Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
694/1999.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: PRÉDIO CONFINANTE
OBRAS
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO DA A. E PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DA R.
Sumário: 1. A responsabilidade da proprietária do terreno por danos resultantes de escavações, fundada nos termos do art. 1348.º do C. Civil, só é excluída por culpa do lesado se apenas o lesado tiver dado causa aos danos. Já não é excluída quando, designadamente, os danos também sejam imputáveis a culpa da empreiteira, ou da própria proprietária do prédio onde foram realizadas as escavações.

2. Julga-se ser pacífico o entendimento de que o autor das obras a que se refere o n.º 2 do art. 1348.º do C. Civil é o respectivo dono e não o seu autor material. Designadamente no caso de obras realizadas mediante contrato de empreitada, o autor das obras para efeitos deste preceito legal é o dono da obra e não o empreiteiro. E, estando em causa o reconhecimento de responsabilidade civil extracontratual, era à parte lesada que incumbia fazer prova da culpa da empreiteira, que não se presume, diversamente do que sucede na relação contratual entre a empreiteira e a dona da obra.

3. Tendo decidido demolir todo o edifício do ..., incluindo a parte danificada, a autora sempre suportaria as respectivas despesas de demolição, posto que não foi alegado que essas despesas tivessem sido agravadas pelas anomalias existentes, resultantes das escavações.

4. E tendo dado um destino diferente ao seu prédio, a autora não suportou, nem vai suportar, qualquer custo com a reconstrução das partes danificadas, que não vai ser feita, não se vendo como é que esse custo, meramente hipotético, poderia ser identificado como um dano e conferir direito a indemnização.

5. Devendo concluir-se que a matéria de facto fixada a este propósito não permite determinar uma diferença entre a situação patrimonial real da autora na data de encerramento da discussão, e aquela em que a mesma estaria na mesma data, se não tivessem ocorrido as escavações. Ou seja, não permite fixar qualquer medida de indemnização.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes neste Tribunal da Relação de Lisboa

A, identificada nos autos, intentou contra B, com escritórios em Lisboa, e contra C, com sede em Sintra, a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, tendo formulado os seguintes pedidos:

a)           Deve a ré B ser condenada a demolir as obras que levou a efeito no seu terreno e que são causadoras dos danos sofridos pela A. e a repor os terrenos escavados no estado de segurança em que se encontravam antes do início das suas obras e,

b) Ser condenada ainda ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a fixar pelo Tribunal, mas nunca inferior a Esc.: 500.000$00 (quinhentos mil escudos), por cada dia de atraso no cumprimento da prestação de facto a que for condenada;

c)Devem ambas as RR. ser condenadas solidariamente a pagar à A. a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causaram, e que acima se descrevem, podendo desde já liquidar-se os seguintes, sem prejuízo do aumento do valor ora liquidado em virtude do decurso do tempo e/ou do aumento dos prejuízos:

c1) Demolição, reconstrução e reparação das zonas afectadas do ... melhor descritas no Doc. 4, junto:

Esc.: 403.000.000$00 (quatrocentos e três milhões de escudos), acrescidos de IVA no valor de Esc.: 68.510.000$00 (sessenta e oito milhões quinhentos e dez mil escudos);

c2) Desmontagem e transporte das máquinas da lavandaria: Esc.: 768.890$00 (setecentos e sessenta e oito mil oitocentos e noventa escudos);

c3) Danos não patrimoniais: Esc.: 25.000.000$00 (vinte e cinco milhões de escudos);

Ou seja, o total de Esc.: 497.278.890$00 (quatrocentos e noventa e sete milhões duzentos e setenta e oito mil oitocentos e noventa escudos);

d) Devem ainda ambas as RR. ser condenadas solidariamente no pagamento de juros moratórios, à taxa legal supletiva que vigorar, sobre a parte da indemnização que ora se liquida, desde a citação até à data do efectivo pagamento" (cfr. fls. 18).

Para tanto, alegou, em síntese:

É dona do prédio urbano designado e conhecido como ..., sito no concelho de (….).

O referido imóvel é composto por cave, rés-do-chão e dezanove pisos, destinando-se a ... e como tal sendo explorado;

E confronta, a nascente, com um terreno destinado a construção, propriedade da 1.ª ré;

Desde há cerca de um ano (a acção foi proposta a 09-12-1999) a ré vinha procedendo a trabalhos de construção neste seu terreno, com vista à edificação de um prédio urbano, destinado a um ...;

Tendo dado à 2.ª ré, C, a execução dos projectos e trabalhos de contenção periférica dos terrenos do seu prédio, entre os quais os que confinam com o edifício da A.;

No âmbito dos trabalhos que a 1.ª ré levou a efeito, procedeu esta a escavações muito profundas no terreno, atingindo profundidade superior a trinta metros. E, em relação ao edifício da autora, as escavações ultrapassaram, em algumas zonas, mais de vinte metros abaixo do nível das respectivas fundações;

Em consequência directa e necessária das referidas escavações, os terrenos sobre os quais assentava o edifício da A. cederam, e começaram a fazer-se sentir graves anomalias em áreas desse edifício confinantes com o prédio da 1.ª ré, consistentes na movimentação de todo o corpo nascente do ..., em relação aos restantes corpos do edifício, na abertura de juntas, fissuras e fendas nas paredes, tectos e pavimento, na quebra de vidros, pilares e vigas estruturantes, na queda de partes de betão provenientes dos tectos e dos pilares, no desnivelamento de soalhos na ordem de vários centímetros;

Anteriormente ao início das escavações no prédio vizinho, o edifício da A. estava em inteiras condições de segurança e conservação;

Não obstante os avisos da A. à 1.ª Ré, esta continuou com a obra, designadamente com as aludidas escavações, perante o que a A. se viu obrigada a requerer providência cautelar do embargo de obra nova, a qual foi decretada por sentença de 10 de Novembro de 1999;

Entretanto as anomalias agravaram-se, a ponto de aquele corpo do ... ter ficado sob sério risco de desmoronamento;

Com pilares de sustentação seriamente afectados, o que obrigou à colocação de escoras metálicas para substituição, as quais também cederam por mais de uma vez;

Apareceram novas fendas e fissuras e ocorreram aluimentos na área afectada. E as já existentes alargaram-se, cabendo em muitas delas o punho fechado de um homem adulto.

Por essas aberturas infiltravam-se humidade e água das chuvas, motivando inundações;

A área afectada abrangia os pisos 10, 11 e 12, anteriormente ocupados pela lavandaria, grill e serviços de apoio, escritórios, posto médico, economato, armazéns, balneário de pessoal e outros serviços de apoio, e toda a altura do edifício, desde o 2° piso de quartos e áreas anexas, na zona compreendida entre a extrema nascente do prédio e a 2ª junta de dilatação, numa área total de cerca de 2.500 m2;

Face às referidas anomalias e ao perigo iminente para a vida, não só de trabalhadores, como também de clientes do ..., a sociedade exploradora do ..., com a concordância da A. e da l.ª ré, encerrou a lavandaria do ... em 14 de Junho de 1999;

Retirando do ... toda a maquinaria pesada e procedendo à sua desmontagem, transporte e guarda por empresa especializada, face à inexistência de meios e locais, no ..., onde pudesse ser armazenada;

Pelo mesmo motivo, o grill do ... foi mandado encerrar, numa parte correspondente a cerca de metade da sua área total, a partir de 24 de Junho de 1999, e na totalidade no dia 30 de Outubro de 1999;

E também foram encerrados oito quartos;

E, no dia 15 de Agosto de 1999, o posto médico foi instalado numa "suite" do ..., face à inexistência de outras instalações disponíveis e adequadas;

Estes danos resultaram de culpa das RR. na execução dos trabalhos, já que aquelas, ou não procederam aos estudos necessários e adequados a prever e evitar a situação ocorrida, ou, se os realizaram, os mesmos resultaram errados e inadequados; utilizaram processos inadequados nos trabalhos de perfuração e escavação; e a 1.ª ré foi informada, por diversas vezes, dos danos, tendo persistido em continuar a obra.

A reposição do edifício no estado em que o mesmo se encontrava antes das obras executadas pelas rés implicava a demolição de uma vasta zona e a sua reconstrução posterior, para além de intervenções pontuais noutras zonas anexas, conforme doc. n.º 4.

O custo dessa reposição ainda não podia ser determinado com precisão, até porque ainda não se tinha verificado a estabilização das anomalias, mas não seria inferior a Esc. 403.000.000$00;

Com a desmontagem e transporte das máquinas da lavandaria a autora pagou Esc. 768.890$00;

A notícia da situação de quase ruína de parte do ... espalhou-se rapidamente e foi ampliada de modo a abranger todo o ...;

Obrigando os dirigentes e quadros da autora aos maiores incómodos e situações embaraçantes, e afectando sobremaneira o bom-nome e o prestígio da autora.

Danos que ainda não terminaram, e cuja liquidação a autora relega para ulterior liquidação, indicando provisoriamente o valor de Esc. 25.000.000$00.

As rés são responsáveis nos termos do art. 483.º ss. do C. Civil. E sempre seriam obrigadas a indemnizar a autora pelos prejuízos causados, nos termos do art. 1348.º do C. Civil, obrigação que não depende de culpa do agente.

A ré B apresentou contestação, opondo em síntese:

A solução construtiva executada em obra é a mais adequada, atentas as características do local das escavações e da sua envolvente.

Na execução das escavações foram utilizadas as mais modernas técnicas construtivas, foram respeitadas todas as normas e regulamentos em vigor, e foram cumpridas todas as instruções e determinações da CMC.

Os trabalhos executados pela C provocaram apenas fissuração em algumas zonas do Anexo Nascente do .... Esses danos não implicavam quaisquer trabalhos de consolidação ou reforço da estrutura e foram logo reparados pela ré.

O Anexo Nascente do ... nunca foi licenciado pela CMC e demais entidades competentes;

No decurso dos trabalhos de escavação foi verificado que as fundações desse Anexo estavam apoiadas sobre uma parede inclinada para o prédio da ré, o que lhe retirava estabilidade e segurança.

Essa construção foi executada em desconformidade com os elementos apresentados na CMC.

As características geológicas e geotécnicas do terreno onde foi implantado o Anexo nascente eram propícias à ocorrência de movimentos de terras.

No dia 10-11-1999 a obra, então na fase de contenção definitiva, foi embargada a requerimento da autora, tendo ficado paralisada desde então.

Como consequência directa da inadequada fundação do Anexo e da paralisação dos trabalhos de contenção definitiva resultante do embargo, verificaram-se movimentos de terras que puseram em causa a estabilidade estrutural do Anexo Nascente do ....

São assim falsos ou inexactos, os factos alegados nos art. 4º a 8º, 11º a 15º, 16º, 1:ª parte, 17º, 19º a 28º, 41º, 42º, 46º, 51º, 52º, até “várias vezes”, 57º, 61º a 68º e 73º a 76º da petição inicial, que se impugnam.

A ré não conhece o que consta dos art. 28.º a 40º, 43º. 44º, 45º, 49º, 50º e 82º a 92º da petição inicial, que se impugnam.

E os factos constantes dos arts. 9.º, 10º, 18º, 46º a 48º, 54º a 56º, 69º a 72º e 107º a 112º da petição inicial têm natureza conclusiva.

A destruição das obras realizadas pela ré no seu terreno provocaria a derrocada do Anexo Nascente e poria em causa a estabilidade de todas as construções e vias públicas envolventes.

A presente acção, e as pretensões da autora, sempre integrariam manifesto abuso do direito uma vez que a autora pretende, sem qualquer suporte factual ou jurídico, obter a reconstrução integral do Anexo Nascente à custa da ré.

Concluiu pela improcedência da acção.

