Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8567/20.0T8LSB.L1-7
Relator: PAULO RAMOS DE FARIA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO INFUNDADA
EXTINÇÃO DA RELAÇÃO CONTRATUAL POR ACORDO
DIREITO DE RETENÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A legitimidade para promover o apropriado procedimento administrativo de controlo prévio à edificação urbana, mesmo tratando-se da simples comunicação, cabe a quem tem a faculdade (de direito civil) de edificar no imóvel.
2. O mesmo é dizer que, sendo a operação urbanística protagonizada pelas partes no contrato de empreitada, cabe ao dono da obra, proprietário do imóvel, requerer o licenciamento para construção ou efetuar a comunicação prévia.
3. Ocorrendo substituição na titularidade da posição jurídica legitimadora da edificação, cabe ao substituto comunicar à edilidade esta alteração, para que se proceda ao seu averbamento, se pretender aproveitar-se do licenciamento ou da comunicação existentes.
4. Se a declaração resolutória infundada não tem os efeitos pretendidos pelo declarante, por não ter este o direito potestativo de resolução, poderá ela revelar séria, clara e univocamente a intenção definitiva do declarante de não cumprir o contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


A. Relatório
A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
LDCGC e SSSMGC instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra AF Construções, L.da, pedindo para o tribunal:
(i) condenar a ré a pagar aos autores o valor de €76.410,70, a título de multas contratuais que lhe foram aplicadas nas circunstâncias supra referidas, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva supra indicada;
(ii) condenar a ré a reconhecer a licitude quanto à resolução do contrato de empreitada conforme declarada pelos autores, com as legais consequências;
(iii) condenar a ré a devolver a obra aos autores;
(iv) condenar a ré a pagar aos autores €2.500,00 por cada dia de atraso no cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores, desde 19.03.2020, a título de sanção pecuniária compulsória, que, atualmente, perfaz o valor líquido de €37.500,00, sem prejuízo da liquidação subsequente até ao integral cumprimento da obrigação de devolução da obra, a liquidar em eventual execução de sentença;
(v) condenar a ré a pagar aos autores €16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com a habitação em substituição do imóvel objeto do contrato de empreitada em causa na presente ação, desde 16.05.2029 até hoje, sem prejuízo das rendas vincendas, à razão mensal de €1.500,00, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vi) condenar a ré a pagar aos autores €4.171,53, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído ao BM, sem a contrapartida da utilização do prédio como sua habitação própria e permanente, até hoje, sem prejuízo das prestações mensais vincendas, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vii) condenar a ré a pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de €111.769,91, sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores;
(viii) condenar a ré a pagar aos autores €5.000,00, a título de danos não patrimoniais;
Para tanto, alegaram que celebraram com a ré um contrato de empreitada para construção de uma moradia. Na fase de execução, os autores adjudicaram à ré a realização de “trabalhos a mais”, que a ré se comprometeu a executar sem alteração do prazo de 14 meses inicialmente acordado.
Considerando a data de início dos trabalhos, a obra deveria estar concluída em 16 de maio de 2019, sendo que a ré não deduziu qualquer pedido de prorrogação do prazo contratual. A obra foi objeto de comunicação prévia à Câmara Municipal (CM). A possibilidade de edificação assente na comunicação prévia caducou em 16 de setembro de 2019. A caducidade ocorreu por falta de apresentação junto da CM de novo pedido de prorrogação de que a ré estava incumbida.
Com a caducidade da comunicação prévia, a ré suspendeu a execução dos trabalhos de construção. Com vista a compelir a ré ao cumprimento das suas obrigações, os autores optaram por aplicar as multas contratualmente previstas, no montante global de 86.853,68 euros, que a ré não pagou. Os autores, em 16 de março de 2020, declararam a resolução do contrato de empreitada, com efeitos imediatos. Na sequência do incumprimento da ré, os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pretendem.
Citada a ré, ofereceu esta a sua contestação, alegando, designadamente, que, na data da aquisição do prédio pelos autores, a anterior proprietária já dispunha de licenciamento aprovado para a construção da habitação projetada. Por este motivo, ficou contratualmente estabelecido que a ré diligenciaria por obter junto do anterior proprietário as licenças de escavação e contenções periféricas, de construção e utilização, mas devendo os autores, após a aquisição do lote de terreno, diligenciar pelo averbamento das licenças nos seus nomes e pela obtenção de eventuais prorrogações da licença (ou da comunicação prévia), caso fosse necessário.
A execução dos trabalhos de empreitada ficou marcada por diversas solicitações dos autores para alterações ao projeto inicial e execução de trabalhos a mais. Face às diversas exigências impostas pelos autores, a ré só concluiu a versão final do planeamento da obra em 15 de outubro de 2019. A caducidade da licença determinou a suspensão dos trabalhos o que foi comunicado aos autores. A ré reteve a obra para garantia dos seus créditos.
A ré deduziu pedido reconvencional para obtenção do pagamento de trabalhos referentes a faturas vencidas e não pagas, e ainda das quantias respeitantes aos custos suportados com os serviços prestados após a suspensão dos trabalhos. Pede a condenação dos autores como litigantes da má-fé.
Na sua réplica, os autores mantiveram a posição assumida na petição e pediram a condenação da ré como litigante de má-fé.
Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, concluindo nos seguintes termos:
Por tudo quanto exposto fica, decide-se:
a) julgar a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a ré:
i) a pagar aos autores o valor de €76.410,70, a título de multas contratuais que lhe foram aplicadas nas circunstâncias supra referidas, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva;
(ii) a reconhecer a licitude quanto à resolução do contrato de empreitada conforme declarada pelos autores, com as legais consequências;
(iii) a devolver a obra aos autores;
(iv) a pagar aos autores a quantia de 1.000,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores, a contar do trânsito em julgado da decisão;
(v) a pagar aos autores €16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com a habitação em substituição do imóvel objeto do contrato de empreitada em causa na presente ação, desde 16.05.2019 até hoje, e rendas vincendas, à razão mensal que se verificar em cada momento, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vi) a pagar aos autores €4.171,53, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído ao BM, sem a contrapartida da utilização do prédio como sua habitação própria e permanente, até hoje, e prestações mensais vincendas, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vii) a pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de €106.663,09 (com IVA), sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores, e no mais se absolvendo a ré.
b) julgar a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e em consequência condenar os autores a pagar à ré as quantias de 6.148,50 euros e 4.076,79 euros, referentes às faturas identificadas nos autos, devidas e não pagas, acrescidas de juros de mora vencidos no montante 401,32 euros e vincendos até efetivo e integral pagamento, no mais se absolvendo os autores.

Inconformada, a ré apelou desta decisão, rematando as suas extensas conclusões nos seguintes moldes:
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos e com os fundamentos constantes das alegações e conclusões supra, e, nessa sequência:
a. Deve ser declarada a nulidade da sentença nos termos e com os fundamentos constantes das alegações e conclusões supra, com as legais consequências;
b. Deve ser alterada a matéria de facto nos termos e com os fundamentos constantes das alegações e conclusões supra, com as legais consequências;
c. Deve, em qualquer caso, ser o presente recurso julgado procedente, e a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os pedidos dos recorridos e absolva a recorrente e julgue procedente o pedido de reconvencional.
Os apelados contra-alegaram, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.
A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar
As questões prévias a abordar reconduzem-se à nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, falta de fundamentação, ambiguidade, condenação em quantia superior ao pedido e obscuridade.
São as seguintes as questões de facto a abordar:
a) reapreciação da decisão respeitante às alíneas N), S), T), V), UU) e VV) da fundamentação de facto:
b) reapreciação da decisão respeitante às 4.ª a 12.ª proposições do leque de factos não provados.
As questões de direito a tratar serão mais desenvolvidamente enunciadas no início do capítulo dedicado à análise dos factos e à aplicação da lei.
*
B. Fundamentação
B.A. Factos provados (conforme decisão do tribunal ‘a quo’)
A) Em 13.10.2017, os autores, como donos de obra, e a ré, como empreiteira, celebraram o contrato de empreitada para a construção de uma moradia, com piscina, destinada a habitação, sita na Unidade de gestão 4, Rua A, Parcela 405, lote 405-L3, na freguesia da (...), concelho da Localidade, junto a fls. 45 a 51 verso e cujo teor se dá por reproduzido.
B) O prédio onde a obra viria a decorrer, foi adquirido pelos autores à sociedade “TZ, S.A.”, por contrato particular celebrado no mesmo dia (13.10.2017), descrito sob a ficha número 1559, da Primeira Conservatória do Registo Predial da Localidade, da freguesia da (...), concelho da Localidade, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da referida freguesia e concelho, junto aos autos a fls. 53 verso a 66 e cujo teor se dá por reproduzido.
C) A celebração do contrato de empreitada anteviu a celebração do contrato de compra e venda.
D) Tal como ocorreu com a celebração, a negociação dos dois contratos foi feita em simultâneo, entre os autores e os representantes do grupo que gira sobre a denominação “GRUPO PJS”.
E) A ré e a “TZ, S. A.” pertencem ao “GRUPO PJS”, com uma estrutura acionista e administração comum.
F) Com a data de 25 de Maio de 2017 foi celebrado entre a sociedade “PJSIP, L.da” e o autor o “Acordo de Reserva de Imóvel” junto a fls. 86 verso e 87 e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
G) O preço de compra e venda do prédio importou em €171.760,00.
H) O preço pela compra e venda foi pago, num primeiro momento, em 25.05.2017, no valor de €10.000,00, com a assinatura do documento denominado de “Acordo de Reserva de Imóvel”, em numerário entregue a PJS, representante legal da ré e das sociedades “TZ, S. A.” e “PJSIP, L.da”.
I) Num segundo momento, em 13.10.2017, os autores pagaram €61.760,00, por transferência bancária para a conta bancária indicada pela sociedade “PJSIP, L.da”, identificada pelo IBAN (…).
J) No mesmo dia, entre a celebração do contrato de compra e venda e a celebração do contrato de empreitada, os autores celebraram com a BM (BM) um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, por via do qual os autores se confessaram solidariamente devedores à BM da quantia de €470.000,00, que receberam a título de empréstimo.
L) O montante de €161.760,00 do empréstimo que os autores receberam da BM foi destinado à aquisição do imóvel e o remanescente para a construção do edifício, destinado a habitação própria e permanente dos autores.
M) O preço para a realização da obra (empreitada) foi fixado em €308.240,00.
N) Na fase de execução, os autores, mediante negociação com a ré, adjudicaram novos trabalhos, comummente designados por “trabalhos a mais”, no valor de €44.406,34, que a ré se comprometeu a executar sem alteração do prazo de 14 meses, inicialmente acordado.
O) Na sequência da assinatura do contrato de empreitada em 27.04.2018, os autores, e conforme o previsto na cláusula 6.ª, n.º 2, do contrato de empreitada, pagaram à ré o valor de €30.824,00, correspondente a 10% do valor global da empreitada.
P) O pagamento parcial do preço da empreitada foi pago no balcão da agência do BM, na Rua do Ouro, por transferência bancária para a conta indicada pela sociedade “PJSIP, L.da”, correspondente ao número 000.10.591.969-C, aberta no BM.
Q) O valor restante do preço acordado pela construção, seria pago pelos autores à ré, à medida da execução dos trabalhos de construção, com base em autos de medição de trabalhos e demais termos consignados na cláusula 6.ª, n.º 1, do contrato de empreitada referido em A).
R) Nos termos do contrato de empreitada em causa na presente acção - cláusula 2.ª, n.ºs 1, 2 e 3 - , a ré obrigou-se a executar todos os trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais, mão-de-obra e equipamentos necessários à realização e concretização da empreitada (…) do tipo “chave na mão” compreendendo a realização de todos os trabalhos de construção, prestação de serviço, fornecimento de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis á integral execução (…) incluindo escavações, contenções periféricas, assentamento de fundações diretas e/ou indiretas, estruturas, betonagens, coberturas, revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o mais que se revelar necessário e indispensável à concretização dos referidos objetivos, sendo da responsabilidade do EMPREITEIRO a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização (…) em obediência a todos os normativos e regras de arte aplicáveis
S) O prazo para a execução de todos os trabalhos da empreitada, foi fixado em 14 meses, a contar da data do início dos trabalhos.
T) A obra em causa na presente ação está sujeita a comunicação prévia a realizar junto da Câmara Municipal.
U) Os trabalhos de construção iniciaram-se no dia 16.03.2018.
V) Nessa data a ré já tinha obtido a licença de construção, na sequência da comunicação prévia efetuada à Câmara Municipal, válida por um período de 12 meses, ou seja, até 16.04.2019.
X) Com a data de 4/03/2019 a “TZ, S. A.” subscreveu requerimento com vista a obter a prorrogação da licença de construção por um período adicional de 6 meses, fundamentando o pedido de prorrogação “… no atraso na obra provocado por atrasos de fornecedores.”
Z) Com o pedido de prorrogação, o prazo da comunicação prévia estendeu-se por 6 meses, até 16.09.2019.
AA) A caducidade da comunicação prévia ocorreu no dia 16.09.2019, por falta de apresentação junto da Câmara Municipal de um novo pedido de prorrogação do prazo.
BB) Com a caducidade da comunicação prévia, a ré suspendeu a execução dos trabalhos de construção.
CC) Desde o início dos trabalhos até à suspensão da obra foram elaborados 14 autos de medição tendo os autores pago á ré por conta dos trabalhos a quantia de 151.139,68 euros.
DD) Em 11.12.2019, os autores e a ré realizaram vistoria conjunta à obra.
EE) Do auto resulta um saldo de trabalhos realizados a favor da ré no montante de €10.422,98.
FF) De acordo com a cláusula 11.ª, n.º 1, do contrato de empreitada, “… o cumprimento dos prazos de execução da empreitada fixados nas cláusulas antecedentes (…) e que o seu eventual não cumprimento por qualquer causa imputável ao EMPREITEIRO terá como consequência a aplicação de uma multa diária correspondente a 0,1% do valor da empreitada.”
GG) Mediante carta registada com A/R datada de 23/12/2019 os autores comunicaram à ré a aplicação da multa prevista na cláusula referida na alínea anterior no montante de €68.121,04, tudo nos termos e como melhor consta do documento junto a fls. 115 verso/116, verso, que aqui se dá por reproduzido.
HH) Em 24.01.2020, mediante carta registada com A/R os autores comunicaram à ré a aplicação de uma segunda multa, no montante de €9.555,44, tudo nos termos e como melhor consta do documento junto a fls. 119 e 120, que aqui se dá por reproduzido.
II) Em 24.02.2020, mediante carta registada com A/R os autores comunicaram à ré a aplicação de uma terceira multa contratual, no valor de €9.157,20 tudo nos termos e como melhor consta do documento junto a fls. 121 e 122, que aqui se dá por reproduzido.
JJ) Os autores identificaram o IBAN (…) como correspondendo à conta bancária na qual a ré deveria depositar ou transferir os valores correspondentes às multas contratuais aplicadas.
LL) A ré não pagou até hoje o valor resultante das multas contratuais que lhe foram aplicadas pelos autores.
MM) Dá-se por reproduzido o teor do documento junto a fls. 123 a 134 dos autos, correspondente às comunicações entre as partes, por correio eletrónico, de 16.11.2019 a 13.03.2020.
NN) Em 16.03.2020, os autores, mediante comunicação que enviaram para a ré, por carta registada com aviso de recepção, declararam a resolução do contrato de empreitada, com efeitos imediatos, tudo como melhor consta do documento junto a fls. 135 a 137 verso dos autos.
OO) A ré respondeu por escrito à comunicação de resolução, conforme carta recebida pelos autores, datada de 17.03.2020, junta a fls. 138 a 141 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, para todos os efeitos.
PP) Os autores despendem mensalmente a quantia de 1500,00 euros no pagamento da renda da casa que habitam.
QQ) De 16.05.2019 até à propositura da ação os autores pagaram ao BM, o montante de €4.171,53, por virtude do contrato referido em J).
RR) Os autores procederam à promoção da venda da moradia cuja construção estava a cargo da ré por força do contrato de empreitada em apreço nos autos, através da agência imobiliária CBC, sem que a obra estivesse concluída.
SS) Em 15/01/2020 a ré remeteu aos autores as faturas juntas a fls. 251 a 252 verso e a fatura pró-forma junta a fls. 253, referentes ao fecho provisional da obra, no valor global de 84.682,51 euros, e solicitou o pagamento daquelas.
TT) Os autores devolveram as ditas faturas a 16/01/2020 e recusaram o seu pagamento, nos termos do email junto a fls. 254 verso cujo teor se dá por reproduzido.
UU) As obras deveriam ter sido concluídas até 16/05/2019.
VV) Para concluírem a obra os autores terão de despender 250.544,46 euros, conforme documento junto a fls. 163 verso a 170 dos autos.
XX) A atuação da ré não concluindo a obra causou aos autores frustração e desconforto emocional.
ZZ) A caducidade da licença de construção e suspensão da obra impediu a ré de estabelecer a calendarização final da obra, tendo em consideração a impossibilidade de prever a data a partir da qual seria possível retomar os trabalhos.
AAA) Apenas com a renovação e/ou prorrogação da licença de construção poderia a ré estabelecer a calendarização das obras, apurar a data da sua conclusão e retomar os trabalhos.
BBB) Por conta dos trabalhos realizados o réu procedeu à emissão das seguintes faturas que enviou aos autores:
– Fatura n.º 2019/675, emitida em 30/10/2019, com vencimento em 29/11/2019, no valor de €6.148,50 e referente ao auto de medição n.º 15; e
– Fatura n.º 2019/773, emitida em 26/11/2019, com vencimento em 26/12/2019, no valor de €4.076,79 e referente ao auto de medição n.º 16.
CCC) Os autores não procederam ao pagamento dos valores referidos nas id. faturas.

