Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
648/2007-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/03/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Para que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respectivo conteúdo, exige o cit. art. 437º que se achem reunidos cumulativamente os seguintes requisitos:
a) que a alteração considerada relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar, isto é, a circunstâncias que, ainda que não determinantes para ambas as partes, se apresentem como evidentes, segundo o fim típico do contrato, ou seja, que se encontrem na base do negócio, com consciência de ambos os contraentes ou razoável notoriedade - «como representação mental ou psicológica comum patente nas negociações (base subjectiva), ou condicionalismo objectivo apenas implícito, porque essencial ao sentido e aos resultados do contrato celebrado (base objectiva);
b) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal, isto é, imprevisível ou, ainda que previsível, afectando o equilíbrio do contrato;
c) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, quer porque se tenha tornado demasiado onerosa, numa perspectiva económica, a prestação de uma das partes (conquanto não se exija que a alteração das circunstâncias coloque a parte numa situação de ruína económica, a manter-se incólome o contrato), quer porque a alteração das circunstâncias envolva, para o lesado, grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial;
d) que a manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa fé negocial;
e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, isto é, que a alteração anómala das circunstâncias não esteja compreendida na álea própria do contrato, isto é, nas suas flutuações normais ou finalidade ou nos riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo contratual celebrado.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível da Relação de Lisboa:
Nas Varas Cíveis de Lisboa, T PETRÓLEOS, S.A., com sede em Lisboa, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, contra M & CA., LDª, com domicilio no Porto, e BANCO, S.A., com sede em Lisboa, peticionando a condenação solidária das Rés no pagamento à A. da importância total de € 102.732,10 (cento e dois mil, setecentos e trinta e dois euros e dez cêntimos), dos quais:
1. € 67.408,05 (sessenta e sete mil, quatrocentos e oito euros e cinco cêntimos) relativos ao valor de rappel adiantado pela A. à primeira R.;
2. € 22.854,10 (vinte e dois mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e dez cêntimos) de juros moratórias vencidos desde a data de interpelação para pagamento até 14.09.2003;
3. € 12.469,95 (doze mil quatrocentos e sessenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos) a titulo de cláusula penal e de indemnização pela resolução do contrato;
4. juros vincendos à taxa máxima legal, acrescida de três pontos percentuais, até integral pagamento.
Para tanto, alegou, resumidamente, que a 1ª Ré, com quem a A. celebrou, sucessivamente, dois contratos de fornecimento de produtos petrolíferos – o 1º em 10/2/1997, rescindido por mútuo acordo em 31/12/1999 (visto a 1ª Ré ter incumprido as obrigações nele assumidas) e o 2º em 1/1/2000 -, incumpriu também este 2º contrato, não adquirindo à A. nenhuma quantidade de produto durante todo o ano de 2000, apesar de se ter obrigado a adquirir à A. 8.960 litros de lubrificantes entre 1/1/2000 e 31/12/2000, motivo pelo qual a A. resolveu tal contrato, com efeitos desde 29/5/2001, ficando a 1ª Ré constituída na obrigação contratual de liquidar à A.:
a) de imediato, o valor recebido a título de adiantamento de rappel, prestado pela A. à 1ª Ré a título de incentivo financeiro prestado, depois de feitas as deduções contratualmente acordadas;
b) Juros de mora vencidos sobre esse valor, calculados à taxa de 15% (juros legais + 3%) a contar da data da rescisão, até integral pagamento;
C) Esc.500.000$00/ € 2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), a título de penalidade por incumprimento.

Ambas as Rés contestaram, pugnando pela total improcedência da acção.

O R. BANCO sustentou que a garantia por si prestada se destinava a caucionar o recebimento do montante de rappel adiantado, no âmbito do primeiro contrato celebrado entre a A. e a 1ª Ré, o qual foi rescindido, por mútuo acordo, entre as partes. Pelo que, uma vez que as partes no segundo contrato consignaram inclusivamente um montante diverso, em sede de garantia bancária a prestar, e que o montante de rappel adiantado por força do novo contrato divergia do primeiro, a garantia antecedentemente prestada não poderia ser accionada por incumprimento do segundo contrato. No entanto, ainda que tal fosse admissível, o montante pelo qual o 2.° Réu poderia de ser responsabilizado seria tão somente o montante devido a título de rappel adiantado (e não todas as obrigações contratuais relativas a fornecimentos e outras). Pelo que, em caso de incumprimento contratual por parte da 1ª Ré, nenhum outro valor poderia ser exigido ao 2º R., para além do montante do rappel adiantado na pendência do 2º contrato que, a partir de 1/1/2000, passou a vigorar entre a A. e a 1ª Ré (Esc. 13.514.200$00 ou € 67.408,05).

A Ré M & CA., LDª, por sua vez, alegou, nuclearmente:
- que, na realidade, a A. não entregou à Ré, como adiantamento a título de «rappel», a quantia de vinte milhões de escudos, mas sim e tão-só a de dez milhões de escudos, pois que da importância de vinte milhões de escudos que recebeu da A., a 1ª Ré teve de, por imposição da A. e no exclusivo interesse desta, entregar a um terceiro dez milhões de escudos;
- que, embora sempre tivesse querido cumprir o segundo contrato, as circunstâncias que inesperadamente sobrevieram (obras de suposta requalificação da Rua Sá da Bandeira e outros arruamentos do centro da cidade, promovidas por causa do evento Porto 2001 e pela Metro do Porto, a conta gotas) transformaram uma rua movimentadíssima em buracos e lamaçal, durante vários anos a partir de 1999, o que inviabilizou o rumo dos negócios da 1º Ré, que até se viu obrigada, pelos impedimentos ao trânsito que as mesmas criaram e pela consequente muito significativa redução das vendas, a despedir trabalhadores, pelo que o Tribunal deveria, em face da modificação decorrente daquele atraso na reabertura ao tráfego da via em que se situava o estabelecimento, ter por derrogado o principio "pacta sund servanda" e fixar a modificação do contrato, nos termos do art. 437º do Código Civil, de modo a que:
- O incumprimento, com suas consequências, seja reduzido a 60% e,
- Seja levado à conta de dispensa de devolução do montante de dez milhões de escudos de "rappel".