E, invocando contratos de seguro que cobririam a responsabilidade que lhe pudesse ser imputada com base nos factos alegados pela autora, requereu a intervenção principal nos autos de E e de Companhia de E, ambas identificadas.

A ré C, também contestou, opondo em síntese:

Os elementos que serviram de base à realização da memória descritiva foram fornecidos pela 1.ª ré, constando das plantas e cortes referentes ao projecto de arquitectura e do relatório de reconhecimento geológico-geotécnico realizado pela D.

Este relatório estava errado, tendo sido demonstrada, em sondagens e ensaios realizados pela réC, a existência de uma maior percentagem de terreno argiloso do que a que constava do referido estudo, uma estrutura complexa dos solos compartimentada por falhas geológicas causadoras de zonas de deslizamento, bem como a presença errática de água, que no mesmo estudo se dizia não existir.

E a 1.ª ré também não lhe forneceu informação sobre as características e condições das fundações e do tipo de estrutura do edifício da A., que eram invulgares.

A 1.ª ré não executou atempadamente, como lhe competia, as plataformas necessárias à execução dos trabalhos da C, o que deu lugar a que uma frente significativa da zona de obra confinante com o prédio da autora tivesse estado cerca de vinte dias sem qualquer pré-esforço aplicado.

E, contra a advertência da 2.ª ré, continuou a escavação em zona desaconselhável e não seguiu as instruções daquela ré tendentes a conferir estabilidade global à zona, antes prosseguiu com os trabalhos de escavação até à realização do embargo judicial.

A 1.ª ré também ocultou à 2.ª ré anteriores trabalhos de escavação por ela levados a cabo no local no ano de 1981, os quais afectaram a estabilidade do edifício da A., quer a nível de fundações, quer a nível dos solos dos terrenos confinantes, sendo que, caso não tivesse sido omitida essa informação, a 2.ª Ré não teria considerado suficientes os elementos que lhe foram fornecidos.

E a autora também deu causa à situação. Pois que nada fez para assegurar a estabilidade da estrutura em que assentavam os questionados Anexos, constituída por vigas metálicas e de betão armado, desenvolvendo-se em ponte sobre o vazio entre o corpo principal do ... e o terreno localizado ao nível do logradouro, correspondendo aproximadamente ao 8.º piso dos quartos, situação que se foi agravando com o decurso do tempo, nomeadamente com as infiltrações de água no maciço. E também não deu conhecimento da existência de fissuração logo que a mesma ocorreu.

A responsabilidade fundada no art. 1348.º do C. Civil recai exclusivamente sobre o dono do prédio onde se realizam as obras.

Impugna, por os desconhecer, ou por não serem verdadeiros, diversos factos alegados na petição inicial.

Conclui pela improcedência da acção relativamente a si.

A autora replicou, refutando as contestações apresentadas, em particular a da 1.ª ré, e pedindo a condenação desta por litigância de má-fé, em multa e indemnização.

A ré B, veio arguir a nulidade da réplica e responder ao pedido de condenação por litigância de má-fé.

Foi admitida a intervenção principal de E.

Que apresentou contestação, opondo, em síntese:

Estão excluídos do âmbito da garantia do seguro os danos resultantes de desabamentos ou desnivelamento de terrenos, como terá ocorrido no caso (n.º 3/2/b da condição especial 16 do contrato de seguro.

Os danos resultantes de trabalhos de recalcamento, escavação ou outros que envolvam elementos de suporte ou subsolo só são indemnizáveis no caso de desmoronamento (derrocada ou derrubamento) parcial ou total (da propriedade adjacente), o qual não ocorreu (quanto ao edifício em causa da A.).

Também estão excluídos da garantia do seguro os danos resultantes de lucros cessantes, paralisações e perdas indirectas de qualquer natureza, como é o caso dos alegados danos de desmontagem e transporte de máquinas da lavandaria, danos não patrimoniais, por serem indirectos, e ainda os danos em acabamentos no edifício da A.;

O capital seguro é de Pte. 150.000.000,00 por sinistro e por ano, tendo sido contratada uma franquia a cargo do segurado de Pte. 150.000,00 por sinistro em geral e, no caso de danos em propriedades contíguas, de 10% com o mínimo de Pte 350.000,00 por sinistro, que no caso dos autos, atendendo à totalidade do pedido, é de Pte. 49.727.889,00;

A responsabilidade prevista no art. 1348.º do C. Civil recai sobre a 2.ª ré, que foi quem realizou a obra. E mesmo que recaísse sobre a 1.ª ré, seria subsidiária em relação à responsabilidade da 2.ª Ré.

Impugna, por os desconhecer, diversos factos alegados.

Conclui pela sua absolvição do pedido, total ou parcial.

Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, onde a réplica foi admitida na parte da resposta à excepção de abuso de direito e ao pedido de condenação por litigância de má-fé.

Foi organizada a matéria de facto considerada assente e a base instrutória, de que foram apresentadas reclamações, parcialmente atendidas.

A 21-11-2006 a ré B apresentou articulado superveniente alegando que:

Foi publicado no Diário da República, I Série, n.º … de … o Plano de Pormenor para a Reestruturação Urbanística dos Terrenos do ... e Área Envolvente, prevendo-se ali a demolição do edificado existente e a definição de nova ocupação urbanística.

O ... não se encontra em funcionamento.

Estes factos relevam para a decisão, pois todos os pedidos formulados pela A. na acção têm como pressuposto a existência e o funcionamento do dito ..., devendo ser considerados.

Em resposta a autora defendeu a não admissão do articulado superveniente, por ser extemporâneo, e a irrelevância dos factos alegados para a decisão da causa.

No seguimento, foi proferido despacho onde se julgou tempestiva a apresentação do articulado superveniente e pública e notória a matéria alegada, que não necessitava de ser acrescentada aos factos assentes para ser atendida na decisão.

Posteriormente, a 07-11-2007, a ré B apresentou novo articulado superveniente alegando que:

O ... erigido no prédio da ré B, SA, encontra-se totalmente construído e em funcionamento há cerca de três anos.

O ... encontra-se em fase final de demolição, tendo em vista o aproveitamento urbanístico dos respectivos terrenos para fins diversos, não se prevendo a sua reconstrução.

Estes factos são impeditivos ou extintivos dos direitos que o autor se arroga na presente acção, que pressupõem a existência e funcionamento do ....

Em resposta, a autora defendeu que:

Os pedidos formulados nada têm a ver com a existência e funcionamento do ....

O que está em causa é o direito a indemnização pelos danos causados no edifício onde o ... estava instalado, nada tendo sido pedido em relação aos danos causados à exploração do ....

Esse direito de indemnização foi adquirido pela autora a partir do momento da prática do facto ilícito, e não lhe pode ser retirado, sendo irrelevantes os factos agora alegados, ocorridos posteriormente.

Acresce que foram os actos das rés a causa próxima e directa da demolição total do edifício.

Foi proferido despacho, na acta da primeira sessão da audiência de julgamento, que teve lugar a 21-10-2008, onde se considerou que se tratava de factos notórios e a atender na decisão, tendo como certo que os mesmos não comprometiam, por completo, a pretensão da autora, pelo que a acção deveria prosseguir.

O julgamento, iniciado nessa data, prolongou-se por inúmeras sessões, tendo findado a 08-07-2011, com a publicação da decisão sobre matéria de facto, nos termos que constam de fls. 1930 e ss.

A autora e as rés apresentaram alegações escritas sobre o aspecto jurídico da causa.

 Seguiu-se a sentença, com a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julgo a presente acção declarativa de condenação, que " SOL, S.A.", intentou contra "B e "C", e onde foi admitida a intervenção principal de E, parcialmente procedente e, em consequência, decido:

a) Condenar, solidariamente, as Rés a pagar à A. em euros o equivalente à quantia de € 3.835,21 (três mil oitocentos e trinta e cinco euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.

b) Condenar, solidariamente, as Rés a pagar à A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 5000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a data sentença e até efectivo pagamento.

c) Condenar a E, em substituirão da 1ª Ré, a pagar à A. a quantia de € 7. 085,42 (sete mil e oitenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos).

Custas por A. e Rés na proporção do decaimento

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões, tudo sintetizado nos seguintes termos:

Por tudo, deve a presente apelação ser considerada procedente, sendo dado provimento ao recurso, revogada a sentença em crise, e substituída por decisão que condene solidariamente as RR a pagar à A. uma indemnização a liquidar em execução da sentença por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causaram e, desde já, no montante dos danos patrimoniais já liquidados e provados correspondentes ao custo dos trabalhos de demolição, reconstrução e reparação das zonas afetadas do edifício propriedade da A., no montante correspondente a Esc. 300.000.000, acrescido de IVA.

Para além do pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais já provados e liquidados, em montante nunca inferior ao correspondente a Esc. 25.000.000.

Tudo acrescido de furos moratórios, às taxas que entretanto vigoraram, desde a citação até ao efetivo pagamento.

As rés e a interveniente E contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.

E as rés recorreram subordinadamente, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões, onde suscitam a apreciação das seguintes questões:

No recurso interposto pela ré C, saber se a matéria de facto assente não permite julgar verificada a existência de culpa desta na situação dos autos, devendo a mesma ser absolvida do pedido.

No recurso interposto pela ré B, saber:

Se deve ser alterada a matéria de facto, incluindo a matéria assente e as respostas a diversos artigos da base instrutória (BI).

Se não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil desta ré.

Se a própria autora deu causa aos danos.

A autora contra-alegou, defendendo a improcedência dos recursos subordinados.

Cumpre decidir.

Vejamos, tendo por base as conclusões formuladas pelas recorrentes, e começando, naturalmente, pelas questões de facto.

I – A alteração da decisão de facto

Conclui a apelante B:

1°. A alínea C dos FA não pode manter-se, pois nunca poderia dar-se como provado (v. art. 663°/1 do CPC) que, um edifício que foi encerrado e demolido há cerca de dez anos e que não será reconstruído (v. despachos do Tribunal a quo de fls. 657 e 1010 e segs. dos autos), se destinaria actualmente a "... e como tal é explorado" - cfr. texto n.° s ;1 e 2;

Nesta conclusão, está apenas em causa o ajustamento da redacção da al. C) dos factos julgados assentes ao facto de o edifício ali referido ter sido demolido na pendência da acção, tendo dado lugar a um empreendimento imobiliário diferente. O facto ali julgado provado estava bem assente no final dos articulados, mas o ... foi, entretanto, demolido e não foi reconstruído, tendo dado lugar a um empreendimento diferente.

Assim sendo, considera-se justificado esse ajustamento que, já agora, deverá ser extensivo a outros pontos da decisão de facto em que essa demolição do ... também se reflecte. Designadamente, não se justifica repetir, em inúmeras respostas a artigos da base instrutória (BI), que o edifício do ... foi, entretanto, demolido.

Isto apesar de se reconhecer que a actual redacção destes pontos da matéria de facto assente e as respostas a estes pontos da BI não teve efeito relevante na decisão, que, em boa parte, assentou exactamente no facto de o edifício do ... ter sido, entretanto, demolido e ter dado lugar a outro empreendimento.

E, já agora, também se afigura justificado incluir na matéria de facto assente os factos que foram alegados pela ora apelante em articulados supervenientes, e que não foram impugnados pela autora, designadamente a demolição do ... e a sua substituição por um empreendimento imobiliário diferente.

Essas alterações serão oportunamente introduzidas no enunciado da matéria de facto a considerar.