B.B. Arguição de nulidades (vícios processuais)
1. Contradição entre os fundamentos e a decisão
Alega a apelante que a sentença encerra uma contradição entre a fundamentação e a decisão, nestes termos:
A propósito do dever de prorrogação da comunicação prévia, na fundamentação, o tribunal a quo avançou com o seguinte: // “Na verdade, tal obrigação (…) consta do contrato de empreitada (…).”
E concluiu o tribunal a quo que: // “A suspensão dos trabalhos que seguiu a caducidade da comunicação prévia, e a sua não retoma posterior dos mesmos, apesar das insistências dos autores, configura incumprimento contratual imputável à ré”. (…)
O tribunal a quo não podia considerar, ao contrário do que fez, que o prazo inicial previsto no contrato de empreitada se encontrava esgotado, quando conclui que a recorrente tinha a obrigação de prorrogação do prazo da comunicação prévia, e que por este facto incumpriu definitivamente o contrato, sendo este incumprimento fundamento para a resolução do contrato efetuada pelos recorridos. (…) Decorre de um simples raciocínio lógico que não poderia a recorrente estar obrigada a cumprir o prazo de 14 meses de execução da obra, e, simultaneamente estar obrigada a prorrogar a comunicação prévia, quando a comunicação prévia caducava numa data posterior ao terminus do referido prazo de 14 meses (…).
Reza a primeira parte da norma enunciada na al. c) do n.º 1 art.º 615.º do Cód. Proc. Civil que “(é) nula a sentença quando (…) (o)s fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Sobre esta norma, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que “a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” – cfr. o Ac. do STJ de 14-04-2021 (3167/17.5T8LSB.L1.S1). A nulidade em causa decorre, pois, de “um erro de raciocínio lógico, consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” – idem, cfr., ainda, entre muitos outros, os Acs. do STJ de 20-05-2021 (69/11.2TBPPS.C1.S1), de 09-03-2022 (4345/12.9TCLRS-A.L1.S1), de 26-01-2021 (2350/17.8T8PRT.P1.S2), de 27-04-2023 (374/22.2T8LRA.C1.S1), de 10-01-2023 (508/20.1T8AGH.L1.S1), de 12-01-2021 (1801/19.1T8CSC.L1-B.A.S1), de 22-02-2022 (3282/17.5T8STB.E2.S1) e de 29-04-2021 (704/12.5TVLSB.L3.S1).
Desenvolvendo e subscrevendo este entendimento, podemos assentar que a “oposição” referida na al. c) do n.º 1 art.º 615.º do Cód. Proc. Civil é uma falha no silogismo judicial, tal como se encontra enunciado na sentença – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 03-03-2021 (3157/17.8T8VFX.L1.S1). Neste silogismo falhado, o tribunal identifica uma premissa maior, isto é, tipicamente, uma determinada norma legal, compreendendo a sua fatispécie e a sua estatuição. Seguidamente, identifica uma concreta factualidade – ou uma realidade extraprocessual, ou circunstâncias processuais –, que afirma preencher a hipótese legal da premissa maior, constituindo-se ela como a premissa menor. Por último, sem apresentar nenhuma outra etapa no seu raciocínio, conclui com a não aplicação da estatuição ao caso concreto. Por exemplo: todos os culpados são condenados; o réu é culpado; o réu não é condenado.
A “decisão” referida al. c) do n.º 1 art.º 615.º do Cód. Proc. Civil é, assim, tipicamente a decisão referida na parte final do n.º 3 do art.º 607.º do Cód. Proc. Civil, ou seja, é o dispositivo da sentença. O mesmo é dizer que a típica nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão refere-se ao silogismo que tem por premissa maior o regime legal aplicado ao caso e por premissa menor o facto já julgado provado.
Trata-se, pois, de um vício intrínseco, independente da validade das premissas, e que qualquer leitor pode constatar – ainda que desconheça a regra afirmada (premissa maior), isto é, o acerto da sua seleção, ou ignore a bondade do acolhimento da premissa menor. Para sua deteção, não é necessário o conhecimento de elementos extrínsecos à decisão, por exemplo, nem da prova produzida, nem da lei aplicável (cuja fatispécie abranja o caso concreto). Sejam, ou não, acertadas as premissas apresentadas (isto é, os fundamentos), a conclusão (isto é, a decisão) não corresponde ao resultado da sua articulação. Essencial é que na sentença sejam enunciadas, ainda que imperfeitamente, as duas premissas do silogismo, pois é da sua articulação que resulta necessária uma conclusão (decisão), revelando-se a nulidade na não afirmação desta.
À luz destas considerações, temos de concluir que a suposta patologia identificada pela ré não é uma contradição entre a fundamentação e o dispositivo na sentença, mas sim uma putativa falha (incoerência) na argumentação desenvolvida pelo tribunal a quo. A sentença proferida apresenta uma articulação coerente entre as suas premissas de facto e de direito: afirma-se a existência de um incumprimento e condena-se a ré em conformidade. Nada há apontar ao ato decisório em matéria de congruência. A sentença não enferma da nulidade agora enfrentada.
2. Falta de fundamentação da sentença
A propósito dos prejuízos sofridos com o “pagamento de rendas com a habitação em substituição”, com o “pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído” e com “a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos”, alega a apelante:
Sucede que a sentença, no capítulo relativo à fundamentação de direito, quanto a estes pedidos apenas refere o seguinte:
“Os autores peticionaram indemnização correspondente aos danos emergentes sofridos, bem como indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos e ainda o pagamento da quantia correspondente à diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré.” (...)
“Os autores lograram provar o valor das rendas e o seu pagamento, bem como o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído junto do BM e ainda que o pagamento destes valores continuará sem contrapartida até que a obra lhes seja devolvida e executados os necessários trabalhos de construção para que o imóvel reúna as condições para a sua utilização para fins habitacionais.
Quanto ao valor a despender para concluir as obras: também este se apurou e não se afigura desconforme aos trabalhos a realizar.” (…)
Ou seja, a ausência absoluta da indicação dos fundamentos de direito que originaram a decisão, constitui nulidade da mesma e não mera deficiência de fundamentação. (…) Pelo que, mostrando-se verificada a nulidade por falta de fundamentação, deve ser a sentença declarada nula, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Nos termos da al. b) do n.º 1 art.º 615.º do Cód. Proc. Civil, “(é) nula a sentença quando (…) (n)ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Na sentença apelada são invocados, designadamente, os seguintes arts. arts. 406.º, 428.º, 496.º, 754.º, 829.º, -A 1155.º, 1207.º, 1208.º e 1211.º do Cód. Civil. É manifesto que sentença apelada especifica os fundamentos de facto e de direito que, no entender do tribunal a quo, justificam a decisão − não se devendo confundir a falta de fundamentação com a fundamentação breve ou mesmo de fraca qualidade. Podemos questionar a pertinência dos fundamentos de direito invocados, mas não questionar a sua existência.
A sentença não enferma da nulidade agora analisada.
3. Ocorrência de ambiguidade que torna a decisão ininteligível
A sentença apelada conclui com o seguinte segmento decisório:
Por tudo quanto exposto fica, decide-se:
a) julgar a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a ré:
i) a pagar aos autores o valor de €76.410,70, a título de multas contratuais que lhe foram aplicadas nas circunstâncias supra referidas, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva;
(ii) a reconhecer a licitude quanto à resolução do contrato de empreitada conforme declarada pelos autores, com as legais consequências;
(iii) a devolver a obra aos autores;
(iv) a pagar aos autores a quantia de 1.000,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores, a contar do trânsito em julgado da decisão;
(v) a pagar aos autores €16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com a habitação em substituição do imóvel objeto do contrato de empreitada em causa na presente ação, desde 16.05.2019 até hoje, e rendas vincendas, à razão mensal que se verificar em cada momento, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vi) a pagar aos autores €4.171,53, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído ao BM, sem a contrapartida da utilização do prédio como sua habitação própria e permanente, até hoje, e prestações mensais vincendas, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores;
(vii) a pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de €106.663,09 (com IVA), sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores, e no mais se absolvendo a ré.
(…).
Alega a apelante, a propósito das subalíneas v e vi do dispositivo:
(A) utilização da palavra “imóvel” pelo tribunal a quo, levanta dúvidas interpretativas, inquinando mesmo o sentido da condenação. (…) A sentença refere-se a “obra” e “imóvel”, fazendo com que existam dúvidas se obra e imóvel são utilizados enquanto sinónimos. (…) A ambiguidade da sentença quanto à condenação motiva a impossibilidade de determinação do quantum da condenação
Explicando as suas dúvidas. questiona a recorrente:
A condenação no pagamento (…) das rendas vincendas (…) e das prestações vincendas devidas ao banco (…) estão limitadas até
(a)) à entrega do imóvel em que atualmente se encontra, ou seja, à obra conforme condenação do ponto iii) da al. a) da parte decisória da sentença (?); ou (…)
(b)) à conclusão da mesma por terceiro, neste último caso, correspondendo imóvel à obra concluída e apta à habitação, i.e. com licença de utilização emitida?
Conclui que a sentença viola o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do Cód. Proc. Civil. Sem razão.
Estamos perante uma banal dificuldade (para a apelante) de interpretação do dispositivo. Essa dificuldade pode ser facilmente ultrapassada mediante a leitura da lei.
De acordo com os autores (e com a ré), a apelante detém o edificado (obra já executada) implantado no prédio dos primeiros, bem como o seu logradouro, por consequência, a título de direito de retenção. É esta unidade jurídica e de facto que tem de ser entregue aos autores, como é claro. Depois de entregue, está satisfeita a obrigação presente na condenação, pouco importando se, ulteriormente, os autores irão entregar o imóvel a outro empreiteiro ou terceiro adquirente (art.º 204.º, n.ºs 1, al. a), 2 e 3 do Cód. Civil.
A sentença não enferma da nulidade agora analisada.
4. Excesso de pronúncia
Entende a apelante que o tribunal a quo a condenou em quantidade superior ao pedido. Está em causa o confronto entre estes dois enunciados (negrito nosso):

Dispõe o art.º 615.º n.º 1, al. e) do Cód. Proc. Civil que “É nula a sentença quando (…) (o) juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. Este dispositivo deve ser articulado com o n.º 1 do art.º 609.º do Cód. Proc. Civil (limites da condenação): “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
Efetivamente, a pronúncia do tribunal é exorbitante. Dela se retira que, se a renda paga pelos autores (antes da entrega do imóvel pela ré) passar a ser de €2.000,00, a ré deve satisfazer-lhes este montante. No entanto, os autores apenas pedem o ressarcimento do montante mensal de €1.500,00. Para se conter dentro dos limites do pedido, o dispositivo deveria rezar: “(…) vincendas, à razão mensal da renda efetivamente paga, até ao limite mensal de €1500,00, a liquidar (…)”.
Esta nulidade é relativamente inconsequente – como, por regra, as nulidades da sentença o são, não obstante ser a sua alegação frequente –, por força do disposto no n.º 1 art.º 665.º do Cód. Proc. Civil. O segmento decisório deste aresto refletirá a irrelevância desta nulidade.
5. Ocorrência de obscuridade que torna a decisão ininteligível
A propósito da subalínea vii) do dispositivo, sustenta a apelante que “a condenação em apreço é uma condenação de valor previsível, que levanta as maiores dúvidas quanto à sua certeza e liquidação. // Por outro lado, numa leitura diferente, podemos considerar que estamos perante uma condenação líquida, sem necessidade de posterior incidente de liquidação para se aferir do concreto valor, e tal traduz-se numa condenação diferente do pedido”.
Conclui que a “decisão é obscura o que motiva a não compreensão clara e inequívoca, dos limites da condenação, tornando-se, assim, uma vez mais, impossível a compreensão da mesma (…). Face ao exposto, verifica-se a ilegalidade e nulidade da sentença, que expressamente se argui para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Cód. Proc. Civil”.
O tribunal a quo decidiu, além do mais, “condenar a ré: (…) vii) a pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de €106.663,09 (com IVA), sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores, e no mais se absolvendo a ré”.
Estamos perante uma condenação com um objeto ressarcitório, estando a sua liquidação definitiva dependente, além do mais, do facto futuro e incerto da “adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada”. Claro está que, sendo o dano a ressarcir a diferença entre valores cuja liquidação está dependente da ocorrência de factos futuros, se estes não chegarem a ter lugar, o dano não pode ser afirmado.
A lei permite que o tribunal tenha em consideração danos futuros, desde que sejam previsíveis, sendo a liquidação da indemnização remetida para decisão ulterior, se os danos não forem determináveis (art.º 564.º, n.º 2, do Cód. Civil). A decisão do tribunal tem, pois, total cobertura legal.
Pode aceitar-se que a condenação tem um segmento despropositado – “que nesta data se prevê corresponder ao valor de €106.663,09 (com IVA), sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores” – e que podia ter incluído o esclarecimento “a liquidar em incidente pós-decisório”. No entanto, estas particularidades da redação do enunciado não ferem a sentença de nulidade. E ainda que a ferissem, a solução nunca seria e pretendida pela apelante, mas tão-só a prevista no art.º 665.º do Cód. Proc. Civil.
A sentença não enferma da nulidade agora analisada.
B.C. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
1. Alteração da matéria de facto considerada assente ou provada por documento
A impugnação da decisão respeitante à matéria de facto divide-se em três partes: alteração da matéria de facto considerada assente por admissão ou plenamente provada por documento (conforme avançado na fase intermédia da ação); alteração da matéria de facto dada por provada em resultado da prova produzida na audiência final; alteração da decisão respeitante aos factos não provados. Seguiremos a sequência apresentada na alegação de recurso.

1.1. Factos dados como provados sob a alínea N)
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto da fundamentação de facto:
N) Na fase de execução, os autores, mediante negociação com a ré, adjudicaram novos trabalhos, comummente designados por “trabalhos a mais”, no valor de €44.406,34, que a ré se comprometeu a executar sem alteração do prazo de 14 meses, inicialmente acordado.
O tribunal a quo não motivou especificadamente este ponto da decisão, limitando-se a exarar: “No que respeita à matéria de facto constante das alíneas A) a TT) foi a mesma considerada assente, em sede de audiência prévia, com fundamento no acordo das partes e no teor dos documentos referidos naquela sede”.
A apelante afirma que a parte final do enunciado dado por provado está em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, para além de ter resultado da instrução que não corresponde ele à verdade. Conclui sustentando que a alínea N) deve passar a ter a seguinte redação:
N) Na fase de execução, os autores, mediante negociação com a ré, adjudicaram novos trabalhos, comummente designados por “trabalhos a mais”.
Requer, ainda, o aditamento do seguinte facto à matéria de facto considerada provada:
– O valor total dos orçamentos referentes a trabalhos a mais ascende a €44.406,34.
Finalmente, requer que seja considerado como não provado o facto:
– A ré comprometeu-se a executar os “trabalhos a mais”, sem alteração do prazo de 14 meses, inicialmente acordado.
A factualidade descrita na alínea N) foi alegada no art.º 27.º da petição inicial, tendo o seguinte teor:
Na fase de execução, os autores, mediante negociação com a ré, adjudicaram novos trabalhos, comummente designados por “trabalhos a mais”, no valor de €44.406,34, que a ré se comprometeu a executar sem alteração do prazo de 14 meses, inicialmente acordado.
Sobre este artigo, a ré pronunciou-se no artigo 5.º da contestação, nos seguintes termos:
Aceitam-se, por corresponderem à verdade os factos relatados na petição inicial sob os artigos (…) 27.º (…) da petição inicial.
Dispõe o n.º 1 do art.º 574.º do Cód. Proc. Civil que, “(a)o contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”. Resulta claro dos enunciados dos articulados transcritos que a ré satisfez este dito “dever”. A ré declarou expressa e positivamente ser verdade o que os autores alegaram, isto é, além do mais, que “se comprometeu a executar sem alteração do prazo de 14 meses, inicialmente acordado”.
Não tem aqui aplicação o disposto na primeira parte do n.º 2 do art.º 574.º do Cód. Proc. Civil, pois não se trata de um caso de mera falta de impugnação; do que se trata é de uma clara afirmação de um facto como sendo verdadeiro. Também não há lugar à aplicação do disposto na segunda parte do n.º 2 do art.º 574.º do Cód. Proc. Civil, não só porque não estamos perante uma mera falta de impugnação, como também porque o facto em questão, estando em discussão o cumprimento do prazo, não é instrumental, mas sim essencial.
No entanto, assiste razão à ré quando sustenta que a alegação de que a própria “se comprometeu a executar sem alteração do prazo de 14 meses, inicialmente acordado” está em contradição com o teor da contestação, vista no seu todo – cfr. os arts. 21.º, 23.º, 29.º, 70.º e 88.º da contestação. Vale isto dizer que, embora o facto esteja assente, deve o dito compromisso ser devidamente interpretado.
Importa aqui notar que, para além de estar em contradição com o restante teor da contestação, o facto em análise está em contradição com o que foi acordado entre as partes. Reza o n.º 4 da cláusula 7.ª que “O DONO DE OBRA e o EMPREITEIRO deverão acordar numa prorrogação do prazo de execução da empreitada na eventualidade de se executarem os trabalhos a mais previstos no N.º 2 da Cláusula 5.ª”. Esta disposição não se mostra afastada por escrito ulterior, forma imposta pelo disposto na cláusula 15.ª.
Acresce que, já perto do termo do prazo de 14 meses, ainda estavam as partes a discutir preços e fornecimentos respeitantes aos trabalhos adicionais – vejam-se, por exemplo, entre outros, os documentos n.ºs 16 e 17 juntos com o requerimento de 15 de março de 2022 (ref. 41622431). Não se vê como pode a ré se ter vinculado, previamente, a concluir os trabalhos no mencionado prazo total de 14 meses. É que tal compromisso só tem sentido após ser fechado o acordo sobre estes trabalhos adicionais, sendo certo que não se concebe que o acordo possa ter sido concluído antes de aprovados os orçamentos respeitantes aos novos trabalhos.
À luz destas considerações – e para além do teor dos depoimentos invocados pela apelante, bem como do contributo das regras da experiência –, não podemos deixar de concluir que o compromisso da ré se referiu ao “prazo líquido”, isto é, ao prazo de execução depois de definidos os trabalhos pretendidos, apresentados e aprovados os orçamentos respetivos, e entregues os novos materiais em obra. Ou seja, resulta de todos os elementos de prova produzidos, que a ré entendeu que a execução dos trabalhos adicionais em obra não seria mais demorada. Mas não podemos concluir que comprometeu com prazos de orçamentação de materiais por fornecedores, que considerou irrelevante o tempo que os autores levariam a aceitar os orçamentos e que aceitou fazer seu o risco de incumprimento dos prazos de entrega de novos materiais. Tal compromisso seria verdadeiramente irracional.
Em face do exposto, deve proceder parcialmente a impugnação da decisão respeitante ao facto agora analisado, passando este a ter a seguinte redação: “Durante a execução da obra, os autores, mediante negociação com a ré, adjudicaram-lhe trabalhos adicionais, comummente designados por “trabalhos a mais”, no valor de €44.406,34” e “A ré declarou executar os trabalhos adicionais no prazo inicialmente acordado para a empreitada, no pressuposto de estarem definidos pelos autores e, depois de recebidos em obra os novos materiais a incorporar, poderem ser executados na fase da obra apropriada à sua realização”.
1.2. Factos dados como provados sob a alínea S)
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto da fundamentação de facto:
S) O prazo para a execução de todos os trabalhos da empreitada, foi fixado em 14 meses, a contar da data do início dos trabalhos.
Também aqui, o tribunal a quo não motivou especificadamente este ponto da decisão, conforme se referiu no ponto 1.1 – Factos dados como provados sob a alínea N) –, que aqui se dá por reproduzido.
A apelante afirma que, lido este enunciado, “fica a dúvida se na expressão ‘todos os trabalhos da empreitada’ estão incluídos, para além dos trabalhos contemplados no contrato celebrado, também os trabalhos a mais solicitados à recorrente”. Conclui sustentando que a alínea S) deve passar a ter a seguinte redação:
S) O prazo para a execução dos trabalhos previstos aquando da celebração do contrato de empreitada, foi fixado em 14 meses, a contar da data do início dos trabalhos.
A impugnação da decisão respeitante à matéria de facto serve para alterar tal decisão, e não para aperfeiçoar a redação das proposições de facto dadas por provadas nem para esclarecer dúvidas da impugnante. Apenas se resultar da subsunção dos factos ao direito realizada na sentença que o tribunal a quo deu uma inesperada interpretação ao enunciado objeto da impugnação se justifica suscitar questões desta natureza em via de recurso.
No caso, aliás, resulta claro do teor da decisão, vista no seu conjunto – cfr. a alínea N), já analisada – que os 14 meses referidos correspondem a prazo de execução da obra previsto no contrato de empreitada. Não procede, em conformidade, a impugnação agora sob apreciação.
1.3. Factos dados como provados sob a alínea T)
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto da fundamentação de facto:
T) A obra em causa na presente ação está sujeita a comunicação prévia a realizar junto da Câmara Municipal.
Novamente, o tribunal a quo não motivou especificadamente este ponto da decisão, conforme se referiu no ponto 1.1 – Factos dados como provados sob a alínea N) –, que aqui se dá por reproduzido.
A apelante afirma que “resulta da prova produzida que a necessidade de se esclarecer a que obra se refere a alínea T) da matéria de facto considerada provada, devendo em consequência ser alterada a referida alínea, considerando a violação da regra de direito probatório material em que incorreu o tribunal a quo, devendo o facto T) passar a ter a seguinte redação”:
T) A obra prevista inicialmente no contrato de empreitada estava sujeita a comunicação prévia a realizar junto da Câmara Municipal.
Requer, ainda, o aditamento do seguinte facto à matéria de facto considerada provada:
– Após as alterações e trabalhos a mais solicitados pelos autores à ré a obra a realizar já não podia ser promovida ao abrigo da comunicação prévia aprovadas, mas dependia de pedido de licença de construção a realizar junto da Câmara Municipal.

A alínea T) transcrita encerra uma conclusão de direito, pelo que não pode ser objeto de pronúncia de facto. O mesmo se diga da factualidade alternativa que a apelante pretende que seja dada por provada. Assim, até mesmo oficiosamente, deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, sendo o enunciado em causa eliminado.
1.4. Factos dados como provados sob a alínea V)
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto da fundamentação de facto:
V) Nessa data a ré já tinha obtido a licença de construção, na sequência da comunicação prévia efetuada à Câmara Municipal, válida por um período de 12 meses, ou seja, até 16.04.2019.
Também aqui, o tribunal a quo não motivou especificadamente este ponto da decisão, conforme se referiu no ponto 1.1 – Factos dados como provados sob a alínea N) –, que aqui se dá por reproduzido.
A apelante afirma que, no “requerimento junto aos presentes autos no dia 28 de abril de 2022, que consta de folhas 600 e seguintes, esclareceu que a comunicação prévia emitida pelo Município da Localidade em 16/03/2018 foi emitida em nome da BM, conforme documento n.º 35 junto com a petição inicial e documento n.º 2 junto com a contestação (…)”. Conclui sustentando que a alínea V) deve passar a ter a seguinte redação:
V) Nessa data a BM já tinha obtido licenciamento para a construção, na sequência da comunicação prévia efetuada à Câmara Municipal, válida por um período de 12 meses, ou seja, até 16.03.2019.
Requer, ainda, o aditamento do seguinte facto à matéria de facto considerada provada:
– A ré não teve qualquer intervenção no pedido de aprovação da comunicação prévia nem da sua prorrogação.
O documento invocado pela apelante tem, no essencial, o seguinte teor:

Esta impugnação surge como insólita, pois o facto dado por provado na alínea V) foi alegado pela ré apelante, nos seguintes termos:
20.º Na referida data a Ré tinha já obtido a licença de construção (comunicação prévia realizada junto da Câmara Municipal (…)) válida por um período de 12 meses, ou seja, até 16/03/2019, conforme documento número 2 (…)
Não obstante, no essencial, a impugnação da decisão sobre este ponto deve ser dada por provada, por quatro ordens de razões. Em primeiro lugar, porque o facto reporta-se a uma decisão assente num procedimento administrativo. Ora, o procedimento em questão desenvolve-se na forma escrita, pelo só por esta forma pode ser provado (art.º 150.º do Cód. Proced. Adm.). O mesmo é dizer que a vontade das partes, mesmo concordante, é insuficiente para a sua prova (art.º 574.º, n.º 2, primeira parte, do Cód. Proc. Civil, e arts. 295.º e 364.º, do Cód. Civil). Recorde-se que a comunicação prévia relativa a operações urbanísticas é titulada pelo comprovativo da sua apresentação (art.º 74.º, n.º 2 do RJUE – Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro), pelo que fica demonstrada com o comprovativo da liquidação da taxa necessária ao início dos trabalhos (arts. 34.º, n.º 2, e 80.º, n.º 2, do RJUE).
Em segundo lugar, estamos perante um facto instrumental ––, pelo que pode ser contrariado pelos meios de prova juntos até ao encerramento da audiência final. Ora, com o subsídio interpretativo dos depoimentos prestados, podemos concluir que o documento junto sobre este facto revela que a entidade que efetuou a comunicação prévia não foi a ré, mas sim, a BM. A intervenção que a ré teve neste procedimento administrativo – num ulterior pedido de prorrogação do prazo – foi na qualidade de mandatária.
Em terceiro lugar, a posição assumida pela ré deve ser interpretada e integrada pelo documento pela mesma aceite sobre este facto. Ora, tal documento revela que a comunicação prévia a coberto da qual a ré desenvolveu os seus trabalhos não foi por esta apresentada. Assim, com mero recurso à interpretação das suas alegações, devemos concluir que a posição da demandada não é a de aceitar que foi ela quem efetuou a comunicação prévia de realização de obra.
Em quarto lugar, o termo “obtido” é polissémico. Se pode ser interpretado no sentido de obtido o deferimento de um requerimento por si apresentado, também pode ser interpretado no sentido de já detinha (isto é, estava na posse) da necessária autorização (requerida por terceiro). Na economia do facto alegado pela ré – que se destina a balizar a duração da obra resultante de licenciamento ou comunicação prévia –, e no confronto com a sua posição descrita nos demais artigos, é este segundo sentido que deve prevalecer.
Em face do exposto, deve o facto em questão ser alterado, passando a constar como provado que, “em 16 de março de 2018, foi pela Câmara Municipal admitida a comunicação prévia para realização da obra descrita no documento ‘Contrato de empreitada de obra de construção civil por preço global’, acima transcrito, pelo período de 12 meses”.
Quanto à factualidade que a ré pretende ver dada por provada, só poderia ela resultar demonstrada em resultado da junção aos autos de cópia integral do procedimento administrativo em questão. Só assim se poderia concluir que não teve ela nenhuma intervenção procedimental, designadamente, munida de procuração bastante. Em todo o caso, trata-se de factualidade não alegada nos articulados, pelo que improcede, nesta parte, a impugnação agora apreciada.