A Autora replicou.
O processo foi saneado, fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos.
Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 14/7/2006) sentença final que, julgando a acção totalmente procedente, condenou ambas as Rés, solidariamente, no pagamento à Autora da quantia de € 67.408,05 (sessenta e sete mil quatrocentos e oito euros e cinco cêntimos), relativa ao valor de rappel adiantado pela Autora à 1ª. Ré, € 22.854,10 (vinte e dois mil, oitocentos e cinquenta e quatro euros e dez cêntimos), relativa a juros moratórios vencidos desde a data de interpelação para pagamento até 14 de Setembro de 2003, € 12.469,95 (doze mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos), a titulo de cláusula penal e de indemnização pela resolução do contrato, bem como os juros vincendos às taxas legais, sucessivamente em vigor, acrescida de três pontos percentuais, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, a Ré M & CA., LDª interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes conclusões:
“1ª- Dos factos apurados nos presentes autos, mormente dos constantes dos Factos Assentes, alíneas O), R), AT), AU), AW), P) e AY) alcança-se que a A. não entregou à R.-recorrente, como adiantamento a título de «rappel», a quantia de vinte milhões de escudos (hoje, € 99.759,57) mas sim e tão-só a de dez milhões de escudos (hoje, € 49.879,78),
2°- Pois que daqueles vinte milhões ficou obrigada a entregar a outrem, por imposição da A. e no exclusivo interesse dela A, dez milhões de escudos — como efectivamente entregou.
3ª- Ao decretar-se que a R. tem de «restituir» à A. o que dela recebeu para não ser integrado na sua esfera jurídica, dela R., obriga-se a R. a entregar à A.... o que dela efectivamente não recebeu ou, melhor, o que dela recebeu mas não por título translativo de propriedade, o que redunda em idêntica situação.
4ª- Legitima-se dessa forma um enriquecimento da A. à custa da R., sem causa que o justifique, um ilícito locupletamento à custa alheia: Cód. Civil, art. 473°, «a contrario»): a A. verá o seu património enriquecido, a R. o seu património concomitantemente empobrecido – e tal sem qualquer causa que legitimamente o permita.
5ª- O ponto 1. da Base Instrutória contém matéria de direito, que não matéria de facto, uma vez que, saber se «o remanescente do rappel a devolver à A.» é de «x» ou de «y», é matéria a extrair de factos que permitam essa conclusão;
6ª- Como tal, não poderá a resposta a esse ponto servir para fundamentar qualquer decisão desfavorável à defesa apresentada pela R., ora recorrente, antes, como matéria conclusiva que é, deverá simplesmente ter-se por não escrita.
7ª- Todavia, ainda que se considere que tal ponto não contém matéria conclusiva, tal não colide com o rigor e a validade do que se deixou dito nas precedentes 1 a 4ª conclusões.
Sem prescindir:
8ª- O que ficou provado, de harmonia com a resposta ao ponto 1. da Base Instrutória, conjugado com a alínea AB) da matéria assente, foi que «o remanescente do "rappel" que a 1ª R. deveria devolver à A. para efeitos meramente contabilisticos, cifrava-se em € 67.403,05».
9ª- O que é dizer, esse cômputo da devolução não se consubstanciava em uma entrega efectiva, mas sim e tão-só para efeitos meramente contabilísticos – o que não equivale, nem pode nunca equivaler, a uma devolução em termos reais e efectivos – pelo que uma obrigação de devolução para os aludidos efeitos, não pode sustentar uma condenação numa efectiva restituição, como faz a sentença recorrida.
Acresce ainda que:
10ª- Não poderá argumentar-se, em desabono do atrás referido, com a questão que a sentença parece deixar subentendida (sem porém o dizer explicitamente) de a quantia aplicada em sponsorização constar do primeiro documento, mas não do segundo – pois que se encontra provado que este último mais não constitui do que um aditamento ao «primeiro contrato», um apêndice deste, mas sem a vertente da sponsorização (Factos Assentes, alínea BF) e resposta ao ponto 10° da BI).
11ª- Ou seja, o «segundo» apenas concede mais prazo à R. para a compra dos produtos da A., não invalidando o «primeiro», nem fazendo desaparecer a obrigação que neste último foi estipulada – e cumprida – da entrega a terceiro, em beneficio exclusivo da A., da quantia correspondente a metade do que a R. dela recebera.
12ª- Sem conceder, se erroneamente se defendesse (o que a sentença recorrida não chega a fazer) que à luz do dito «segundo contrato» a R. já teria de «devolver» à A. o que dela não recebera, então esse «segundo contrato» conteria uma promessa de liberalidade, que sempre seria, como tal, legalmente impossível (cf. por todos, Ac. STJ, 20-11-1986, BMJ, 361° - 515).
Por outro lado ainda e caso assim se não entenda:
13ª - As circunstâncias que inesperadamente sobrevieram após a celebração do contrato (obras de suposta requalificação da Rua Sá da Bandeira e outras do centro da cidade, devidas ao evento Porto 2001 e ao Metro do Porto) transformaram essa rua, movimentadíssima, em buracos e lamaçal, durante vários anos a partir de 1999 — factos notórios que, como tal, não carecem de alegação ou prova (Cód Proc. Civil, art. 514°-1).
14ª- O que inviabilizou o rumo dos negócios da apelante, que até se viu obrigada, pelos impedimentos ao trânsito que as mesmas criaram e pela consequente muito significativa redução das vendas, a despedir trabalhadores.
15ª- O artigo 437° do Código Civil permite a modificação do contrato, segundo juizos de equidade, desde que, cumulativamente, se verifiquem os pressupostos, seguintes:
a) Terem as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofrido uma alteração anormal;
b) Afectar gravemente as exigências das obrigações assumidas pela parte lesada os princípios da boa fé e não estar coberta pelos riscos próprios do contrato.
16ª- Se à recorrente tivesse sido possível prever tão grandes e frustrantes atrasos, seguramente que nem tinha celebrado o segundo contrato – pelo que deverá considerar-se ter ocorrido a alteração anormal de circunstâncias a que o preceito se reporta e ter por derrogado o princípio "pacta sund servanda" e fixar a modificação do contrato, de modo a que:
- O incumprimento, com suas consequências, seja reduzido a 60% e,
- Seja levado à conta de dispensa de devolução do montante de dez milhões de escudos de "rappel".
17ª- Uma vez que o preceito não impõe que a alteração seja imprevisível, mas tão-só que seja anormal – só assim se afastará a excessiva onerosidade do contrato da parte da recorrente, e dará acolhimento à boa-fé e diligência com que actuou.
18ª- A exigência de restituição da totalidade do «rappel» à recorrente, afecta gravemente os princípios da boa fé contratual e, não estando coberta pelos riscos próprios do negócio, constitui manifesto abuso de direito (Cód. Civil, art. 334º).
19ª- Em síntese: encontram-se violados na sentença recorrida – salvo o devido respeito – os normativos citados nas precedentes 4ª, 13ª, 15ª e 18ª, pelo que se impõe a respectiva revogação.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a aliás douta decisão recorrida, em conformidade com as conclusões que antecedem.

A Autora contra-alegou, pugnando pela total improcedência da apelação da 1ª Ré.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2).
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3)(4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Ré M & CA., LDª ora Apelante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber:
1) Se, estando assente que, dos Esc. 20.000.000$00 (hoje, € 99.759,57) entregues pela A. à Ré/Recorrente, como adiantamento a título de «rappel», a Ré/Recorrente se obrigou a entregar a outrem, por imposição da A. e no exclusivo interesse desta, - como efectivamente entregou - Esc. 10.000.000$00 (hoje, € 49.879,78), a condenação da Apelante a restituir à Apelada a quantia de vinte milhões de escudos – e não apenas a de dez milhões de escudos – envolve um ilícito locupletamento à custa alheia (art. 473° do Cód. Civil), por se traduzir em obrigar a Ré a entregar à A.... o que dela efectivamente não recebeu, rectius, o que dela recebeu mas não por título translativo de propriedade, o que redunda em idêntica situação.
2) Se o ponto 1. da Base Instrutória contém matéria de direito, que não matéria de facto - uma vez que saber se «o remanescente do rappel a devolver à A.» é de «x» ou de «y», é matéria a extrair de factos que permitam essa conclusão -, pelo que a resposta dada ao mesmo deve ter-se por não escrita, nos termos do art. 646º-4 do Cód. Proc. Civil;
3) Se, de qualquer modo, como tudo quanto se provou, afinal, foi que «o remanescente do "rappel" que a 1ª R. deveria devolver à A. para efeitos meramente contabilisticos, cifrava-se em € 67.403,05», esse cômputo da devolução não se consubstanciava em uma entrega efectiva, mas sim e tão-só para efeitos meramente contabilísticos, pelo que uma obrigação de devolução para os aludidos efeitos não pode sustentar uma condenação numa efectiva restituição;
4) Se, desde que as circunstâncias que inesperadamente sobrevieram após a celebração do contrato (obras de suposta requalificação da Rua Sá da Bandeira e outras do centro da cidade, devidas ao evento Porto 2001 e ao Metro do Porto) transformaram essa rua, movimentadíssima, em buracos e lamaçal, durante vários anos a partir de 1999 — factos notórios que, como tal, não carecem de alegação ou prova (art. 514°-1 do Cód Proc. Civil) -, o que inviabilizou o rumo dos negócios da Apelante, que até se viu obrigada, pelos impedimentos ao trânsito que as mesmas criaram e pela consequente muito significativa redução das vendas, a despedir trabalhadores, estão reunidos os pressupostos necessários para o tribunal dever modicar o contrato, nos termos do art. 437º do Código Civil, de modo a que:
- O incumprimento, com suas consequências, seja reduzido a 60% e,
- Seja levado à conta de dispensa de devolução do montante de dez milhões de escudos de "rappel".