Voltando às conclusões:

2°. A alínea E dos FA e a resposta ao quesito 34° da BI nunca poderiam manter-se, pois reconduzem-se à inclusão, nos factos dados como provados, do teor de documentos - in casu, o teor de um escrito particular e de registos fotográficos -, o que "é bem diferente de se dizer qual ou quais os factos que, deles constando, se considera provados (...) quer por força do próprio documento em si, quer por outra causa" (v. Ac. STJ de 2010.02.04, Proc. 155/04.5TBFAF.GI.S1, in www.dasi.pt) — cfr. texto n. ° 3;

A alínea E) dos factos assentes tem a seguinte redacção:

e) - De acordo com o estudo efectuado por (…), Lda., a solicitação da A., o prédio trata-se de "um edifício cujo projecto é do final dos anos cinquenta, construído no início da década de sessenta. Inicialmente, foi construído um "corpo principal", até ao nível do piso r, juntamente com um segundo corpo designado por "corpo curvo". Posteriormente foram construídos mais 9 pisos no corpo principal, juntamente com um terceiro corpo, de 3 pisos, designado por "Anexos posteriores".

(...) estruturalmente, trata-se de um edifício com alguma complexidade, nomeadamente no corpo designado por "Anexos posteriores", mais a nascente, cuja construção é executada sobre um sistema estrutural que se desenvolve "em ponte", sobre um "vazio", entre o corpo principal do ... e o terreno localizado ao nível do logradouro correspondendo aproximadamente ao 8° piso dos quartos. nota-se que a zona de logradouro está delimitada por um muro de contenção do talude. o sistema estrutural desta "ponte" é constituído por vigas metálicas e vigas de betão armado.

" (...) identificam-se nesta zona de construção diversas juntas. Algumas delas correspondem a vigas simplesmente apoiadas, sendo um dos apoios em pequenas consolas integradas nos pilares.

o "corpo principal" do ... está organizado em diversos corpos estruturais, separados por juntas. Nestes corpos estruturais identificam-se pórticos transversais e longitudinais, com continuidade".

Por seu turno, na resposta ao art. 34.º da BI foi julgado provado que:

«À data da propositura da acção, o estado das zonas do ... afectadas pelas escavações levadas a efeito pelas Rés era o retratado nos documentos de fls. 71/84 dos autos»

Pretendendo a apelante que, em qualquer dos casos, está em causa a simples reprodução de documentos, e não de factos comprovados pelos mesmos.

Com todo o respeito, julga-se que não assiste razão à apelante nesta parte.

De facto, a alínea E) dos factos assentes contém a descrição/caracterização do edifício do ..., nos termos em que a mesma foi feita num estudo apresentado pela autora com a sua petição inicial, que foram aceites e expressamente transcritos pela ora recorrente no art. 29.º da sua contestação, e também foram alegados na contestação da co-ré C.

Assim, essa descrição do prédio, convertida pela ora apelante em alegação de matéria de facto, foi bem considerada assente na alínea E) dos factos assentes. A referência inicial ali feita ao estudo efectuado por (…) Lda. era dispensável, mas não prejudica a compreensão do facto assim julgado provado – que é a própria descrição do prédio feita naquele estudo, e não o estudo em si mesmo.

Por seu turno, é suficientemente concreta a alegação, feita com base em fotografias, do estado em que se encontravam determinadas partes do edifício do ... na data da propositura da presente acção. Alegação que, assim, pode ser julgada provada. Não está em causa a simples remissão para o conteúdo de documentos, mas a determinação, através das respectivas imagens, das anomalias existentes na data considerada, suprindo, ou complementando, a descrição verbal dessas anomalias, dentro da ideia de que uma imagem vale mais do que mil palavras. Com esta resposta foi julgado provado que, na data em que a acção foi proposta, o edifício da autora apresentava as anomalias que são visíveis nas ditas fotografias.

Procedimento que, nos termos referidos, se considera válido, e até vantajoso, na medida em que transmite uma imagem mais completa da realidade que se pretende ver esclarecida.

Prossegue a apelante:

3°. As respostas aos quesitos 1° e 2° da BI não podem manter-se, pois, além de genéricas e conclusivas, referem profundidades de escavações que só seriam possíveis se o terreno da B não tivesse sido objecto de escavações em 1981-1982 (v. Docs. de fls. 691 a 716 dos autos), desconsiderando-se a planta de fls. 210 dos autos e o levantamento topográfico de fls. 1295 dos autos, dos quais resultava que a escavação sub Judice, realizada em 1998-1999, não partiu da cota da Avenida V., mas de altura inferior, como resulta da carta da própria A.,, de fls. 691 e 692 dos autos e foi ainda confirmado pelos depoimentos gravados das testemunhas (…….) (v. gravações identificadas nas actas de fls. 1011; 1014 e 1204; n.09.; 1221; 1256; 1291; 1292; e 1293, 1296 e 1300 dos autos, respectivamente) - cfr. texto n. ° 4;

Estão aqui em causa as respostas dadas aos artigos 1.º e 2.º da BI, do seguinte teor:

- As escavações a que se alude em F) atingiram em alguns pontos, e com referência à cota da Avenida V., uma profundidade de mais de 30 metros – resposta ao quesito 1.°.

- Em relação ao "corpo nascente" do edifício da autora, em algumas zonas as escavações atingiram cerca de 20 metros, sem contudo descer abaixo do nível das fundações do "corpo principal" desse mesmo edifício – resposta ao quesito 2.º.

Em relação a estas respostas, a apelante começa por invocar a natureza genérica e conclusiva do que foi alegado pela autora, e por defender que aquilo que foi julgado provado diverge substancial e significativamente do que foi alegado.

Questionando, depois, a valoração que foi feita da prova produzida que, em seu entender, teria desconsiderado as escavações comprovadamente realizadas no mesmo terreno em finais do ano de 1981.

Ressalvado o devido respeito, julga-se que não assiste qualquer razão à apelante nas questões assim suscitadas.

Nos art. 6.º a 8.º da petição inicial a autora alegou:

No âmbito dos trabalhos que a 1.ª ré levou a efeito, procedeu esta a escavações muito profundas no terreno, atingindo profundidade superior a trinta metros. E, em relação ao edifício da autora, as escavações ultrapassaram, em algumas zonas mais de vinte metros abaixo do nível das respectivas fundações.

Parecendo que o que foi julgado provado corresponde ao que, assim, foi alegado, e que não se trata de alegação genérica, nem conclusiva. No fundo, está apenas em causa determinar a profundidade que foi atingida pela escavação, o que não tem nada de conclusivo.

Depois, julga-se que os factos assim julgados provados, e que correspondem ao que foi alegado pela autora, devem ser considerados assentes nos articulados, por não terem sido objecto de efectiva impugnação por parte de qualquer das rés, sendo antes parcialmente reconhecidos.

Nos termos já referidos, a ora apelante contestou nos seguintes termos:

A solução construtiva executada em obra foi a mais adequada, atentas as características do local das escavações e da sua envolvente.

Na execução das escavações foram utilizadas as mais modernas técnicas construtivas, foram respeitadas todas as normas e regulamentos em vigor, e foram cumpridas todas as instruções e determinações da CMC.

Os trabalhos executados pela C provocaram apenas fissuração em algumas zonas do Anexo Nascente do .... Esses danos não implicavam quaisquer trabalhos de consolidação ou reforço da estrutura e foram logo reparados pela ré.

O Anexo Nascente do ... nunca foi licenciado pela CMC e demais entidades competentes;

No decurso dos trabalhos de escavação foi verificado que as fundações desse Anexo se apoiaram sobre uma parede inclinada para o prédio da ré, o que lhe retirava estabilidade e segurança.

Essa construção foi executada em desconformidade com os elementos apresentados na CMC.

As características geológicas e geotécnicas do terreno onde foi implantado o Anexo nascente eram propícias à ocorrência de movimentos de terras.

No dia 10-11-1999 a obra, então na fase de contenção definitiva, foi embargada a requerimento da autora, encontrando-se paralisada desde então.

Como consequência directa da inadequada fundação do Anexo e da paralisação dos trabalhos de contenção definitiva resultante do embargo, verificaram-se movimentos de terras que puseram em causa a estabilidade estrutural do Anexo Nascente do ....

São assim falsos ou inexactos, os factos alegados nos art. 4º a 8º, 11º a 15º, 16º, 1:ª parte, 17º, 19º a 28º, 41º, 42º, 46º, 51º, 52º, até “várias vezes”, 57º, 61º a 68º e 73º a 76º da petição inicial, que se impugnam.

Ou seja, a alegação de que determinados factos - entre os quais, os art. 6.º a 8.º da petição inicial - eram falsos ou inexactos, foi ali enunciada como uma conclusão fundada nos artigos anteriores. Tendo em conta o anteriormente alegado, era falso, ou inexacto o que constava daqueles artigos da petição inicial.

Mas do anteriormente alegado nada constava no sentido de impugnar qualquer dos factos alegados nos art. 6.º a 8º da p. inicial. Verificando-se, pelo contrário que, tendo a contestante integrado no art. 18.º da sua contestação a descrição dos trabalhos que foram adjudicados à co-ré C, ali consta, designadamente, que do lado da confrontação com a Avenida V., havia que fazer contenção entre as cotas 44,0 e 12,80. O que perfaz o total de 31,20 metros. E que do lado do ... se previa fazer escavação em talude até por volta da cota 28,00, em extensão não indicada, seguindo-se parede “Berlim” até à cota 12,80. Pelo que só esta última parte atingia a profundidade de 15,20 metros. A que haveria que somar a parte prevista fazer em talude.

E no mesmo documento, que constitui a proposta de trabalhos apresentada pela co-ré C, junto a fls. 153 e ss., é expressamente referido, logo no início, “…prevê-se a execução de um edifício com 9 a 10 pisos parcialmente enterrados, sendo para o efeito necessário realizar uma escavação com a altura máxima de 32,00 metros”.

Por fim, não se vê que a prova produzida comporte alguma dúvida em relação à realidade dos factos assim julgados provados.

Em relação à diferença de cotas verificada na confrontação do lote escavado com a Avenida V., são os próprios instrumentos contratuais a confirmá-la na sua totalidade. E também é confirmada pelo levantamento topográfico do terreno junto a fls. 1295.

E deste levantamento topográfico também resulta que, na confrontação com o prédio da autora, as cotas do terreno da ré variavam entre o mesmo valor de 44,00, no topo norte, e o de 39,44 na zona sul, ressalvada uma pequena faixa já na zona confinante com a Avenida M., onde foi identificada a cota menor, de 12,63. Sendo para este efeito irrelevante a profundidade atingida pelas escavações realizadas no ano de 1981, posto que, como se referiu, apenas está em causa determinar a profundidade que foi atingida pelas escavações realizadas no ano de 1998/1999, e não o ponto de partida dessas escavações.

Para além de que, estando assente que as fundações do Anexo nascente estavam implantadas ao nível do oitavo piso dos quartos, que correspondia ao décimo piso do edifício principal, é fácil perceber que a escavação, que aparentemente chegou ao nível do piso zero do ..., tenha atingido, em alguns pontos, mais de vinte metros abaixo dessas fundações. E é só isso o que foi julgado provado.

Por fim, estas repostas encontram apoio claro nos depoimentos testemunhais invocados na decisão recorrida, em termos que merecem a nosso inteira adesão. Parecendo-nos que, ainda que de forma ou perspectivas diferentes, todas elas disseram essencialmente o mesmo. E resultando ainda desses depoimentos que a escavação ainda desceu cerca de um metro em relação à cota da Avenida M., o que significa que desceu abaixo da cota 12,00.

Assim, reiterando-se que nestes pontos da matéria de facto apenas está em causa a profundidade a que as escavações chegaram no período de 1998/1999, conclui-se que as respostas dadas se ajustam à prova que foi produzida, improcedendo a impugnação.

