Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6132/17.9T8FNC.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE TRABALHO
PREVPAV
REMISSÃO ABDICATIVA
DESCONTOS
SEGURANÇA SOCIAL
JUÍZOS DO TRABALHO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALETERADA A DECISÃO
Sumário: I- Sendo a ré uma entidade abrangida pelo art.º. 2º-1 da Lei nº 112/2017 de 29/12 (que estabelece o programa de regularização extraordinário dos vínculos precários – PREVPAV), ao celebrar com a autora o contrato de trabalho sem termo, tal implicou, necessariamente e “ope legis”, o reconhecimento de que a relação existente antes da celebração deste contrato, configurava um contrato de trabalho
II- Sendo a Lei PREPAV de carácter imperativo, não podiam autora e ré estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade. III- É nula a parte da cláusula do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAV de onde conste que “somente” será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvimento de carreira.
III- Ainda que a cláusula fosse válida e consubstanciasse uma remissão abdicativa a mesma também não seria válida por outro motivo, pois havendo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde data anterior, por força da Lei PREVPAV, aquando da declaração da renúncia, estava-se em plena vigência de um contrato de trabalho entre autora e ré. IV- Estando a ré abrangida nas entidades referidas nos arts. 14º-1 e 2º-1 da Lei PREVPAV, não se aplica o disposto no nº 3 do art.º. 14º da mesma Lei, mas o disposto no seu nº 2, não podendo haver alteração do valor das retribuições anteriormente estabelecidas com a entidade empregadora durante o vínculo pré-existente. V- Os Tribunais do Trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecerem dos pedidos de condenação da ré a proceder aos descontos para a Segurança Social.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- AAA, intentou no Juízo do Trabalho do Funchal a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, CONTRA,
BBB, E.P.E.
II- PEDIU a condenação da ré a pagar-lhe a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre a autora e a ré com efeitos reportados a 28 de Fevereiro de 2014 e que a ré seja condenada no pagamento de todos os direitos e regalias decorrentes do vínculo de natureza laboral iniciado em 3 de Março de 2014, nomeadamente salários, subsídios, férias e descontos para o regime contributivo da segurança social e deduções fiscais, quantias estas acrescidas de juros moratórios legais desde a citação até integral pagamento.
III- ALEGOU, em síntese, que:
- Por contrato celebrado em 28 de Fevereiro de 2014 foi contratada pela ré, sob o regime de prestação de serviços, para prestar os serviços “jurídicos”, mediante a retribuição, a título de honorários, no montante base mensal de € 1.320,00 (mil trezentos e vinte euros), sem IVA, dado que se encontrava isenta do mesmo;
- Esta contratação teve a duração de 1 ano;
- A ré foi renovando ininterrupta e sucessivamente a prestação de serviços, contratando-a para as mesmas funções, para o mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição e carga horária;
- Considerando as circunstâncias em que prestava os serviços, o contrato celebrado configura um contrato de trabalho.
IV- A ré foi citada, realizou-se Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação, e aquela veio a CONTESTAR, dizendo, no essencial, que:
- O Tribunal do Trabalho é incompetente em razão da matéria sendo competente o Tribunal Administrativo;
- O Tribunal do Trabalho carece de competência material relativamente ao pedido de condenação no pagamento das contribuições para a Segurança Social;
- A relação de trabalho estabelecida entre a autora e a ré está contida no âmbito de uma prestação de serviços não tendo a natureza de contrato de trabalho subordinado.
V- A fols. 189 a autora veio dar conta da celebração a 1/7/2018, e com a ré, de um contrato de trabalho sem termo no âmbito do PREVPAP, entendendo que no mesmo a ré reconhece a existência de um contrato de trabalho desde 28/2/2014 pelo que a acção deve apenas prosseguir para conhecimento dos pedido de condenação no pagamento de todos os direitos e regalias decorrentes do vínculo de natureza laboral iniciado em 3 de Março de 2014, nomeadamente salários, subsídios, férias e descontos para o regime contributivo da segurança social e deduções fiscais.
Já a ré, a fols. 193 v. e 194, veio tomar posição dizendo que no contrato de trabalho celebrado no âmbito do PREVPAP não existe qualquer assunção da existência anterior de um contrato de trabalho, sendo que aquele contrato foi celebrado no termo do contrato de prestação de serviços para a ré, pelo que o contrato celebrado não desobriga o Tribunal da verificação da existência (ou não) de um contrato de trabalho desde 3 de Março de 2014, sendo condição “sine qua non” da verificação da validade do segundo pedido da autora.