MATÉRIA DE FACTO
Factos Considerados Provados na 1ª Instância:
Não tendo sido impugnada a decisão sobre matéria de facto, nem havendo fundamento para oficiosamente a alterar, consideram-se definitivamente assentes os seguintes factos (que a sentença recorrida elenca como provados):
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de comercialização de combustíveis, óleos, lubrificantes e produtos similares bem como à prestação de serviços com eles conexos (Alínea A) dos Factos Provados).
2. A 1.ª Ré dedica-se à actividade de venda de peças, comércio e reparação de veículos automóveis (Alínea B) dos Factos Provados).
3. No exercício das suas actividades comerciais, a Autora e a 1.ª Ré estabeleceram entre si relações comerciais (Alínea C) dos Factos Provados).
4. A Autora e a 1ª Ré celebraram, em 10 de Fevereiro de 1997, um contrato de fornecimento para lubrificantes, válido por cinco anos, durante os quais a 1.ª Ré deveria adquirir à Autora um volume pré determinado de combustíveis que desde aquela data até 31 de Dezembro de 1999 deveria atingir os 30.000 Kg. (Alínea D) dos Factos Provados).
5. Nos termos do referido contrato, a Autora deveria entregar à 1.ª Ré, antecipadamente, o valor correspondente à totalidade do rappel correspondente ao volume de combustíveis a fornecer durante a vigência do contrato (Alínea E) dos Factos Provados).
6. Para garantir o cumprimento das obrigações contratuais da 1.ª Ré, esta deveria entregar uma garantia bancária autónoma, à primeira solicitação, no valor do rappel recebido para caucionar o recebimento antecipado do rappel (Alínea F) dos Factos Provados).
7. As partes procederam em conformidade tendo a Autora entregue o valor do rappel à 1.° Ré (Alínea G) dos Factos Provados).
8. A Autora recebeu da 1.ª Ré uma garantia bancária, autónoma e com o nº 365441, a qual foi emitida pelo 2.° Réu, tendo a Autora como beneficiária (Alínea H) dos Factos Provados).
9. A garantia bancária foi prestada pelo valor máximo de Esc. 22.000.000$00 / € 109.735,54 (Alínea 1) dos Factos Provados).
10. Para ser accionável e paga à primeira solicitação que a Autora viesse a apresentar junto do 2.º Réu e se se verificasse incumprimento contratual por parte da 1.ª Ré no que respeita à eventual devolução do rappel antecipado (Alínea J) dos Factos Provados).
11. Na verdade, em 10 de Fevereiro de 1997, a Autora (então F – Óleos e Carburantes, S.A.) e a 1.ª Ré outorgaram contrato que denominaram tão só "Contrato de Fornecimento", com seis anexos (Alínea K) dos Factos Provados).
12. Por via de tal contrato, com a duração prevista de cinco anos, a 1.ª Ré compraria à Autora uma quantidade de lubrificantes cuja previsão anual era de 12 toneladas, ou seja, 60 toneladas durante o quinquénio (Alínea L) dos Factos Provados).
13. Nesse documento contratual, além do mais, consignou-se: além de as partes quererem estabelecer um contrato de fornecimento de produtos F e "Made …", para consumo próprio e venda ao público, pode a F adiantar, se para tal for necessário, montantes pecuniários sobre o rappel previsível de vendas que será reembolsado nos termos do presente instrumento contratual (Alinea M) dos Factos Provados).
14. "O adiantamento do montante pecuniário sobre o rappel previsível será efectuado pela F no pressuposto da sua devolução através do consumo efectuado pelo 2.° Outorgante e cara a incrementacão e homoaeneização e, marketina. dos produtos e da imaclem da marca F e "Made … a no que se mostre necessária à prossecução dos interesses dos outorgantes" (Alínea N) dos Factos Provados).
15. "A F avançará ao 2.° outorgante o rappel equivalente ao total de 60 toneladas no valor de vinte milhões de escudos" (Alínea o) dos Factos Provados).
16. "A devolução do montante adiantado a titulo de rappel será efectuada através da retenção do valor de rappel que a F deveria pagar ao 2.° outorgante mediante crédito em conta sobre o produto facturado, sem preiuízo da cláusula 60" (Alínea P) dos Factos Provados).
17. "Ao fim de cada ano contratual, tendo em conta o constante da cláusula 6.ª, o saldo não amortizado pelo valor de rappel retido referente a esse ano será liquidado na totalidade" (Alínea Q) dos Factos Provados).
18. "Do valor adiantado de rappel, acima definido, o 2.° outorgante tem obrigatoriamente de aplicar o montante de dez milhões de escudos em Sponsorização, com dísticos da F, de um veiculo automóvel de competição em provas do Campeonato Nacional de Ralicross" (Alínea R) dos Factos Provados).
19. "O 2.° outorgante para o efeito, outorga um contrato de patrocínio com a X.M.P. Competições, Lda., com intervenção da F, o qual consta de documento que se junta ao presente contrato como Anexo Ill e dele fica a fazer parte integrante" (Alínea S) dos Factos Provados).
20. "Se no fim do prazo contratual de cinco anos o rappel adiantado não estiver devolvido integralmente, incluindo porventura juros de mora, as partes, mediante acordo escrito, poderão optar por manter o contrato até se efectivar a integral devolução, sem prejuízo da cláusula 6.6" (Alínea T) dos Factos Provados).
21. "Em caso de incumprimento o 2.° outorgante como penalidade terá de pagar de imediato: (...) Todo o montante de rappel adiantado, deduzido o reembolso previsto nas cláusulas 5.ª e 6.ª e já efectuado, (Alínea U) dos Factos Provados).
22. Como dele resulta, e concretamente da análise das estipulações acima transcritas, verifica-se que neste contrato foram feitos dois negócios: fornecimento de lubrificantes para consumo e venda pela 1.ª Ré e mobilização desta para o objectivo/fim da incrementação e homogeneização e marketing dos produtos e da imagem de marca F e "Made …", mediante sponsorização (Alínea V) dos Factos Provados).
23. Nos termos do contrato celebrado em 10 de Fevereiro de 1997, a 1.ª Ré deveria adquirir à Autora 30.000 Kg de lubrificantes até 31 de Dezembro de 1999 (Alínea W) dos Factos Provados).
24. Caso não o fizesse deveria devolver à Autora o valor de rappel correspondente ao volume dos produtos petrolíferos não adquiridos (Alínea x) dos Factos Provados).
25. A 1.ª Ré adquiriu apenas 17.891 Kg de produtos petrolíferos e não procedeu à devolução de rappel (Alínea Y) dos Factos Provados).
26. Perante tal situação, e tendo em vista a manutenção das relações contratuais entre as partes que possibilitassem à 1.ª Ré o cumprimento das suas obrigações contratuais, as partes rescindiram, em 31 de Dezembro de 1999, por mútuo acordo, o contrato que estava em vigor (Alínea Z) dos Factos Provados).
27. Com esta rescisão por mútuo acordo, a Autora e a 1.ª Ré celebraram um novo contrato de fornecimento de produtos petrolíferos, com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2000 (Alínea AA) dos Factos Provados).
28. Para tanto, e para efeitos meramente contabilísticos, deveria a 1ª Ré proceder à devolução à Autora do remanescente do rappel, por si recebido (Alínea AB) dos Factos Provados).
29. Valor esse que seria novamente adiantado pela Autora à 1ª Ré, a titulo de adiantamento de rappel devido para os fornecimentos a realizar ao abrigo do novo contrato de fornecimento celebrado em 1 de Janeiro de 2000 (Alínea AC) dos Factos Provados).
30. O adiantamento desse rappel seria feito com referência às obrigações assumidas pela 1.ª Ré no novo contrato, que passou a vigorar entre as partes a partir do dia 1 de Janeiro de 2000, com a duração de cinco anos (Alinea AD) dos Factos Provados).
31. Assim, a Autora e a 1.ª Ré celebraram, em 1 de Janeiro de 2000, o Contrato de Fornecimento 01/2000, segundo o qual a primeira forneceria à segunda produtos F e Made … para consumo próprio (Alinea AE) dos Factos Provados).
32. Nos termos deste contrato, a 1ª Ré obrigou-se a comprar à Autora produtos petrolíferos de marca F, com o volume mínimo anual de 8.960 litros, num total de 44.800 litros para os cinco anos de vigência do contrato (Alínea AF) dos Factos Provadas).
33. Ou seja, a Autora passaria a fornecer à 1ª Ré produtos petrolíferos de marca F que esta utilizaria no exercício da sua actividade comercial, em quantidades e dentro de condições pré estabelecidas (Alínea AG) dos Factos Provados).
34. O rappel corresponde, conforme estipulado no contrato celebrado entre as partes, ao desconto a ser concedido pela Autora à 1ª Ré sobre o preço de fornecimento dos produtos petrolíferos que foi fixado no Anexo 1 do referido contrato (Alínea AH) dos Factos Provados).
35. No caso concreto, o valor do rappel - do desconto sobre o preço dos produtos constantes do Anexo 1 - correspondia a 29,7% (Alínea Al) dos Factos Provados).
36. Se o valor dos produtos, que anualmente a 1.ª Ré adquirisse à Autora, viesse a dar lugar a um total de rappel/desconto (de 29,7%) inferior a 70% do que a Autora já havia adiantado à 1.ª Ré (na proporção anual), esta estaria em incumprimento susceptivel de gerar resolução automática do contrato (Alínea AJ) dos Factos Provados).