Voltando às conclusões, continua a apelante:

4° As respostas aos quesitos 3°, 4° e 15° da BI não podem manter-se, pois, além de genéricos, e conclusivos, não é possível estabelecer-se nexo causal entre as escavações realizadas pela B e as "cedências" do terreno e "anomalias" que conclusivamente se considerou terem-se verificado no edifício do ..., abstraindo por completo da demais factualidade provada e, em parte, já assente no presente processo (v. nomeadamente, respostas aos quesitos 42°, 43° e 84° da BI) e actuações imputáveis à própria A., como resulta ainda dos documentos de fls. 492 do processo cautelar apenso e de fls. 337, 1066 e segs., 1073 a 1086 e 1071 e segs., bem como dos depoimentos inconciliavelmente contraditórios, prestados pelas testemunhas Carlos, Artur, João M., João J. e Lúcio  (v. gravações identificadas nos autos de fls. 1014 e 1204; 1209; 1218; 1256; e dos autos, respectivamente) - cfr. texto n.° 5;

Está aqui em discussão a existência de nexo causal entre as escavações e as anomalias então verificadas no corpo nascente do edifício da autora, questão que a apelante centrou nas respostas aos art. 3.º, 4.º e 15.º da BI, mas que, na sua compreensão, abrange as respostas aos art. 5º a 10º e 13.º e 14.º, do seguinte teor:

- Em consequência das referidas escavações, os terrenos sobre os quais assentava o "corpo nascente" do edifício da autora cederam – resposta ao quesito 3.°.

- Motivo porque se começaram a fazer sentir anomalias em áreas desse edifício confinantes com o prédio da 1ª Ré – resposta ao quesito 4.°.

- Tais anomalias tiveram o seu início nos meses de Fevereiro/Março de 1999, e agravaram-se no decorrer do mês de Junho de 1999 – resposta ao quesito 5.°.

- E consistiram na movimentação de todo o corpo nascente do ..., em relação aos restantes corpos do edifício – resposta ao quesito 6.°.

- Bem como na abertura de juntas, fissuras e fendas nas paredes, tectos e pavimento – resposta ao quesito 7.°.

- Na quebra de vidros, pilares e vigas estruturantes – resposta ao quesito 8.º.

- Na queda de partes de betão provenientes dos tectos e dos pilares – resposta ao quesito 9.°.

- E no desnivelamento de soalhos, na ordem de vários centímetros – resposta ao quesito 10.º.

- Em consequência, o "corpo nascente" do ... esteve sob risco de desmoronamento, sendo que o mesmo foi entretanto demolido – resposta ao quesito 13.°;

- Existindo pilares de sustentação afectados, o que obrigou à colocação de escoras metálicas para a sua substituição – resposta ao quesito 14.°.

- As quais também já cederam por mais de uma vez – resposta ao quesito 15.º;

Vista a longa alegação da apelante, julga-se, antecipando a conclusão, que não lhe assiste razão na impugnação deduzida, devendo ser mantidas as repostas dadas.

Vejamos mais concretamente:

A recorrente começa por invocar a natureza genérica e conclusiva dos factos assim julgados provados, que seriam insusceptíveis de fundar uma decisão judicial. Mas as anomalias estão descritas nos artigos subsequentes, e a palavra ceder, no contexto em que é utilizada, tem um sentido objectivo suficientemente determinado, que é do conhecimento comum, traduzindo aquilo que aconteceu ao morro onde assentava, daquele lado, a estrutura de fundação do chamado Anexo nascente do edifício da autora.

A recorrente defende, depois, que em relação a esta matéria, foram produzidas em audiência de julgamento as mais contraditórias e inconciliáveis teses. Mas, com todo o respeito, julga-se que essas contradições não existem e que as testemunhas ouvidas, incluindo as indicadas pela ora apelante, disseram essencialmente o mesmo, de forma mais ou menos técnica. Onde a apelante identifica cinco teses diferentes, julga-se existir apenas uma, de resto, corroborada pela restante prova produzida, e que se pode resumir nos seguintes termos: Os terrenos adjacentes à escavação promovida pela ré, onde estava apoiado o Anexo nascente do edifício da autora, cederam por causa dessa escavação. E isso sucedeu, fundamentalmente, porque o projecto de contenção inicialmente executado assentou num relatório de reconhecimento geológico-geotécnico que se veio a revelar errado, nos termos que constam da resposta dada aos art. 55º e 56º da BI; e também porque não teve em consideração a localização das fundações do Anexo nascente do ... no morro parcialmente escavado.

O apelante defende, depois, que as repostas ora questionadas não tiveram em consideração as respostas dadas aos art. 42º, 43º e 84º da BI, onde se julgou provado que:

- As características geológicas e geotécnicas do terreno onde foi implantado o Anexo Nascente eram propícias à ocorrência de movimentos de terras – resposta ao quesito 43.º.

- A 1ª Ré alertou a C, adjudicatária dos trabalhos de contenção periférica, para tomar todas as medidas necessárias a evitar movimentos de terras – resposta ao quesito 44.°.

- O tipo de construção do ... teve como pressuposto que o terreno contíguo aos Anexos – que actualmente pertence à B – não viesse a sofrer alterações – resposta ao quesito 84.°.

Mas não se vê que os factos assim julgados provados interfiram, de alguma forma, com o estabelecimento de nexo de causalidade entre as escavações realizadas pela ora apelante no seu terreno e a cedência dos terrenos em que assentava o corpo nascente do edifício da autora.

O alerta, feito pela autora à adjudicatária dos trabalhos de contenção periférica, para que esta tomasse todas as medidas necessárias a evitar movimentos de terras, não releva para a apreciação desta questão, meramente objectiva, de saber se as escavações realizadas no terreno da ora apelante deram causa à cedência dos terrenos em que assentavam os Anexos e aos danos verificados nesses Anexos.

As características geológicas e geotécnicas do terreno onde foi implantado o Anexo nascente do ... eram propícias à ocorrência de movimentos de terras, mas nenhum movimento ocorreu, ou ficou demonstrado que tivesse ocorrido, antes do início de 1999, quando estavam a ser executadas as escavações agora em discussão.

Por fim, o facto de ter sido adoptada, na fundação do Anexo nascente do ..., uma solução que assentou no pressuposto de que o terreno contíguo não viria a sofrer alterações, também não deu, por si só, causa à cedência dos terrenos. E, nesta fase, é apenas disso que se trata.

Ou seja, nas respostas ora impugnadas apenas está julgado provado que a escavação realizada no terreno da ré deu causa à cedência do terreno onde assentavam as fundações do Anexo nascente do edifício da autora. Não está provado que essa tenha sido a única causa desses assentamentos, nem isso cabia no âmbito das respostas em discussão.

A apelante censura, depois, o facto de não ter sido realizada prova pericial, que era a mais adequada ao esclarecimento destes factos. Mas, sendo isso exacto, a sua falta não obsta a que se valorize a demais prova produzida, assente, no essencial, em depoimentos e pareceres de engenheiros que tiveram intervenção nos trabalhos de escavação, que acompanharam esses trabalhos e a evolução, a partir de 08-02-2009, das anomalias verificadas no edifício autora, ou que foram solicitados a fazer a apreciação dessas anomalias.

Sendo certo que, como refere a apelada, a ora apelante também podia ter promovido a realização de prova pericial, e tê-la-ia certamente requerido se tivesse confiado que os resultados lhe seriam favoráveis.

De resto, a existência de nexo de causalidade entre as escavações e os danos verificados no edifício da autora foi reconhecida pela ora apelante na sua contestação, ainda que limitado a danos menores e já reparados.

Nos termos já referidos, a mesma alegou que:

Os trabalhos executados pela C provocaram apenas fissuração em algumas zonas do Anexo Nascente do .... Esses danos não implicavam quaisquer trabalhos de consolidação ou reforço da estrutura e foram logo reparados pela ré.

Defendendo que os demais danos, de natureza estrutural, resultaram da inadequada fundação do Anexo e da paralisação dos trabalhos de contenção definitiva, resultante do embargo.

Mas, como se julga, ser evidente, o processo causal dos danos verificados é o mesmo e único, mesmo que constituído por um concurso de causas. E, no que respeita às respostas agora em causa, apenas está em discussão saber se os trabalhos de escavação também deram causa aos danos então produzidos no edifício da autora, e não se foram a única causa desses danos.

O demais alegado pela ora apelante, no que respeita à imputação dos danos ao tipo de fundações dos Anexos, foi vertido no art. 45º da BI, que foi julgado não provado, respeitando a essa resposta a impugnação agora deduzida com esse fundamento. Pelo que cumprirá reapreciar essa resposta, mesmo não tendo sido expressamente incluída no elenco dos factos impugnados. Uma vez que é inequívoca a sua impugnação material.

O que se fará depois de encerrada a apreciação da impugnação das respostas respeitantes à imputação dos danos às escavações.

Prosseguindo nesta apreciação, verifica-se que a apelante pretende ver distinguidos os danos resultantes da escavação realizada em 1998/1999, únicos abrangidos pela causa de pedir da presente acção, de quaisquer outros danos que o edifício já apresentava, designadamente em resultado das escavações que tinham sido realizadas no ano de 1981. E que também deve ser considerado o estado geral do edifício na data do início das escavações, quando já estavam previstas extensas obras de recuperação e de reconstrução, e até já tinha sido administrativamente determinada a realização de algumas obras.

Mas, com todo o respeito, não é esta a sede para ver reflectidas essas pretensões da apelante. Nas respostas ora em apreciação apenas está em causa a existência de nexo de causalidade entre as escavações realizadas no terreno da recorrente e as anomalias então produzidas no edifício da autora. Não está em causa a verificação do estado de edifício na data do início das escavações, nem de quaisquer outros danos que o mesmo já então apresentasse.

De resto, o estado do edifício à data do início das escavações realizadas no período de 1998/1999 apenas relevaria em sede de determinação do valor dos danos resultantes da escavação. Mas, estando provado que o estado em que os Anexos se encontravam, na data da propositura da presente acção, aconselhava a sua demolição, que, em condições normais, seria seguida da sua reconstrução, os custos desses trabalhos de demolição e reconstrução não poderiam deixar de ser imputados, ao menos em parte, à escavação, atento o disposto nos art. 562.º, 563.º e 566.º, n.º 1, todos do C. Civil.

Nos termos destes preceitos legais, a obrigação de indemnização tem por critério definidor a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto que a gerou. Essa reconstituição natural só não é exigível se não for possível, não reparar integralmente os danos, ou for excessivamente onerosa para o devedor. Sendo que, no caso, a reconstituição era possível, repararia integralmente o dano, e não foi apurada matéria de facto que permitisse julgar essa reparação excessivamente onerosa.

Assim sendo, acaba por ser muito limitado, para não dizer nulo, o interesse de ver esclarecido o estado de conservação dos Anexos, no momento em que foram iniciadas as escavações no prédio da ora apelante.

De resto, não foram autonomizados danos que tivessem sido causados pelas escavações realizadas no ano de 1981, e as obras determinadas pelo ofício da DGT de 11-05-1998 são limitadas à beneficiação e pinturas de paredes exteriores, ao melhoramento do sistema de ventilação das casas de banho privativas dos quartos, à remodelação do snack-bar da piscina e a pinturas de zonas de serviço. Não tendo dimensão comparável, considerada apenas a zona dos Anexos, às obras necessárias para a sua completa demolição e reconstrução.