Realizou-se Audiência Preliminar e em seguida foi proferido Saneador Sentença em que se julgou o Tribunal competente em razão da matéria e se julgou a acção pela forma seguinte:
“IV – DECISÃO:
Face ao exposto, julgo extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide.”
Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso de Apelação (fols. 203 a 211), apresentando as seguintes conclusões:
(…)
A ré não contra-alegou.
Correram os Vistos legais tendo a Digna Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público emitido Parecer (fols. 220 a 222), no sentido de ser dado provimento ao recurso.
VI- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, não impugnada, é a seguinte:
1- A autora foi contratada pela ré, sob o regime de prestação de serviços, por contrato outorgado em 28 de Fevereiro de 2014, para prestar serviços jurídicos.
2- A contratação destinou-se a ocupar o posto de trabalho de jurista do núcleo de aprovisionamento da ré, mediante o pagamento de uma retribuição mensal, a título de honorários, no montante base de € 1.320,00 (mil trezentos e vinte euros), sem IVA.
3- A contratação inicial da autora pela ré teve a duração de 1 ano.
4- A ré foi renovando, ininterrupta e sucessivamente, a sua relação contratual com a autora, contratando-a para as mesmas funções, para o mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição e a mesma carga horária.
5- Na data da instauração da acção, a autora tinha em vigor um contrato de prestação de serviços jurídicos, iniciado em 1 de Julho de 2017 e com prazo de execução de 183 dias.
6- A ré recorreu sempre ao mesmo formalismo procedimental para contratar os serviços da autora, fazendo-o através de convites dirigidos à autora para que esta apresentasse propostas, no âmbito das quais, esta entregava à ré uma carta contendo uma proposta e uma declaração, ambas já previamente redigidas e facultadas pela ré à autora.
7- Em 29 de Junho de 2018, ao abrigo do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários, a autora e a ré celebraram um contrato de trabalho sem termo, nos termos do qual a autora foi contratada para exercer as funções inerentes à categoria de técnico superior, da carreira de técnico superior.
8- No contrato celebrado, a autora e a ré acordaram que a antiguidade da autora, contada desde 1 de Março de 2014, será somente considerada para efeitos de desenvolvimento da carreira, designadamente para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório, de acordo com o que for estabelecido para os restantes trabalhadores da ré.
VII- Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 639º-1-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a as questões que fundamentalmente se colocam no presente recurso são as seguintes:
A 1ª, se não se verifica a inutilidade superveniente da lide.
A 2ª, se a ré deveria ter sido condenada no pagamento dos créditos laborais decorrentes da existência de um contrato de trabalho entre 28/2/2014 e 30/6/2018.
VIII- Decidindo.
Questão prévia.
Depois de os factos provados terem sido fixados em 1ª instância, a Mmª Juíza “a quo” motivou os mesmos pela forma seguinte:
“B – Motivação de Facto
Os factos provados resultam do acordo das partes e dos documentos juntos ao processo, cujo teor/conteúdo não foi impugnado por qualquer uma das partes.”
Ora, atentando nos factos provados nºs 1 e 5 constata-se que ali se consignou que a “1- A autora foi contratada pela ré, sob o regime de prestação de serviços…” e que “5- Na data da instauração da acção, a autora tinha em vigor um contrato de prestação de serviços jurídicos…”.
Esta “factualidade” estabelecida, para além de consubstanciar conclusão de direito (somente aceitável quando a natureza contratual não é discutida nos autos e aceite por ambas as partes), é incompreensível e absolutamente inaceitável quando no presente processo se discute, precisamente e como questão fundamental, a natureza jurídica dos contratos celebrados entre autora e ré no período compreendido entre 28/2/2014 e 30/6/2018.
Onde é que as partes acordaram, ou resulta dos documentos juntos ao processo que os contratos celebrados entre 28/2/2014 e 30/6/2018 tem a natureza substancial de contratos de prestação de serviços ?
Com “factos” assim, para quê fazer sentenças ?