2. Alteração da decisão fundada na prova produzida na audiência final
2.1. Factos dados como provados sob a alínea UU)
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto da fundamentação de facto:
UU) As obras deveriam ter sido concluídas até 16/05/2019.
O tribunal a quo não justificou especificadamente este ponto da decisão, não se conseguindo extrair da motivação o processo que levou à formação da sua convicção acerca da sua ocorrência.
A apelante afirma que “(o)s factos provados e os que foram erradamente dados como não provados evidenciam presuntivamente que os recorridos quiseram e aceitaram a prorrogação do prazo da empreitada, face às alterações peticionadas ao longo da execução dos trabalhos”, “devendo o facto que integra a alínea UU) ser considerado como não provado”.
A alínea UU) transcrita encerra uma conclusão de direito, pelo que não pode ser objeto de pronúncia de facto. Assim, até mesmo oficiosamente, deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, sendo o enunciado em causa eliminado.
2.2. Factos dados como provados sob a alínea VV)
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto da fundamentação de facto:
VV) Para concluírem a obra os autores terão de despender 250.544,46 euros, conforme documento junto a fls. 163 verso a 170 dos autos.
O tribunal a quo não motivou especificadamente este ponto da decisão, pelo que podemos concluir que a sua convicção se formou com base no documento que identifica na própria alínea VV) – documento n.º 66 junto com a petição inicial.
A ré ensaia a impugnação deste ponto da decisão de facto com base no seguinte raciocínio: “Os recorridos obtiveram um orçamento que contempla os trabalhos não executados cujo valor ascende a €250.544,46, no entanto, a responsabilidade da recorrente corresponderia apenas a €106.663,09 (com IVA incluído), o que não tem qualquer lógica, na medida em que os trabalhos em falta correspondem aos trabalhos não executados pela recorrida, não podendo existir diferença entre uns e outros”.
Dizer o valor necessário para concluir a obra não é, obviamente, o mesmo que dizer a diferença estre este valor – isto é, o valor necessário para concluir a obra – e o valor (não pago) contratado com a ré. Se a ré se havia comprometido a executar os trabalhos em falta por 100 e tais trabalhos (não pago) têm, na verdade, um custo de 150 – sendo a diferença resultante de uma deficiente orçamentação ou de um agravamento dos custos, porventura, em resultado da crise pandémica –, temos de concluir que o prejuízo dos autores é de 50 – não de 100 nem de 150.
Não procede, pois, a impugnação agora apreciada.
3. Matéria de facto dada por não provada
Tal como referimos na enunciação das questões a resolver, a apelante pretende, além do mais, que se dê por provada matéria dada por não provada na sentença. O tribunal a quo deu por não provados os seguintes factos:
1. – Os autores apenas tiveram conhecimento da caducidade da licença de construção aquando da suspensão dos trabalhos.
2. – No dia 13/10/2017, data da aquisição do prédio pelos autores, a anterior proprietária do lote terreno, a sociedade TZ, S.A., já dispunha de licenciamento aprovado para a construção da habitação projetada para o aludido lote de terreno, uma vez que o lote foi adquirido em local onde já havia sido aprovado um loteamento pela Câmara Municipal.
3. – Por este motivo, ficou contratualmente estabelecido que a ré diligenciaria por obter junto do anterior proprietário as licenças de escavação e contenções periféricas, de construção e utilização, nos termos do número 2 da clausula 2ª do contrato de empreitada.
4. – Devendo os autores, após a aquisição do lote de terreno, diligenciar pelo averbamento das licenças para os seus nomes e pela obtenção de eventuais prorrogações da licença (nomeadamente através de comunicação prévia), caso se afigurasse necessário.
5. – Face às diversas exigências impostas pelos autores decorrentes das alterações, trabalhos adicionais e discussões de preços, a ré apenas concluiu a versão final do planeamento da obra em 15/10/2019.
6. – No decorrer dos trabalhos ocorreu um movimento de terras, tendo-se constatado que o lote de terreno dos autores não apresentava um solo suficientemente sólido para cumprir a execução do projeto contratado, o que obrigou à realização de estudos geotécnicos e ao recalculo das estruturas de betão a utilizar, o que culminou na inclusão de fundações indiretas e na prorrogação dos prazos necessários para a execução da empreitada.
7. – A ré diligenciou pela prorrogação da comunicação prévia, para agilizar o procedimento junto da Câmara Municipal, uma vez que nessa data, e não obstante as diversas solicitações da ré, os autores ainda não tinham requerido o averbamento da licença nos seus nomes.
8. – Quando os autores concluíram a indicação das alterações ao projeto inicial e a solicitação de trabalhos adicionais a efetuar (ou seja, em 15/10/2019) a prorrogação da licença encontrava-se caducada.
9. – A ré disponibilizou aos autores os seus serviços na elaboração dos documentos necessários para obtenção da licença de construção e proceder ao seu averbamento em seus nomes.
10. – Informando os autores que o custo pelo serviço ascenderia a €5.000,00 acrescido de IVA.
11. – Face à suspensão dos trabalhos de execução da empreitada a ré viu-se obrigada a recorrer aos serviços de uma empresa privada de segurança para garantir a vigilância e proteção do local.
12. – Tendo contratado para o efeito a empresa PM – Segurança Privada, Lda., à qual pagou nos meses de janeiro a junho de 2020 a quantia de €20.664,00.
3.1. Factos dados como não provados no ponto 4
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– Devendo os autores, após a aquisição do lote de terreno, diligenciar pelo averbamento das licenças para os seus nomes e pela obtenção de eventuais prorrogações da licença (nomeadamente através de comunicação prévia), caso se afigurasse necessário.
O tribunal a quo não motivou especificadamente este ponto da decisão, limitando-se a exarar: “Quanto aos factos não provados resultam de não se ter feito prova dos mesmos, ou ter-se apurado uma versão contrária, como no caso das escavações e fundações indiretas ou da comunicação prévia e suas prorrogações”.
A apelante afirma que “a obrigação descrita neste ponto “tem de ser cumprida pelo proprietário, ou por quem por este se encontre mandatado. // Não era o caso da recorrente, a favor da qual os recorridos nunca outorgaram qualquer procuração. Nunca os recorridos conferiram mandato à recorrente para que esta interviesse, em sua representação, em qualquer ato, nem junto da Câmara Municipal, nem junto de qualquer outra entidade”. Conclui que deve o enunciado em questão transitar para o leque dos factos provados.
O ponto 4 transcrito encerra uma conclusão de direito, pelo que não pode ser objeto de pronúncia de facto. Sobre esta matéria, apenas podem ser dadas por provadas as declarações das partes, cabendo ao tribunal decidir se delas resulta um determinado dever para um dos contratantes.
Assim, não pode a decisão sobre a matéria de facto ser alterada no sentido pretendido pela apelante. Não procede, em conformidade, a impugnação agora sob apreciação.
3.2. Factos dados como não provados no ponto 5
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– Face às diversas exigências impostas pelos autores decorrentes das alterações, trabalhos adicionais e discussões de preços, a ré apenas concluiu a versão final do planeamento da obra em 15/10/2019.
Também aqui, o tribunal a quo não motivou especificadamente a decisão respeitante a esta matéria de facto, conforme se referiu no ponto 3.1 – Factos dados como não provados no ponto 4 –, que aqui se dá por reproduzido.
A recorrente defende que a prova produzida impõe uma decisão diferente, para o efeito identificando algumas dezenas de mensagens de correio eletrónico trocadas entre as partes, não transcrevendo qualquer texto nem destacando nenhum segmento específico. Convoca, ainda, o depoimento das testemunhas RQ e RM.
Conforme é sublinhado na decisão apelada, as testemunhas RQ e RM nada sabem, por conhecimento direto, dos factos ocorridos antes de março de 2019. No entanto, a factualidade referida neste ponto teve lugar após estas testemunhas terem iniciado funções para a ré, pelo que os respetivos depoimentos, nesta parte, não se caracterizam pela apontada fragilidade.
Encontra-se abundantemente documentado nos autos que, no fim de maio de 2019, os autores ainda solicitavam à ré a execução de trabalhos adicionais, relativamente à obra projetada – vejam-se, por exemplo, entre outros, os documentos n.ºs 16 e 17 juntos com o requerimento de 15 de março de 2022 (ref. 41622431). Os trabalhos vêm a ser interrompidos em 3 de julho de 2019 e retomados em 28 de agosto seguinte – cfr. as mensagens de correio eletrónico de 3 de julho de 2019 (ref. 41882816), 9 de agosto de 2019 (ref. 41882816), e 9 de setembro de 2019 (ref. 41384534). Pela mensagem de correio eletrónico de 2 de setembro de 2019 (da ré para o autor), percebe-se que as alterações pedidas ainda não estão totalmente definidas.
As mensagens trocadas em agosto, setembro e outubro de 2019 são bem ilustrativas da subsistência, à data, desta realidade:
a) Em 26 de agosto de 2019, LDCGC remeteu à ré a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
No seguimento da reunião ocorrida hoje de manha nas vossas instalações, segue abaixo um resumo do que foi falado:
1 – Orçamento já validado de trabalhos a mais com data de 29/03/2019
a. Artigo 5.3 N
Uma vez que não é possível executar exatamente o que foi pedido, pedimos que apresentem desenho com solução idêntica e novo orçamento;
b. Artigo 7.1.1.N
A medida das portas referida na descrição está errada, pois o valor apresentado é para uma porta com a altura superior. Cerca de 2.40m. Aguardamos retificação na descrição;
c. Artigo 17.1.N.2
Artigo anulado;
d. Artigo 17.1.N.4
Artigo anulado;
2 – Orçamentos solicitados
a. Colocação da máquina de lavar e secar na cave;
b. Tomadas e iluminação conforme email enviado dia 24/05/2019 que anexo. Foi solicitado o envio do catálogo dos aparelhos de iluminação e das tomadas que estão previstas;
c. Colocação de isolamento de 4 cm nas paredes da caixa de escadas da garagem;
d. Colocação de isolamento de 12 cm na laje de cobertura;
e. Colocação de vidro com altura máxima na parede da suite principal no Piso 1;
f. Guardas para todas as varandas em vidro e ferro;
g. Colocação de pré-instalação de blackouts eléctricos com calha no jardim interior;
3 – Espaço Exterior
a. Mais uma vez solicitámos resolução para a questão do declive do terreno;
b. Pedimos que nos apresentem solução para o bordo infinito da piscina;
4 – Email pós-venda de dia 26/07/2019
a. Adjudicamos o conceito extra energia e o conceito extra segurança na sua totalidade;
5 – Planeamento / Licença de Construção
a. Ficou acordado que seria apresentado assim que todos os trabalhos estejam definidos e aprovados;
b. Pedimos que enviem o pedido de prorrogação da licença de construção;
6 – Outros assuntos
a. Em anexo o email enviado de dia 04/02/2019 com as escolhas dos materiais;
Ficou acordado que até ao final da semana a PJS apresenta todos os orçamentos pendentes e que até hoje ao final do dia falaríamos sobre o espaço exterior.
b) Em 7 de setembro de 2019, a ré remeteu ao autor a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Envio em anexo o orçamento que por lapso não foi enviado antes de ir de férias, envio também o pedido de prorrogação conforme tinha solicitado anteriormente.
c) Em 9 de setembro de 2019, LDCGC remeteu à ré a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Hoje dia 9 de setembro ainda não temos o orçamento que me ficou de enviar até dia 30 de agosto. Sei que tem estado a rever tudo, mas como deve imaginar esperava que fosse mais célere a apresentar os elementos até porque isto é uma situação que já se arrasta há meses/anos.
Este mês seria a data em que contratualmente deveríamos estar a receber a nossa casa e ainda estamos a ver orçamentos e acabamentos. Como certamente imagina, tudo isto torna-se cansativo e desanimador, uma vez que não vemos atitude por parte da PJS em resolver os problemas e fazer a obra andar.
Desde 3 de Julho que a obra se encontra parada e apenas retomaram os trabalhos na moradia no dia 28 de Agosto mas de uma forma muito lenta e sem continuidade.
Não conseguimos perceber o que a PJS pretende em não fazer o trabalho avançar o mais breve possível, uma vez que todos os prazos possíveis já se encontram vencidos.
Assim sendo, solicitamos novamente o envio de todos os elementos pendentes o mais breve possível e pedimos que retomem os trabalhos na moradia de imediato.
d) Em 13 de setembro de 2019, LDCGC remeteu à ré a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Após conversa na quinta feira com o RM informo que até ao momento ainda não recebi o orçamento pendente.
e) Em 18 de setembro de 2019, LDCGC remeteu à ré a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Obrigado pelo envio do email e do orçamento.
Após analisarmos em detalhe, precisamos de esclarecer o seguinte:
1º – Artigo 5.1
Penso que falta descontar o artigo que estava previsto no orçamento inicial, ou seja, -1042.18 euros. Ainda referente a este artigo solicitamos imagens exemplo para verificarmos a vossa solução.
2º – Artigo 7.1
Existe uma diferença no valor face ao orçamento de 29-03-2019 mas é pouca.
Esta porta é possível ser do tom do chão? Falámos isto anteriormente, mas a cotação só veio sempre como sendo em branco. 3º – Artigo 14 – Equipamento Sanitário
Existe uma diferença no somatório das parcelas face ao orçamento de 29-03-2019 de cerca de 1000 euros. Pedimos esclarecimento sff.
4º – Artigo 15.4.2
Foi acordado no negócio inicial da compra da moradia com o Dr. PJS que a piscina com bordo infinito estava incluída.
5º – Artigo 15.6.2
Considero o valor muito alto. Peço que verifique se não se enganou no valor euro/m2.
6º – Artigo 15.7.1
Este valor por ser tão elevado inclui o fornecimento dos estores balckout elétrico, certo?
7º – Artigo 15.8.1
Este artigo inclui já o conceito extra energia e o conceito extra segurança?
Relembro que nós não temos culpa dos roços que estão a abrir, pois quando nos enviaram os projetos já se encontravam as tomadas e caixas efectuadas.
Além disto, temos ainda em falta os seguintes elementos:
1 – Foi solicitado o envio do catálogo dos aparelhos de iluminação e das tomadas que estão previstas; 2 – Guardas para todas as varandas em vidro e ferro;
Aguardamos resposta o mais breve possível.
f) Em 25 de setembro de 2019, LDCGC remeteu à ré a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Em relação ao pedido de prorrogação o que me envia já se encontra fora de validade. Pode-me enviar o novo pedido?
E relativamente ao meu email abaixo, já tem respostas?
g) Em 25 de setembro de 2019, a ré remeteu ao autor a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Devo de ter enviado o anterior, já lhe envio, vou verificar. Em relação ao orçamento envio amanhã.
h) Em 27 de setembro de 2019, a ré remeteu ao autor a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Abaixo vou dar resposta a cada elemento, entretanto envio também em anexo o orçamento retificado para a vossa análise.
1º – Artigo 5.1
Penso que falta descontar o artigo que estava previsto no orçamento inicial, ou seja, -1042.18 euros. Foi descontado o valor dos 1042,18€, mas a metragem não estava correta e retifiquei valor e metragem.
Algo de errado está neste artigo.
O Orçamento de dia 23/09/2019 tinha um valor de 396.02 euros/m, o que já era um valor elevado e descontava o valor da guarda incluída no orçamento inicial. Agora tenho um valor de 341 euros/m mas não descontam o valor da guarda já incluída. Ou seja, na realidade o que me estão agora a apresentar é um valor de 3581.71+1042.82, o que dá um valor de 440 euros/m.
Ainda referente a este artigo solicitamos imagens exemplo para verificarmos a vossa solução. Não temos imagem, mas, o que solicitei às empresas cotação apresentei sempre a imagem referência que vocês pretendem.
Se assim é está a garantir-me que vamos conseguir ter o tipo de guarda que estamos a propor. Fiquei com a sensação que tal guarda não era possível de executar, mas se é perfeito. (…)
(seguem-se mais seis verbas e observações finais)
i) Em 27 de setembro de 2019, LDCGC remeteu à ré a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Sempre consegue enviar hoje os elementos em falta?
j) Em 1 de outubro de 2019, LDCGC remeteu à ré a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Respondo abaixo ao seu email a verde.
Aguardo a sua resposta, para fecharmos este assunto o mais breve possível.
No entanto, penso que estamos em condições de me apresentarem um planeamento para conclusão da casa.
Em relação ao novo pedido de prorrogação, pode-me enviar? Já verificou?
k) Em 4 de outubro de 2019, a ré remeteu ao autor a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Antes de mais peço desculpa pelo tempo de resposta, mas não me foi possível olhar com olhos de ver as vossas respostas.
Em cada ponto irei responder abaixo na cor laranja/castanho
1º – Artigo 5.1
Penso que falta descontar o artigo que estava previsto no orçamento inicial, ou seja, -1042.18 euros. Foi descontado o valor dos 1042,18€, mas a metragem não estava correta e retifiquei valor e metragem. Algo de errado está neste artigo.
O Orçamento de dia 23/09/2019 tinha um valor de 396.02 euros/m, o que já era um valor elevado e descontava o valor da guarda incluída no orçamento inicial. Agora tenho um valor de 341 euros/m mas não descontam o valor da guarda já incluída. Ou seja, na realidade o que me estão agora a apresentar é um valor de 3581.71+1042.82, o que dá um valor de 440 euros/m. Retifiquei o valor.
Ainda referente a este artigo solicitamos imagens exemplo para verificarmos a vossa solução. Não temos imagem mas, o que solicitei às empresas cotação apresentei sempre a imagem referência que vocês pretendem.
Se assim é está a garantir-me que vamos conseguir ter o tipo de guarda que estamos a propor. Fiquei com a sensação que tal guarda não era possível de executar, mas se é perfeito. SIM… (…)
(seguem-se mais seis verbas e observações finais)
l) Em 4 de outubro de 2019, a ré remeteu ao autor a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Peço desculpa não enviei em anexo o orçamento retificado.
m) Em 7 de outubro de 2019, LDCGC remeteu à ré a mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 5, ref. 41384534), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Segue em anexo o orçamento validado.
Uma vez que temos este capítulo fechado, aguardo o envio o mais breve possível do planeamento e do pedido de prorrogação da licença de construção.

Dos mencionados depoimentos e das transcritas mensagens de correio eletrónico resulta que, efetivamente, até setembro de 2019, não estavam definidas todas as características da obra a mais a executar. No entanto, resulta da prova produzida que a causa deste atraso é complexa, assentando em diferentes fatores. Deve, pois, parcialmente, merecer provimento a impugnação da decisão sobre o ponto agora analisado, passando a constar do conjunto dos factos provados que “em resultado das alterações ao projeto inicial solicitadas pelos autores, do tempo de resposta da ré a estas solicitações e da interrupção dos trabalhos entre 3 de julho e 28 de agosto de 2019, o planeamento final da obra pela ré apenas foi feito em outubro de 2019”.
3.3. Factos dados como não provados no ponto 6
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– No decorrer dos trabalhos ocorreu um movimento de terras, tendo-se constatado que o lote de terreno dos autores não apresentava um solo suficientemente sólido para cumprir a execução do projeto contratado, o que obrigou à realização de estudos geotécnicos e ao recalculo das estruturas de betão a utilizar, o que culminou na inclusão de fundações indiretas e na prorrogação dos prazos necessários para a execução da empreitada.
O tribunal a quo fundou a sua convicção no depoimento da “testemunha FC, engenheiro e diretor de obra desde o início dos trabalhos do empreendimento”. No relato do depoimento desta testemunha, pode ler-se: “A propósito do não cumprimento do prazo da empreitada referiu desde logo que a necessidade de se proceder a fundações indiretas foi constatada antes do início da obra, em finais de 2017, e tal determinou a alteração do projeto de estabilidade. // Quando em inícios de março de 2018 foram feitas as escavações já se contava com as fundações indiretas; por aí não houve atraso na obra”.
Na defesa da sua posição, a apelante invoca o depoimento de diversas testemunhas, as quais referiram que foi necessário estabilizar os solos (resultantes de aterros), numa faixa de terreno abrangendo vários lotes. Importa ter em atenção que não se discute se no decorrer dos restantes trabalhos no empreendimento no qual se insere o terreno dos autores foi constatado que uma faixa de terreno, abrangendo vários prédios (lotes 405, L1 a L7), carecia de um reforço das fundações – nem se discute se a colocação de mico-estacas atrasou os trabalhos noutros lotes do empreendimento. O que se discute é se tal necessidade só foi constatada, precisamente, e por coincidência, com a movimentação terras do terreno dos autores. Ora, este facto não pode ser dado por provado com base na prova testemunhal invocada pela recorrente, pelas razões pertinentemente aduzidas pelo tribunal a quo.
Invoca, ainda, a apelante uma mensagem de correio eletrónico, datada de 19 de abril de 2018, na qual se refere “indicamos que foi adotada a solução de microestacas para as fundações indiretas nos Lotes 405 L1 a L7 com entrada prevista na primeira semana de maio” – cfr. o doc. 3 junto com o requerimento de 14 de março de 2022, ref. 41619529. Entende que “resulta claro da referida comunicação que apenas em 19 de abril de 2018 foi verificado pela recorrente a necessidade de adotar a solução de microestacas (também designada por “estacaria”, sendo esta uma técnica de realização de fundações indiretas), para fazer face à instabilidade do solo que se constatou aquando das escavações efetuadas nos Lotes 405 L1 a L7, estando o lote dos recorridos (405 L3) incluído nestes lotes que teriam de beneficiar da solução de microestacas”.
Na verdade, por um lado, o uso do pretérito – “foi adotada” – impõe a conclusão contrária à pretendida – no sentido de que “apenas em 19 de abril de 2018 foi verificado pela recorrente a necessidade de adotar a solução de microestacas”. Por outro lado, o texto da mensagem revela bem que não se tratou de uma solução aplicável apenas ao lote dos autores, mas a todo um conjunto, pelo que não se encontra minimamente demonstrado que a necessidade da sua adoção tenha sido constatada, precisamente, com a movimentação de terras neste lote, e não já antes, com a movimentação de terra noutros lotes adjacentes.
Assim, não pode a decisão sobre a matéria de facto ser alterada no sentido pretendido pela apelante. Não procede, em conformidade, a impugnação agora sob apreciação.