Notando-se, ainda que, contrariamente ao alegado, as fotografias juntas a fls. 1066, 1071, 1137, 1140 e 1146 são claramente posteriores ao início das obras da B. E que o relatório de fls. 337, datado de 14-03-2002, tem por objecto a apreciação de outro relatório junto a fls. 324 e seguintes, datado de 02-07-1999. Ou seja, o autor do segundo relatório aponta ao primeiro a insuficiência dos elementos de informação em que o mesmo se funda, não decorrendo daí que a autora tivesse omitido qualquer informação. E, em qualquer caso, está em causa a informação disponível no início do mês de Julho de 1999, quando foi realizado o primeiro relatório, altura em já estavam bem evidenciados os efeitos da escavação sobre os Anexos do edifício da autora.

Concluindo-se, assim, que devem ser mantidas as repostas ora impugnadas, improcedendo a impugnação.

***

Nos termos já referidos, importa agora apreciar a resposta dada ao art. 45.º da BI, na parte em que ali foi julgado não provado que os movimentos de terras que puseram em causa a estabilidade estrutural dos Anexos do edifício da autora foram uma consequência das características das fundações desses Anexos. Resposta inequivocamente abrangida pela impugnação deduzida em relação às respostas dadas aos art. 3.º e seguintes.

Está agora em causa saber se as características das fundações dos anexos contribuíram para a produção dos danos. E a resposta não pode deixar de ser afirmativa.

No que respeita aos questionados anexos posteriores do edifício da autora, e às respectivas fundações, vem julgado provado que:

(...) estruturalmente, tratava-se de um edifício com alguma complexidade, nomeadamente no corpo designado por "Anexos posteriores", mais a nascente, cuja construção é executada sobre um sistema estrutural que se desenvolve "em ponte", sobre um "vazio", entre o corpo principal do ... e o terreno localizado ao nível do logradouro correspondendo aproximadamente ao 8° piso dos quartos. Nota-se que a zona de logradouro está delimitada por um muro de contenção do talude. O sistema estrutural desta "ponte" é constituído por vigas metálicas e vigas de betão armado.

" (...) identificam-se nesta zona de construção diversas juntas. Algumas delas correspondem a vigas simplesmente apoiadas, sendo um dos apoios em pequenas consolas integradas nos pilares – (parte da al. c).

- As fundações do "corpo nascente" ("Anexo nascente") do ... apoiavam-se sobre uma parede inclinada em direcção ao prédio da 1.ª ré - resposta ao quesito 42.º.

- As características geológicas e geotécnicas do terreno onde foi implantado o Anexo Nascente eram propícias à ocorrência de movimentos de terras – resposta ao quesito 43.º.

- O tipo de construção do ... teve como pressuposto que o terreno contíguo aos Anexos – que actualmente pertence à B – não viesse a sofrer alterações – resposta ao quesito 84.°.

Antes de mais, julga-se que a resposta dada ao art. 42º da BI, acima transcrita, não se ajusta à respectiva fundamentação, onde se ponderou, a fls. 1951/1952 dos autos:

«Conforme decorre da análise conjugada de todos estes meios de prova, subjacente à concepção do projecto do edifício do ... (datado dos anos 50/60), esteve a filosofia de que o terreno à volta permaneceria imutável (é paradigmática, a este respeito, a deslocação que a testemunha Carlos então fez ao Barreiro, onde conversou com o então proprietário do mesmo, que lhe assegurou que nada iria ser feito no terreno), confiando que quem viesse a movimentar os terrenos contíguos teria a precaução de conter os terrenos da autora; fruto desta filosofia, o "corpo nascente" (ou "anexos posteriores") do edifício do ... foi assente em asnas [vigas metálicas] apoiadas, de um dos lados, em cachorros situados no próprio edifício principal (no 8.° andar de quartos) e, do outro lado, no morro contíguo ao edifício principal; por outro lado, nesse morro contíguo (e ainda dentro da propriedade da autora) foi feito, ao invés de um muro de suporte autoportante [de betão armado, que seria susceptível não só de conter o talude como de se suportar por si mesmo, independentemente da existência do talude], um simples muro gravítico (que, aliás, algumas testemunhas qualificaram como um mero revestimento da escarpa com betão), destinado unicamente a suportar as terras (na prática, a corrigir as condições adversas do talude natural), com uma poupança incomparável de betão, o que levou a que o referido "corpo nascente" acabasse por ficar apoiado directamente no maciço (e, assim, dependente da estabilidade do maciço contíguo (incluindo terrenos que não são propriedade da autora)»

Ou seja, concluiu-se que as fundações dos Anexos nascentes estavam apoiadas, de um dos lados, no morro contíguo ao edifício principal, e não no muro gravítico ali construído, cuja única finalidade era a de suportar as terras do talude.

O que, de resto, se ajusta às características do muro em causa, que nem sequer se segurava a si próprio, estando também apoiado no morro, revestindo-o. Sendo de supor que esse muro terá sido construído para fazer a contenção de terras na altura da escavação do terreno da autora, destinada à construção do ....

Assim, a resposta ao referido art. 42.º deve ser alterada, julgando-se provado que:

- As fundações do "corpo nascente" ("Anexo nascente") do ... apoiavam-se no morro contíguo ao edifício principal, que estava revestido por uma parede inclinada em direcção ao prédio da 1.ª ré.

Posto isto, julga-se que deve ser julgado provado que as características das fundações dos Anexos assim descritas contribuíram de forma relevante para o deslizamento de terras. Sobre o morro, com características geológicas e geotécnicas propícias à ocorrência de movimentos de terras, foram apoiadas as fundações do anexo Nascente, constituído por três pisos, exercendo uma carga de valor não determinado, mas muito significativa sobre o morro. A que acrescia a carga exercida pelo muro de contenção, esta agravada pelo facto de estar orientada lateralmente, na direcção do prédio da ré. Toda esta carga colocada pela autora sobre o morro tornou mais exigentes as suas capacidades de sustentação, que foram atingidas pela escavação.

Devendo assim, ser julgado provado que a pressão exercida sobre o morro, pelas fundações do Anexo, incluindo o muro de contenção, contribuiu para a verificação dos movimentos de terras que puseram em causa a estabilidade estrutural do Anexo.

Voltando às conclusões:

5°. A matéria conclusiva, genérica e valorativa que consta das respostas aos quesitos 5°, 6°, 10°, 13° a 25°, 27°, 28°, 31°, 33°, 35°, 37° e 43° da BI não pode manter-se, pois "só devem ser especificados ou quesitados factos materiais simples - não juízos de valor ou conclusões extraídas de realidades concretas" (v. Ac. STJ de 1981.10.06, BMJ 310/259; cfr. Acs. RL de 1997.01.21, proc. 0008821; de 1993.11.23, Proc. 0068341, in www.dgsi.pt), impondo-se a sua revogação (v. arts. 264°, 467°/1/d), 511°, 513°, 653° e 664° do CPC) = cfr. texto n.° 6;

Neste caso estão em causa as seguintes expressões, utilizadas nos referidos artigos da BI, tal como foram identificadas pela apelante nas alegações de recurso:

a)               Não individualização ou concretização das pretensas "anomalias" que não foram concretizadas, aludindo-se genericamente ao "seu início" e subsequente "agravamento", sem referência a factos materiais simples (v. resposta ao quesito 5° da BI);

b) "Movimentação de todo o corpo", sem qualquer concretização de factos materiais simples dos quais se pudesse retirar a conclusão da existência, concreta dimensão e forma de tal pretensa movimentação (v. resposta ao quesito 6° da BI);

c)"Perigo", "perigo eminente", "Risco de desmoronamento", "risco para as vidas humanas" e "não apresentavam condições físicas", "condições de segurança", "requisitos de higiene e reseva", sem se indicar concretamente os factos materiais simples que permitiriam tais asserções, valorativas e normativas (v. resposta aos quesitos 13°, 20°, 24°, 27°, 28° e 31° da BI);

d)               "Pilares de sustentação afectados", "área afectada", "agravamento das condições" sem se indicar concretamente a eventual medida ou factos materiais simples em que se terá traduzido tal genérica "afectação" (v. respostas aos quesitos 14°. 16, 19°. 22°, 23° e 43° da BI);

e) "Necessárias obras de reconstrução", dando-se por assente um juízo valorativo - necessidade -, sem se referirem os factos materiais simples que constituiriam as respectivas premissas (v. resposta ao quesito 25° da BI);

f) "Diversas vezes ... danos", sem qualquer especificação de factos materiais simples (v. resposta ao quesito 37° da BI).

Pretendendo a apelante que as expressões assim transcritas, algumas delas sublinhadas, integram juízos conclusivos, genéricos e valorativos, que não devem ser fixados em sede de decisão sobre matéria de facto.

Lidos os artigos da BI indicados na alegação, que são menos do que os indicados na conclusão, julga-se que não deve ser reconhecida razão à apelante. Admitindo-se que a autora podia ter sido mais objectiva e rigorosa na alegação dos fundamentos da acção, não se vê que as expressões utilizadas, e agora questionadas, comprometam, ou dificultem, a compreensão e a valoração da matéria de facto assim fixada.

Nos termos já referidos, as “anomalias” que se fizeram sentir na parte do edifício mais próxima do prédio da ora apelante, referidas em diversos pontos da matéria de facto provada, mostram-se concretizadas nas respostas dadas a outros artigos da BI, designadamente, aos art. 6.º a 10.º e 13.º a 19º.

A movimentação do corpo nascente do ... em relação aos restantes corpos do edifício, é um facto em si mesmo, constituindo um efeito e um sinal da cedência do terreno onde o mesmo estava apoiado.

A existência de “risco de desmoronamento” ou a verificação de “condições de segurança” em relação a determinadas instalações, são questões eminentemente técnicas, que só podem ser bem resolvidas em sede de matéria de facto. Por seu turno, a existência de “risco para as vidas” apresenta-se como uma simples consequência do risco de desmoronamento, ou da inexistência de condições de segurança. E todos esses riscos ficaram bem evidenciados na prova produzida, tendo sido, designadamente reconhecidos pela ré C, nos termos que constam das alíneas o) e p) dos factos assentes.

No mais, os factos ora impugnados são relativamente indiferentes para a decisão a proferir, posto que não foi deduzido qualquer pedido fundado na impossibilidade de utilização de instalações do ... situadas na zona afectada, tais como a lavandaria, o grill, o posto médico e outras.

Parecendo que não se justifica a introdução de qualquer alteração na matéria de facto assim fixada.

Prossegue a apelante:

6°. As respostas aos quesitos 11°, 12 e 37° da BI, não podem manter-se, pois da prova produzida resulta claramente que os representantes da autora assumiram comportamentos deliberadamente omissivos, não tendo informado os representantes da B do início e evolução dos danos em causa, como resulta, desde logo do documento de fls. 493 do processo cautelar apenso, do documento de fls. 376 e segs., 691, 693, 715, 716, 1073 e 1086 dos autos, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas (….) (v. gravações identificadas nas actas de fls. 1209; 1256; 1              221; 1014 e 1204; e 1293, 1296 e 1300 dos autos, respectivamente) - cfr. texto n. ° 7;

Estão aqui em causa os seguintes factos, reunidos na resposta conjunta dada aos art. 11º e 12º da BI:

- Não obstante o referido nas respostas aos artigos 37.° e 90.° da base instrutória ("A 1.ª Ré foi, por diversas vezes, informada dos danos que se estavam a verificar" e "Em 10-03-1999 a autora remeteu à ré B uma carta dando-lhe conta, para além do mais, da ocorrência "...de fissuras e rachas de grande dimensão, não só na fachada do ... contígua ao vosso terreno, como também no solo, na rua de acesso à entrada de serviço do ..., nas traseiras do edifício), as obras de escavação continuaram – resposta aos quesitos 11.° e 12.°.

A que a apelante opõe o que consta da sua conclusão acima transcrita.

Mas também aqui se afigura evidente a falta de razão da apelante.