37. O contrato prevê ainda que, na eventualidade de a 1.ª Ré não proceder à devolução pontual do valor do rappel correspondente, sobre o mesmo vencerem-se de juros de mora legais, acrescidos de três pontos percentuais, até integral pagamento (Alínea AK) dos Factos Provados).
38. De acordo com o previsto na cláusula 4.ª do contrato celebrado entre as partes, a Autora deveria ter entregue à 1.° Ré uma garantia bancária no valor de Esc. 15.000.000$00/ € 74.819,69 (Alínea AL) dos Factos Provados).
39. A 1.ª Ré não chegou a entregar a nova garantia (Alínea AM) dos Factos Provados).
40. A 1.ª Ré deveria, nos termos do disposto no contrato celebrado com a Autora, adquirir à Autora, 8.960 litros de lubrificantes entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2000 (Alínea AN) dos Factos Provados).
41. Sucede que, durante todo o ano de 2000 a 1ª Ré não adquiriu nenhum tipo e nenhuma quantidade de produto à Autora (Alínea AO) dos Factos Provados).
42. Conforme o disposto no n.º 2, da cláusula 9.ª, a 1.ª Ré constituir-se-ia na obrigação de indemnizar a Autora se o contrato viesse a ser resolvido, por esta, por facto imputável à 1.ª Ré (Alínea AP) dos Factos Provados).
43. Situação na qual a 1.ª Ré teria de liquidar:
A) de imediato o valor recebido a titulo de adiantamento de rappel, prestado pela Autora à 1.ª Ré a titulo de incentivo financeiro prestado, depois de feitas as deduções contratualmente acordadas;
B) Juros de mora vencidos sobre esse valor calculados à taxa de 15% (juros legais +3%) a contar da data da rescisão, até integral pagamento;
C) Esc. 500.000$00/ € 2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos) a titulo de penalidade por incumprimento (Alínea AQ) dos Factos Provados).
44. A Autora enviou à 1.ª Ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 24 de Maio de 2001, em que comunicou a resolução do contrato, com efeitos desde o dia 29 de Maio de 2001, data na qual a 1ª Ré recebeu a carta (Alinea AR) dos Factos Provados).
45. Para o efeito, a Autora enviou ao 2.º Réu uma carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Novembro de 2001 exigindo o pagamento do valor de Esc. 13.514,100$00/€ 67.408,05, por conta da garantia emitida pelo 2.º Réu, a pedido da 1.ª Ré e em benefício da Autora, o 2.º Réu recebeu a carta, mas não pagou o valor solicitado (Alínea AS) dos Factos Provados).
46. A Autora impôs que a 1ª Ré aplicasse obrigatoriamente dez milhões de escudos em sponsorização, com dísticos da F, de um veiculo automóvel de competição em provas do Campeonato Nacional de Ralicross (Alínea AT) dos Factos Provados).
47. A 1ª Ré, em cumprimento do estipulado na cláusula 6ª do contrato de fornecimento e no contrato de patrocínio (Anexo III) celebrado entre a Autora, a 1ª Ré e a X., Ld.ª, pagou e entregou a esta a quantia dez milhões de escudos mais I.V.A. (Alínea AU) dos Factos Provados).
48. Por sua vez, a X., Ld.ª cumpriu todas as contraprestações decorrentes do contrato de patrocínio celebrado (Anexo III ao contrato de fornecimento), nomeadamente colocou a marca F no veículo de competição, levou os dísticos e demais elementos referidos no contrato, e participou em todas as provas nele especificadas (Alínea AV) dos Factos Provados).
49. O patrocínio foi feito em beneficio e proveito da Autora; se assim não fosse, não teria imposto que a 1ª Ré nele aplicasse os dez milhões de escudos (Alinea AW) dos Factos Provados).
50. Veja-se que o adiantamento do montante pecuniário sobre o rappel foi feito, por um lado, no pressuposto da sua devolução através do consumo a efectuar pela 1.ª Ré e para incrementacão e homogeneizacão e marketing, dos produtos e da imagem da marca F e "Made …" (Alínea AX) dos Factos Provados).
51. Na cláusula 5.ª do contrato (rappel) escreve-se no seu n.° 3: "A devolução do montante adiantado a titulo de rappel será efectuada através da retenção do valor de rappel que a F deveria pagar ao 2.° outorgante mediante crédito em conta sobre o produto facturado, sem prejuizo da cláusula 6.°" (Alínea AY) dos Factos Provados).
52. No n.° 4 da mesma cláusula diz-se: "Ao fim de cada ano contratual, tendo em conta o constante da cláusula 6ª, o saldo não amortizado pelo valor de rappel retido referente a esse ano será liquidado na totalidade" (Alínea AZ) dos Factos Provados).
53. Por outro lado, no n° 3 da cláusula 8ª (validade do contrato) refere-se: "Se no fim do prazo contratual de cinco anos o rappel adiantado não estiver devolvido integralmente, incluindo porventura juros de mora, as partes, mediante acordo por escrito, poderão optar por manter o contrato até se efectivar a integral devolução, sem prejuízo da cláusula 6.ª" (Alínea BA) dos Factos Provados).
54. Ainda, no primeiro parágrafo do n.° 2 da cláusula 10.ª (incumprimento e resolução) está escrito: "Todo o montante do rappel adiantado, deduzido o reembolso previsto nas cláusulas 5ª e 6ª e já efectuado, …” (Alínea BB) dos Factos Provados).
55. Em finais de 1999, iniciaram-se na cidade do Porto múltiplas obras de requalificação urbana no âmbito do evento PORTO 2001 (Alínea BC) dos Factos Provados).
56. E, em simultâneo, as obras do METRO DO PORTO, S.A. (Alínea BD) dos Factos Provados).
57. A 1ª Ré solicitou à Autora a renegociação do contrato no que respeita ao volume anual de compras e, consequentemente, um prolongamento do seu prazo de cinco anos de vigência (Alínea BE) dos Factos Provados).
58. O "2.° contrato de fornecimento", mais não constitui do que um aditamento ao primeiro contrato, um apêndice deste, mas sem a vertente do negócio sponsorização (Alínea BF) dos Factos Provados e artigo 10º da Base Instrutória).
59. A 1.ª Ré subscreveu então o documento de rescisão, datado de 31 de Dezembro de 1999 do qual consta: "Para efeitos contabilísticos, o CLIENTE devolverá nesta data à F, o rappel referente ao período contratual não cumprido – no valor de três milhões quinhentos e catorze mil e cem escudos – bem como ainda o montante do rappel que se obrigou a devolver àquela entidade, no restante período ainda em falta, até ao termo daquele contrato – no valor de dez milhões de escudos – tudo no montante de TREZE MILHÕES QUINHENTOS E QUATORZE MIL E CEM ESCUDOS" (Alínea BG) dos Factos Provados).
60. E do qual também igualmente consta que a F adiantava à 1.ª Ré a supra referida quantia de treze milhões quinhentos e catorze mil e cem escudos, a titulo de adiantamento por conta do rappel devido (Alínea BH) dos Factos Provados).
61. O remanescente do rappel referido, designadamente, na al. AB) dos Factos Provados cifrava-se em € 67.408,05 (Artigo 1°) da Base Instrutória).
62. A quantia acima referida devia ser restituída em cinco (5) pagamentos de € 13.481,61, a serem realizados à Autora no último dia de cada ano de vigência do contrato (Artigo 2° da Base Instrutória).
63. A 1.ª Ré não chegou a entregar a nova garantia, tendo a Autora em sua posse a garantia n.° 365.441 (Artigo 3° da Base Instrutória).
64. A Ré desenvolveu várias acções na prossecução daquele objectivo: pintou a oficina com a marca F, divulgou a marca porta a porta por meio de panfletos e na oficina por intermédio de dois jovens, desenvolveu acções de merchandazing oferecendo porta-chaves com a marca F, não cobrou inicialmente mão-de-obra aos clientes que consumissem óleos F oferecendo-lhes filtros de óleo, etc. (Artigo 4° da Base Instrutória).
65. Com particular incidência na baixa da cidade e, especificamente, na Rua Sá da Bandeira, onde se encontra instalada a Ré (Artigo 5° da Base Instrutória).
66. Em consequência de tais obras, que decorreram, além do mais, no pavimento das ruas e nos respectivos passeios, a procura nos estabelecimentos ali instalados, e especialmente na garagem da 1.ª Ré, dada a dificuldade de circulação automóvel, sofreu uma diminuição na ordem dos 30% (Artigos 6° e 7° da Base Instrutória).
67. A 1ª Ré suportou dificuldades para pagar os salários dos seus trabalhadores, que foi forçada a reduzir (Artigo 8° da Base Instrutória).
68. Na verdade, o volume de produtos a adquirir referido nas respectivas cláusulas 1.ª e 2.ª são rigorosamente as mesmas que não foram adquiridas e que faltavam adquirir ao abrigo do "1.° contrato", embora a alusão seja agora feita em litros e não já em quilos, mas verificando-se total correspondência (Artigo 9° da Base Instrutória).
69. Quando a 1.ª Ré recebeu da Autora a carta que esta juntou como documento n.° 5, na qual declarava que resolvia o contrato, por motivo imputável à Ré, esta respondeu-lhe por carta datada de 4 de Junho de 2001, onde invocava justamente as obras do evento PORTO 2001 e do METRO DO PORTO (Artigo 11° da Base Instrutória).
70. E solicitava à Autora um período de carência de 12 meses, que julgava necessários para a conclusão das obras, assim se criando as condições para retomar a actividade normal (Artigo 12° da Base Instrutória).