Assim, atento o disposto no art. 662º-1 do CPC, importa alterar a redacção dos factos provados nºs 1 e 5 que passará a ser nos seguintes termos:
- “1- A autora emitiu a 28/2/2014 a declaração cuja cópia consta de fols. 17 v. a 18 v. em que, designadamente, diz que aceita executar o contrato para prestação de serviços de jurídicos referente ao Procedimento da ré sob referência ISAD20140026 que foi autorizado pela ré conforme deliberação e despacho da mesma data, cujas cópias constam de fols. 26 v. e 27 v.”;
- “5- Na data da instauração da acção, entre autora e ré vigorava o acordo a que se referem as declarações da autora emitidas a 26/6/2017 cujas cópias constam de fols. 165 v. a 166 v. em que, designadamente, diz que aceita executar o contrato para prestação de serviços de juristas, e que foi autorizado pela ré conforme deliberação da mesma data, com referência ao 1ISAD20170033, cuja cópia consta de fols. 173 v. e 174.”.
Porque também com interesse para a boa decisão dos autos, importa dar como provado o que consta do art. 79 da contestação da ré, onde a mesma aceita nunca ter efectuado pagamentos de quaisquer subsídios.
Assim adita-se um novo facto provado com o nº 9 e a seguinte redacção:
9- A ré nunca entregou à autora quaisquer quantias a título de subsídio de alimentação, de Natal e de férias”.
Quanto à 1ª questão.
Na sentença recorrida entendeu-se que ocorria a inutilidade superveniente da lide, no essencial porque do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAP resulta que a ré reconheceu a existência de um contrato de trabalho desde 1/3/2014 e porque ao consagrar-se no contrato de trabalho celebrado que a antiguidade retroagida àquela data era somente para efeitos de desenvolvimento da carreira tal integra uma renúncia por parte da autora a quaisquer direitos anteriores à data da celebração do contrato.
Não acompanhamos na totalidade esta perspectiva.
Vejamos porquê.
A ré, BBB, EPE (SESARAM), está integrada na (…) da Madeira e é uma pessoa colectiva de direito público, de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa financeira e patrimonial, nos termos do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 300/2007, de 23 de Agosto. Rege-se pelo regime aplicável às entidades públicas empresariais, com as especificidades constantes dos seus estatutos aprovados pelo Decreto Legislativo Regional nº 12/2012/M de 2 de Julho, com as alterações introduzidas pelo art. 59.º do Decreto Legislativo Regional nº 17/2015/M, de 30/12 (ORAM2016) e pelo Decreto Legislativo Regional n.º 36/2016/M, de 16/08.
Assim, a ré é uma entidade abrangida pelo art. 2º-1 da Lei nº 112/2017 de 29/12 (que estabelece o programa de regularização extraordinário dos vínculos precários – PREVPAV), pelo que, nos termos do art. 14º-1-b) da mesma Lei, ao celebrar com a autora o contrato de trabalho de 29 de Junho de 2018 (facto provado nº 7), tal implicou, necessariamente e “ope legis”, o reconhecimento de que a relação existente antes da celebração deste contrato, configurava um contrato de trabalho (“1- ….obriga as mesmas entidades a proceder à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento: …; b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes;…”).
Dúvidas assim não existem, e aqui acompanhamos totalmente o decidido em 1ª instância, que a ré, por força da Lei PREVPAV, reconheceu que entre ela e a autora vigorou um contrato de trabalho a partir de 1/3/2014.
Mas será que por constar do contrato de trabalho celebrado a 29 de Junho de 2018 que a antiguidade retroagida a 1/3/2014 era somente para efeitos de desenvolvimento da carreira tal integra uma renúncia por parte da autora a quaisquer direitos anteriores à data da celebração do contrato ?
Não cremos que assim seja.
Estabelece o art. 863º-1 do CC que "o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor", sendo que a remissão de dívida é, "por conseguinte, a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte", sendo uma das causas de extinção das obrigações, tendo "como efeito imediato a perda definitiva do crédito, de um lado, e a liberação do débito, pelo outro"- Prof. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 3ª ed., Vol. II, pags. 209 e 218.
Ficou provado que autora e ré, a 29/6/2018, celebraram um acordo escrito segundo o qual disseram que “A antiguidade da autora, contada desde 1 de Março de 2014, … será somente considerada para efeitos de desenvolvimento da carreira, designadamente para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório, de acordo com o que for estabelecido para os restantes trabalhadores da SESARAM, EPE”, ora ré (facto provado nº 8).