3.4. Factos dados como não provados no ponto 7
A apelante impugnou parcialmente a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– A ré diligenciou pela prorrogação da comunicação prévia, para agilizar o procedimento junto da Câmara Municipal, uma vez que nessa data, e não obstante as diversas solicitações da ré, os autores ainda não tinham requerido o averbamento da licença nos seus nomes.
Também aqui, o tribunal a quo não motivou especificadamente a decisão respeitante a esta matéria de facto, conforme se referiu no ponto 3.1 – Factos dados como não provados no ponto 4 –, que aqui se dá por reproduzido.
Afirma a apelante que a prova produzida – depoimentos concordantes das testemunhas RQ e RM – revela que, “não obstante as insistências da recorrente, os recorridos não averbaram a comunicação prévia em seu nome”, pelo que se deve considerar provado que:
Não obstante as diversas solicitações da ré, os autores nunca requereram o averbamento da comunicação prévia nos seus nomes.
Conforme se sinalizou no ponto 3.2 – Factos dados como não provados no ponto 5 – os depoimentos de RQ e RM evidenciam algumas fragilidades, no que respeita aos factos anteriores a março de 2019. Não é o caso da factualidade agora em análise. A testemunha RM, em especial, esteve diretamente envolvida na discussão mantida por meio de mensagens de correio eletrónico em torno da obrigação de regularizar a comunicação prévia caducada.
Não é irrelevante conhecer a posição das partes sobre a questão, no decurso do ano de 2019. Tal como não é irrelevante perceber qual era o seu nível de compreensão do problema. Quanto a esta segunda dimensão da questão, se é certo que a ré se dedica à atividade de construção civil, não menos certo é que o autor se identificou no formulário Citius que capeou a petição inicial como sendo engenheiro civil, habilitações académicas confirmadas por diversas testemunhas inquiridas (e referidas em diferentes documentos, nos quais o autor se identifica como Engenheiro, Diretor Técnico-Comercial da Empresa Construções). Podemos, pois, concluir que ambas as partes têm perfeito conhecimento do que é um licenciamento para construção e da necessidade da sua obtenção – quanto ao autor, veja-se ainda as mensagens de correio eletrónico de 25 de setembro de 2019 e de 7 de outubro de 2019, bem ilustrativas da consciência que tinha da necessidade de prorrogação do prazo de eficácia do título de construção.
Pelo que respeita à posição assumida pelas partes ao longo da relação negocial, podiam os autores legitimamente concluir ser entendimento da ré caber-lhe o dever de obter a prorrogação da eficácia da comunicação prévia e de não necessitar, para o efeito, da prévia atualização da identidade do dono da obra junto do respetivo procedimento camarário. Não tanto por já ter sido formulado um pedido de prorrogação, dado que este não foi apresentado pela ré, mas sim fruto da mensagem de correio eletrónico de 19 de agosto de 2019, na qual a ré informa “que será efetuado novo pedido de prorrogação para mais 6 meses” (doc. 2, ref. 41882816), conforme consta do ponto 31 – da fundamentação de facto adiante exarada.
A partir da reunião de 15 de novembro de 2019, a posição (atual) da ré ficou clara para os autores, conforme resulta do ponto 32 – da fundamentação de facto adiante exarada –, no sentido de lhes caber promover o novo licenciamento, fazendo, ainda, depender a prorrogação da comunicação prévia da alteração da identidade do dono da obra no procedimento de comunicação prévia. A partir desta data, os autores não mais podem explicar a sua conduta com base num eventual erro induzido pela ré.
Para além dos referidos depoimentos concordantes, as trocas de mensagens de correio eletrónico em janeiro de 2020 revelam, abundantemente que, até tal mês (pelo menos) os autores não haviam requerido o averbamento da comunicação prévia nos seus nomes – sempre fruto do desentendimento sobre a quem incumbia essa atividade. Por exemplo, na mensagem de 16 de janeiro de 2020, o autor remata escrevendo (sublinhado nosso):
Sem mais de momento, subscrevemo-nos, na expectativa das vossas notícias, no que respeita à regularização da licença de construção, designadamente com o averbamento da licença em nosso nome, prorrogação do prazo e do projeto de alterações.
Na mensagem de correio eletrónico de 13 de março de 2020 (doc. 41, ref. 35309691), remetida pelas 14 horas e 6 minutos, o autor declara que requereu o “averbamento (…) diretamente na Câmara Municipal”, em “substituição” da ré, conforme se pode ver no ponto 50 – respeitante à fundamentação de facto adiante exarada. No entanto, não é apresentada cópia deste pedido, sendo, ainda, certo que requerimento não equivale a deferimento.
Em face do exposto deve, nesta parte, proceder a impugnação da decisão de facto, passando a constar entre os factos provados a proposição “Sabendo, desde 15 de novembro de 2019, ser entendimento da ré caber aos autores requerer o averbamento da comunicação prévia nos seus nomes, nunca estes o requereram, até meados de março de 2020”.
3.5. Factos dados como não provados no ponto 8
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– Quando os autores concluíram a indicação das alterações ao projeto inicial e a solicitação de trabalhos adicionais a efetuar (ou seja, em 15/10/2019) a prorrogação da licença encontrava-se caducada.
Este facto é meramente conclusivo, não tendo nenhuma autonomia relativamente aos factos (provados ou não provados) dos quais a conclusão é retirada:
X) Com a data de 4/03/2019 a “TZ, S. A.” subscreveu requerimento com vista a obter a prorrogação da licença de construção por um período adicional de 6 meses, fundamentando o pedido de prorrogação “… no atraso na obra provocado por atrasos de fornecedores.”
Z) Com o pedido de prorrogação, o prazo da comunicação prévia estendeu-se por 6 meses, até 16.09.2019.
AA) A caducidade da comunicação prévia ocorreu no dia 16.09.2019, por falta de apresentação junto da Câmara Municipal de um novo pedido de prorrogação do prazo.
5. Face às diversas exigências impostas pelos autores decorrentes das alterações, trabalhos adicionais e discussões de preços, a ré apenas concluiu a versão final do planeamento da obra em 15/10/2019.
É, pois, absolutamente inútil emitir pronúncia autónoma sobre esta factualidade, estando o seu conhecimento prejudicado pela pronúncia sobre a factualidade acima referida, rejeitando-se, nesta parte, a apelação
3.6. Factos dados como não provados no ponto 9
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– A ré disponibilizou aos autores os seus serviços na elaboração dos documentos necessários para obtenção da licença de construção e proceder ao seu averbamento em seus nomes.
Também aqui, o tribunal a quo não motivou especificadamente a decisão respeitante a esta matéria de facto, conforme se referiu no ponto 3.1 – Factos dados como não provados no ponto 4 –, que aqui se dá por reproduzido.
Sustenta a apelante que resulta de três mensagens de correio eletrónico e de dois depoimentos – RQ e RM – que a factualidade em questão deveria ter sido dada por provada, nos seguintes termos (sublinhado nosso):
–- A ré disponibilizou aos autores os seus serviços para a elaboração dos documentos necessários para obtenção da licença de construção (projeto) e proceder ao seu averbamento em seus nomes, tendo concretizado a elaboração de tal projeto.

Na apreciação desta questão importa distinguir três atividades distintas: (i) a simples prorrogação da possibilidade de edificação assente numa mera comunicação prévia; (ii) o licenciamento de obras (novas) não abrangidas por licenciamento anterior; (iii) o averbamento de alteração da qualidade de dono da obra. Ainda como “pano de fundo” na interpretação do conteúdo das mensagens trocadas, devemos ter presente que uma obra com estas características – a construção de uma moradia – carece sempre de prévio licenciamento para construção, devendo possuir o respetivo alvará, não se bastando com uma mera comunicação prévia.
No caso dos autos, é de presumir que tal licenciamento tenha sido obtido no âmbito ou por decorrência do processo de loteamento, estando o início da construção de cada concreta moradia (já licenciada) em dado lote apenas dependente de comunicação prévia. Não havendo trabalhos adicionais carecidos de licenciamento, a obra pode desenvolver-se com meras prorrogações da comunicação prévia. No entanto, se forem realizadas alterações carecidas de licenciamento, a dado ponto do processo de construção terá de ser requerido o licenciamento da “nova” obra (não bastando a retificação em “telas finais”).
É das mensagens trocadas que podemos retirar se a ré se propôs realizar alguma destas atividades e, em caso afirmativo, quais e em que qualidade. Para o efeito, devemos ter em consideração as mensagens adiante transcritas na nova decisão de facto – os sublinhados serão nossos.
Na mensagem de 18 de novembro de 2019 – veja-se, adiante, o facto 33 –, a ré declara: “Aguardamos que nos faça chegar a licença de construção prorrogada (…)”. Na mensagem de 21 de novembro de 2019 – veja-se, adiante, o facto 35 –, a ré declara: “Neste momento a sua obra tem a licença de construção expirada, a prorrogação da licença é da inteira responsabilidade do Dono de Obra (…). // Assim, aguardamos a emissão do alvará de licença de construção válido para podermos calendarizar e executar os trabalhos em falta na sua obra. // Reitero a nossa total disponibilidade para colaborar na obtenção da sua licença de construção”. Na mensagem de 27 de dezembro de 2019 – veja-se, adiante, o facto 36 –, a ré declara: “Na sequência da interpelação por sua solicitação da PJS à CM para a obtenção de licença válida de construção, para dar continuidade à vossa obra, venho informar que a mesma poderá ser solicitada a título de prorrogação de prazo, mas terá de ser sujeito de imediato o projeto de alteração a fim de regularizar e licenciar as alterações introduzidas em obra. Para o efeito solicitamos que se desloque ás instalações da PJS, para assinar os requerimentos de prorrogação de prazo e entrada de projeto de alterações que já se encontram prontos para serem depositados na CM”.
Na mensagem de 7 de janeiro de 2020 – veja-se, adiante, o facto 38 –, a ré declara: “(A) responsabilidade da renovação da licença de construção é da responsabilidade do dono de obra ou de procurador com poderes para o ato. (…) No âmbito das responsabilidades de dono de obra teria que ter averbado junto da CM a propriedade em seu nome ao alvará de construção. (…) Conforme email enviado no passado dia 27 de dezembro de 2019, solicitamos a sua presença o mais urgente possível as instalações da PJS, para que se possa dar andamento ao processo, afim de assinar os requerimentos necessários para a prorrogação da licença e o pedido de alterações de projeto. // Contudo voltamos a reafirmar que a responsabilidade de a licença não estar averbada em nome do dono de obra é da inteira responsabilidade do mesmo. (…) Terá que averbar a licença em seu nome o mais rápido possível, para que se consiga dar seguimento ao processo. // Este é um tema em que nada podemos ajudar o dono de obra. (…) Reafirmo que neste momento o seu processo esta todo pronto a dar entrada junto da CM, somente esta dependente do acima mencionado. // Pedimos que faça as necessárias diligencias que são da sua responsabilidade para que o processo possa dar entrada junto da CM.”.
Na mensagem de 24 de janeiro de 2020 – veja-se, adiante, o facto 43 –, a ré declara: “Mais uma vez mostramos disponibilidade para colaborar no sentido de agilizar o que estiver ao nosso alcance para que se resolvam as questões que estão pendentes da sua parte e se consiga dar andamento ao processo. // Quanto ao tema do averbamento da obra em seu nome gostaríamos de saber se já foi realizado. Esta também é uma situação que nos preocupa e em que nada podemos ajudar e estamos neste impasse por sua falta de iniciativa em averbar o alvará de construção em seu nome, facto que esta a largos meses a negligenciar. Como bem sabe o empreiteiro não é seu mandatário perante qualquer entidade e a sua inercia deixamos muito apreensivos”.
Na mensagem de 28 de janeiro de 2020 – veja-se, adiante, o facto 46 –, a ré declara: “Solicito ainda que me comunique a sua disponibilidade, para se deslocar ás instalações da PJS a fim de assinar os requerimentos necessários, partindo eu do princípio que neste momento o processo já estará averbado no seu nome”.
Na mensagem de 17 de fevereiro de 2020 – veja-se, adiante, o facto 49 –, a ré declara: “Aproveito a presente comunicação, para mais uma vez lhe solicitar o comprovativo de averbamento do licenciamento da construção em seu nome”.
Destas mensagens decorre, sem margem para dúvida, que a ré nunca se propôs, por si ou com procuração de outrem, promover o averbamento da alteração da qualidade de dono da obra – de anterior proprietário para o nome dos autores. Não importa nesta fase (da decisão de facto) apurar se tal alteração era necessária ao prosseguimento da obra.
A ré propôs-se, em nome dos réus, requerer a prorrogação da comunicação prévia – visando o imediato prosseguimento da obra – com o simultâneo pedido de licenciamento de obras (novas) não abrangidas por licenciamento anterior, mas apenas após os autores concretizarem o averbamento da alteração da identidade do dono da obra no processo camarário. Também não importa nesta fase (da decisão de facto) apurar se tal prévia alteração era necessária para a apresentação dos requerimentos de prorrogação e de novo licenciamento.
Em conformidade, deve ser dado por provado que “a ré disponibilizou-se para, em representação dos autores, requerer à edilidade a prorrogação da comunicação prévia, visando o imediato prosseguimento da obra, com a simultânea apresentação do pedido de licenciamento de obras não abrangidas por licenciamento anterior, mas apenas após os autores concretizarem, por si, o averbamento da alteração da identidade do dono da obra no processo camarário.
3.7. Factos dados como não provados no ponto 10
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– Informando os autores que o custo pelo serviço ascenderia a €5.000,00 acrescido de IVA.
Entende a recorrente que este facto resulta provado dos documentos juntos – mensagem de correio eletrónico de 28 de janeiro de 2020 e fatura emitida – e do depoimento de RM. No entanto, estes meios de prova não sustentam a factualidade aqui sob apreciação.
Contrariamente ao tempo verbal empregue no enunciado – “ascenderia” –, nenhum meio de prova permite concluir que houve um acordo prévio entre as partes sobre o custo do serviço prestado pela ré. Os meios invocados pela apelante revelam, sim, que a demandada colocou os autores perante o “facto consumado” de o custo do projeto de alteração – e só este –, elaborado (e em curso de aprovação pelo dono da obra) ser de €5.000,00. Aliás, não é seguro, sequer, que os autores tenham emitido uma declaração negocial contratando nova prestação de serviço – e não apenas que tenham pretendido da ré a prestação de um serviço já abrangido por contrato anterior. Recorde-se que os serviços “a mais” deveriam ser reduzidos a escrito, por força da cláusula 15.ª do contrato de empreitada, escrito este que não se mostra junto aos autos – assim como não se mostra junto, por exemplo, um orçamento respeitante aos projetos a elaborar, que tenha sido aceite pelos autores.
Em face do exposto, apenas poderá ser dado por provado que “a ré faturou e reclamou dos autores o pagamento da quantia de €5.000,00, por alterações à obra projetada já licenciada, com vista ao licenciamento das obras adicionais solicitadas pelos autores, tendo remetido tal fatura aos autores em 28 de janeiro de 2020”.
3.8. Factos dados como não provados no ponto 11
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– Face à suspensão dos trabalhos de execução da empreitada a ré viu-se obrigada a recorrer aos serviços de uma empresa privada de segurança para garantir a vigilância e proteção do local.
Também aqui, o tribunal a quo não motivou especificadamente a decisão respeitante a esta matéria de facto, conforme se referiu no ponto 3.1 – Factos dados como não provados no ponto 4 –, que aqui se dá por reproduzido.
Sustenta a apelante a sua impugnação numa mensagem de correio eletrónico remetida aos autores por RM, na qual é dito que “a AF contratou a empresa PM ‒ Segurança Privada, L.da, que presta um serviço de segurança 24 horas por dia, e terá um valor mensal de 3.000,00 €por mês, acrescidos de IVA”. Invoca, ainda, os depoimentos de TC e RQ, tendo ambos afirmado ter sido contratada uma empresa de segurança para efetuar a vigilância das instalações. Também a testemunha RM afirmou ter sido contratada uma empresa de segurança privada.
O depoimento dos dois primeiro foi marcadamente vago e impreciso, quanto aos contornos da alegada contratação de serviços de segurança exclusivos da obra dos autos, não tendo indicado, por exemplo, o seu custo. O depoimento do último foi mais preciso, mas não mais convincente.
RM afirmou que os serviços de vigilância tiveram um custo “à volta de” três mil euros por mês. No entanto, não soube explicar a razão pela qual a obra não era abrangida pela segurança de todo o empreendimento, com mais de 400 fogos nem soube indicar o valor deste serviço geral de segurança.
A contratação de um específico serviço de segurança deixa, necessariamente, um claro rasto documental: um contrato escrito, contendo a identificação das instalações protegidas, e a faturação identificando o concreto serviço prestado. Não se mostra junta aos autos esta documentação. Apenas foram juntas faturas emitidas pela ré, as quais, obviamente, não provam a prestação de nenhum serviço de vigilância (específico) contratado a uma empresa de segurança. Foi também junta uma fatura emitida pela sociedade PM – Segurança Privada, L.da (documento 25 junto com a contestação) mas dela não se retira que o serviço prestado diga respeito ao lote dos autores.
Nada há a censurar na decisão do tribunal a quo sobre este ponto, improcedendo aqui, em conformidade, a impugnação da matéria de facto.
3.9. Factos dados como não provados no ponto 12
A apelante impugnou a decisão respeitante ao seguinte ponto do leque dos factos não provados:
– Tendo contratado para o efeito a empresa PM – Segurança Privada, Lda., à qual pagou nos meses de janeiro a junho de 2020 a quantia de €20.664,00.
Também aqui, o tribunal a quo não motivou especificadamente a decisão respeitante a esta matéria de facto, conforme se referiu no ponto 3.1 – Factos dados como não provados no ponto 4 –, que aqui se dá por reproduzido.
A decisão sobre este ponto mostra-se prejudicada pela decisão respeitante ao ponto anterior. O que foi referido na análise do ponto 11 dos factos não provados vale para a decisão da impugnação da decisão sobre este ponto 12.
Nada há a censurar na decisão do tribunal a quo, improcedendo a impugnação da matéria de facto.
4. Conclusão sobre a impugnação da decisão de facto
É chegado o momento de extrairmos as necessárias consequências da prova analisada. Fá-lo-emos incorporando as alterações acima determinadas na decisão proferida pelo tribunal a quo. Para melhor se compreender a fundamentação de facto do aresto, esta decisão original é agora reproduzida, embora com uma sistematização distinta, mais ajustada à crónica dos factos essenciais, e transcrevendo-se o teor de documentos já considerados assentes.
1. Fase estipulativa da relação contratual
1 – Em 13 de outubro de 2017, os autores e a ré subscreveram o documento intitulado “Contrato de empreitada de obra de construção civil por preço global”, junto aos autos, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
CONTRATO DE EMPREITADA DE OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL POR PREÇO GLOBAL
Entre
LDCGC (…) e SSSMGC, (…) doravante designados por PRIMEIRO OUTORGANTE ou DONO DE OBRA para efeitos do presente contrato
AF CONSTRUÇÕES LDA, (…) doravante designado por SEGUNDO OUTORGANTE ou EMPREITEIRO,
acordado e reciprocamente o presente CONTRATO DE EMPREITADA DE OBRAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL POR PREÇO GLOBAL, que se rege pelas cláusulas seguintes:
1.ª
DISPOSIÇÕES INICIAIS
N.º 1 – No (…) lote de terreno sito na Unidade de Gestão 4 – Rua A Parcela 405 – lote 405 L3, (…) Localidade (…), pretende o DONO DE OBRA edificar uma moradia e piscina, destinada a habitação, tendo já obtido o licenciamento do correspondente Projeto de Arquitetura. (…)
2.ª
OBJETO
N.º 1 – Pelo presente contrato o DONO DE OBRA encomenda e adjudica, nos termos do subsequente n.º 3, ao EMPREITEIRO todos os trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais, mão de obra e equipamentos necessários à realização e concretização da empreitada e construção do edifício a erigir no lote de terreno identificado na antecedente Cláusula 1.ª.
2 – A empreitada ora adjudicada e contratada é do tipo “chave na mão” compreendendo a realização de todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimentos de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução nos termos do subsequente n.º 3 do edifício a que se reporta o antecedente n.º 1, incluindo escavações, contenções periféricas, assentamento de fundações diretas e/ou indiretas, estruturas, betonagens, coberturas, revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o maís que se revelar necessário e indispensável à concretização dos referidos objetivos, sendo da responsabilidade do EMPREITEIRO a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização.
N.º 3 – O EMPREITEIRO aceita a encomenda e adjudicação da empreitada a que se referem os números que antecedem (…). (…)
5.ª
NATUREZA, PREÇO DA EMPREITADA E PRÉMIO CONTRATUAL
N.º 1 – A ora contratada empreitada é celebrada pelo preço global de 308.240,00€ (…), já com IVA à taxa legal em vigor incluído (…).
N.º 2 – O EMPREITEIRO, pela realização da empreitada, não terá direito a receber do DONO DE OBRA quaisquer outras quantias, (…) com exceção, nomeadamente, (…) de trabalhos a mais, não incluídos inicialmente no projeto da empreitada, o qual deverá ter lugar com base nos preços unitários acordados ou a acordar e com base na medição dos trabalhos resultantes da alteração. (…)
6.ª
MODO DE PAGAMENTO DO PREÇO, SEUS ADIANTAMENTOS PONTUAIS, RESPETIVA GESTÃO E CORRESPONDENTES GARANTIAS
N.º 1 – O preço acordado e ajustado na antecedente Cláusula 5.ª será pelo DONO DE OBRA pago ao EMPREITEIRO em prestações mensais, mediante a apresentação das correspondentes faturas a emitir pelo Chefe do Consórcio e a visar e a aprovar previamente pela fiscalização no prazo de 15 dias a contar da data em que as mesmas a esta última para o efeito lhe forem apresentadas, faturas essas que serão processadas e computadas com base nos correspondentes autos de medição a realizar até ao dia 25 de cada mês, de acordo com as quantidades de trabalho executadas, e que se vencerão e serão pelo DONO DE OBRA pagas ao EMPREITEIRO decorridos que sejam 30 dias sobre a data da correspondente apresentação à Fiscalização na devida conformidade e observância dos mencionados requisitos prévios nos termos e para o efeito definidos no presente contrato.
N.º 2 – Sem prejuízo no disposto no número anterior, o DONO DE OBRA efetuará um pagamento inicial ao EMPREITEIRO, no início da execução de 10% do valor global, e os últimos 10% do valor global acordado serão liquidados aquando da obra concluída, nomeadamente com a entrega da Licença de Utilização.
N.º 3 – A fiscalização só recusará a aprovação das faturas a que se refere o número 1 se as mesmas não corresponderem aos respetivos autos de medição se aprovados.
§ único: Caso a Fiscalização não cumpra o prazo referido no número 1 para aprovação das faturas, consideram-se as mesmas tacitamente aprovadas para efeitos do respetivo pagamento ao EMPREITEIRO, desde que os correspondentes autos se encontrem por aquela aprovados.
N.º 4 – Sobre o montante de cada fatura será retido na fonte pelo DONO DE OBRA a proporção de 5% (…) sobre o correspondente valor a título de garantia pela boa execução dos trabalhos, retenções essas que serão por aquele devolvidas ao EMPREITEIRO no termo do prazo de garantia da obra fixado na subsequente cláusula 11.ª, N.º 1. (…)
7.ª
PRAZOS DE EXECUÇÃO
N.º 1 – A ora contratada empreitada de construção deverá ser realizada e concretizada pelo EMPREITEIRO, nos termos acordados, no prazo máximo global de 14 (catorze) meses a contar da data do início dos trabalhos, e que poderá coincidir com a emissão da licença de escavação e contenção periférica
§ único: Findos os trabalhos que legalmente possam ser executados ao abrigo da referida licença. o EMPREITEIRO só continuará a execução da Empreitada se o DONO DA OBRA assim o determinar por escrito, não podendo o EMPREITEIRO ser responsabilizado pela eventual suspensão dos trabalhos ou de atrasos decorrentes da emissão não atempada da licença de construção e devendo o DONO DA OBRA pagar ao EMPREITEIRO as quantias que este tenha que despender para pagamento de quaisquer eventuais coimas ou multas que lhe sejam aplicadas.
N.º 2 – As diversas fases e trabalhos de que a ora contratada empreitada se compõe deverão ser realizados e concretizados, nos termos da antecedente cláusula 2.ª N.º 3, pelo EMPREITEIRO nos prazos parcelares que constarem do plano de trabalhos a elaborar por este último e a submeter à apreciação e aprovação do DONO DE OBRA.
§ único: Na eventualidade de o EMPREITEIRO não apresentar o plano de trabalhos nos termos do presente número, não serão aprovados quaisquer autos de medição.
N.º 3 – Fica expressamente entendido e acordado entre as partes que o cumprimento dos prazos de execução da empreitada fixados nos números antecedentes e sem prejuízo das prorrogações estabelecidas no presente contrato ou na lei, constituem uma condição essencial do presente contrato e que o seu eventual não cumprimento por qualquer causa imputável ao EMPREITEIRO terá como consequência a aplicação do disposto na cláusula 11.ª n.º 1 do presente contrato.
§ único: Na eventualidade de serem ultrapassados os limites aí previstos, poderá o DONO DA OBRA rescindir o contrato nos termos da subsequente Cláusula 12.ª.
N.º 4 – O DONO DE OBRA e o EMPREITEIRO deverão acordar numa prorrogação do prazo de execução da empreitada na eventualidade de se executarem os trabalhos a mais previstos no N.º 2 da Cláusula 5.ª.
N.º 5 – Sempre que ocorra suspensão dos trabalhos não imputável ao EMPREITEIRO, considerar-se-ão automaticamente prorrogados por igual período ao da suspensão, os prazos do contrato ou quaisquer outros acordados.
§ único: Os trabalhos serão recomeçados logo que cessem as causas que a determinaram, devendo, para o efeito, o DONO DE OBRA notificar por escrito o EMPREITEIRO
N.º 6 – A eventual prorrogação do prazo da empreitada por causas imputáveis ao EMPREITEIRO constitui-lo-á na obrigação de pagar ao DONO DE OBRA todas as importâncias que este último haja de suportar com os custos de fiscalização, as quais serão abatidas aos montantes da faturação da empreitada.
8.ª
MODO DE EXECUÇÃO
N.º 1 – A ora contratada empreitada deverá ser pelo EMPREITEIRO executada estreita harmonia e consonância com o previsto e estabelecido no presente contrato, no caderno de cargos, com o projeto de arquitetura, projetos de especialidades, projetos de execução e peças desenhadas e alterações aos projetos, assim como a regulamentação e documentação técnica, os quais conjuntamente com o presente contrato, regem todos os termos e condições da empreitada em apreço e com os quais se deve o EMPREITEIRO conformar e pautar a sua atitude e desempenho.
N.º 2 – Os projetos, as respetivas alterações e as peças escritas e desenhadas a que se refere o número que antecede, já foram pelo DONO DE OBRA facultadas anteriormente ao EMPREITEIRO (…).
11.º
MULTAS, GARANTIAS E RESPONSABILIDADES
N.º 1 – Fica expressamente entendido e acordado entre as partes que o cumprimento dos prazos de execução da empreitada fixados nas cláusulas antecedentes e sem prejuízo das prorrogações estabelecidas no presente contrato, ou na lei, constituem uma condição essencial do presente contrato e que o seu eventual não cumprimento por qualquer causa imputável ao EMPREITEIRO terá como consequência a aplicação de uma multa diária correspondente a 0,1% do valor da empreitada. (…)
12.ª
INCUMPRIMENTO, RESOLUÇÃO E EXTINÇÃO DA EMPREITADA
N.º 1 – A violação grave e reiterada das obrigações estipuladas e assumidas no presente contrato conferirão ao contratante não faltoso o direito de o resolver com justa causa e produção imediata dos respetivos efeitos extintivos e de exigir do inadimplente indemnização (…).
N.º 2 – Constitui incumprimento definitivo e culposo do EMPREITEIRO, designadamente (…), o retardamento injustificado, imputável ao EMPREITEIRO, do prazo global ou dos prazos parcelares da execução da empreitada sem prejuízo do disposto nos números 3 a 5 da Cláusula 7.ª, (…).
N.º 3 – Constitui incumprimento definitivo e culposo do DONO DE OBRA, designadamente, (…) a falta de pagamento das prestações a que se refere o N.º 1 da Cláusula 6.ª se o DONO DE OBRA continuar em mora decorridos que sejam 90 (noventa) dias a contar da notificação para pagamento (…)
N.º 4 – O DONO DE OBRA poderá, a todo o tempo, e de forma devidamente fundamentada, extinguir a empreitada na medida em que o EMPREITEIRO revele, com notoriedade, falta de capacidade para a respetiva execução e conclusão atempada.
N.º 5 – No caso de o DONO DE OBRA extinguir a empreitada por sua conveniência ou direito de terceiro, será o EMPREITEIRO indemnizado dos danos emergentes e dos lucros cessantes que, em consequência, sofra.
15.ª
DISPOSIÇÕES FINAIS
Nada mais foi acordado direta ou indiretamente entre as partes no que às matérias e assuntos regulados no presente contrato concerne, para além do que ora estipulado fica nas correspondentes cláusulas, cuja alteração só será válida se reduzida a documento escrito e assinado por ambas as contratantes, com expressa menção de cada uma das cláusulas alteradas, aditadas e/ou eliminadas, bem como da nova redação que as mesmas, eventualmente, vierem a ter.
Celebrado em duplicado em 13 de Outubro de 2017.
2 – Em 13 de outubro de 2017, os autores, como compradores, outorgaram escrito particular de compra e venda, sendo vendedora a sociedade TZ, S.A., pelo preço de €171.760,00, tendo por objeto o prédio onde viria a decorrer a obra, referido no ponto 1 – factos provados –, assim identificado:
PRÉDIO URBANO, composto por terreno para construção, sito em Unidade de Gestão 4, Rua A, Parcela 405, Lote 405 L3, da freguesia de (…), concelho de Localidade, descrito na 1º CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE LOCALIDADE, sob o número 1559 — (...), com o registo de aquisição a favor da PARTE VENDEDORA pela inscrição AP. 2664 de 2017/06/20, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1555, com o valor patrimonial de Euros: 95.340,12, adiante designada abreviadamente por IMÓVEL.
O prédio de que faz parte o IMÓVEL está inserido no loteamento urbano titulado pelo alvará n.º 04/03, registado predialmente pela inscrição AP. 10 de 2004/11/09.
3 – Em 13 de outubro de 2017, os autores declararam acordar com a BM (BM) contrair um empréstimo com hipoteca e fiança, no valor de €470.000,00, que receberam.
4 – O documento referido no ponto 1 – contrato de empreitada –, foi subscrito por causa da contemporânea outorga do documento referido no ponto 2 – contrato de compra e venda.
5 – A negociação do teor do documento referido no ponto 1 – contrato de empreitada – e do teor do documento referido no ponto 2 – contrato de compra e venda – foi feita em simultâneo.
6 – A ré e a TZ, S. A., pertencem ao “GRUPO PJS”, com uma estrutura acionista e administração comum.
7 – Em 25 de maio de 2017, o autor e a sociedade PJSIP, L.da, subscreveram o documento intitulado “Acordo de Reserva de Imóvel”.
8 – Em 25 de maio de 2017, por conta do preço referido no ponto 2 – contrato de compra e venda –, os autores entregaram €10 000,00 em numerário a PJS, representante legal da ré e das sociedades TZ, S. A., e PJSIP, L.da.
9 – Em 25 de maio de 2017, por conta do preço referido no ponto 2 – contrato de compra e venda –, os autores transferiram €161.760,00 para a conta bancária indicada pela sociedade PJSIP, L.da.
10 – O montante de €161 760,00 do empréstimo que os autores receberam da BM – referido no ponto 3 – foi destinado à aquisição do imóvel e o remanescente para a construção do edifício, destinado a habitação própria e permanente dos autores.