O MÉRITO DA APELAÇÃO

1) Se, estando assente que, dos Esc. 20.000.000$00 (hoje, € 99.759,57) entregues pela A. à Ré/Recorrente, como adiantamento a título de «rappel», a Ré/Recorrente se obrigou a entregar a outrem, por imposição da A. e no exclusivo interesse desta, - como efectivamente entregou - Esc. 10.000.000$00 (hoje, € 49.879,78), a condenação da Apelante a restituir à Apelada a quantia de vinte milhões de escudos – e não apenas a de dez milhões de escudos – envolve um ilícito locupletamento à custa alheia (art. 473° do Cód. Civil), por se traduzir em obrigar a Ré a entregar à A.... o que dela efectivamente não recebeu, rectius, o que dela recebeu mas não por título translativo de propriedade, o que redunda em idêntica situação.

Na tese da ora Apelante, desde que se provou que uma parcela - Esc. 10.000.000$00 (hoje, € 49.879,78) - dos Esc. 20.000.000$00 (hoje, € 99.759,57) entregues pela A. à Ré/Recorrente, como adiantamento a título de «rappel», foram por ela (Ré/Apelante) entegues a um terceiro, visto a Apelante se ter obrigado a fazê-lo por imposição da A. e no exclusivo interesse desta, a condenação da Apelante a restituir à Apelada a quantia de vinte milhões de escudos – e não apenas a de dez milhões de escudos – envolveria um ilícito locupletamento à custa alheia (art. 473° do Cód. Civil), por se traduzir em obrigar a Ré a entregar à A.... o que dela efectivamente não recebeu, rectius, o que dela recebeu mas não por título translativo de propriedade, o que redunda em idêntica situação.

Quid juris ?
Está, efectivamente, provado que:
a) a Autora impôs que a 1ª Ré aplicasse obrigatoriamente dez milhões de escudos em sponsorização, com dísticos da F, de um veiculo automóvel de competição em provas do Campeonato Nacional de Ralicross (Alínea AT) dos Factos Provados);
b) nos termos acordados entre a A. e a 1ª Ré, esta obrigou-se a aplicar o montante de dez milhões de escudos, do valor adiantado de rappel (Esc. 20.000.000$00, hoje, € 99.759,57), em Sponsorização, com dísticos da F, de um veiculo automóvel de competição em provas do Campeonato Nacional de Ralicross. (Alínea R) dos Factos Provados). Isto porque, contemporaneamente à celebração do contrato firmado entre ambas, a 1ª Ré outorgou um contrato de patrocínio com a X., Lda., com intervenção da Autora, o qual consta de documento anexo ao presente contrato como Anexo III e que dele ficou a fazer parte integrante (Alínea S) dos Factos Provados);
c) a 1ª Ré, em cumprimento do estipulado na cláusula 6ª do contrato de fornecimento e no contrato de patrocínio (Anexo III) celebrado entre a Autora, a 1ª Ré e a X., Ld.ª, pagou e entregou a esta a quantia de dez milhões de escudos mais I.V.A. (Alínea AU) dos Factos Provados).
De sorte que - ao contrário do que agora pretende a Recorrente -, a Autora entregou, efectivamente, à 1.ª Ré, como adiantamento e a título de rappel, a quantia de vinte milhões de escudos, ao abrigo do primeiro contrato celebrado no qual se incluía um contrato de patrocínio.
Quantia essa que, em caso de incumprimento contratual por parte da 1ª Ré, esta seria "obrigada” a devolver imediatamente e na íntegra à Autora, deduzido o reembolso previsto nas cláusulas 5.ª e 6.ª do contrato.
A circunstância de uma parcela (metade) dessa quantia entregue pela A. à 1ª Ré, como adiantamento e a título de rappel, ter sido por ela (1ª Ré) aplicada em Sponsorização, com dísticos da F, de um veículo automóvel de competição em provas do Campeonato Nacional de Ralicross, não significa que, caso a 1ª Ré se veja obrigada a devolver à A. a totalidade da importância entregue pela mesma como adiantamento e a título de rappel, incluindo aquela parcela dessa importância que teve de aplicar em Sponsorização, tenha afinal de restituir à A. o que dela efectivamente não recebeu, rectius, o que dela recebeu mas não por título translativo de propriedade, o que redunda em idêntica situação.
O destino dado pela 1ª Ré a essa parcela (metade) da quantia total que lhe foi entregue pela A., como adiantamento e a título de rappel, irreleva, para efeitos de contabilização da importância que a 1ª Ré está obrigada a devolver à A., por efeito da resolução do contrato de fornecimento.
Se a 1ª Ré concordou em aplicar essa parcela em Sponsorização, tendo, para o efeito, outorgado um contrato de patrocínio com a X., Lda., não pode agora furtar-se à obrigação em que se constituiu de, em caso de resolução do contrato de fornecimento, devolver à A. toda a quantia que esta oportunamente lhe entregou, como adiantamento e a título de “rappel”, aduzindo que uma parte dessa quantia acabou por ser entregue a um terceiro, por imposição da A. e no exclusivo interesse desta. Se, porventura, a 1ª Ré discordava da aplicação dos referidos Esc. 10.000.000$00 em Sponsorização, por esta ser feita no exclusivo interesse da Autora, devia, pura e simplesmente, ter-se recusado a outorgar o mencionado contrato de patrocínio com a X., Lda.. Desde que o outorgou, a aplicação desse montante em Sponsorização correspondeu ao estrito cumprimento do aludido contrato de patrocínio.
Soçobra, portanto, a invocação, por parte da 1ª Ré/Apelante, do instituto do enriquecimento sem causa, para justificar a exoneração da mesma da obrigação de restituir à Autora a totalidade da importância dela recebida.
Eis por que a apelação improcede, necessariamente, quanto a esta 1ª questão.

2) Se a resposta dada ao ponto 1. da Base Instrutória deve ter-se por não escrita, nos termos do art. 646º-4 do Cód. Proc. Civil, por o mesmo conter matéria de direito, que não matéria de facto - uma vez que saber se «o remanescente do rappel a devolver à A.» é de «x» ou de «y», é matéria a extrair de factos que permitam essa conclusão.

Aos olhos da 1ª Ré, o ponto 1. da Base Instrutória conteria matéria de direito, que não matéria de facto, pelo que a resposta dada ao mesmo deveria ter-se por não escrita, nos termos do art. 646º, nº 4, do Cód. Proc. Civil.
Isto porque, saber se «o remanescente do rappel a devolver à A.» é de «x» ou de «y», é matéria a extrair de factos que permitam essa conclusão.
Quid juris ?
As partes não dissentiram (nos articulados) quanto ao facto (alegado pela A. no art. 15º da petição inicial) de, na sequência da rescisão, por mútuo acordo, em 31/12/1989, do 1º contrato que entre elas vigorou (o celebrado em 10/2/1997), ter sido firmado entre a A. e a 1ª Ré um novo contrato de fornecimento de produtos petrolíferos, com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2000.
Daí que tal facto tenha ficado vertido na al. AA) dos factos considerados assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena, com a seguinte redacção: “Com esta rescisão por mútuo acordo [do contrato que estava em vigor: cfr. a antecedente al. Z)], a A. e a primeira Ré celebraram um novo contrato de fornecimento de produtos petrolíferos, com efeitos a partir do dia 01 de Janeiro de 2000”.
Ora, no documento de rescisão do 1º contrato, datado de 31/12/1999 (junto pela A. à petição inicial como documento nº 1), consta o seguinte: “Para efeitos contabilísticos, o CLIENTE devolverá nesta data à F o rappel referente ao período contratual não cumprido – no valor de três milhões quinhentos e catorze mil e cem escudos – bem como ainda o montante do rappel que se obrigou a devolver àquela entidade, no restante período ainda em falta, até ao termo daquele contrato – no valor de dez milhões de escudos – tudo no montante de TREZE MILHÕES QUINHENTOS E QUATORZE MIL E CEM ESCUDOS”.
Tratando-se de facto provado por documento dotado de força probatória plena (nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374º, nº 1, e 376º, nºs 1 e 2, do Código Civil), ficou, desde logo, consignado, na al. AB) dos factos considerados assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena, o seguinte: “Para tanto, e para efeitos meramente contabilísticos, deveria a primeira R. proceder à devolução à A. do remanescente do rappel, por si recebido”.
Como, por outro lado, também consta do aludido documento de rescisão do 1º contrato que a A. adiantava à 1ª Ré a supra referida quantia de treze milhões quinhentos mil e cem escudos, a título de adiantamento por conta do rappel devido, sendo que, no documento (junto pela A. à petição inicial sob o nº 3) no qual ficou reduzido a escrito o 2º contrato de fornecimento, ficou novamente exarado (cfr. o ponto 2 da respectiva cláusula 5ª) que “Na entrada em vigor do presente contrato, a F avançará ao 2º outorgante rappel no montante de treze milhões quinhentos e quatorze mil e cem escudos) ”, nada obstava a que tivesse, desde logo, ficado consignado, no elenco dos factos considerados provados por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena, que a quantia correspondente ao remanescente do rappel que a 1ª Ré deveria ter devolvido à A., na sequência da rescisão (por mútuo acordo) do 1º contrato, era de treze milhões quinhentos mil e cem escudos.
Assim sendo, o facto indagado no artigo 1º da Base Instrutória já estava, ao tempo da elaboração do despacho de selecção da matéria de facto assente e controvertida, admitido por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena.
Consequentemente, a resposta afirmativa dada pelo tribunal “a quo” ao mencionado artigo 1º da Base Instrutória deve, efectivamente, considerar-se não escrita, ex vi do cit. art. 646º-4 do CPC, não pela razão preconizada pela Apelante – tratar-se de matéria de direito, que não de matéria de facto –, mas antes porque o facto nele indagado (se o remanescente do rappel referido, designadamente, na al. AB) dos factos assentes se cifrava em 67.408,05 euros) já devia considerar-se provado por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena.
Eis por que o recurso da 1ª Ré/Apelante improcede, quanto a esta questão ora em apreciação.