Temos, pois, uma declaração escrita emitida pela autora e pela ré que a fizeram sua ao assiná-la, a qual não foi afastada através da alegação ou prova por parte da autora da existência de falta ou de vícios da vontade susceptíveis de a invalidar, nos termos previstos nos arts. 240º e s. do CC.
Sendo o teor da declaração negocial o acima referido cumpre proceder à sua interpretação.
Determina o art. 236º do CC que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; porém, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que a declaração vale.
Acolhe, pois, o Código Civil o tipo de sentido negocial decisivo para a interpretação nos termos da doutrina objectivista da impressão do destinatário: a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição do real declaratário, lhe atribuiria considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável (embora para que tal sentido possa relevar se torne necessária a possibilidade da sua imputação ao declarante), é o que nos diz Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil", pags. 419 a 420.
Não se está perante um reconhecimento negativo de dívida, o qual é o negócio declarativo pelo qual o possível ou aparente credor reconhece vinculativamente perante a contraparte que certa obrigação não existe, ou porque nunca existiu ou porque foi extinta entretanto- Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, 2ª ed., II Vol., pag. 136- pois a declaração constante do  da Clª 7ª do contrato de trabalho não consubstancia um reconhecimento de que a obrigação da aqui ré não existe.
Ora o documento em causa reflecte um acordo entre as partes nestes autos, mas tal acordo mais não é do que a implicação necessária da celebração do contrato de trabalho ao abrigo do PREVPAV, como resulta do art. 13º-1 da Lei PREVPAV, “…Após a integração e o posicionamento remuneratório na base da carreira respectiva, para efeitos de reconstituição da carreira, o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária releva para o desenvolvimento da carreira, designadamente para efeito de alteração do posicionamento remuneratório…”. Ou seja, a consequência da referida Clª 7ª do contrato já resultava, “ope legis” da Lei PREVPAV como uma das consequências decorrentes daquele art. 13º, até sem necessidade que a mesma, ou as mesmas, constassem do teor do contrato de trabalho celebrado.
 Porém, em tal cláusula, autora e ré acrescentaram algo que a Lei não contempla, dizendo que “…será somente considerada para efeitos de desenvolvimento de carreira…”.
Acontece que sendo a Lei PREPAV de carácter imperativo, não podiam autora e ré estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade, porque contrária à lei, nulidade que, como se sabe, é de conhecimento oficioso nos termos dos arts. 280º-1 e 286º do CC.
É assim nula a parte da Clª 7ª do contrato de trabalho de 29/6/2018 onde consta que “somente” será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvimento de carreira. E sendo nula, a restrição constante do contrato de trabalho, não produz quaisquer efeitos.
Ainda que assim não fosse e a Clª 7ª fosse integralmente válida, e pudéssemos configurar a situação jurídica como uma remissão abdicativa por parte da autora, haveria de se considerar a validade de tal renúncia, isto porque, como se viu, havendo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde 1/3/2014, por força da Lei PREVPAV, aquando da declaração da renúncia, estava-se em plena vigência de um contrato de trabalho entre autora e ré. E, como é sabido, a retribuição do trabalhador, durante a vigência do contrato de trabalho, é considerado direito indisponível, estando a disponibilidade do mesmo retirada da sua vontade (art. 97º da LCT) (v. a propósito, Dr. João Leal Amado, A Protecção do Salário, Coimbra, 1993, pags. 214 e 215).
Portanto, ainda que a Clª 7ª contratual fosse totalmente válida, a autora não podia renunciar a quaisquer direitos de carácter remuneratório.
Quanto à 2ª questão.
Pretende a autora a condenação da ré a “pagar à autora todos os direitos e regalias decorrentes do vínculo de natureza laboral iniciado a 3 de Março de 2014, nomeadamente, salários, subsídios, férias, descontos para o regime da Segurança Social e deduções fiscais”.
Já acima se apurou que a ré se encontra abrangida pelas entidades referidas nos arts. 14º-1 e 2º-1 da Lei PREVPAV pelo que não se aplica o disposto no nº 3 do art. 14º da mesma Lei. Antes é aplicável o disposto no nº 2 do art. 14º dessa Lei onde se estabelece que “De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente.”