2. Fase executiva da relação contratual
2.1. Execução da obra
11 – Em 16 de março de 2018, foi pela Câmara Municipal admitida a comunicação prévia para realização da obra descrita no documento “Contrato de empreitada de obra de construção civil por preço global”, acima transcrito, pelo período de 12 meses.
12 – Em 16 de março de 2018, iniciaram-se os trabalhos de construção.
13 – Durante a execução da obra, os autores, mediante negociação com a ré, adjudicaram-lhe trabalhos adicionais, comummente designados por “trabalhos a mais”, no valor de €44.406,34.
14 – A ré declarou executar os trabalhos adicionais – referidos no ponto 13 – no prazo inicialmente acordado para a empreitada, no pressuposto de estarem definidos pelos autores e, depois de recebidos em obra os novos materiais a incorporar, poderem ser executados na fase da obra apropriada à sua realização.
15 – Apenas em outubro de 2019 foi feito o planeamento final da obra pela ré, ainda sem a calendarização final, em resultado das alterações ao projeto inicial solicitadas pelos autores, do tempo de resposta da ré a estas solicitações e da interrupção dos trabalhos entre 3 de julho e 28 de agosto de 2019.
2.2. Renovação ou novo pedido de licença camarária
16 – Em 4 de março de 2019, a TZ, S.A., subscreveu requerimento com vista a obter a prorrogação dos efeitos da comunicação prévia (que veio a ser deferido), cuja cópia se encontra junta aos autos, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:


17 – Em 16 setembro de 2019, terminado o prazo referido no ponto 16 – factos provados –, não foi apresentado à Câmara Municipal novo pedido de prorrogação do prazo da licença referida no ponto 11 – factos provados.
18 – Com a não renovação do pedido de prorrogação do prazo da licença camarária, conforme referido no ponto 17 – factos provados –, a ré suspendeu a execução dos trabalhos de construção
19 – Apenas com a renovação e, ou, prorrogação da licença camarária poderia a ré estabelecer a calendarização das obras, determinar a data da sua conclusão e retomar os trabalhos.
20 – A não renovação do pedido de prorrogação do prazo da licença camarária e a subsequente suspensão dos trabalhos impediram a ré de realizar a calendarização final da obra, tendo em consideração o desconhecimento da data a partir da qual seriam retomados os trabalhos.
21 – Sabendo, desde 15 de novembro de 2019, ser entendimento da ré caber aos autores requerer o averbamento da comunicação prévia nos seus nomes, nunca estes o requereram, até meados de março de 2020.
22 – A ré disponibilizou-se para, em representação dos autores, requerer à edilidade a prorrogação da comunicação prévia, visando o imediato prosseguimento da obra, com a simultânea apresentação do pedido de licenciamento de obras não abrangidas por licenciamento anterior, mas apenas após os autores concretizarem, por si, o averbamento da alteração da identidade do dono da obra no processo camarário.
23 – A ré faturou e reclamou dos autores o pagamento da quantia de €5.000,00, por alterações à obra projetada já licenciada, com vista ao licenciamento das obras adicionais solicitadas pelos autores, tendo remetido tal fatura aos autores em 28 de janeiro de 2020.
2.3. Pagamento do preço
24 – Em 27 de abril de 2018, os autores entregaram à ré o valor de €30 824,00, correspondente a 10% do valor global da empreitada.
25 – Desde o início dos trabalhos, e até à suspensão da obra, foram elaborados 14 autos de medição tendo os autores pago á ré por conta dos trabalhos a quantia de €151 139,68.

26 – Por conta dos trabalhos realizados o réu procedeu à emissão das seguintes faturas que enviou aos autores:

