhamento clínico a que recorreu (cfr. pontos iv) a xvii) supra).
Por conseguinte, e contra o que defende o apelante, mostra-se inequívoca a existência de nexo causal entre o comportamento do R. e o estado emocional de que padeceu a padece a A.. Pode até admitir-se, de acordo com as regras da experiência comum, que à persistência do referido estado psíquico da A. não será indiferente a conflitualidade que se mantém entre esta e o R. (e de que é exemplo o presente processo), mas tal não invalida a existência de um efetivo nexo causal entre o referido comportamento do R. e o abalo emocional sofrido pela A..
Acresce que as particulares circunstâncias que rodearam o caso consubstanciam não só grave violação do dever de fidelidade por parte do R., mas também grave violação do dever de respeito, por atentar, em simultâneo, de forma evidente, contra a integridade moral da A..
Com efeito, o R. acompanhou a gravidez e o nascimento da referida criança em Fevereiro de 2013, mantendo sempre o mesmo relacionamento com a A. de quem escondeu a situação, tendo inclusive apresentado aquela sua filha como uma “futura afilhada”, comportamento que manteve até à descoberta da realidade por parte da A., em Agosto de 2016, negando sempre o facto que acabou apenas por admitir perante a exibição de certidão de nascimento daquela criança em poder da A. (pontos iv) a xi) supra).
É essa particular conduta do R. – outros factos, porventura relevantes, não foram recolhidos na matéria de facto assente, pelo que não podem ser considerados na decisão – que explica, nomeadamente, a humilhação e vergonha sentidas pela A. perante a família e os que a rodeiam e vão tendo conhecimento desta situação.
Por conseguinte, o juízo de censura que merece a conduta do R. não tem apenas que ver com a infidelidade praticada mas com a forma como lidou com toda a situação, mantendo a vida em comum com a A. nos moldes habituais e escondendo a existência de uma filha fora do casamento que foi insinuando na família como “futura afilhada” durante pelo menos três anos e até já não poder negar mais a realidade, sem mostrar qualquer consideração pela dignidade e autoestima da A..  
Diz o apelante que a recorrida violou, por sua vez, o dever de coabitação o que é igualmente censurável, pois recusou viver no Continente com o R..
Antes de mais, assinala-se que a violação do dever de coabitação não constituiu causa do divórcio entre a A. e o R., de acordo com a sentença referida nos pontos i) a iii) dos factos assentes, sendo duvidoso que o direito de reparação de danos a que alude o art. 1792 do C.C. possa considerar outros factos que não constituíram fundamento desse mesmo divórcio.
Admitindo, no entanto, que o referido normativo não impõe tal restrição, tendo em conta a remissão aí feita para os termos gerais da responsabilidade civil, analisemos se a A. violou tal dever.
Provou-se, com efeito, que, em determinada altura, o R. propôs à A. que deixassem a ilha da Madeira e passassem a viver no Continente o que a A. recusou (ponto xxvi) supra).
Sucede, porém, que tal facto se encontra avulso na matéria assente e totalmente descontextualizado, desconhecendo-se quando e em que circunstâncias tal sucedeu ou mesmo se o R. não terá então aceitado essa solução e concordado ambos com a manutenção da situação existente, ainda que de forma temporária.
O facto de a A. recusar, em determinada altura, que a família passasse a viver no Continente, não significa que tal decisão fosse definitiva ou até irrazoável em razão das exigências da vida profissional de ambos e do concreto interesse dos filhos nesse momento. Sobretudo, porque não fica minimamente demonstrado que se tratasse de uma postura reiterada e teimosa da A., contrária aos interesses da família, nem se prova que a diferença de opinião sobre o tema, nessa certa ocasião, tenha constituído causa da rutura conjugal.
De resto, também não ficou demonstrado sequer que o R. não pudesse prosseguir a sua atividade profissional na Madeira ou não pudesse ali permanecer durante mais tempo.
Os cônjuges devem, efetivamente, escolher de comum acordo a residência da família, o que vale por dizer que devem concertar vontades num mesmo sentido, mas não que deva prevalecer a vontade de um sobre a do outro e, muito menos, que devesse prevalecer, no caso, a vontade do R.. A salvaguarda da vida familiar não se faz sempre e a todo o tempo de uma vivência comum e permanente, mas também da realização pessoal e profissional de cada um dos cônjuges e da segurança e conforto financeiros que a atividade laboral de cada um deles representa no seio da família de acordo com o projeto de vida do casal e com a pretendida educação dos filhos.
Não é invulgar, nos tempos de hoje e com a globalização, encontrar famílias mais ou menos tempo afastadas fisicamente em razão das escolhas profissionais que fizeram os seus membros, sendo que na maioria dos casos ambos os cônjuges trabalham, com direito, naturalmente, cada um deles, à realização profissional que ambiciona. Longe vão, pois, os tempos em que o marido sustentava a casa e a mulher, seguindo-o sempre, cuidava apenas dos filhos.
Rejeita-se, em última análise, que o R. pretenda, com a alegada violação do dever de coabitação pela A., “justificar” a infidelidade e a “vida dupla” que escolheu ter.
Em suma, não se vislumbra que a A. tenha violado o dever de coabitação por, em determinada altura, ter recusado que a família passasse a viver no Continente.
Por sua vez, como dissemos, é incontornável que o R. violou, de forma grave e especialmente censurável, os deveres conjugais de fidelidade e respeito.