3) Se, de qualquer modo, como tudo quanto se provou, afinal, foi que «o remanescente do "rappel" que a 1ª R. deveria devolver à A. para efeitos meramente contabilisticos, cifrava-se em € 67.403,05», esse cômputo da devolução não se consubstanciava em uma entrega efectiva, mas sim e tão-só para efeitos meramente contabilísticos, pelo que uma obrigação de devolução para os aludidos efeitos não pode sustentar uma condenação numa efectiva restituição.

Na tese da Apelante, como o que ficou provado, de harmonia com a resposta dada ao ponto 1. da Base Instrutória, conjugado com a alínea AB) da matéria assente, foi que «o remanescente do "rappel" que a 1ª R. deveria devolver à A. para efeitos meramente contabilisticos, cifrava-se em € 67.403,05», esse cômputo da devolução não se consubstanciava, afinal, em uma entrega efectiva, mas sim e tão-só para efeitos meramente contabilísticos – o que não equivale, nem pode nunca equivaler, a uma devolução em termos reais e efectivos –, pelo que uma obrigação de devolução para os aludidos efeitos contabilísticos não pode sustentar uma condenação numa efectiva restituição, como faz a sentença recorrida.
Quid juris ?
O valor remanescente do “rappel” que, na sequência da rescisão (por mútuo acordo) do 1º contrato de fornecimento, deveria ter sido devolvido à Autora pela ora Apelante, consta expressamente, tanto do documento de rescisão desse 1º contrato, datado de 31/12/1999 (junto pela A. à petição inicial como documento nº 1) (5), como do clausulado do 2º contrato de fornecimento celebrado entre as partes (6). Consequentemente, o valor a devolver pela 1ª Ré à A., na sequência da rescisão consensual do 1º contrato de fornecimento, jamais constituiu ponto controvertido entre as partes, que nisso nunca dissentiram.

No entanto, esse valor remanescente do “rappel” acabou por nunca ter sido efectivamente entregue pela 1ª Ré à Autora, tendo as partes acordado, aquando da renegociação da relação contratual entre elas existente e da celebração do 2º contrato de fornecimento, em que a 1ª Ré apenas procederia à devolução desse valor para efeitos meramente contabilísticos, porquanto tal valor seria novamente adiantado pela A. à 1ª Ré, a título de adiantamento do “rappel” que seria devido pelos fornecimentos a realizar ao abrigo do 2º contrato de fornecimento (o celebrado em 1 de Janeiro de 2000).
No entanto, o facto de a devolução do remanescente do valor de rappel à Autora, e o consequente adiantamento deste à Ré, se ter processado para efeitos meramente contabilísticos, não significa que a 1.ª Ré não tenha efectivamente recebido esta quantia. O que, na realidade, ocorreu foi que a 1.ª Ré, ao abrigo do 1.º contrato de fornecimento, recebeu a título de adiantamento de rappel o valor de 20 milhões de escudos, sendo que, aquando da rescisão daquele contrato por mútuo acordo, deveria ter devolvido à Autora o valor remanescente desse rappel (treze milhões quinhentos e catorze mil e cem escudos), mas, na prática, não o fez. Isto porque, de forma a manter as boas relações comerciais entre as partes, e de forma a não causar maiores dificuldades à 1.ª Ré, estas acordaram em que a devolução do valor de rappel seria meramente fictícia, uma vez que o respectivo valor iria ser contemplado, como foi, no segundo contrato celebrado entre as partes.
Assente, pois, que o valor do “rappel” adiantado pela A. à 1ª Ré, ao abrigo do 2º contrato de fornecimento foi de treze milhões quinhentos e catorze mil e cem escudos (hoje, € 67.403,05), e tendo este 2º contrato sido válida e eficazmente resolvido pela A. – algo que a Apelante não ousa sequer pôr em causa -, óbvio é que a apelação da 1ª Ré improcede, fatalmente, quanto a esta questão ora em apreciação.

4) Se estão ou não reunidos os pressupostos necessários para o tribunal dever modicar o contrato, nos termos do art. 437º do Código Civil, de modo a que:
- O incumprimento, com suas consequências, seja reduzido a 60% e,
- Seja levado à conta de dispensa de devolução do montante de dez milhões de escudos de "rappel".

Sustenta, finalmente, a 1ª Ré/Apelante que, desde que as circunstâncias que inesperadamente sobrevieram após a celebração do contrato (obras de suposta requalificação da Rua Sá da Bandeira e outras do centro da cidade, devidas ao evento Porto 2001 e ao Metro do Porto) transformaram essa rua, movimentadíssima, em buracos e lamaçal, durante vários anos a partir de 1999 - factos notórios que, como tal, não carecem de alegação ou prova (art. 514°-1 do Cód Proc. Civil) -, o que inviabilizou o rumo dos negócios da Apelante, que até se viu obrigada, pelos impedimentos ao trânsito que as mesmas criaram e pela consequente muito significativa redução das vendas, a despedir trabalhadores, estão reunidos os pressupostos necessários para o tribunal dever modicar o contrato, nos termos do art. 437º-1 do Código Civil, de modo a que:
- O incumprimento, com suas consequências, seja reduzido a 60% e,
- Seja levado à conta de dispensa de devolução do montante de dez milhões de escudos de "rappel".
Quid juris ?
Tem-se por seguro que a factualidade provada não permite fundar o pedido de modificação dos termos do contrato de fornecimento celebrado entre as partes, com base numa pretensa alteração anormal das circunstâncias, nos termos do cit. art. 437º-1 do Código Civil.
Efectivamente, para que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respectivo conteúdo, exige o cit. art. 437º que se achem reunidos cumulativamente os seguintes requisitos:
a) que a alteração considerada relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar, isto é, a circunstâncias que, ainda que não determinantes para ambas as partes, se apresentem como evidentes, segundo o fim típico do contrato, ou seja, que se encontrem na base do negócio, com consciência de ambos os contraentes ou razoável notoriedade - «como representação mental ou psicológica comum patente nas negociações (base subjectiva), ou condicionalismo objectivo apenas implícito, porque essencial ao sentido e aos resultados do contrato celebrado (base objectiva)» (7)(8)(9)(10)(11)(12)(13);
b) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal(14)(15)(16)(17)(18), isto é, imprevisível (19)(20)(21)(22)(23)(24)(25)(26) ou, ainda que previsível, afectando o equilíbrio do contrato (27);
c) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes(28), quer porque se tenha tornado demasiado onerosa, numa perspectiva económica, a prestação de uma das partes (conquanto não se exija que a alteração das circunstâncias coloque a parte numa situação de ruína económica, a manter-se incólome o contrato), quer porque a alteração das circunstâncias envolva, para o lesado, grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial (29)(30);
d) que a manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa fé negocial (31)(32);
e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, isto é, que a alteração anómala das circunstâncias não esteja compreendida na álea própria do contrato, isto é, nas suas flutuações normais ou finalidade ou nos riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo contratual celebrado(33)(34)(35)(36).
Ora, no caso dos autos, tudo quanto a 1ª R. logrou, afinal, provar, foi que:
a) Em finais de 1999, iniciaram-se na cidade do Porto múltiplas obras de requalificação urbana no âmbito do evento PORTO 2001 (Alínea BC) dos Factos Provados);
b) E, em simultâneo, as obras do METRO DO PORTO, S.A. (Alínea BD) dos Factos Provados);
c) com particular incidência na baixa da cidade e, especificamente, na Rua Sá da Bandeira, onde se encontra instalada a Ré (Artigo 5° da Base Instrutória);
d) Em consequência de tais obras, que decorreram, além do mais, no pavimento das ruas e nos respectivos passeios, a procura nos estabelecimentos ali instalados, e especialmente na garagem da 1.ª Ré, dada a dificuldade de circulação automóvel, sofreu uma diminuição na ordem dos 30% (Artigos 6° e 7° da Base Instrutória);
e) A 1ª Ré suportou dificuldades para pagar os salários dos seus trabalhadores, que foi forçada a reduzir (Artigo 8° da Base Instrutória);
f) Quando a 1.ª Ré recebeu da Autora a carta que esta juntou como documento n.° 5, na qual declarava que resolvia o contrato [o celebrado em 10 de Fevereiro de 1997], por motivo imputável à Ré, esta respondeu-lhe por carta datada de 4 de Junho de 2001, onde invocava justamente as obras do evento PORTO 2001 e do METRO DO PORTO (Artigo 11° da Base Instrutória);
g) E solicitava à Autora um período de carência de 12 meses, que julgava necessários para a conclusão das obras, assim se criando as condições para retomar a actividade normal (Artigo 12° da Base Instrutória).
Como vimos, um dos requisitos exigidos para a relevância da alteração do contrato por verificação de circunstâncias anómalas e imprevistas é o de que os efeitos, consequência das alterações, não devam considerar-se cobertos pelos riscos próprios do contrato. Ora, num contrato de fornecimento de produtos petrolíferos, a circunstância de a procura na garagem do fornecido diminuir cerca de 30 %, por efeito da dificuldade de circulação automóvel resultante de obras de requalificação urbana realizadas na rua onde se localiza tal garagem, tem de considerar-se como não ultrapassando o círculo dos riscos havidos como normais naquele contrato. O proprietário duma garagem de venda de combustíveis tem de contar com a possibilidade de a rua onde se localiza tal garagem vir a ser objecto, em qualquer altura, de obras de requalificação urbana ou de arranjos urbanísticos que dificultem ou agravem significativamente, pelo menos durante algum tempo, a circulação automóvel nessa artéria, gerando uma diminuição da procura de combustíveis nessa garagem.
Tanto basta para excluir a relevância dessas obras de requalificação urbana ou de arranjos urbanísticos, para o efeito de possibilitarem ao comerciante proprietário duma garagem de venda de produtos petrolíferos invocar a inerente diminuição da procura nessa garagem para resolver o contrato de fornecimento de produtos petrolíferos que oportunamente celebrou com uma empresa abastecedora ou pedir em juízo a modificação de tal contrato, segundo juízos de equidade, sob invocação do disposto no cit. art. 437º-1 do Cód. Civil.
Consequentemente, a apelação da 1ª Ré também improcede quanto a esta derradeira questão por ela suscitada nas suas alegações de recurso, nenhuma censura podendo ser feita à sentença ora impugnada.