27 – Os autores não entregaram à ré nenhuma quantia com vista ao pagamento dos valores referidos nestas faturas.
28 – Em 11 de dezembro de 2019, existia um saldo de trabalhos realizados a favor da ré no montante de €10 422,98.
29 – Em 15 de janeiro de 2020, a ré remeteu aos autores as faturas juntas com a contestação como documento 36, referentes ao fecho provisional da obra, no valor global de €84 682,51, e solicitou o pagamento daquelas.
30 – Em 16 de janeiro de 2020, os autores devolveram as ditas faturas e recusaram o seu pagamento, nos termos da mensagem de correio eletrónico junta com a contestação como documento 37, cujo teor se dá por reproduzido.
3. Crise da relação contratual
31 – Em 19 de agosto de 2019, FS (funcionário da ré) remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 2, ref. 41882816), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Segue em anexo o pedido de prorrogação efectuado em Março 2019 com as respectivas taxas pagas, informo também que será efectuado novo pedido de prorrogação para mais 6 meses.
32 – Em 16 de novembro de 2019, LDCGC remeteu a RM (funcionário da ré) mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
No seguimento da reunião da passada sexta-feira, 15 de Novembro, vimos por este meio registar os diversos assuntos falados:
1 – Planeamento de obra
Apesar de nos ter sido comunicado telefonicamente na semana anterior à reunião, pelo RM, que o planeamento seria enviado em breve, fomos informados na reunião de sexta-feira, pelo próprio, que será impossível realizar o planeamento de obra uma vez que a Licença de Construção se encontra sem validade.
É incompreensível que não seja possível fazer uma previsão da ordem de trabalhos a executar e em quanto tempo, mesmo antes da licença caducar, pois nunca nos foi dado qualquer planeamento quando pedido – vejam e-mails trocados a 3/7/19, a solicitar o planeamento, quando a Licença de Construção tem validade até setembro 2019. (…)
2 – Licença de Construção
A PJS desresponsabiliza-se pela renovação da Licença de Construção, alegando que a 7ª cláusula do contracto de empreitada, no parágrafo único, menciona que o Dono de Obra é o responsável pela Licença.
Relativamente à cláusula 7ª, parágrafo Único do Contrato de Empreitada, pedimos que releiam e nos esclareçam em que momento é explícito que o Dono de Obra é responsável pela renovação da Licença de Construção. O que entendemos é que o Dono de Obra deve requerer a continuação da execução da Empreitada – nada diz acerca da renovação da Licença. Pedimos que considerem também neste momento, a 2ª Cláusula, parágrafo nº2 do mesmo Contrato de Empreitada, onde lemos que a responsabilidade das licenças é do Empreiteiro.
Fomos informados pelo RM na reunião de ontem, que o nosso caso carece de um parecer da Câmara Municipal (CM) sobre qual o melhor tipo de Licença ou Autorização a emitir pela Câmara, a fim de se prosseguirem com as obras.
Este pedido de parecer à CM foi autonomamente tratado pela PJS sem conhecimento dos Donos de Obra. Com certeza que o fizeram por considerarem da vossa responsabilidade este assunto, ainda mais no nosso caso particular em que há evidências de uma renovação de licença anterior, da qual nunca tivemos conhecimento. Certamente sabem que nunca até à data este assunto foi tratado por nós, nem sequer nos consideraram para qualquer esclarecimento adicional. Ao invés disso, nós atempadamente, antes do término da Licença, questionámos a PJS acerca da Licença e em momento nenhum nos disseram que devíamos ser nós a tratar do assunto.
Parece que só agora nesta fase em que a obra está parada sem explicação, é que serve o argumento da falta da Licença de Construção como responsabilidade do Dono de Obra. Mais uma vez, pouca coerência, falha de comunicação e pouco cuidado na forma como se tentam resolver as questões com o cliente.
Resumindo os dois pontos enunciados até aqui, consideramos estar do vosso lado a questão da Licença de Construção e pedimos que, assim que este assunto fique resolvido, nos enviem o planeamento da obra.
Da nossa parte, faremos pressão junto da CM para que a renovação da Licença seja o mais célere possível. (…)
33 – Em 18 de novembro de 2019, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
1- Planeamento de obra
Para haver obra tem de haver licença, neste momento a sua obra está com a licença de construção expirada, pelo que só poderemos determinar um calendário quando houver licença de construção válida.
Como lhe explicamos na reunião, a cadeia de obra prevista fica interrompida pela falta de licença, obrigando-nos posteriormente à emissão da nova licença enquadrar a obra em uma nova programação.
É normal que seja impossível calendarizar uma obra que nunca foi possível fechar, foram sendo solicitados alterações que apenas em Outubro 2019 chegou a uma versão final.
A calendarização inicial foi entregue.
2- Licenças de Construção
Como é inequívoco no contrato, a AF, Lda, foi responsável pela obtenção da licença de construção, e assim o fez, não é responsável pelas suas renovações, a renovação é da inteira responsabilidade do Dono de Obra. (…)
Inevitavelmente a sua obra foi interrompida, por falta de licença, obrigando-nos a reverter as compra e adjudicações de trabalhos, interrompendo a natural cadeia de obra. (…)
Aguardamos que nos faça chegar a licença de construção prorrogada, para podermos reagendar e calendarizar a sua obra a fim de lhe dar continuidade.
34 – Em 19 de novembro de 2019, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Abaixo encontra a azul (itálico) os nossos comentários.
1- Planeamento de obra
Lamento, mas esta informação (apenas em outubro 2019 se alcançou a versão final dos trabalhos a mais) é errada e facilmente demonstrável. Basta analisar os emails em que pedimos as alterações e esclarecimentos (…).
Se nos foi entregue (a calendarização inicial) agradeço que reenvie, pois, nós nunca o visualizámos (…).
2- Licenças de Construção
Não concordamos (que a renovação da licença é da inteira responsabilidade do Dono de Obra), porque a necessidade de renovação surge exatamente porque o empreiteiro não cumpriu com as datas previstas de contrato para finalização da moradia. (…)
Como já comentado, vamos junto da CM fazer o que nos for possível para resolver isto o quanto antes. No entanto, e para que fique registado, não assumimos essa responsabilidade como sendo nossa, pois no contrato que temos nada refere.
35 – Em 21 de novembro de 2019, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 8, com a contestação), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Neste momento a sua obra tem a licença de construção expirada, a prorrogação da
licença é da inteira responsabilidade do Dono de Obra, pelo que apenas a si é
imputável essa responsabilidade.
Terá de ser o Dono de Obra a fazer emitir a licença por parte da CM, poderemos
eventualmente a sob pedido do Dono de Obra, colaborar na sua obtenção. (…)
Assim, aguardamos a emissão do alvará de licença de construção válido para podermos calendarizar e executar os trabalhos em falta na sua obra.
Reitero a nossa total disponibilidade para colaborar na obtenção da sua licença de
construção
36 – Em 27 de dezembro de 2019, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Na sequência da interpelação por sua solicitação da PJS à CM para a obtenção de licença válida de construção, para dar continuidade à vossa obra, venho informar que a mesma poderá ser solicitada a título de prorrogação de prazo, mas terá de ser sujeito de imediato o projeto de alteração a fim de regularizar e licenciar as alterações introduzidas em obra.
Para o efeito solicitamos que se desloque ás instalações da PJS, para assinar os requerimentos de prorrogação de prazo e entrada de projeto de alterações que já se encontram prontos para serem depositados na CM.
37 – Em 7 de janeiro de 2020, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Na sequência da receção do vosso email, desloquei-me à CM, onde, perante o estado em que atualmente se encontra o processo de licenciamento da obra, fui informado que o pedido de prorrogação do prazo bem como o pedido de licenciamento das alterações ao projeto devem ser apresentadas por V. Exas., tal como já o fizeram com o anterior pedido de prorrogação do prazo.
Efetivamente, de acordo com a informação recolhida nos serviços de urbanismo da CM, a alteração da titularidade da licença de construção, por via do respetivo averbamento, terá como consequência o protelamento da emissão de nova licença, pelo que sugerem que seja a atual titular da licença, a TZ, S.A., a proceder à apresentação do projeto de alterações com vista à prorrogação ou concessão de novo prazo da licença. Esta parece-nos ser a melhor solução, averbando-se a nova titularidade após o deferimento das alterações e concessão de novo prazo posteriormente, evitando-se, desta forma, um maior atraso na conclusão da obra.
38 – Em 7 de janeiro de 2020, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Como nos emails anteriormente enviados a responsabilidade da renovação da licença de construção é da responsabilidade do dono de obra ou de procurador com poderes para o ato.
Aquando o pedido inicial de licença de construção do seu lote, este ainda não era sua propriedade, por esse motivo foi pedido em nome do proprietário.
A Licença de construção nunca esteve em nome da empresa TZ S.A., mas sim em nome do proprietário do lote a altura do seu pedido do licenciamento.
É da inteira responsabilidade do dono de obra o seu averbamento e não da empresa com a qual estabeleceu um contrato de empreitada geral para a construção de uma moradia.
No âmbito das responsabilidades de dono de obra teria que ter averbado junto da CM a propriedade em seu nome ao alvará de construção.
A AF é a empresa que foi contratada para a execução do seu projeto no seu terreno, ou seja, não poderá de forma alguma se substituir as responsabilidades do dono de obra como é o caso que pretende.
Todas as alterações solicitadas e realizadas e ao projeto inicial são da sua inteira responsabilidade e não do anterior proprietário.
Conforme email enviado no passado dia 27 de dezembro de 2019, solicitamos a sua presença o mais urgente possível as instalações da PJS, para que se possa dar andamento ao processo, afim de assinar os requerimentos necessários para a prorrogação da licença e o pedido de alterações de projeto.
Contudo voltamos a reafirmar que a responsabilidade de a licença não estar averbada em nome do dono de obra é da inteira responsabilidade do mesmo.
Terá que averbar a licença em seu nome o mais rápido possível, para que se consiga dar seguimento ao processo. // Este é um tema em que nada podemos ajudar o dono de obra. (…)
Reafirmo que neste momento o seu processo esta todo pronto a dar entrada junto da CM, somente esta dependente do acima mencionado. // Pedimos que faça as necessárias diligencias que são da sua responsabilidade para que o processo possa dar entrada junto da CM.
39 – Em 10 de janeiro de 2020, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Não temos qualquer dúvida sobre a responsabilidade contratual que recai sobre a AF no que diz respeito à licença de construção. A AF assumiu expressamente a obrigação de obter as licenças de escavação e contenção periférica de construção e de utilização (cf. cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato de subempreitada). Por esta razão, para além de terem garantido inicialmente a emissão da licença de utilização também pediram a sua prorrogação. Assim, reiteramos que perante o que está contratualmente previsto, a AF está obrigada à prática de todos os atos que garantam a existência de todo as licenças necessárias à execução da obra e posteriormente ao licenciamento da sua (obra) utilização. Por esta razão garantiram não apenas a emissão da licença de construção como a sua prorrogação, sem que então se tenham preocupado com o averbamento da licença de construção em nome da TZ, a quem compramos o prédio.
Com vista a não perdermos mais tempo solicito que me enviem por correio expresso todos os elementos necessários à prorrogação do prazo e do projeto de alterações, a fim de regularizar e licenciar as alterações introduzidas em obra. (…)
40 – Em 13 de janeiro de 2020, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Faço apenas umas pequenas notas, para o relembrar:
O Dono de Obra é responsável por fazer a prorrogação da licença;
O Dono de Obra é por fazer a averbamento do processo em seu nome; (…)
Quanto à assinatura dos processos, como já lhe tive a oportunidade de comunicar, estão á vossa disposição para verificação, consulta e assinatura nas nossas instalações.
Para o efeito, solicito que agende hora e dia, com antecedência de no mínimo 24 horas, para que os nossos técnicos estejam disponíveis para o receber, alterar alguma peça escrita ou desenhada que seja necessário e fazer as demais diligências necessárias para a remissão do processo á CM. (…)
Aproveito para o informar que a partir do dia de hoje e com vista a manter a integridade do local e dos bens, a AF contatou a empresa PM – Segurança Privada, Lda, que prestará um serviço de segurança 24 horas por dia, e terá um valor mensal de 3.000,00€ por mês, acrescidos de IVA á taxa legal em vigor. A remissão da fatura de segurança e vigilância ser-lhe-á Enviada todos os dias 25 do mês e terá o seu vencimento imediato. // Informo-o ainda, que lhe farei chegar a fatura de imobilização de obra.
41 – Em 16 de janeiro de 2020, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
 (…) (N)o dia de amanhã, sexta-feira, entre as 15 horas e as 16 horas, passará pelo vosso escritório um estafeta, sob minhas indicações, para recolher todos os elementos necessário à regularização da licença de construção, designadamente com o averbamento da licença em nosso nome, prorrogação do prazo e do projeto de alterações. (…)
Sem mais de momento, subscrevemo-nos, na expectativa das vossas notícias, no que respeita à regularização da licença de construção, designadamente com o averbamento da licença em nosso nome, prorrogação do prazo e do projeto de alterações.
42 – Em 17 de janeiro de 2020, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Como afirma, e bem, que ainda não averbou a licença em seu nome, sendo sua obrigação desde que a propriedade é sua, não faz sentido algum enviar documentos para a prorrogação da licença, até porque conforme pede no seu email, pretende analisar o projeto das alterações solicitadas por si e este ainda não é um tema fechado, como bem sabemos e afirma no seu email.
Como é que podemos enviar prazos quando ainda nem sequer temos o seu aval quanto às alterações em projeto? Sendo que as referidas alterações terão que ser objecto de licenciamento, conforme instruções da CM e não o podemos fazer pelo motivo descrito.
43 – Em 24 de janeiro de 2020, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
No passado dia 20 (verificar) levantou os documentos conforme solicitado para sua análise em relação as alterações solicitadas por si durante a execução do contrato de empreitada. Até ao momento nada nos transmitiu quanto a sua posição em relação aos mesmos e estamos a aguardar que se pronuncie sobre tal para que se possa elaborar os desenhos definitivos e as respetivas especialidades para finalizar o processo, nesta sequencia das alterações solicitadas por si e que aguardam o seu parecer quanto estamos sem qualquer novidade da sua parte desde então. (…) Mais uma vez mostramos disponibilidade para colaborar no sentido de agilizar o que estiver ao nosso alcance para que se resolvam as questões que estão pendentes da sua parte e se consiga dar andamento ao processo.
Quanto ao tema do averbamento da obra em seu nome gostaríamos de saber se já foi realizado. Esta também é uma situação que nos preocupa e em que nada podemos ajudar e estamos neste impasse por sua falta de iniciativa em averbar o alvará de construção em seu nome, facto que esta a largos meses a negligenciar. Como bem sabe o empreiteiro não é seu mandatário perante qualquer entidade e a sua inercia deixamos muito apreensivos. (…)
44 – Em 24 de janeiro de 2020, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
(…) (C)onstatamos que persiste em não compreender e assumir questões básicas, previstas no contrato de empreitada, designadamente a questão relativa à licença de obra.
Quanto aos documentos que me entregaram para regularização da licença de obra, em cumprimento de uma obrigação há muito tempo vencida (lamentando que não o tivessem feito há muito mais tempo, por forma a evitar a caducidade da licença), pedi que fossem devidamente analisados, sendo nossa intenção tomar posição sobre os mesmos na próxima segunda-feira, dia 27.01.2020.
(…) (N)não somos vossos devedores, mas antes credores pela diferença resultante do vosso último crédito – por nós reconhecido –, e o montante da multa contratual aplicada por carta registada com aviso de receção, no pretérito dia 23.12.2019. // (V)imos indicar o nosso IBAN para que procedam ao pagamento imediato do valor de €62.804,93 (…). // Concedemos, para o efeito, até à próxima segunda-feira dia 27/01/2020 (…)
45 – Em 27 de janeiro de 2020, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Em complemento ao nosso email infra reproduzido, de 24.01.2020, vimos pronunciar sobre os documentos que nos entregaram para regularização da licença de construção.
Após cuidada análise de todos os documentos, vimos solicitar que com brevidade, procedam à correção dos seguintes elementos:
Ponto 5.1 – Projeto a licenciar.
 – Desenho de Março de 2019 – Revisão projeto para obras – Plantas 28 março: Está em falta a colocação da lareira na sala;
 – Desenho de 25 junho 2018 – Revisão projecto para obras – Alçados: As grelhas que colocam na vedação estão erradas. A versão final deveria ser na vertical e não na horizontal. Informação transmitida pelo Arquiteto RL da CM. As loiças sanitárias que colocam não estão corretas. As corretas são as loiças suspensas.
 – Desenho de 25 junho 2018 – Revisão projeto para obras – Cortes: As grelhas que colocam na vedação estão erradas. A versão final deveria ser na vertical e não na horizontal. Informação transmitida pelo Arquiteto RL da CM. As loiças sanitárias que colocam não estão corretas. As corretas são as loiças suspensas. A escada interior que representam não é a que foi adjudicada.
– Desenho de 25 junho 2018 – Revisão projeto para obras – Mapa de vão exteriores: Não corresponde aos vãos exteriores do jardim interior que temos;
– Desenho de 25 junho 2018 – Revisão projeto para obras – Mapa de vão interiores: Não corresponde ao que foi adjudicado.
46 – Em 28 de janeiro de 2020, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Agradeço os seus atentos comentários, e informo que já foram introduzidas as alterações solicitadas nas peças escritas e desenhadas.
Uma vez executado o processo de licenciamento, venho por este meio apresentar em anexo a fatura correspondente, no valor 5.000,00€ acrescido de Iva á taxa legal em vigor, que aguardo a imediata liquidação.
Solicito ainda que me comunique a sua disponibilidade, para se deslocar ás instalações da PJS a fim de assinar os requerimentos necessários, partindo eu do princípio que neste momento o processo já estará averbado no seu nome.
47 – Em 29 de janeiro de 2020, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Só uma profundíssima falta de conhecimento ou ignorância do contrato de empreitada é que explica o envio da fatura “pro-forma”. Os serviços em causa estão incluídos no preço da empreitada, que contempla todos os serviços que visem assegurar a existência e validade da licença de construção. Pelo que rejeitamos a fatura que nos remete.
Por outro lado, solicitávamos que nos fosse entregue as correções para verificação, tendo disponibilidade para nos deslocarmos amanhã, ao final da tarde.
48 – Em 17 de fevereiro de 2020, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
No seguimento do email abaixo, solicito que me indique data e hora para passar nos vossos escritórios para levantar a documentação solicitada anteriormente.
49 – Em 17 de fevereiro de 2020, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Para a execução do projeto em questão, já lhe foi remetida a fatura pró-forma de honorários inerentes. Logo que liquidada poderá levantar os projetos em causa.
Aproveito a presente comunicação, para mais uma vez lhe solicitar o comprovativo de averbamento do licenciamento da construção em seu nome.
Relembro-lhe que a sua construção continua retida por falta de pagamento dos autos vencidos. (…)
50 – Em 13 de março de 2020, sexta-feira, pelas 14 horas e 6 minutos, LDCGC remeteu a RM mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
Notamos que no diálogo que até hoje existiu visando a regularização da licença de construção, não obstante as muitas chamadas de atenção que vos fizemos, as multas contratuais compulsórias aplicadas, o averbamento que, em vossa substituição, requeremos diretamente na Câmara Municipal e muitos outros avisos, a “AF” persiste em não cumprir as obrigações contratuais que lhe assistem, invocando argumentos sem qualquer suporte factual e legal, ignorando o contrato de empreitada a que voluntariamente se obrigou.
Assim, resta-nos conceder 24,00 horas úteis, para que deem início, sem mais demoras, à regularização da licença de construção, remetendo-nos os elementos que carecem da nossa assinatura, pela via mais expedita que entenderem.
51 – Em 13 de março de 2020, RM remeteu a LDCGC mensagem de correio eletrónica junta aos autos (doc. 41, ref. 35309691), na qual consta (além do mais que aqui se dá por transcrito):
(…) (Q)ualquer homem comum interpreta que a renovação da licença lhe compete a si como Dono de Obra.
52 – Em 16 de março de 2020, os autores, mediante comunicação que enviaram para a ré, por carta registada com aviso de receção (doc. 42, ref. 35309691), na qual consta, além do mais que aqui se dá integralmente por reproduzido:
Por referência ao Contrato de Empreitada em epígrafe identificado, celebrado entre os aqui subscritores, na qualidade de Donos de Obra, e V. Exas., na qualidade de Empreiteira, vimos, por este meio, comunicar a resolução contratual, nos termos e com os seguintes fundamentos: (…)
Considerando a data de início, em 16.03.2018, a obra deveria ter sido totalmente concluída no dia 16.05.2019; (…)
A caducidade da licença (comunicação prévia) verificou-se no dia 16.09.2019; (…)
A falta de apresentação do pedido para a prorrogação do prazo da licença de obras (comunicação prévia) é única e exclusivamente imputável à Empreiteira, por força da obrigação ínsita na parte final do n.º 2, da cláusula 2.º do contrato de empreitada;
A Empreiteira, ao praticar a omissão referida no parágrafo anterior, agiu com culpa, pois sabia que sobre ela recaia a obrigação de garantir a existência da licença de construção (comunicação prévia); (…)
A Empreiteira recusa pagar o saldo decorrente das multas aplicadas;
A Empreiteira persiste em não diligenciar pela continuação ou pela realização dos trabalhos da obra; (…)
Os subscritores, declaram, para todos os devidos e legais efeitos, que perderam a esperança na execução da obra que contrataram com a Empreiteira, perdendo, toda a confiança na capacidade e na seriedade da Empreiteira, no que respeita ao cumprimento das obrigações contratuais que lhe assistem, e a que a Empreiteira voluntariamente se obrigou e, consequentemente, perderam objetivamente interesse na realização das prestações a que a Empreiteira está obrigada.
Em face do exposto, vimos por este meio comunicar a resolução contratual do contrato de empreitada, celebrado em 13.10.2017, entre os subscritores, na qualidade de Donos de Obra, e a Empreiteira.
A presente declaração de resolução tem efeitos imediatos.
53 – Com data de 17 de março de 2020, a ré respondeu por escrito à comunicação de resolução, conforme carta recebida pelos autores, junta aos autos (doc. 43, ref. 35309691), na qual consta, além do mais que aqui se dá integralmente por reproduzido:
Até a data da receção da resolução contratual enviada por vós, existia um Contrato de empreitada com obrigações adjacentes a ambas as partes, as quais vossas excelências ignoraram de forma reiterada as vossas obrigações enquanto donos de obra. (…)
Somaram incumprimentos sucessivos, furtando-se aos pagamentos que estavam obrigados, não averbaram a licença de construção em vosso nome em tempo útil, não diligenciaram a renovação da licença de construção conforme previsto em contrato e vossa obrigação. (…)
Quanto a entrega da obra esta será feita aquando a liquidação de todos os montantes vencidos até à data assim como os lucros cessantes e danos emergentes conforme previsto em contrato.
Neste momento vamos apurar todos os valores vencidos até a data e os lucros cessantes, danos emergentes conforme clausula 12.º n.º 5 do contrato de empreitada.
Com o pagamento integral dos mesmos a obra deixara de estar retida, até a data do a obra estará retida, como segurança para bom pagamento das quantias que lhes são devidas. (…)
Quanto ao prazo fica este estabelecido que tem 24hr uteis para proceder ao pagamento na integra dos seguintes valores:
1. Autos em atraso de Trabalhos Contratuais executados 6.148,50€;
2. Autos em atraso de Trabalhos a Mais executados 4.076,79€;
3. Desmobilização de obra 10.225,29€;
4. Segurança de obra nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março 11.070,00€;
5. Auto de fecho provisional de Trabalhos Contratuais 49.729,10€;
6. Auto de fecho provisional de Trabalhos a Mais 18.340,51€;
7. Juros de atrasos nos pagamentos do contrato 1.081,32€;
8. Garantias e Retenções de obra 13.920,00€:
9. Lucros cessantes no valor de 134.000,00€;
Num Total de 239.133,72€.
4. Prejuízos sofridos pelos autores e penas convencionais
54 – Os autores despendem mensalmente a quantia de €1500,00 no pagamento da renda da casa que habitam.
55 – Desde 16 de maio de 2019, e até à propositura da ação, os autores liquidaram ao BM, o montante de €4171,53, por virtude do contrato referido no ponto 3 – contrato de mútuo
56 – Para concluírem a obra os autores terão de despender €250 544,46.