De facto, nas respostas agora em causa apenas foi julgado provado o que ali consta, ou seja, que as escavações continuaram apesar de a ora apelante ter sido, por diversas vezes, informada dos danos que se estavam a verificar, designadamente através do envio da carta de 10-03-1999. No fundo, o que aqui está em causa é a continuação dos trabalhos de escavação depois de a ora ré ter sido informada de que esses trabalhos estavam a causar fissuras e rachas de grande dimensão no edifício da autora.

E isso está indiscutivelmente provado. Sendo pouco relevante determinar o número de avisos efectuados pela autora, posto que, depois de comunicada a situação, era à ré que se impunha o seu acompanhamento. Que foi feito, conforme depoimento prestado pela testemunha João, o director da obra da ré. Estando também assente que a ré colocou no edifício da autora diversos instrumentos de medição, com vista a verificar a evolução das cedências.

Sendo ainda certo que foi trocada, entre as partes, a correspondência identificada na fundamentação da decisão sobre matéria de facto a fls. 1947 dos autos; e que, nesse período, a ora ré procedeu, por sua iniciativa, à reparação de vários estragos no edifício da autora.

Mas, entretanto, as obras de escavação continuaram, independentemente de terem estado suspensas, por tempo não determinado, em meados do mês de Junho de 1999, tendo prosseguido até ao embargo, efectuado a 17-11-1999.

Estando assim bem assente que os trabalhos de escavação continuaram depois de a ré ter tomado conhecimento do que se estava a passar no edifício da autora. E é só isso o que está provado nas repostas dadas aos art. 11°, 12 e 37° da BI.

Que devem ser mantidas.

Voltando às conclusões:  

7°. A resposta ao quesito 92° da BI não pode manter-se, pois excede e não se identifica com o invocado pela A. e, como tal, quesitado (v. arts. 264°, 511°, 513° e 653° do CPC), limitando-se a dar como provada a existência de indiscriminados orçamentos e o seu conjectural "valor aproximado", "ficando por demonstrar que tais declarações correspondem à realidade dos respectivos factos materiais" (v. Ac. STJ de 2008.12.09, proc. 08A3665), como competia à autora (v. art. 342° do C. Civil; cfr. art. 516° do CPC) - cfr. texto n. ° 8;

8°. A matéria vertida na resposta ao quesito 92° da BI foi ainda infirmada pelo depoimento das testemunhas (…) (v. gravações identificadas nas actas de fls. 1012 e 1209 dos autos), que afirmaram e reconheceram expressamente que não estavam em causa quaisquer orçamentos, mas meras estimativas, bem como pelos documentos de fls. 50, 1248 e segs. 1398 e segs. e 1503 e segs. dos autos (v. art. 376° do C. Civil), existindo apenas uma multiplicidade de estimativas contraditórias (v. art. 516° do CPC) -

cfr. texto n.° 8;

Nesta resposta foi julgado provado que:

As obras de demolição e subsequente reconstrução do "corpo nascente" do ..., e de reparação dos danos no "corpo principal" do ... foram orçadas num valor aproximado de cerca de 300.000.000$00 + IVA – resposta ao quesito 92.°.

 Com base nos seguintes documentos, tal como se mostram apresentados na respectiva fundamentação:

«ix)  "Estimativas de Custo – Reconstrução dos Anexos a demolir do ...", de fls. 1248 a 1254, da autoria de (…), datado de 03-05-2000, e respectivos "mapas resumo", "mapas de quantidade" e "anexos" [estima a reconstrução do anexo nascente, a demolir, em 288.742.628$00 e as reparações a efectuar no ... devido à escavação contígua em 24.236.502$00, num total de 312.979.130$00]; o teor desta estimativa foi corroborado em julgamento pelo seu autor (que esclareceu ainda as razões da divergência de valores relativamente à primeira estimativa), tendo sido por outro lado impugnado pelo teor do estudo de fls. 1398 a 1403 e ainda pelo teor dos documentos de fls. 1266, 1267, 1268, 1270, 1271 e 1272;

x)           "Relatório – Estimativa", cuja cópia certificada faz fls. 1503 a 1505 [original em castelhano a fls. 1398 a 1403], da autoria de (….), a solicitação da ré C, datado de 02-02-2000 [estima os danos materiais nos denominados "anexos posteriores" do ..., incluindo demolição e reconstrução do anexo nascente, em 290.328.500$00 + IVA];»

A apelante começa por defender que aquilo que se julgou provado extravasa largamente o âmbito do que foi alegado pela autora, e incluído na BI, mas julga-se que não lhe assiste razão. Como acima se referiu, na petição inicial a autora alegou:

A reposição do edifício no estado em que o mesmo se encontrava antes das obras executadas pelas rés implica a demolição de uma vasta zona e a sua reconstrução posterior, para além de intervenções pontuais noutras zonas anexas, conforme doc. n.º 4.

O custo dessa reposição ainda não pode ser determinado com precisão, até porque ainda não se verificou a estabilização das anomalias, mas não será inferior a Esc. 403.000.000$00;

Sendo a segunda parte do assim alegado que agora está em causa, em relação à qual o tribunal recorrido julgou provado que essas obras foram orçadas num valor aproximado de cerca de 300.000.000$00 + IVA.

Prosseguindo, vistos os termos da resposta assim dada, e a respectiva fundamentação, julga-se que o valor nela indicado corresponde à média dos valores apontados nos dois relatórios em que a resposta se fundou. O que, a nosso ver, significa que, dando crédito a esses dois relatórios, o tribunal estimou o custo das obras no valor que indicou.

Assim respondendo directamente ao quesito.

Mas mesmo que devesse ser entendido que o tribunal se limitou a dar como provada a média das estimativas de terceiros, sem as assumir na resposta, a solução nunca passaria por julgar não provado o facto em causa, mas pela alteração da resposta dada, sendo inquestionável que as obras em causa, atenta a sua dimensão, teriam custos elevados cujo apuramento, em último caso, teria de ser relegado para posterior liquidação.

E julga-se que o valor probatório das estimativas consideradas não pode ser fundadamente posto em causa, atentos os termos em que as mesmas se mostram justificadas e a qualidade dos seus autores, salientando-se que uma delas já representa uma evolução em relação a um trabalho anterior do mesmo autor, e que a outra foi realizada por iniciativa da co-ré C.

Pelo que, se fosse o caso, sempre haveria que confirmar o valor que foi indicado na resposta ora impugnada.

E a tanto não obsta o facto de a realização dessas obras já não ser possível, pelo facto de o ... ter sido, entretanto, demolido e ter dado lugar a um empreendimento imobiliário diferente. O que está em causa na resposta impugnada é saber quanto custariam as obras de demolição e de reconstrução do corpo nascente do ..., se fossem realizadas. E essa resposta continua a ser possível, mesmo que se venha a concluir que não releva para a decisão de direito.

Improcedendo, também aqui, a impugnação.

Prosseguem as conclusões:

9°. As matérias integradas nas respostas aos quesitos 94°. 95°, 96°, 98°, 99° e 102° da BI, assumem natureza conclusiva e valorativa (v. arts. 264°, 511°, 513° e 653° do CPC), e foram infirmadas pela prova concretamente produzida no presente processo, de que resultou que o ... constituía "uma estrutura obsoleta, além de ser uma agressão visual" (v. Docs. de fls. 1116, 1117 e 1130; cfr. Docs. de fls. 1073 a 1086 dos autos), que nem sequer era economicamente explorada pela ora recorrente, mas por uma sociedade distinta (v. despacho do Tribunal a quo, de fls. 1011 dos autos), como decorre dos documentos de fls. 31-32 e 63-64 dos autos e foi ainda confirmado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas (….) (v. gravações identificadas nas actas de fls. 1221 e 1224 dos autos) - cfr. texto n.° s 9 e 1o;

Estão aqui em causa os seguintes factos:

- O ... era um estabelecimento ...eiro de cinco estrelas, com cerca de três dezenas de anos de existência e detentor de grande prestígio junto de todo o meio turístico e ...eiro, agências de viagens, companhias de aviação e estabelecimentos congéneres, nacionais e estrangeiros – resposta ao quesito 94.º.

- Contando entre os seus clientes prestigiadas empresas, nacionais e multinacionais e organismos públicos e privados, que nas suas instalações levaram a efeito, ao longo de muitos anos, as mais diversas manifestações, desde congressos a seminários e reuniões de alto nível, inclusive com delegações governamentais de vários países  – resposta ao quesito 95.°.

- Era sabido por todas essas entidades, pelos "media" e pelo público em geral, que a Autora era proprietária do ... – resposta ao quesito 96.°.

- Os administradores e quadros dirigentes da A. foram contactados por jornalistas, agências de viagens, empresas e clientes individuais e pelas mais diversas pessoas, que os interrogaram sobre a situação do ... e o estado em que se encontrava – resposta ao quesito 98.º.

- O que obrigou esses quadros a desdobrarem-se em explicações, as quais nem sempre produziram o efeito desejado – resposta ao quesito 99.º.

- A autora é uma das maiores empresas turísticas do país, altamente prestigiada, e cujo bom-nome e reputação são muitíssimo respeitados – resposta ao quesito 102.º.

Pretendendo a apelante que as expressões “grande prestígio”, “prestigiadas”, e “altamente prestigiadas”, são conclusivas e genéricas, e que não foi feita prova do assim alegado, que até deveria ser considerado infirmado no tocante ao elevado prestígio do ....

Quanto à primeira parte, admite-se que a autora poderia ter feito melhor. Mas, tendo em conta o tipo de matéria em causa – o prestígio de uma determinada unidade ...eira no seu meio de actividade, julga-se ser aceitável a forma como a matéria foi alegada.

Efectivamente conclusivo e genérico era o teor do art. 103º BI, onde se perguntava se o bom-nome, a reputação e o prestígio da autora tinham sido, e continuavam a ser altamente afectados pela situação descrita nos autos. Mas essa alegação foi julgada não provada, não se justificando maiores considerações.

Prosseguindo, não se vê fundamento para alterar as respostas que foram dadas a estes artigos da BI, parecendo seguro que o ... continuava a ser, na data em que foram iniciadas as escavações no prédio da ré B, um estabelecimento de grande prestígio. Mesmo estando a carecer das obras indicadas no ofício da DGT de 11-05-1998, junto a fls. 1100 dos autos, e de outras que a própria autora ponderava realizar.

Não está, designadamente, provado que o mesmo estivesse obsoleto. As declarações do representante da autora, feitas em entrevista publicada em jornal, não têm valor confessório, e o tipo de obras cuja realização foi determinada no já referido ofício da DGT contraria a ideia de que o ... estivesse obsoleto.

Concluindo-se, assim, que estas respostas também devem ser mantidas.

Tudo visto, a matéria de facto a considerar, incluída a resultante dos articulados supervenientes, é a seguinte:

Dos Factos Assentes,

a) – A propriedade do prédio urbano designado e conhecido como ... l, sito (…) no concelho de (….), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial (…), e inscrito na respectiva matriz (…), encontrava-se registada a favor da autora A.

b) - Confrontava a nascente com um lote de terreno para construção, com a área de 10.031,80 m2, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (…) e inscrito na respectiva matriz (…), cuja propriedade se encontra registada a favor da Ré B.

c) - O referido imóvel era composto por cave, rés-do-chão e dezanove pisos, destinava-se a ... e como tal era explorado;

d) - Em 19 de Agosto de 1987, a Câmara Municipal emitiu o alvará de licença de utilização n° 578, autorizando a utilização do identificado prédio como ...;

e) – De acordo com o estudo efectuado por (…)., a solicitação da A., trata-se de um “edifício cujo projecto é do final dos anos cinquenta, construído no início da década de sessenta. Inicialmente, foi construído um "corpo principal", até ao nível do piso R, juntamente com um segundo corpo designado por "corpo curvo". Posteriormente foram construídos mais 9 pisos no corpo principal, juntamente com um terceiro corpo, de 3 pisos, designado por "Anexos posteriores".