Aqui chegados, verificando-se que o R. agiu ilicitamente, violando, com culpa, direitos subjetivos e de personalidade da A., a sua integridade moral e física – direitos especialmente consagrados nos arts. 24 a 26 da Constituição da República Portuguesa e no art. 70 do C.C. – causando-lhe danos, resta conferir se tais danos são indemnizáveis e o valor da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais que o apelante contesta.
Tal valor foi arbitrado na sentença em € 30.000,00, conforme peticionado.
Há dano não patrimonial “sempre que é ofendido, objectivamente, um bem imaterial, como a integridade física ou a vida, ainda que essa ofensa não seja acompanhada, subjectivamente, de sofrimento.”([12]).
Estabelece, por seu turno, o art. 496 do C.C. que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, excluindo-se destes, como é prática jurisprudencial, os simples incómodos ou contrariedades.
Mais se estabelece no mesmo preceito que o montante indemnizatório deve fixar-se com recurso à equidade, tendo em atenção, de todo o modo, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 496, nº 3, e 494 do C.C.).
No que respeita à gravidade do dano, deve esta “medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (…)”([13]). Isto é, a gravidade do dano não deve ter em conta, designadamente, a sensibilidade especialmente exacerbada do lesado.
Comprovou-se que, com a rutura do casamento depois de saber que a dita “futura afilhada” do R. era afinal filha deste, a A., para além da humilhação e vergonha perante familiares e terceiros a que foi sujeita, sofreu e sofre desgaste físico, emocional e angústia, ficou em estado depressivo, perdeu peso, falta de apetite, insónias e falta de alegria de viver, recorrendo mesmo a ajuda profissional de acompanhamento.
Isto é, a conduta do R. lesou a integridade psíquica da A..
Não se apurou, todavia, que, por causa da referida conduta do R., a A. tenha sofrido patologia depressiva profunda que a impossibilitasse de trabalhar ou de fazer a sua vida normal ou que o transtorno psicológico sofrido seja irreversível ou invencível, apesar de se manter ainda à data da propositura da ação (Janeiro de 2018) ou mesmo à data da realização da audiência de julgamento (em Janeiro/Fevereiro de 2019), de modo a afetar de forma permanente a A. ou impedi-la de retomar, a prazo, uma existência equilibrada.
Estamos, de todo o modo, perante consequências cuja gravidade justifica, em nosso entender, uma compensação indemnizatória, sendo que, de acordo com os parâmetros acima indicados, há que atender ainda ao grau de culpabilidade do R., à situação económica deste e da A. e às demais circunstâncias do caso.
Sucede que nada se apurou nestes autos sobre a situação económica de cada uma das partes, constando apenas como provado na sentença de divórcio referida nos pontos i) a iii) supra que a A. é técnica superior no Instituto da Segurança Social da Madeira, auferindo um vencimento mensal líquido de € 1.775,37, e que o R. é empresário.
Ou seja, nada se tem como minimamente comprovado sobre a condição económica do R. e/ou seus proventos. Ainda assim, era ao mesmo que caberia a alegação e prova dos factos impeditivos ou modificativos do direito da A. (art. 342, nº 2, do C.C.), nomeadamente, de que não dispunha de recursos económicos para pagar a indemnização reclamada, o que não logrou fazer.
Donde, tendo em conta a culpa do R. e as demais circunstâncias do caso acima indicadas, mostra-se equitativo e ajustado fixar o valor da indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela A. em € 20.000,00.
Procede, por isso, apenas em parte e nos moldes sobreditos o recurso interposto pelo apelante/R..     
*
IV- Decisão:
Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença no ponto 1. do segmento decisório e fixando o valor aí fixado, a título de indemnização por danos não patrimoniais, em € 20.000,00, mantendo-se no mais o decidido.
Custas na proporção do vencimento.
Notifique.

Lisboa, 29.9.2020
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho              
Luís Filipe Pires de Sousa
_______________________________________________________
[1] “Código de Processo Civil Anotado”, 1984, vol. V, págs. 139, 140 e 141.
[2] Ver “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., págs. 687/688.
[3] Cfr., entre muitos outros, os Acs. do STJ de 5.5.2005, Proc. 05B839, e de 22.1.2004, Proc. 03B4278, os Acs. da RC de 17.4.2012, Proc. 1483/09.9TBTMR.C1, e de 15.3.2011, Proc. 538-E/1999.C1, e o Ac. da RG de 15.5.2012, Proc. 3264/11.0TBGMR-D.G1, todos em www. dgsi.pt, e ainda os Ac. RL de 10.3.1994, CJ, 1994, t. 2, pág. 83, e de 1.10.92, CJ, 1992, t. 4, pág. 168.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, págs. 242 a 244.
[5] M. Tomé Soares Gomes, “Da Sentença Cível”, CEJ, Janeiro de 2014, pág. 45.
[6] In “Prova por Presunção no Direito Civil”, 2017, 3ª ed., pág. 169.
[7] Cfr. o Ac. do STJ de 12.5.2016, Proc. 2325/12.3TVLSB.L1.S1, e o Ac. do STJ de 17.9.2013, Proc. 5036/11.3TBVNG.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8]Cfr. “Direito da Família”, 1982, pág. 275.
[9] Antunes Varela , ob. cit., pág. 276.
[10] Ainda Antunes Varela, ob. cit., pág. 295.
[11] Proc. 5911/2004-6, em www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Galvão Telles, “Direito das Sucessões”, 5ª ed., pág. 78.
[13] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 499.