57 – A atuação da ré, não concluindo a obra, causou aos autores frustração e desconforto emocional.
58 – Os autores procederam à promoção da venda da moradia cuja construção estava a cargo da ré, sem que a obra estivesse concluída.
59 – Com data de 23 de dezembro de 2019, os autores, mediante carta registada com aviso de receção, reclamaram da ré o pagamento da pena prevista na cláusula referida na alínea anterior no montante de €68 121,04, conforme documento n.º 38 (referido na petição), junto com a referência 35309532, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
A Obra deveria ter sido totalmente concluída no dia 16.05.2019.
Pelo que, face ao disposto na Cláusula 11.º, n.º 1, a Sociedade Empreiteira está sujeita à multa contratual diária, corresponde a 0,1% do valor da empreitada.
Neste dia, 23.12.2019, a obra está em atraso o equivalente a 221 dias.
60 – Em 24 de janeiro de 2020, mediante carta registada com aviso de receção, os autores reclamaram da ré o pagamento de uma segunda pena, no montante de €9555,44, conforme documento junto (doc. 39, ref. 35309691), que aqui se dá por reproduzido.
61 – Em 24 de fevereiro de 2020, mediante carta registada com aviso de receção, os autores reclamaram da ré o pagamento de uma terceira pena contratual, no valor de €9157,20, conforme documento junto (doc. 40, ref. 35309691), que aqui se dá por reproduzido.
62 – A ré não liquidou até hoje o valor resultante das multas contratuais reclamadas pelos autores.
B.D. Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Fonte do litígio existente entre as partes
1.1. Ato administrativo habilitador da realização de uma operação urbanística
1.2. Obrigação de realização da comunicação prévia
1.2.1. Legitimidade de atuação perante a Câmara Municipal
1.2.2. Obrigação contratual – licenciamento de obras adicionais
1.2.3. Obrigação contratual – averbamento do novo dono da obra
1.2.4. Conclusão: ónus dos autores
2. Sanção contratual compulsória
3. Ultrapassagem do prazo de execução da obra de 14 meses
3.1. Relevância da realização de trabalhos adicionais
3.2. Relevância da caducidade dos efeitos da comunicação prévia
4. Declaração de resolução infundada
5. Extinção consensual da relação contratual
6. Posições jurídicas emergentes da relação de liquidação
6.1. Direitos da ré sobre os autores
6.1.1. Pagamento do preço
6.1.2. Indemnizações devidas à ré
6.2. Direito de retenção
6.3. Direitos dos autores sobre a ré
6.3.1. Reclamação de penas convencionais compulsórias
6.3.2. Entrega da obra no estado em que se encontra
6.3.3. Fixação de uma sanção pecuniária compulsória
6.3.4. Despesas com o arrendamento de uma habitação alternativa
6.3.5. Amortização do empréstimo contraído para financiamento da obra
6.3.6. Agravamento do preço dos trabalhos para conclusão da obra
7. Responsabilidade pelas custas
Fonte do litígio existente entre as partes
É incontroverso que o litígio entre as partes surge no contexto da execução de um contrato de empreitada (art.º 1207.º do Cód. Civil), tal como foi apropriadamente entendido na sentença apelada. Também não se encontra controvertido que a obra contratada não foi concluída pela ré. O que se discute é a causa deste incumprimento: se imputável à devedora da obrigação de executar a obra (a ré: art.º 1208.º do Cód. Civil); se imputável aos credores (os autores).
A causa próxima da não conclusão da obra é a suspensão dos trabalhos, por iniciativa da ré. Já a causa invocada (e suficiente) para suspensão dos trabalhos – ou para não os retomar – é a caducidade (da vigência) da comunicação prévia de execução da obra. As partes não se entendem sobre qual delas recaía a obrigação de garantir a vigência da comunicação ou a alteração ao licenciamento camarário.
Importa aqui distinguir dois planos da obrigatoriedade da existência da licença e, ou, comunicação prévia: um perante a edilidade, de natureza administrativa; outro entre ambas, de natureza civil (jurídico-contratual). Estes dois âmbitos devem ser adequadamente compreendidos, assim como deve ser compreendida a diferença entre o licenciamento para construção e a mera comunicação prévia.
1.1. Ato administrativo habilitador da realização de uma operação urbanística
Dispõe o art.º 4.º, n.º 1, do regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que “(a) realização de operações urbanísticas depende, nos termos e com as exceções constantes da presente secção, de: a) Licença; b) Comunicação prévia”. As operações de loteamento estão (por regra) sujeitas a licença camarária, por força do disposto no art.º 4.º, n.º 2, al. a), proémio, do RJUE. Já as obras de construção em área abrangida por uma operação de loteamento estão sujeitas a comunicação prévia (art.º 4.º, n.º 4, al. d), subal. ii), do RJUE).
Da articulação entre estas nomas decorre que a construção de uma moradia, como ocorre no caso dos autos, deve estar coberta por um licenciamento. No entanto, quando essa construção seja realizada num lote, inscrevendo-se na operação de loteamento, tal licença é a já concedida a esta operação (abrangendo todos os lotes), estando o início dos concretos trabalhos de edificação (em cada lote) apenas dependente de comunicação prévia – “após o pagamento das taxas devidas” (arts. 34.º, n.º 2, e 80.º, n.º 2, do RJUE). O tipo de ato de controlo prévio é imperativo, pois nas operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia o interessado não pode optar pelo licenciamento (art.º 4.º, n.º 6, do RJUE).
Aplicando este regime ao caso dos autos, rapidamente se conclui que a construção da obra adjudicada à ré, em conformidade com o projeto abrangido pela operação de loteamento, apenas estava sujeita a comunicação prévia – loteamento que se encontra identificado, quer no contrato de empreitada, quer no contrato de compra e venda. No entanto, da realização de trabalhos acrescidos poderia resultar a necessidade de um licenciamento autónomo, se estes excedessem o contemplado na operação de loteamento e traduzissem uma obra sujeita a licenciamento.
1.2. Obrigação de realização da comunicação prévia
1.2.1. Legitimidade de atuação perante a Câmara Municipal
É útil começar este capítulo por distinguir a legitimidade para promover o apropriado procedimento de controlo prévio à edificação da obrigatoriedade de a atuação do sujeito âmbito da edificação se encontrar caucionada pela prévia conclusão de tal procedimento – na qualidade relevante em que o agente atua, quer como dono da obra, quer como promotor, quer como diretor de obra, quer como empreiteiro, por exemplo.
Da circunstância de a regularidade da atuação de diversos protagonistas da operação urbanística estar dependente da existência de um controlo prévio apropriado – isto é, de um licenciamento ou de uma comunicação prévia – não se extrai que todos eles têm legitimidade para promover esse controlo perante a autoridade administrativa competente – a câmara municipal. A legitimidade para promover o procedimento administrativo apropriado, mesmo tratando-se da simples comunicação prévia, cabe a quem tem a faculdade (de direito civil) de edificar no imóvel.
Conforme decorre do n.º 1 do art.º 9.º do RJUE, a legitimidade para requerer licenciamento ou efetuar a comunicação prévia cabe ao “titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística”. O mesmo é dizer que, sendo a operação urbanística protagonizada pelas partes no contrato de empreitada, cabe ao dono da obra – substantivamente legitimado para edificar no imóvel, por ser titular de um direito real bastante – requerer o licenciamento ou efetuar a comunicação. Transmitindo-se o título de legitimação substantiva – v.g., transmitindo-se a propriedade –, o novo titular que inicie ou prossiga a edificação, isto é, que se pretenda aproveitar do licenciamento ou da comunicação existentes, assumindo a qualidade de dono da obra, deve obrigatoriamente comunicar ao procedimento administrativo a substituição, para que se proceda ao seu averbamento, no prazo de 15 dias (9.º, n.º 10, do RJUE). Conforme resulta do disposto no n.º 2 do art.º 107.º do RJUE – e já resultaria das normas substantivas de direito civil –, o dono da obra legitimado para o procedimento é o titular de um direito real sobre o imóvel, mas não é forçosamente o proprietário exclusivo – podendo ser o usufrutuário ou o superficiário, por exemplo. Salvo norma especial – cfr., por exemplo, o art.º 85.º do RJUE –, um terceiro – não titular de uma posição real –, não tendo legitimidade para promover a execução de obra em terreno alheio, não tem legitimidade para requerer o seu licenciamento nem efetuar a comunicação prévia.
No que para o caso releva (de comunicação prévia), podemos, ainda, notar que, nos termos do n.º 22, al. a) do anexo II aprovado pelo art.º 2.º da Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril, o comunicante –, isto é o legitimado à comunicação prévia – deve comprovar a qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realização da operação – sempre que tal comprovação não resulte diretamente da descrição e das inscrições registadas na Conservatória do Registo Predial – ou a atribuição dos poderes necessários para agir em representação daquele. O requerimento referido nos factos provados é um esclarecedor exemplo da qualidade que o requerente ou comunicante deve possuir e demonstrar, conforme resulta claro do ponto 16 – requerimento apresentado ao presidente da câmara.
Sobre o dono da obra recaem, por consequência, deveres sucedâneos, como a publicitação da identificação do diretor de obra (art.º 61.º do RJUE), a informação sobre o início dos trabalhos (art.º 80.º-A do RJUE) ou o levantamento do estaleiro (art.º 86.º do RJUE), respondendo, mesmo civilmente, pela insatisfação da obrigação de sujeição a controlo prévio (art.º 100.º-A, n.ºs 3 e 5, do RJUE). Estes deveres respeitantes à relação jurídica nascida com o licenciamento ou comunicação encontram a sua razão de ser na circunstância de ser (dever ser) o dono da obra o requerente ou o comunicante. Isto não significa, como referimos inicialmente, que o empreiteiro também não seja sancionado, se executar a obra sem se assegurar de que o dono da obra possui a necessária licença de construção ou de que efetuou a comunicação prévia. E o facto de poder ser sancionado também não significa que seja ele a entidade legitimada à promoção do procedimento de controlo prévio.
Em suma, ocorrendo substituição na titularidade da posição jurídica legitimadora da edificação, cabe ao substituto comunicar ao procedimento administrativo a alteração, para que se proceda ao seu averbamento, no prazo de 15 dias (9.º, n.º 10, do RJUE), se pretender aproveitar-se do licenciamento ou da comunicação existentes. No caso dos autos, são os autores quem tem legitimidade para promover o averbamento de alteração do titular à comunicação prévia. A atuação da ré, neste âmbito, terá sempre de ocorrer na qualidade de mandatária dos donos da obra.
1.2.2. Obrigação contratual – licenciamento de obras adicionais
A realização de trabalhos não contemplados no contrato de empreitada está prevista na lei, quer civil (arts. 1214.º a 1217.º do Cód. Civil), quer administrativa. Os trabalhos adicionais, quando representem uma inovação relativamente à obra projetada, ficam sujeitos a controlo, nos termos previstos no RJUE, implicando, se corresponderem a uma obra sujeita a controlo prévio, consoante os casos, uma alteração à licença ou comunicação, conforme previsto nos arts. 27.º, 35.º e 83.º do RJUE.
Para além do averbamento da identificação do novo dono da obra, discutem as partes a quem cabe promover o licenciamento das obras adicionais. Parece resultar do n.º 2 da cláusula 2.ª do contrato de empreitada, acima transcrito, que é da “responsabilidade do empreiteiro a obtenção” da licença de construção (imposta pelos trabalhos adicionais sujeitos a licenciamento), necessária para aprovação na vistoria final e emissão da licença de utilização. Mais, o termo empregue – obtenção – parece sugerir que, por absurdo, estamos perante uma obrigação de resultado, comprometendo-se a ré a garantir o licenciamento, qualquer que seja a obra adicional determinada pelos autores. Não é assim.
Dispõe o contrato de empreitada que o dono da obra já obteve “o licenciamento do correspondente Projeto de Arquitetura” – cfr. o n.º 1 da cláusula 1.ª do contrato de empreitada. Mais refere o clausulado contratual que a “empreitada deverá ser pelo EMPREITEIRO executada estreita harmonia e consonância com o previsto e estabelecido no presente contrato, no caderno de cargos, com o projeto de arquitetura, projetos de especialidades, projetos de execução e peças desenhadas e alterações aos projetos”, sendo que estes “projetos, as respetivas alterações e as peças escritas e desenhadas a que se refere o número que antecede, já foram pelo DONO DE OBRA facultadas anteriormente ao EMPREITEIRO” – cfr. a cláusula 8.ª do contrato de empreitada.
Considerando este quadro de estipulações contratuais, pode ser questionado se o sentido da cláusula invocada (o n.º 2 da cláusula 2.ª do contrato) é o referido, isto é, se a ré se vinculou, efetivamente, a atuar perante a edilidade em representação dos autores, com vista à obtenção de licenças de construção. Sendo a declaração negocial emitida num contexto em que o licenciamento da obra adjudicada já havia tido lugar, é legítimo que se questione se a “obtenção” da licença significa tal atuação perante a autoridade administrativa, em nome dos autores ou, diferentemente, a simples entrega por terceiro do alvará já emitido.
Admitindo-se, a benefício da discussão, que a empreiteira se comprometeu, efetivamente, a requerer a licença de construção – não a obter, eventualmente munido de procuração bastante –, tal vinculação diz respeito à concreta obra objeto do contrato de empreitada, e não a toda e qualquer obra futura pretendida pela contraparte. A diferença é notável, se tivermos presente que, no caso, a licença de construção já havia sido emitida na data celebração do contrato de empreitada, bastando ao empreiteiro, para a obter – melhor, para obter o conjunto de documentos formado pela licença de loteamento e pela comunicação prévia –, solicitá-la ao seu requerente ou obter uma segunda via do alvará. Só assim não ocorrerá se o acordo modificativo do contrato de empreitada, no sentido da realização de “obra a mais” sujeita a licenciamento, compreender um novo ou renovado acordo no sentido de caber à empreiteira a obrigação de promover o licenciamento dos novos trabalhos acordados.
Ainda que se aceite que a ré, absurdamente, se comprometeu a obter o licenciamento camarário – e se aceite que esta vinculação abrange uma comunicação –, quando este já existia à data, não podemos deixar de considerar que tal compromisso se dirige à obra e ao projeto objeto da empreitada, e não a obra (nova) não incluída neste. Não vale aqui dizer que o novo acordo negocial que tem por objeto as obras adicionais – também com a natureza de empreitada e constituindo-se como uma mera modificação do contrato anteriormente outorgado –, inscrevendo-se na órbita do contrato inicialmente firmado, comunga de todas as suas estipulações, ressalvados o objeto e o preço – art.º 1214.º e segs. do Cód. Civil. Não temos dados de facto que permitam afirmar, com segurança, uma vontade declarativa que, na verdade, vai para além do inicialmente acordado, no que toca à atividade da ré no contexto do controlo administrativo prévio da edificação.
Podemos presumir, até certo ponto, que as estipulações inicialmente acordadas se aplicam ao acordo modificativo – nos pontos não abrangidos pelas novas declarações negociais –, no silêncio das partes – arts. 217.º, n.º 1, última hipótese, e 349.º do Cód. Civil. No entanto, tal ilação não vale, quando o âmbito da vinculação contratual é absolutamente distinto: não podemos retirar do silêncio que a parte que inicialmente se vinculou à obtenção de uma licença já emitida (ou comunicação prévia já efetuada) pretende subsequentemente também vincular-se à apresentação de requerimentos para obtenção de novo licenciamento (nem à apresentação de nova comunicação prévia).
Quando muito, e no que para o caso dos autos releva, poder-se-á aceitar que tal vinculação abrange as prorrogações do originário licenciamento da concreta construção objeto do contrato – melhor, as prorrogações dos efeitos da comunicação prévia –, mas nunca novo licenciamento respeitante a distinta atividade construtiva. Este parece ser o entendimento da ré refletido nas mensagens de correio eletrónico de 19 de agosto de 2019 e de 18 de novembro de 2019, transcritas na fundamentação de facto.
Recorde-se que as partes acordaram que “Findos os trabalhos que legalmente possam ser executados ao abrigo da referida licença. o EMPREITEIRO só continuará a execução da Empreitada se o DONO DA OBRA assim o determinar por escrito, não podendo o EMPREITEIRO ser responsabilizado pela eventual suspensão dos trabalhos ou de atrasos decorrentes da emissão não atempada da licença de construção e devendo o DONO DA OBRA pagar ao EMPREITEIRO as quantias que este tenha que despender para pagamento de quaisquer eventuais coimas ou multas que lhe sejam aplicadas” – § único do n.º 1 da cláusula 7.ª. Este conteúdo sugere fortemente que o empreiteiro se alheia do processo de obtenção de um novo licenciamento.
De todo o modo, ainda que assim se entenda, para que a ré pudesse atuar no âmbito do procedimento administrativo de comunicação prévia em representação dos autores, teria sempre de estar munida da necessária procuração outorgada pelo dono da obra, interessado naquele procedimento. Isto leva-nos à questão da necessidade de averbamento da identidade do novo dono da obra, para efeitos de satisfação das obrigações contratuais, e de quem tem o dever ou o ónus contratual de o fazer.
1.2.3. Obrigação contratual – averbamento do novo dono da obra
Dispõe o n.º 2 da cláusula 2.ª do contrato de empreitada celebrado entre as partes: “A empreitada ora adjudicada e contratada é do tipo “chave na mão” (…), sendo da responsabilidade do EMPREITEIRO a obtenção das licenças de escavação e contenção periférica, de construção e de utilização”. Deste enunciado contratual resulta, com clareza, que não foi a ré incumbida de proceder a nenhuma alteração da identidade do dono da obra nos procedimentos administrativos promovidos com vista à realização da obra contratada – isto é, ao averbamento do novo dono da obra no procedimento de comunicação prévia.
É certo que o que se discute nos autos não é a obrigação de proceder a este averbamento. Discute-se, sim, a quem cabe a prática do ato necessário (indispensável) ao prosseguimento da obra. E este ato, tal como resulta dos factos provados, é apenas o requerimento de prorrogação da eficácia da comunicação prévia – sem prejuízo de, ulteriormente, vir a ser necessário, forçosamente, realizar tal averbamento, de modo a ser efetuado o licenciamento dos trabalhos adicionais e a poder ser emitida a licença de utilização.
No entanto, admitindo-se a tal se vinculou, a ré só poderia intervir no procedimento administrativo, requerendo a prorrogação da eficácia da comunicação prévia, na qualidade de mandatária do interessado, entidade substantivamente legitimada a edificar e beneficiária do título de controlo prévio – licença ou comunicação. Isto significa, por um lado, que, ainda que resulte do contrato de empreitada um mandato para a ré atuar em nome dos autores, sempre teriam estes de lhe conferir procuração bastante. Por outro lado, não tinha a ré mandato de terceiro – de acordo com os factos provados – para atuar em seu nome com vista à prorrogação dos efeitos da comunicação prévia. Não podia a ré, sem mais, requerer a prorrogação destes efeitos em nome do terceiro que ainda figura beneficiário dos efeitos da comunicação prévia, sob pena de atuar em abuso de representação (ou excesso de mandato).
Em suma, a prévia alteração da identidade do dono da obra e beneficiário da comunicação prévia é um de dois requisitos necessários para que a ré pudesse atuar em nome dos autores no âmbito de um procedimento administrativo, seja de comunicação prévia, seja de licenciamento de obras adicionais – sendo o outro requisito a outorga de procuração bastante.
1.2.4. Conclusão: ónus dos autores
Do raciocínio expendido decorre que podemos aceitar que cabia contratualmente à ré, atuando como mandatária, requerer a prorrogação dos efeitos da comunicação prévia já efetuada –, mas não a obrigação de requerer o licenciamento de novos trabalhos nem de efetuar nova comunicação prévia. No entanto, só poderia cumprir a sua obrigação se os autores, previamente, tivessem promovido o averbamento da alteração da identificação do dono da obra interessado no procedimento administrativo e lhe tivessem outorgado procuração bastante.
Parece resultar da fundamentação de direito da sentença que o tribunal a quo entendeu que a ré requereu uma primeira prorrogação do prazo de eficácia da comunicação prévia – em março de 2019. Tal requerimento inexiste. Quem requereu a prorrogação do prazo inicial foi a TZ, S.A., conforme resulta do ponto 16 – factos provados.
No entanto, mesmo que se imputasse à ré, atuando em claro abuso de representação, a autoria do primeiro requerimento de prorrogação do prazo de eficácia da comunicação prévia, enquanto mandatária (de quem, erradamente, ainda figurava na comunicação como dono da obra) nunca se se poderia extrair deste facto (hipotético) que a apelante poderia repetir tal atuação ilegítima. No mesmo sentido, não podiam os autores, como é evidente, pretender que a ré apresentasse um requerimento em nome do anterior titular, ficcionando que este continua a deter a legitimidade para edificar no prédio e que dele (e não dos autores) a ré recebeu instruções nesse sentido. O que podiam (e deviam) é atualizar a identidade do beneficiário do título do controlo prévio e conferir à ré a necessária (sua) procuração.
2. Sanção contratual compulsória
Consta do leque dos factos provados:
59 – Com data de 23 de dezembro de 2019, os autores, mediante carta registada com aviso de receção, reclamaram da ré o pagamento da pena prevista na cláusula referida na alínea anterior no montante de €68 121,04, conforme documento n.º 38 (referido na petição), junto com a referência 35309532, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
A Obra deveria ter sido totalmente concluída no dia 16.05.2019.
Pelo que, face ao disposto na Cláusula 11.º, n.º 1, a Sociedade Empreiteira está sujeita à
multa contratual diária, corresponde a 0,1% do valor da empreitada.
Neste dia, 23.12.2019, a obra está em atraso o equivalente a 221 dias.
Reza a cláusula 11.º do contrato de empreitada celebrado entre as partes, invocada pelos autores na reclamação da sanção contratual:
11.º
MULTAS, GARANTIAS E RESPONSABILIDADES
N.º 1 – Fica expressamente entendido e acordado entre as partes que o cumprimento dos prazos de execução da empreitada fixados nas cláusulas antecedentes e sem prejuízo das prorrogações estabelecidas no presente contrato, ou na lei, constituem uma condição essencial do presente contrato e que o seu eventual não cumprimento por qualquer causa imputável ao EMPREITEIRO terá como consequência a aplicação de uma multa diária correspondente a 0,1% do valor da empreitada. (…)
Em face de tudo o que já foi dito em torno da satisfação dos deveres e dos ónus das partes, é forçoso concluir que o pressuposto constitutivo do direito invocado pelos donos da obra – mora da empreiteira – não se verificava na data do seu exercício. O mesmo é dizer que não lhes é devida pela ré nenhuma quantia a título de multa contratual.
Deve, pois, proceder, nesta parte, a apelação.
3. Ultrapassagem do prazo de execução da obra de 14 meses
A obra objeto do contrato de empreitada não foi concluída; logo, não foi concluída no prazo de 14 meses inicialmente previsto, contados desde 16 de março de 2018 – cfr. o facto 12 –, conforme imposto pelo n.º 1 da cláusula 7.ª do contrato de empreitada. No entanto, por um lado, as partes acordaram na realização de trabalhos adicionais com um custo de €44 406,34, o que representa cerca de 1/7 do valor da obra inicialmente prevista, de €308 240,00. Por outro lado, os efeitos da comunicação prévia caducaram em 16 setembro de 2019. É da relevância desta factualidade que trataremos de imediato.
3.1. Relevância da realização de trabalhos adicionais
Reza o n.º 4 da cláusula 7.ª do contrato de empreitada que “O DONO DE OBRA e o EMPREITEIRO deverão acordar numa prorrogação do prazo de execução da empreitada na eventualidade de se executarem os trabalhos a mais previstos no N.º 2 da Cláusula 5.ª”. Esta disposição não se mostra afastada por escrito ulterior, forma imposta pelo disposto na cláusula 15.ª do mesmo contrato.
A ré declarou executar os trabalhos adicionais – referidos no ponto 13 – no prazo inicialmente acordado para a empreitada, no pressuposto de estarem definidos pelos autores e, depois de recebidos em obra os novos materiais a incorporar, poderem ser executados na fase da obra apropriada à sua realização. No entanto, conforme já se sublinhou na motivação da convicção que sustentou a alteração da decisão de facto, já perto do termo do prazo de 14 meses (e mesmo após), ainda estavam as partes a discutir preços e fornecimentos respeitantes aos trabalhos adicionais. Também por esta razão, apenas em outubro de 2019 foi feito o planeamento final da obra pela ré, ainda sem a calendarização final.
Em face do exposto, não podemos acompanhar o tribunal a quo, quando na sentença apelada sustenta que a ré “não cumpriu o prazo estipulado para a realização da obra; os 14 meses acordados para a realização da obra contados após o início dos trabalhos esgotara-se em 16/05/2019, vários meses antes de ter caducado a comunicação prévia”. É seguro que este prazo não foi observado, mas dos factos provados resulta que a sua ultrapassagem não pode ser atribuída, sem mais, a uma atuação culposa da ré.
3.2. Relevância da caducidade dos efeitos da comunicação prévia