Consequentemente, a autora apenas tem direito às retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, não pagos, entre 1/4/2014 e 1/7/2018, considerando-se para efeitos de cálculos os valores mensais respectivos que eram pagos em cada ano (facto provado nº 9).
Quanto ao pedido de condenação da ré a proceder aos descontos para a Segurança Social, a incompetência material do Tribunal do Trabalho para o mesmo foi suscitada expressamente pela ré na sua contestação.
Porém, o Tribunal “a quo” apesar de se ter pronunciado quanto à também excepcionada incompetência material por se alegar estar em causa um contrato de serviços públicos realizado nos termos do Código de Contratos Públicos, não dispensou uma única linha quanto a esta específica questão.
 Este assunto foi já objecto de antiga, repetida e uniforme pronúncia jurisprudencial, quer do Supremo Tribunal de justiça, quer dos Tribunais da Relação, quer, principalmente, do Tribunal dos Conflitos.
 De facto, como já se decidiu no Ac. do STJ de 13/11/02, Col.STJ, T. 3, pag. 276, "a questão da eventual falta de pagamento de contribuições do réu à Segurança Social, não é da competência dos tribunais do trabalho". No mesmo sentido podem ver-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 14/2/2007, disponível em www.dgsi.pt/jtrl, P. nº 9982/2006-4; o Ac. da Rel. de Lisboa de 7/3/2007, disponível em www.dgsi.pt/jtrl, P. nº 9393/2006-4; o Ac. do Tribunal de Conflitos de 27/10/2004, disponível em www.dgsi.pt/jcon, P. nº 02/04; o Ac. do Tribunal de Conflitos de 29/6/2005, disponível em www.dgsi.pt/jcon, P. nº 01/05; o Ac. do Tribunal de Conflitos de 4/10/2006, disponível em www.dgsi.pt/jcon, P. nº 03/06; o Ac. do Tribunal de Conflitos de 4/10/2007, disponível em www.dgsi.pt/jcon, P. nº 014/07; o Ac. da Rel. de Lisboa de 5/11/03, Recurso nº 4825/03-4ª secção; e o Ac. da Rel. de Lisboa de 12/5/04, Recurso nº 7944/03-4ª secção (com sumário disponível em www.dgsi.pt/jtrl), onde se decidiu que "a questão da eventual falta de pagamento de contribuições do réu à segurança social não é da competência dos tribunais de trabalho e também não e de qualquer outro tribunal judicial", sendo que "competentes para o conhecimento de tais acções são os tribunais administrativos e fiscais".
Assim, é entendimento repisado que, em casos semelhantes ao destes autos, no pedido formulado de condenação na regularização de descontos para a Segurança Social estão em causa verdadeiras quotizações sociais com natureza parafiscal que se encontram no âmbito das imposições financeiras públicas a favor de organismos do Estado. Por isso o pedido de pagamento das contribuições em causa resulta da relação jurídica contributiva da qual emergia uma obrigação da entidade empregadora perante a Segurança Social, mediante a concretização e entrega dos descontos,
E embora a prestação contributiva pressuponha a existência de um contrato de trabalho, a obrigação respectiva só se concretiza mediante uma relação jurídica entre a entidade que procede aos descontos e o Estado. Não estão em causa direitos e deveres recíprocos das partes no contrato de trabalho, nem respeita a relações jurídicas estabelecidas directamente entre as mesmas.
Assim, não sendo os Juízos do Trabalho competente em razão da matéria para conhecer deste pedido concreto, terá a ré de ser absolvida da instância do mesmo, atento o art. 99º-1 do CPC/2013.                   
IX- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em revogar a sentença recorrida e, em consequência:
a) Reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre autora e ré desde 1/3/2014;
b) Condenar a ré a pagar à autora as retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, vencidos e não pagos entre 1/4/2014 e 1/7/2018, considerando-se para efeitos de cálculos os valores mensais respectivos que eram pagos em cada ano à autora como remuneração, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
c) Absolver a ré da instância quanto ao pedido de descontos para a Segurança Social.
Custas em ambas as instâncias a cargo da autora na proporção de 1/15 e da ré na proporção de 14/15.

Lisboa, 26 de Junho de 2019

DURO MATEUS CARDOSO
ALBERTINA PEREIRA
LEOPOLDO SOARES