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao presente recurso de Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.

Lisboa, 3/7/2007

Rui Torres Vouga (Relator)
Paulo Rijo Ferreira (1º Adjunto)
Afonso Henrique (2º Adjunto)
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1 - Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
2 - Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
3 - O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
4 - A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
5 - No qual ficou exarado o seguinte: “Para efeitos contabilísticos, o CLIENTE devolverá nesta data à F o rappel referente ao período contratual não cumprido – no valor de três milhões quinhentos e catorze mil e cem escudos – bem como ainda o montante do rappel que se obrigou a devolver àquela entidade, no restante período ainda em falta, até ao termo daquele contrato – no valor de dez milhões de escudos – tudo no montante de TREZE MILHÕES QUINHENTOS E QUATORZE MIL E CEM ESCUDOS”.
6 - De facto, ficou novamente exarado nesse contrato (cfr. o ponto 2 da respectiva cláusula 5ª) que: “Na entrada em vigor do presente contrato, a F avançará ao 2º outorgante rappel no montante de treze milhões quinhentos e quatorze mil e cem escudos) ”.
7 - ALMEIDA COSTA in "Direito das Obrigações" , 8ª ed., 2000, p. 298.
8 - Como observa MENESES CORDEIRO (in “Da Alteração das Circunstâncias”, Separata dos Estudos em Memória do Prof. Paulo Cunha, 1987, pp. 65-66), «a fórmula legal (…) é útil:
- por indicar que não relevam superveniências a nível de aspirações subjectivas extra-contratuais das partes; deve haver uma afectação do próprio contrato e, nessa medida, ambos os celebrantes ficam implicados;
- por indicar que não interessam modificações no campo das aspirações subjectivas contratuais de apenas uma das partes; é o contrato – e logo os contratantes – que está em causa, e não as esperanças de lucro – ou de não perda – de somente um dos intervenientes, quando a lógica do negócio não esteja em causa;
- por possibilitar a explicitação, por banda das partes, de quais as circunstâncias relevantes: afinal, se esse dado pode resultar implícito do contrato poderá, por maioria de razão, ser clausulado; inversamente, as partes podem estabelecer quais as circunstâncias irrelevantes».
9 - «Circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar (art. 437º, nº 1) são as circunstâncias que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado, ou tê-lo-iam feito, ou pretendido fazer, em termos diferentes» (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in “Manual dos Contratos em Geral”, 2002, pp. 343-344)». «Trata-se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando-as como pressupostas (exemplo: manutenção da legislação ou do sistema económico); ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo-se de que não sofreriam alteração significativa, frustradora do seu intento negocial (exemplo: ligeira inflação sem reflexo sensível nos preços)» (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in “Manual…” cit., p. 344). «Ou não passou sequer pela cabeça dos interessados que o status quo se modificaria; ou admitiram que tal ocorresse, mas em medida irrelevante» (ibidem). «Aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção» (ibidem).
10 - Segundo PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., 1982, p. 388), «uma das circunstâncias relevantes pode ser a modificação do valor da moeda». Efectivamente, «entre as alterações anormais de circunstâncias, que o artigo 437º abrange, conta-se, como mais frequente na prática, a desvalorização abrupta e excessiva da moeda» (AA., ob. e vol. citt., p. 389). «Mas muitas outras se podem verificar, como a falta ou encarecimento inesperado de certas matérias primas utilizadas no fabrico de determinados artigos (cfr. o ac. do S.T.J. de 20 de Janeiro de 1977, no B.M.J. nº 263, págs. 257 e segs.); o descrédito ou a desconfiança lançada sobre certo produto, que provoca o súbito abaixamento da sua venda; o aparecimento de um substituto, muito mais económico, desse produto; a valorização anormal de certa obra ou tipo de obras; a subida ou descida anormal do valor de certo produto ou mercadoria, que as partes, com o objectivo de se prevenirem contra a alteração do valor da moeda (em regra contra a desvalorização), escolheram como padrão de correcção das prestações contratuais, fixadas em moeda corrente (…); a desvalorização de um prédio mercê do corte inesperado de uma via de comunicação, ou da alteração de um plano de urbanização (…) ou da publicação de uma lei que impede a realização de obras destinadas a ampliar a sua capacidade habitacional (…), etc.» (AA., ob. e vol. citt., pp. 389-390).
11 - Segundo o Ac. da Rel. de Lisboa de 25/1/1980 (sumariado in BMJ nº 297, p. 398), «a degradação da capacidade económica de uma das partes, conduzindo-a na prática à impossibilidade de satisfazer a obrigação pecuniária assumida, não configura a previsão do nº 1 do art. 437º».
12 - Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/5/1985 (proferido no Proc. nº 72350 e relatado pelo Conselheiro LUÍS GARCIA), «a difícil situação económica de uma empresa resultante de haver sido intervencionada após a revolução do 25 de Abril de 1974, não cabe no condicionalismo do art. 437º, nº 1, do Cód. Civil, pois o empobrecimento do devedor ou as suas más condições financeiras não respeitam às circunstâncias em que as partes se fundaram para contratar».
13 - Segundo o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/1998 (proferido no Proc. nº 98B776 e relatado pelo Conselheiro ROGER LOPES), «da elevada taxa de inflação não se pode concluir pela alteração das circunstâncias que levaram as partes a contratar».
14 - «A alteração anormal caracteriza-se pela excepcionalidade: é a anómala, a que escapa à regra, a que produz um sobressalto, um acidente, no curso ordinário ou série natural dos acontecimentos» (ALMEIDA COSTA in "Direito das Obrigações" cit., p. 299).
15 - Como nota MENESES CORDEIRO (in “Da Alteração das Circunstâncias” cit., p. 67), «trata-se de um requisito que se prende com a imprevisibilidade». «Havendo alteração normal, as partes podiam ter previsto a sua ocorrência, tomando, na conclusão do contrato, as medidas necessárias» (ibidem). «Não o tendo feito, as partes:
- ou pretenderam, com o seu silêncio, conseguir algum efeito especial, numa saída em si possível e lícita, que a interpretação permitirá revelar e confirmar;
- ou incorreram em erro, devendo seguir-se, nessa altura, o regime do artigo 252º/2 do Código Civil» (ibidem).
16 - «Situações excepcionais como uma revolução ou o deflagrar de um estado de guerra podem facilmente ser qualificados como alteração das circunstâncias» (LUÍS MENEZES LEITÃO in “Direito das Obrigações”, Vol. II, 2ª ed., 2003, p. 129). «Alterações legislativas completamente inesperadas também devem ser qualificadas como tal» (ibidem). «Já outras hipóteses como a simples alteração do preço dos produtos comercializados ou a não obtenção das autorizações admnistrativas necessárias não preencherão o requisito da anormalidade» (ibidem).
17 - Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/5/1985 (proferido no Proc. nº 72350 e relatado pelo Conselheiro LUÍS GARCIA), «a desvalorização da moeda, para ser relevante, há-de ter sido abrupta ou anormal – o que não se verificou entre a data de um contrato celebrado em 1973 e o ano de 1979».
18 - Segundo o Ac. da Rel. de Lisboa de 4/6/1991 (proferido no Proc. nº 44591 e relatado pelo Desembargador MOURA CRUZ), «as greves, num país democrático, não constituem circunstâncias anormais, desde que se não prolonguem por tempo incomum»; «também o agravamento da taxa de juro no empréstimo bancário contraído pela ré e a valorização dos andares não integram tais circunstâncias anormais (art. 437º), por decorrerem do incumprimento da ré».
19 - Embora a maioria dos Autores não se pronuncie em termos tão categóricos, reconhecem que, na prática, a anormalidade e a imprevisibilidade se cumulam: cfr., neste sentido, VAZ SERRA (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113º, pp. 306 e segs.), PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., 1987, p. 413) e ALMEIDA COSTA (in “Direito das Obrigações” cit., p. 307 e segs.).