A ultrapassagem do prazo de execução, fixado nos termos previstos no art.º 58.º, n.ºs 1 e 2, do RJUE, determina a caducidade do título de controlo prévio. Nos termos do art.º 71.º, n.º 3, al. d), do RJUE, e em especial, “(…) a comunicação prévia para a realização das operações urbanísticas referidas no número anterior (v.g., as previstas no n.º 2 e no n.º 4 do artigo 4.º), (…) caducam (…) (d) Se as obras não forem concluídas no prazo fixado na (…) comunicação prévia, ou suas prorrogações, contado a partir da data (…) do pagamento das taxas (…)”
No entanto, o prazo para a conclusão da obra pode ser alterado ou prorrogado, nos termos previstos no n.º 4 e segs. do art.º 58.º do RJUE, dando lugar a mero averbamento à licença ou à comunicação, conforme o caso. Cabe ao interessado no procedimento, isto é, ao seu requerente pedir a prorrogação do prazo – diretamente ou por meio de mandatário munido de procuração bastante. Após ocorrer a caducidade da licença ou da comunicação prévia, o seu titular pode requerer nova licença ou efetuar nova comunicação, nos termos previstos no art.º 72.º do RJUE.
Após o decurso do prazo de execução da obra inicialmente previsto – terminado em 16 de maio de 2019 –, os trabalhos prosseguiram – com uma interrupção relevante entre 3 de julho e 28 de agosto de 2019 –, vindo a ser definitivamente suspensos em 16 de setembro de 2019, por força da caducidade da comunicação prévia. Concluímos acima caber aos autores a prática do ato prévio necessário ao licenciamento da nova obra ou, antes deste, à prorrogação dos efeitos da comunicação prévia – referimo-nos ao requerimento do averbamento da alteração da identificação do dono da obra. Desta conclusão retira-se que a suspensão decorrente da caducidade da comunicação prévia não é imputável à ré, enquanto tal ato prévio não foi praticado.
Recorde-se que o n.º 5 da cláusula 7.ª do contrato de empreitada estabelece que, “(s)empre que ocorra suspensão dos trabalhos não imputável ao EMPREITEIRO, considerar-se-ão automaticamente prorrogados por igual período ao da suspensão, os prazos do contrato ou quaisquer outros acordados. Isto significa que não pode ser imputada à ré, a título de mora, a suspensão dos trabalhos após 16 de setembro de 2019.
No entanto, uma precisão deve ser feita. Em 19 de agosto de 2019, a ré informou os autores que “será efetuado novo pedido de prorrogação para mais 6 meses”, conforme consta do ponto 31 – factos provados. Podiam, pois, os autores legitimamente contar que, até 16 de setembro de 2019, a contraparte promoveria a prorrogação da eficácia da comunicação prévia, sem ser necessária nenhuma atividade por parte dos donos da obra. Só é certo que a posição atual da empreiteira tenha ficado clara para os apelados em 15 de novembro de 2019. Isto significa que, durante dois meses, a obra esteve parada, por caducidade da comunicação prévia, com culpa da ré, em resultado de um equívoco pela mesma criado.
Não pode a ré recusar a sua responsabilidade por este atraso de dois meses, sob pena de atuar em manifesto venire contra factum proprium. Tal atraso não equivale a incumprimento definitivo, pelo que não pode, por si só, fundar a resolução operada pelos autores, mas pode, como veremos, constituir a empreiteira em responsabilidade civil contratual.
4. Declaração de resolução infundada
Os factos provados revelam-nos que o incumprimento inicial, essencial e causal da ré, isto é, a insatisfação da obrigação de requerer a prorrogação dos efeitos da comunicação prévia, não é culposo. A ré estava impossibilitada de desenvolver esta atividade, por não terem os autores promovido o averbamento da alteração da identidade do dono da obra nem terem conferido a necessária procuração, como lhes competia. Isto significa que os credores, até meados de março de 2020, estavam em mora, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 813.º, segunda hipótese, do Cód. Civil.
O direito de resolução é um “direito potestativo extintivo dependente de um fundamento” − cfr. João Baptista Machado, «Pressupostos da resolução por incumprimento», in Obra Dispersa, Vol. 1, Braga, Scientia Iurídica, 1991, p. 130. Considerando os factos provados, é patente que não consta do enunciado contratual um fundamento (cláusula resolutiva expressa) para a concreta resolução contratual operada pelos autores. Também não resulta dos factos provados qualquer circunstância da qual a lei faça nascer o direito potestativo de resolução pelos autores, em especial, o incumprimento culposo definitivo do contrato por parte da ré (art.º 801.º, n.º 2, do Cód. Civil).
Com efeito, não resulta dos factos provados que os autores tenham perdido o interesse na plena execução do contrato de empreitada nem que tenham dirigido à ré qualquer interpelação admonitória fundada num incumprimento culposo desta efetivamente existente (art.º 808.º, n.º 1, do Cód. Civil). Recorde-se que só se estará perante um incumprimento definitivo, a dispensar qualquer interpelação admonitória, se a parte não inadimplente “perder entretanto o interesse que tinha no cumprimento da obrigação, devendo tal perda de interesse, como se sabe e o n.º 2 do artigo 808.º determina, ser apreciada objetivamente, isto é, não pode consubstanciar-se numa mera alegação infundada de desinteresse ou ser contraditória com comportamentos seus reveladores de subsistência de interesse no cumprimento” – Ana Prata, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 716.
É certo que, na mensagem de correio eletrónico de 13 de março de 2020 (doc. 41, ref. 35309691), remetida pelas 14 horas e 6 minutos, o autor declara que requereu o “averbamento (…) diretamente na Câmara Municipal”, em “substituição” da ré, e que concede “24,00 horas úteis, para que deem início, sem mais demoras, à regularização da licença de construção, remetendo-nos os elementos que carecem da nossa assinatura, pela via mais expedita que entenderem”, conforme se pode ver no ponto 50 – factos provados. No entanto, esta fixação de um prazo admonitório é grosseiramente violadora da boa-fé contratual.
Por um lado, tal fixação de prazo só tem cabimento após ter sido averbada a identidade dos novos donos da obra e disso ter a ré conhecimento. Ora, não é certo que os autores tenham, efetivamente, requerido este averbamento nem que o mesmo tenha sido deferido e realizado. Por outro lado, não só o prazo de 24 horas é manifestamente curto, como o dia 13 de março de 2020 calhou a uma sexta-feira, surgindo a declaração de resolução dos autores na segunda feira seguinte (16 de março de 2020).
Não se verificando os pressupostos do direito de resolução, não nasceu na esfera jurídica dos autores o direito potestativo de resolução. A declaração de resolução por estes emitida não tem o efeito extintivo pelos mesmos concretamente pretendido; o que não quer dizer que, como veremos, não tenha relevo jurídico – não desconhecemos, no entanto, qualificada jurisprudência (que não acompanhamos) que sustenta, diferentemente, que a declaração resolutória ilícita produz os efeitos pretendidos; cfr. o Ac. do STJ de 10-01-2012 (25/09TBVCT.G1.S1).
5. Extinção consensual da relação contratual
Se a declaração resolutória infundada não tem os efeitos pretendidos pelos declarantes – por não terem eles o direito potestativo de resolução −, não deixa ela de revelar séria, clara e univocamente a intenção definitiva dos autores de não cumprirem o contrato. Esta recusa categórica de cumprimento é eloquentemente evidenciada pelo teor das mensagens trocadas sobre o dever de comunicação da alteração da identidade do dono da obra.
A recusa categórica de cumprimento constitui uma modalidade de incumprimento definitivo da obrigação, dispensando o credor de realizar a interpelação admonitória (art.º 808.º do CC), em ordem a converter a mora em incumprimento definitivo – cfr. o Ac. do STJ de 22-06-2010 (6134/05.8TBSTS.P1.S), bem como José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, págs. 256 e segs., e A Resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 121.
Como explica Joana Farrajota, na esteira de Fragali, sendo a relação obrigacional “uma realidade de flui para o cumprimento”, o comportamento do devedor que contradiz este movimento “retira força à relação, minando-a, de forma mais ou menos acentuada, consoante o caso. // Tal é o que sucede no caso de recusa antecipada de cumprimento, em geral, e da resolução infundada, em particular. Trata-se aqui de uma conduta que, na medida em que é claramente contrária àquele fluxo, àquela que deve ser a vontade do devedor ao longo da relação obrigacional, i.e., uma vontade tendente ao cumprimento, atinge de forma grave um elemento crucial da relação obrigacional, podendo mesmo conduzir à extinção do interesse que lhe deu origem. // Face à gravidade do comportamento, surge-nos a disponibilização ao credor das faculdades previstas na lei para o incumprimento, como um meio necessário para assegurar uma tutela adequada e eficiente dos interesses daquele, em particular, e do comércio jurídico, em geral” − cfr. Joana Farrajota, A Resolução do Contrato sem Fundamento, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 251 e 252.
Do exposto se extrai que os autores incumpriram definitivamente o contrato de empreitada discutido nestes autos, por se terem recusado perentoriamente a cumprir. No entanto, não resulta dos factos provados que, com este fundamento, a ré tenha, por seu turno, declarado resolvido o contrato.
A apelante entende que a postura dos autores deve ser interpretada como uma desistência (art.º 1229.º do Cód. Civil). Esta leitura da atitude dos apelados assenta numa pura ficção, sem nenhuma adesão à realidade. Inexiste base legal (ou mesmo regra da experiência) que, perante um incumprimento definitivo do dono da obra, permita ficcionar uma vontade de desistência da empreitada, com aceitação do requisito de eficácia extintiva previsto no referido art.º 1229.º do Cód. Civil – liquidação de uma indemnização, designadamente, medida pelo interesse contratual positivo. Os autores não deram nenhuma instrução à ré para interromper ou não concluir os trabalhos (desistência expressa), não impediram o seu acesso à obra nem contrataram terceiro para a concluir (desistência tácita). Não se pode, pois, concluir que os autores pretenderam, unilateralmente – gozando de uma exceção à regra pacta sunt servanda –, de modo discricionário e com eficácia ex nunc, desistir da conclusão da obra pela ré.
O que não é uma ficção e tem plena adesão às declarações das partes é a constatação de que ambas aceitam e pretendem a extinção da relação contratual que as uniu. Apenas as separa o fundamento e, consequentemente, os direitos emergentes desta extinção. Havendo convergência de vontades na cessação do vínculo contratual, deve ser reconhecida eficácia extintiva às declarações das partes, e não as constranger à manutenção de um “casamento foçado”.
Em suma, o contrato de empreitada deve ter-se por extinto, por força da vontade concordante das partes nesse sentido (art.º 406.º, n.º 1, do Cód. Civil) – o que determina a revogação da decisão contida na subalínea ii) da al. a) do dispositivo da sentença apelada, procedendo, nesta parte, o recurso sob apreciação.
6. Posições jurídicas emergentes da relação de liquidação
6.1. Direitos da ré sobre os autores
6.1.1. Pagamento do preço
Encontra-se provado que, em 11 de dezembro de 2019, existia um saldo de trabalhos realizados a favor da ré no montante de €10.422,98, conforme consta do ponto 28 – factos provados. Relativamente aos trabalhos em questão, a ré já havia faturado os correspondentes ao valor de €8313,24, mais IVA. Os autores não satisfizeram esta sua obrigação (arts. 406.º, n.º 1, e 1207.º do Cód. Civil) e ensaiaram uma compensação o seu putativo crédito à liquidação de uma sanção pecuniária compulsória convencional – inexistente, como veremos.
Este direito da ré/reconvinte – bem como os juros moratórios reclamados – já foi reconhecido pelo tribunal a quo, não tendo a sentença sido impugnada nesta parte. É, pois, res iudicata (art.º 635.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil).
6.1.2. Indemnizações devidas à ré
Pretende ainda a apelante (ré/reconvinte) que os apelados (autores/reconvindos) sejam condenados a pagar‑lhe:
b) €20.664,00, respeitante aos custos suportados com a segurança e vigilância da obra. A estes valores acrescerão os custos que a ré continue a suportar enquanto se mantiver o exercício do direito de retenção sobre a obra;
c) €84.682,51, referente aos custos suportados pela ré com os trabalhos reportados ao términus do contrato de empreitada; e
d) €6.150,00, referente ao custo suportado pela ré/reconvinte com a execução do projeto de licenciamento, arquitetura e especialidades;
Todavia, olhando o conteúdo da fundamentação de facto, constata-se que não resultaram provados factos que sustentem estes pedidos. Não pode a apelação deixar de improceder, nesta parte.
6.2. Direito de retenção
Extinto o contrato de empreitada, na satisfação da vontade convergente das partes, a ré não entregou aos autores a obra, no estado em que se encontrava à data. Justificou a sua atitude com o exercício do direito de retenção (art.º 754.º do Cód. Civil): “(o) devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
É hoje pacífica a jurisprudência que reconhece ao empreiteiro este direito real de garantia, para satisfação do preço devido pela obra executada – cfr., por todos, o Ac. do TRG de 30-11-2017 (1829/16.3T8BRG.G1). No caso dos autos, é incontroversa a reunião dos pressupostos legais que caucionam a retenção da obra, para garantia do crédito da ré acima reconhecido.
Em conclusão, assiste à ré o direito de reter a obra (e seu logradouro) até que os autores liquidem o preço referido no capítulo 6.1.1 (parte B.D) deste aresto. Uma vez satisfeita esta obrigação, deverá a ré entregar a obra aos autores no estado em que se encontra, isenta de defeitos (na parte executada).
6.3. Direitos dos autores sobre a ré
6.3.1. Reclamação de penas convencionais compulsórias
O dispositivo da sentença apelada começa por decretar a condenação da ré “a pagar aos autores o valor de €76.410,70, a título de multas contratuais que lhe foram aplicadas nas circunstâncias supra referidas, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva”.
Resulta do raciocínio expendido no capítulo 2 (parte B.D) deste aresto que não devidas quaisquer multas contratuais aos apelados. Procede, nesta parte, a apelação.
6.3.2. Entrega da obra no estado em que se encontra
Foi a ré condenada a “devolver a obra aos autores”. Não está aqui em causa o cumprimento da obrigação contratual de entrega da obra para verificação e aceitação, prevista no art.º 1218.º do Cód. Civil. A pretensão dos autores tem uma sustentação real (arts. 1212.º, n.º 2, e 1311.º, n.º 1, do Cód. Civil).
A relação contratual extinguiu-se, por acordo – sem integral cumprimento do contrato –, o que significa que a ré passou a deter coisa alheia. Na falta de título bastante que justifique a sua conduta, é ela ilegítima (art.º 1311.º, n.º 2, do Cód. Civil).
No entanto, como já vimos, a ré tem título bastante para a detenção – o direito de retenção analisado no capítulo 6.2 (parte B.D). Isto significa, repisa-se, que a ré deve entregar a obra aos autores no estado em que se encontra, isenta de defeitos (na parte executada), mas apenas está obrigada a fazê-lo depois de estes liquidarem o preço referido no capítulo 6.1.1 (parte B.D) deste aresto. Procede, pois, com estes contornos, a apelação, nesta parte.
6.3.3. Fixação de uma sanção pecuniária compulsória
Na subalínea iv) da al. a) do dispositivo da sentença apelada, o tribunal a quo condenou a ré a “pagar aos autores a quantia de 1.000,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento do dever de proceder à devolução da obra aos autores, a contar do trânsito em julgado da decisão”. Resulta da fundamentação desenvolvida no ponto anterior que, enquanto subsistir o direito de retenção da ré, este pedido não pode proceder. Podemos, todavia, ir mais longe e afirmar que, em momento algum, ele tem cabimento – mesmo após o pagamento do preço e ocorrendo mora na obrigação de restituição.
Na fundamentação desta decisão, pode ler-se na sentença impugnada:
Nos termos do art.º 829.º-A, n.º 1, do C. Civil “nas obrigações de facto infungível, positivo ou negativo, salvo naquelas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”. // Tal sanção será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar, destinando-se o seu montante em partes iguais ao credor e ao Estado – n.ºs 2 e 3 do citado art.º 829.º-A do CPC.
Na determinação desta deve ter-se em conta as possibilidades económicas do devedor, sem perder de vista o valor do interesse do credor na prestação em dívida. // Dos autos não resulta qual a situação económica dos autor e da ré, mas considerando que a dita sanção não se destina a indemnizar o credor mas a vencer a resistência de um devedor relapso, entende-se adequado fixá-la em 1.000,00 euros por cada dia de incumprimento pela ré, mas apenas a contar do trânsito em julgado da sentença.
A sentença recorrida incorre aqui num claro erro de subsunção jurídica. A obrigação de entrega da obra (e do seu logradouro), isto é, de restituição do lote aos autores, não é uma obrigação de facto infungível. Ela pode ser realizada por terceiro, que investirá os autores na posse, como é frequentíssimo ocorrer no processo executivo.
O regime previsto no art.º 829.º-A do Cód. Civil encontra a sua razão de ser na insuficiência e inaplicabilidade às obrigações de facto infungível das normas que o antecedem na mesma subseção do código – dedicada à execução específica. Neste contexto legal, à entrega de coisa imóvel é aplicável o mecanismo executivo previsto no art.º 827.º do Cód. Civil, e não a sanção pecuniária compulsória.
Em suma, procede nesta parte, sem ressalvas, a apelação.
6.3.4. Despesas com o arrendamento de uma habitação alternativa
Na subalínea v) da al. a) do dispositivo da sentença apelada, o tribunal a quo condenou a ré a “pagar aos autores €16.500,00, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento de rendas com a habitação em substituição do imóvel objeto do contrato de empreitada em causa na presente ação, desde 16.05.2019 até hoje, e rendas vincendas, à razão mensal que se verificar em cada momento, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores”.
Na fundamentação desta decisão, depois de se tecerem algumas considerações gerais sobre o interesse tutelado com a indemnização devida, pode ler-se na sentença impugnada:
Do que se deixa dito resulta que a indemnização peticionada, em todas as suas vertentes é admissível (…).
Os autores lograram provar o valor das rendas e o seu pagamento, (…) e ainda que o pagamento destes valores continuará sem contrapartida até que a obra lhes seja devolvida e executados os necessários trabalhos de construção para que o imóvel reúna as condições para a sua utilização para fins habitacionais.
Começamos por notar que esta indemnização diz respeito aos danos emergentes do incumprimento da obrigação de “entrega do imóvel aos autores”. Ora, só tendo a ré tal obrigação após a satisfação do preço cujo pagamento se encontra em falta, como vimos, só a partir de então terá a sua condenação em tal indemnização cabimento.
Recuperando aqui o que se disse em torno da nulidade da sentença – ponto 4 (parte B.B) –, o segmento condenatório deve cingir-se ao seguinte conteúdo: condenação da ré no pagamento aos autores, a título de indemnização, do valor das rendas efetivamente pagas com a habitação substitutiva, até ao limite mensal de €1.500,00, desde a liquidação do preço referido no capítulo 6.1.1 (parte B.D) deste aresto, até à entrega da obra no estado em que se encontra.
Acresce que, como vimos acima que, entre 16 de setembro e 15 de novembro de 2019, a obra esteve parada, por caducidade da comunicação prévia, com culpa da ré. A ré é responsável pelos danos causados aos autores com este atraso (arts. 798.º e 894.º do Cód. Civil), o que significa que lhe pode ser imputado o dano correspondente a dois meses de renda paga pela habitação substitutiva.
6.3.5. Amortização do empréstimo contraído para financiamento da obra
Na subalínea vi) da al. a) do dispositivo da sentença apelada, o tribunal a quo condenou a ré a “pagar aos autores €4 171,53, a título de indemnização por danos emergentes de natureza patrimonial, sofridos pelos autores com o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído ao BM, sem a contrapartida da utilização do prédio como sua habitação própria e permanente, até hoje, e prestações mensais vincendas, a liquidar até à entrega do imóvel aos autores”.
Na fundamentação desta decisão, pode ler-se na sentença impugnada:
Os autores lograram provar (…) o pagamento das prestações devidas pelo empréstimo contraído junto do BM e ainda que o pagamento destes valores continuará sem contrapartida até que a obra lhes seja devolvida e executados os necessários trabalhos de construção para que o imóvel reúna as condições para a sua utilização para fins habitacionais.
Não é correto dizer-se que que o pagamento das prestações do mútuo contraído para aquisição do imóvel – já ocorrida – e para pagamento da obra – já parcialmente executada – “continuará sem contrapartida”. A contrapartida destas prestações está na inicial disponibilização do capital mutuado, pela instituição de crédito. É este o sinalagma relevante.
A conduta da ré em nada agravou as responsabilidades bancárias dos autores, sendo eles devedores da instituição de crédito, nos termos contratuais estabelecidos, seja qual for a conduta adotada pela apelante. A esfera jurídico-patrimonial dos apelados não ficou privada de nenhum crédito e nela não ingressou nenhum débito, no que ao mútuo diz respeito, por força da conduta da ré.
Ressoa na posição sustentada pelo tribunal a quo a ideia de compensação pela privação do uso (esperado) – seria este uso o ativo agredido pela ré. No entanto, ainda que se acolha esta linha de raciocínio, devemos constatar que a privação do espaço residencial é compensada com a disponibilização de um espaço residencial alternativo. Ora, como vimos, a ré já será condenada, na medida em que o deve ser, na prestação aos autores do custo do arrendamento deste espaço alternativo.
Em suma, também nesta parte procede a apelação, sem ressalvas.
6.3.6. Agravamento do preço dos trabalhos para conclusão da obra
Na subalínea vii) da al. a) do dispositivo da sentença apelada, o tribunal a quo condenou a ré a “pagar aos autores a diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, que nesta data se prevê corresponder ao valor de €106.663,09 (com IVA), sem prejuízo de eventuais alterações supervenientes, em razão do tempo de incumprimento do dever de devolver a obra aos autores, e no mais se absolvendo a ré”.
Na fundamentação desta decisão, pode ler-se na sentença impugnada:
Do que se deixa dito resulta que a indemnização peticionada, em todas as suas vertentes é admissível – veja-se sobretudo quanto ao peticionado pagamento da diferença entre o preço que se venha a apurar para a adjudicação dos trabalhos para a conclusão da empreitada e o valor dos trabalhos não executados e não pagos em razão do incumprimento da ré, o entendimento sufragado no já referido Ac. do STJ de 28-11-2013, admitindo claramente que a indemnização a este titulo é admissível. (…)
Quanto ao valor a despender para concluir as obras: também este se apurou e não se afigura desconforme aos trabalhos a realizar.
Este segmento decisório decorre do entendimento, já afastado, de que a ré incumpriu, culposa e definitivamente, o contrato de empreitada, ancorando-se no disposto no art.º 798.º do Cód. Civil: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Ora, resulta claramente da análise do comportamento das partes acima desenvolvida que a não conclusão da obra, com a consequente insatisfação do fim do contrato, não procede de incumprimento definitivo imputável à ré. Por assim ser, não pode ser mantida a decisão recorrida, neste ponto, devendo a apelação ser julgada procedente.
7. Responsabilidade pelas custas
A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art.º 25.º do Reg. Cus. Proc.).
A responsabilidade pelas custas (da ação, da reconvenção e da apelação) cabe a ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento – tendo oferecido contra-alegação (art.º 527.º do Cód. Proc. Civil).
C. Dispositivo
C.A. Do mérito do recurso
Em face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente nula a sentença proferida pelo tribunal a quo, pelo que respeita ao decidido na subalínea v) da al. a) do dispositivo.
Na parcial procedência da apelação, em substituição ao tribunal recorrido na parte da sentença julgada nula, acorda-se em alterar a al. a) do dispositivo da decisão recorrida, decidindo-se:
a) julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
i) condenar a ré a restituir aos autores o prédio identificado no ponto 2 – fundamentação de facto –, com a obra executada pela demandada nele implantada, no estado de execução existente em 17 de março de 2019, isenta de defeitos (na parte executada), sem prejuízo do decidido na subalínea ii) seguinte;
ii) julgar justificada a retenção pela ré do prédio identificado no ponto 2 – fundamentação de facto –, até ao momento do pagamento pelos demandantes do preço referido na al. b) do dispositivo da sentença;
iii) condenar a ré no pagamento aos autores, a título de indemnização, do valor das rendas efetivamente pagas pelo arrendamento do imóvel onde habitam, até ao limite mensal de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), desde a data do pagamento do preço referido na al. b) do dispositivo da sentença recorrida, até à entrega do prédio determinada na subalínea i) da alínea a) deste dispositivo;
iv) condenar a ré no pagamento aos autores, a título de indemnização, da quantia de €3.000,00 (três mil euros), por rendas pagas entre 16 de setembro e 15 de novembro de 2019;
v) absolver a ré do restante pedido pelos autores;
No mais, não compreendido na al. a) do dispositivo da decisão recorrida, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a sentença apelada.
C.B. Das custas
Custas da ação, da reconvenção e da apelação a cargo das partes, na proporção do decaimento.
*
Notifique.

Lisboa 5/3/2024
Paulo Ramos de Faria
Alexandra de Castro Rocha
Luís Filipe Pires de Sousa