(...) estruturalmente, tratava-se de um edifício com alguma complexidade, nomeadamente no corpo designado por "Anexos posteriores", mais a nascente, cuja construção é executada sobre um sistema estrutural que se desenvolve "em ponte", sobre um "vazio", entre o corpo principal do ... e o terreno localizado ao nível do logradouro correspondendo aproximadamente ao 8° piso dos quartos. Nota-se que a zona de logradouro está delimitada por um muro de contenção do talude. o sistema estrutural desta "ponte" é constituído por vigas metálicas e vigas de betão armado.

" (...) identificam-se nesta zona de construção diversas juntas. Algumas delas correspondem a vigas simplesmente apoiadas, sendo um dos apoios em pequenas consolas integradas nos pilares.

O "corpo principal" do ... está organizado em diversos corpos estruturais, separados por juntas. Nestes corpos estruturais identificam-se pórticos transversais e longitudinais, com continuidade".

f) - A solicitação da 1.ª Ré, B., a 2ª Ré, C, apresentou-lhe a proposta de execução dos trabalhos de escavação e de contenção periférica relativos à construção de um edifício destinado a ..., no terreno a que se alude em b), que consta do documento de fls. 153 e 183.

g) - Em 30 de Setembro de 1998, a Ré B adjudicou à Ré C a concepção e execução do projecto e a totalidade dos trabalhos de contenção periférica, nos termos que constam do documento de fls. 211.

h) - De acordo com o relatório de reconhecimento geológico-geotécnico, realizado por Tecnasol, Lda., fornecido pela 1ª Ré, à 2ª Ré, "a escavação interessará terrenos datados do cretácio, de constituição heterogénea caracterizados essencialmente por grés de granulometria variável, fina a grosseira, com intercalação de siltitos, margas calcárias e calcários. Na execução dos furos de sondagem geotécnica não foi detectada a presença de nível freático.

Assim, relativamente às características geotécnicas dos terrenos interessados à realização da escavação e à contenção, que são essencialmente de natureza rochosa, assumimos para a situação mais desfavorável os seguintes parâmetros (...)".

i) - Em Setembro de 1998, a 2ª Ré deu início à execução em obra dos trabalhos que lhe foram adjudicados pela 1.ª Ré.

j) - No âmbito desses trabalhos, foram efectuadas escavações.

1) - A 1.ª Ré procedeu à reparação, por sua iniciativa, de vários dos estragos no edifício da Autora, provocados pelos trabalhos executados pela 2.ª Ré.

m) - E colocou, a seu pedido, no edifício do ..., diversos instrumentos de medição, com vista a verificar a evolução do grau de cedência do edifício.

n) - No procedimento cautelar de embargo de obra nova que constitui o apenso A, que a Autora intentou contra a 1ª Ré, foi proferida decisão em 10 de Novembro de 1999, ordenando o embargo da obra que esta vinha fazendo nos terrenos que confinam com o lado nascente da Autora, o qual foi efectuado em 17 de Novembro de 1999, conforme auto lavrado a fls. 285 do referido apenso;

o) - A Ré C enviou à Autora uma carta datada de 18 de Novembro de 1999, da qual consta, para além do mais, que "o nosso conhecimento da situação (para a qual não contribuímos) e os mais elementares deveres de diligência impõem que vos alertemos de imediato para a iminência de derrocada dos Anexos que, por isso, devem deixar de ser utilizados para qualquer fim";

p) - Por requerimento de 23 de Novembro de 1999, apresentado nos referidos autos de procedimento cautelar de embargo de obra nova, a ora Ré C neles deu conhecimento de que "existem sérios riscos no que respeita à estabilidade dos Anexos do ..., à estabilidade global da obra, bem como no que se refere à segurança das pessoas, tornando-se de imediato necessário, numa primeira fase, repor as condições originais de estabilidade do maciço, por forma a evitar deslizamento ou o colapso dos terrenos adjacentes ao talude de escavação e, em consequência, o arrastamento dos Anexos do ...", e solicitou autorização para executar o re-aterro parcial da zona escavada a nascente do ..., por forma a minimizar os riscos mencionados;

q) - Após audição das aí requerente e requerida, por despacho de 30 de Novembro de 1999, foi autorizado o "re-aterro parcial da zona escavada a nascente do ..., no estritamente necessário à salvaguarda dos Anexos do referido ...";

r) - Em 98.12.04, a Ré B celebrou com a  E um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil/exploração profissional, titulado pela apólice n° 87/37.867, através do qual esta assumiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por aquela;

s) - Tal contrato iniciou a sua vigência em 02/10/98, por um ano e seguintes, com termo em 02/04/2000, sendo regulado pelas respectivas condições gerais e pela condição especial 16, e também por duas cláusulas adicionais designadas por "danos a propriedade existente ou adjacente e seus ocupantes" e por "danos a condutores, canalizações ou instalações subterrâneas", nos termos que constam dos documentos de fls. 123/136 e 294/295;

t) – A Ré B apenas em 7 de Junho de 1999 participou o sinistro à E

u) – (…)

v) – (…)

x) - Foi publicado no Diário da República, I Série, n.º … de … o Plano de Pormenor para a Reestruturação Urbanística dos Terrenos do ... e Área Envolvente, prevendo-se ali a demolição do edificado existente e a definição de nova ocupação urbanística.

y) - Nessa data o ... já não estava em funcionamento.

z) - E em 2007 encontrava-se já em fase final de demolição.

aa) - O ... erigido no prédio da ré B, SA, encontra-se totalmente construído e em funcionamento desde finais do ano 2004.

Das Respostas à Base Instrutória

- As escavações a que se alude em F) atingiram em alguns pontos, e com referência à cota da Avenida V., uma profundidade de mais de 30 metros – resposta ao quesito 1.°.

- Em relação ao "corpo nascente" do edifício da autora, em algumas zonas as escavações atingiram cerca de 20 metros, sem contudo descer abaixo do nível das fundações do "corpo principal" desse mesmo edifício – resposta ao quesito 2.º.

- Em consequência das referidas escavações, os terrenos sobre os quais assentava o "corpo nascente" do edifício da autora cederam – resposta ao quesito 3.°.

- Motivo porque se começaram a fazer sentir anomalias em áreas desse edifício confinantes com o prédio da 1ª Ré – resposta ao quesito 4.°.

- Tais anomalias tiveram o seu início nos meses de Fevereiro/Março de 1999, e agravaram-se no decorrer do mês de Junho de 1999 – resposta ao quesito 5.°.

- E consistiram na movimentação de todo o corpo nascente do ..., em relação aos restantes corpos do edifício – resposta ao quesito 6.°.

- Bem como na abertura de juntas, fissuras e fendas nas paredes, tectos e pavimento – resposta ao quesito 7.°.

- Na quebra de vidros, pilares e vigas estruturantes – resposta ao quesito 8.º.

- Na queda de partes de betão provenientes dos tectos e dos pilares – resposta ao quesito 9.°.

- E no desnivelamento de soalhos, na ordem de vários centímetros – resposta ao quesito 10.º.

- Não obstante o referido nas respostas aos artigos 37.° e 90.° da base instrutória ("A 1.ª Ré foi, por diversas vezes, informada dos danos que se estavam a verificar" e "Em 10-03-1999 a Autora remeteu à ré B uma carta dando-lhe conta, para além do mais, da ocorrência "...de fissuras e rachas de grande dimensão, não só na fachada do ... contígua ao vosso terreno, como também no solo, na rua de acesso à entrada de serviço do ..., nas traseiras do edifício), as obras de escavação continuaram – resposta aos quesitos 11.° e 12.°.

- Em consequência, o "corpo nascente" do ... esteve sob risco de desmoronamento, sendo que o mesmo foi entretanto demolido – resposta ao quesito 13.°;

- Existindo pilares de sustentação afectados, o que obrigou à colocação de escoras metálicas para a sua substituição – resposta ao quesito 14.°.

- As quais também cederam por mais de uma vez – resposta ao quesito 15.º;

- Apareceram novas fendas e fissuras, e ocorreram aluimentos na área afectada, – resposta ao quesito 16.º.

- E as aberturas nas fendas e juntas já existentes alargaram-se de tal forma que atingiram, nalguns locais, vários centímetros de largura, nelas cabendo o punho fechado de um homem adulto – resposta ao quesito 17.º;

- A área afectada abrange os pisos 10, 11 e 12, anteriormente ocupados pela lavandaria, grill e serviços de apoio, escritórios, posto médico, economato, armazéns, balneário de pessoal e outros serviços de apoio, e toda a altura do edifício, desde o 2° piso de quartos e áreas anexas, na zona compreendida entre a extrema nascente do prédio e a 2ª junta de dilatação, numa área total de cerca de 2.500 m2, com referência à data da propositura da acção - resposta ao quesito 19.°.

- Face às referidas anomalias e ao perigo iminente para a vida, não só de trabalhadores, como também de clientes do ..., a sociedade exploradora do ..., com a concordância da A. e da 1.ª Ré, encerrou a lavandaria do ... em 14 de Junho de 1999 - resposta ao quesito 20.°.

- Retirando do ... toda a maquinaria pesada e procedendo à sua desmontagem, transporte e guarda por empresa especializada, face à inexistência de meios e locais, no ..., onde pudesse ser armazenada - resposta ao quesito 21.°.

- Pelo mesmo motivo, o grill do ... foi mandado encerrar a partir de 24 de Junho de 1999, numa parte correspondente a cerca de metade da sua área total, face ao agravamento das fissuras existentes no solo daquela sala - resposta ao quesito 22.°.

- Agravamento esse que motivou, inclusive, que, por duas vezes, se tenha verificado a quebra de vidros nas janelas que rodeiam toda aquela instalação - resposta ao quesito 23.°.

- Ainda pelo risco para as vidas humanas, e porque também não apresentavam condições físicas para poderem ser utilizados, em meados de Junho de 1999, foram encerrados vários quartos do ..., denominados "quartos 02", em número de oito - resposta ao quesito 24.°.

- Assim devendo permanecer enquanto não fossem realizadas as necessárias obras de reconstrução, com referência à data da propositura da acção - resposta ao quesito 25.°.

- O posto médico de atendimento aos trabalhadores da A. e da exploradora do ..., foi transferido do local onde se encontrava instalado - resposta ao quesito 26.°.

- Visto que as instalações onde laborava, não só não apresentavam condições de segurança, como não reuniam já os requisitos de higiene e reserva exigidos por um serviço dessa natureza - resposta ao quesito 27.°;

- Tendo sido instalados, em 15 de Agosto de 1999, numa "suite" do ..., face à inexistência de outras instalações disponíveis e adequadas - resposta ao quesito 28.°.

- A pedido da exploradora do ..., a Autoridade de Saúde Concelhia vistoriou as instalações em causa, tendo emitido parecer, dirigido à Câmara Municipal, concluindo "pelo perigo de a zona afectada poder ruir, pondo em risco a vida e segurança das pessoas utilizadores do referido espaço, pelo que se considerou dever a mesma ser desactivada" - resposta ao quesito 29.°.

- Em 22 de Agosto de 1999, o grill do ... foi encerrado na sua totalidade, deixando de laborar naquele local, em virtude de se ter verificado nova quebra de um vidro - resposta ao quesito 30.°.

- Situação que se manteve até 10 de Setembro seguinte, a fim de permitir à 1ª Ré fazer pequenas obras de reparação dentro dessas instalações, bem como proceder à demolição de uma floreira anexa que ameaçava ruir, pondo mesmo em perigo os trabalhadores daquela, adstritos à obra - resposta ao quesito 31.°.