20 - Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/7/1985 (proferido no Proc. nº 072691 e relatado pelo Conselheiro CORTE REAL), «os preços da construção e a demora na constituição da propriedade horizontal são factos previsíveis e não anormais, para um construtor vendedor».
21 - Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/11/1985 (proferido no Proc. nº 72916 e relatado pelo Conselheiro PEDRO LIMA CLUNY), «não podem considerar-se como alteração anormal das circunstâncias os fenómenos da inflação e da crescente desvalorização da moeda, factos estes não só previsíveis, como também já se vinham manifestando de forma galopante, ao tempo da celebração do contrato-promessa».
22 - Segundo o Ac. da Rel. de Lisboa de 11/12/1986 (in Col. Jur., 1986, tomo 5, p. 145), «no contrato-promessa de compra e venda não é de considerar qualquer flutuação do valor da moeda dentro dos riscos do contrato, mas tão só aquelas flutuações que estejam dentro da normalidade da vida económico-social que não relevam face ao princípio da estabilidade dos contratos».
23 - Segundo o Acórdão da Rel. de Lisboa de 28/5/1987 (in Col. Jur., 1987, tomo 3, p. 97), «celebrado o contrato-promessa em época caracterizada por elevadas taxas de inflação anuais e sendo de prever que o contrato prometido não poderia ser celebrado antes de decorridos muitos meses, o facto de os efeitos da inflação se continuarem a fazer sentir, porventura, até de forma mais gravosa do que a eventualmente prevista, não constitui alteração de circunstâncias relevantes para efeitos do art. 437º do Cód. Civil».
24 - Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/1987 (in BMJ nº 371, p. 408), «não há dúvida que a depreciação da moeda é susceptível de afectar a base negocial; mas há-de tratar-se de uma desvalorização imprevisível ou dificilmente previsível, excessiva, conduzindo a injustiças gritantes», sendo que, «no caso concreto, é verdade que a inflação, durante o período considerado, atingiu taxas muito elevadas, mas o fenómeno não pode considerar-se anormal ou imprevisível», por isso que, «quando as partes contrataram (finais de 1973 – crise petrolífera) era inteiramente de prever que a moeda continuaria a depreciar-se e os preços a subir».
25 - Segundo o Ac. da Rel. do Porto de 20/12/1993 (proferido no Proc. nº 9251017 e relatado pelo Desembargador MARQUES PEIXOTO), «uma das circunstâncias relevantes que a doutrina tem considerado para efeito da aplicação do art. 437º, nº 1, do Código Civil é a modificação do valor da moeda»; porém, «a inflação verificada entre 1982 e 1991 não é de considerar como alteração anormal das circunstâncias relativamente a um contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma celebrado naquele ano de 1982».
26 - Segundo o Ac. da Rel. de Lisboa de 6/1/1993 (proferido no Proc. nº 61336 e relatado pelo Desembargador SILVA SALAZAR), «não há alteração anormal das circunstâncias, quando, em 1986, já se vivia há vários anos com elevadas taxas anuais de inflação».
27 - Cfr., neste sentido, ALMEIDA COSTA in "Direito das Obrigações" cit., p. 299.
28 - «Uma alteração que não provoque prejuízos, no domínio contratual, a um dos celebrantes é, naturalmente, irrelevante» (MENESES CORDEIRO in “Da Alteração das Circunstâncias” cit., p. 67). «Calcula-se que o dano deve ter certa envergadura, para desencadear a aplicação do remédio extraordinário do artigo 437º/I» (ibidem). «A lei não disse qual, subordinando o tema à referência feita à boa fé» (ibidem). «Torna-se difícil fixar um quantitativo percentual a partir do qual o dano é incompatível com a boa fé; algumas decisões jurisprudenciais inculcam, no entanto, a ideia de prejuízos descomunais» (A. e ob. citt., p. 68).
29 - Cfr., neste sentido, ALMEIDA COSTA in "Direito das Obrigações" cit., p. 300.
30 - Assim, por exemplo: «Em razão de acentuado encarecimento de materiais ou de salários, o empreiteiro só pode construir a obra arruinando-se ou sujeitando-se a prejuízo que vai também para lá do risco normal do contrato» (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in “Manual dos Contratos em Geral” cit., p. 352). «Alguém promete vender a outrem uma jóia, de valor relativamente diminuto; antes de celebrar a venda, a jóia cai acidentalmente ao mar, só se tornando possível a sua recuperação à custa de trabalhos e despesas excessivos» (ibidem). «Um actor tem uma indisposição que não o impede de participar no espectáculo, mas essa participação seria de molde a abalar fortemente a sua saúde» (ibidem). (…) «Em tais exemplos e outros semelhantes, o devedor não está em absoluta impossibilidade de cumprir; contudo, só poderia fazê-lo mediante exagerado sacrifício económico, realizando dispêndios para além do razoável, ou mediante o sacrifício, igualmente desrazoável, de outros valores de natureza não patrimonial, como a saúde ou o legítimo desejo de acompanhar o funeral do filho» (ibidem).
31 - Segundo MENESES CORDEIRO (in “Da Alteração das Circunstâncias” cit., p. 67), «reside, aqui, o âmago do dispositivo vigente quanto à alteração das circunstâncias». «A boa fé surge como conceito indeterminado que tende a exprimir o conjunto das valorações fundamentais do ordenamento vigente» (ibidem). «A sua concretização só é possível no caso concreto» (ibidem).
32 - «Neste sentido, pode-se considerar que a alteração das circunstâncias se apresenta como uma modalidade específica de abuso de direito (art. 334º [do Código Civil]), neste caso de um direito de crédito, já que, por força da boa fé, se torna ilegítimo ao credor a exigência da prestação numa situação em que os limites relativos ao equilíbrio das prestações no contrato se encontram ultrapassados» (LUÍS MENEZES LEITÃO in “Direito das Obrigações” cit., Vol. II cit., p. 130)
33 - Cfr., neste sentido, ALMEIDA COSTA in "Direito das Obrigações" cit., p. 302.
34 - «Todo o contrato envolve, para ambas as partes, um risco maior ou menor» (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in “Manual dos Contratos em Geral” cit., p. 347, nota 317). «É o seu risco próprio, a que os contratantes estão sujeitos» (ibidem). «Mas pode acontecer que a alteração das circunstâncias traga para o lesado, como consequência, um risco superior, e só quando tal aconteça é que o lesado tem direito à resolução ou modificação do contrato» (ibidem). «A alteração das circunstâncias apenas se torna relevante se não se mostrar conforme com a álea normal da convenção» (ibidem).
35 - Segundo MENESES CORDEIRO (in “Da Alteração das Circunstâncias” cit., p. 44), «uma primeira interpretação deste segmento do art. 437º, nº 1 vê, aqui, o não funcionamento da alteração dentro daquela margem de flutuação contratual: o negócio pode dar mais ou menos lucro, conforme os casos, numa álea que o Direito abandona à lógica do comércio privado; aí, não caberia qualquer remédio ex bona fide». «Mas isso seria subaproveitar o preceito: é certo que a exigência das obrigações assumidas, dentro da álea normal do contrato, nunca iria afectar “…gravemente os princípios da boa fé…”, antes constituindo um comportamento normal». «Ao referir os riscos próprios do contrato, a lei não foi repetir-se: antes ressalvou as regras aplicáveis sobre o risco, dando, perante elas, natureza supletiva à própria alteração das circunstâncias» (ibidem). «A ideia da lei é outra: trata-se de conferir ao dispositivo do art. 437º/I natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do risco e, mais latamente, a todas as regras de imputação de danos» (A. e ob. citt., pp. 69 in fine e 70).
36 - Cfr., explicitamente no sentido de que «quem coloca nas mãos do promitente-comprador o tempo da conclusão do negócio prometido está a assumir como risco próprio do contrato o possível agravamento das circunstâncias do negócio e, porventura, a sua repercussão no desequilíbrio das prestações», o Ac. da Rel. do Porto de 13/12/1990 proferido no Proc. nº 124156 e relatado pelo Desembargador LÚCIO TEIXEIRA.