- Face ao constante agravamento das condições, o grill foi definitivamente encerrado em 30 de Outubro de 1999 – resposta ao quesito 32.°.

- Tendo ainda sido feitas alterações ao circuito de entrada das mercadorias para abastecimento do ..., a fim de reduzir ao mínimo os movimentos de pessoas e mercadorias pelas zonas afectadas – resposta ao quesito 33.°.

- À data da propositura da acção, o estado das zonas do ... afectadas pelas escavações levadas a efeito pelas Rés era o retratado nos documentos de fls. 71/84 dos autos – resposta ao quesito 34.°.

- As rés procederam aos trabalhos de escavação utilizando processos mecânicos que produziam elevadas vibrações, pelo que suspenderam as escavações por aquele processo – resposta aos quesitos 35.° e 36.°.

- A 1.ª Ré foi, por diversas vezes, informada dos danos que se estavam a verificar – resposta ao quesito 37.°.

- As fundações do "corpo nascente" ("Anexo nascente") do ... apoiavam-se no morro contíguo ao edifício principal, que estava revestido por uma parede inclinada em direcção ao prédio da 1.ª ré.

- As características geológicas e geotécnicas do terreno onde foi implantado o Anexo Nascente eram propícias à ocorrência de movimentos de terras – resposta ao quesito 43.º.

- A 1ª Ré alertou a C, adjudicatária dos trabalhos de contenção periférica, para tomar todas as medidas necessárias a evitar movimentos de terras – resposta ao quesito 44.°.

- A pressão exercida, sobre o morro, pelas fundações do Anexo e pelo muro de contenção, contribuiu para a verificação dos movimentos de terras que puseram em causa a estabilidade estrutural do Anexo – resposta ao quesito 45.°..

- A destruição das obras realizadas pela Ré, no seu terreno, além de provocar a derrocada do Anexo Nascente, poria em causa a estabilidade de todas as construções e vias públicas envolventes – resposta ao quesito 47.°.

- Em 99.03.08, o responsável técnico da obra por parte da B, informou a C de que surgira uma fissuração nas instalações nos denominados Anexos do ... – resposta ao quesito 51.°.

- A natureza geotécnica do terreno adjacente ao prédio do ... era diversa da que constava do estudo Tecnasol, constatando-se a existência de uma maior percentagem de terreno argiloso do que a que constava daquele estudo, uma estrutura complexa dos solos compartimentada por falhas geológicas causadoras de zonas de deslizamento, bem como uma presença errática de água – resposta aos quesitos 55.° e 56.°.

- Revelou-se necessário adaptar o projecto inicial às novas condições surgidas, o que a C de imediato diligenciou – resposta ao quesito 64.°.

- Visando garantir a estabilização dos movimentos a ré B procedeu ao re-aterro por camadas compactadas da zona adjacente ao "corpo nascente" – resposta ao quesito 67.°;

- Em 99.07.12, e após os estudos e reuniões necessários, a C apresentou à B o Projecto dos trabalhos de reforço dos taludes de escavação contíguos ao ... – resposta ao quesito 69.°.

- Tais trabalhos iniciaram-se em 99.07.23, consistindo fundamentalmente na execução de pregagens adicionais a estabelecer no talude superior, bem como na redefinição dos quatro níveis de ancoragens activas, de maior capacidade para atingir a cota do fundo da escavação – resposta ao quesito 70.°.

- A ré B decidira realizar, por sua iniciativa, trabalhos de sustentação – resposta ao quesito 71.°.

- Tais trabalhos consistiram na construção de um muro sem função estrutural – resposta ao quesito 72.°;

- Em 1981, a 1ª Ré iniciou trabalhos de desaterro e escavações no local em questão – resposta ao quesito 76.°;

- Em Dezembro de 1981 deu-se uma derrocada de parte de um muro de suporte de terrenos junto ao lado Nascente do ... - resposta ao quesito 79.°.

- O estado em que os Anexos se encontravam à data da propositura da acção aconselhava a sua demolição – resposta ao quesito 83.°.

- O tipo de construção do ... teve como pressuposto que o terreno contíguo aos Anexos – que actualmente pertence à B – não viesse a sofrer alterações – resposta ao quesito 84.°.

- Em 10-03-1999 a Autora ... remeteu à ré B uma carta dando-lhe conta, para além do mais, da ocorrência "...de fissuras e rachas de grande dimensão, não só na fachada do ... contígua ao vosso terreno, como também no solo, na rua de acesso à entrada de serviço do ..., nas traseiras do edifício..." – resposta ao quesito 90.°.

- O aparecimento das fissurações foi anterior a 10-03-1999 – resposta ao quesito 91.º.

- As obras de demolição e subsequente reconstrução do "corpo nascente" do ..., e de reparação dos danos no "corpo principal" do ... foram orçadas num valor aproximado de cerca de 300.000.000$00 + IVA – resposta ao quesito 92.°.

- A Autora pagou o montante de Esc. 768.890$00 com a desmontagem e transporte das máquinas da lavandaria do local onde estavam a laborar para outro lugar seguro – resposta ao quesito 93.°.

- O ... era um estabelecimento ...eiro de cinco estrelas, com cerca de três dezenas de anos de existência e detentor de grande prestígio junto de todo o meio turístico e ...eiro, agências de viagens, companhias de aviação e estabelecimentos congéneres, nacionais e estrangeiros – resposta ao quesito 94.º.

- Contando entre os seus clientes prestigiadas empresas, nacionais e multinacionais e organismos públicos e privados, que nas suas instalações levaram a efeito, ao longo de muitos anos, as mais diversas manifestações, desde congressos a seminários e reuniões de alto nível, inclusive com delegações governamentais de vários países  – resposta ao quesito 95.°.

- Era sabido por todas essas entidades, pelos "media" e pelo público em geral, que a Autora era proprietária do edifício do ... – resposta ao quesito 96.°.

- Os administradores e quadros dirigentes da A. foram contactados por jornalistas, agências de viagens, empresas e clientes individuais e pelas mais diversas pessoas, que os interrogaram sobre a situação do ... e o estado em que se encontrava – resposta ao quesito 98.º.

- O que obrigou esses quadros a desdobrarem-se em explicações, as quais nem sempre produziram o efeito desejado – resposta ao quesito 99.º.

- A Autora é uma das maiores empresas turísticas do país, altamente prestigiada, e cujo bom-nome e reputação são muitíssimo respeitados – resposta ao quesito 102.º.

II - O Direito:

No recurso principal, interposto pela autora, está em causa:

- A atribuição de indemnização, em medida equivalente às despesas de demolição e de reconstrução das zonas do edifício da autora.

- O valor da indemnização por danos não patrimoniais.

Nos recursos subordinados, está em causa saber:

- Se não estão verificados, em relação às rés, os pressupostos da obrigação de indemnizar.

- Se foi a autora quem deu causa aos danos, ou se concorreu para a sua produção.

Sendo estas as questões a resolver, importa começar pela verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, suscitada nos recursos subordinados, só depois se justificando a discussão do valor da indemnização.

De entre os recursos subordinados, começa-se pelas questões suscitadas pela apelante B, atenta a sua maior abrangência.

Nesta parte, a apelante remeteu para as contra-alegações que apresentou no recurso principal, e para as conclusões ali formuladas, a partir das quais se continuará a fazer a apreciação do objecto do recurso.

Conclui a apelante:

A - DA INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE POR ACTOS LÍCITOS

1°. A recorrente pretende agora fundamentar os seus pedidos no n.° 2 do art. 1348° do C. Civil, que é Inaplicável ln casu - cfr. texto n. ° s 1 e 2;

 2° O objecto da presente acção, tal como foi delimitado, substanciado e concretizado na complexa causa de pedir Invocada na p.i. (v. Ac. STJ de 2006.009.12, Proc. 06A1985), "não permite situar o caso na responsabilidade por acto lícito a que se refere o art. 1348° do C. Civil" (v. Ac. Rel do Porto de 2010.03.18, Proc. 250/08), não tendo a ora recorrente demonstrado e provado a verificação dos respectivos requisitos e pressupostos, como lhe competia (v. art. 342° do C. Civil) - cfr. texto n.° s 2 e 3;

Está aqui em causa saber se a presente acção não foi fundada no regime de responsabilidade civil por actos lícitos, estabelecido no art. 1348.º do C. Civil.

Adiantando a resposta, julga-se ser manifesta a falta de razão da apelante, mal se compreendendo mesmo o assim alegado e concluído.

Nos termos já referidos, a autora alegou na sua petição inicial, designadamente:

O seu imóvel, composto por cave, rés-do-chão e dezanove pisos, destinado a ... e como tal explorado, confrontava, a nascente, com um terreno destinado a construção, propriedade da 1.ª ré;

Havia cerca de um ano, reportado a 09-12-1999, que a ré vinha procedendo a trabalhos de construção neste seu terreno, com vista à edificação de um prédio urbano, destinado a um ...;

Tendo dado à 2.ª ré, C, a execução dos projectos e trabalhos de contenção periférica dos terrenos do seu prédio, entre os quais os que confinavam com o edifício da A.;

No âmbito dos trabalhos que a 1.ª ré levou a efeito, procedeu esta a escavações muito profundas no terreno, atingindo profundidade superior a trinta metros. E, em relação ao edifício da autora, as escavações ultrapassaram, em algumas zonas mais de vinte metros abaixo do nível das respectivas fundações;

Em consequência directa e necessária das referidas escavações, os terrenos sobre os quais assenta o edifício da A. cederam, e começaram a fazer-se sentir graves anomalias em áreas desse edifício confinantes com o prédio da 1.ª ré, consistentes na movimentação de todo o corpo nascente do ..., em relação aos restantes corpos do edifício, na abertura de juntas, fissuras e fendas nas paredes, tectos e pavimento, na quebra de vidros, pilares e vigas estruturantes, na queda de partes de betão provenientes dos tectos e dos pilares, no desnivelamento de soalhos na ordem de vários centímetros;

Anteriormente ao início das escavações no prédio vizinho, o edifício da A. estava em inteiras condições de segurança e conservação;

Não obstante os avisos da A. à 1.ª Ré, esta continuou com a obra, designadamente com as aludidas escavações, perante o que a A. se viu obrigada a requerer providência cautelar do embargo de obra nova, a qual foi decretada por sentença de 10 de Novembro de 1999;

Entretanto as anomalias agravaram-se, aponto de aquele corpo do ... estar sob sério risco de desmoronamento;

(…)

Estes danos resultaram de culpa das RR. na execução dos trabalhos, já que aquelas, ou não procederam aos estudos necessários e adequados a prever e evitar a situação ocorrida, ou, se os realizaram, os mesmos resultaram errados e inadequados; utilizaram processos inadequados nos trabalhos de perfuração e escavação; e a 1.ª ré foi informada, por diversas vezes, dos danos, tendo persistido em continuar a obra.

(…)

As rés são responsáveis nos termos do art. 483.º ss. do C. Civil. E sempre seriam obrigadas a indemnizar a autora pelos prejuízos causados, nos termos do art. 1348 do C. Civil, obrigação que não depende de culpa do agente.

Ou seja, a autora alegou os pressupostos de facto da responsabilidade civil fundada no art. 1348.º do C. Civil a saber - a ré realizou no seu prédio escavações e, em consequência destas, foram produzidos danos no prédio contíguo, pertencente à autora. E, a final, invocou a aplicação do referido preceito legal, deixando clara, se alguma dúvida pudesse subsistir, a sua vontade de se prevalecer daquele fundamento de responsabilidade.

O que não é contrariado pelo facto de a autora também ter invocado a existência de responsabilidade civil fundada na culpa de ambas as rés. Em relação à proprietária do terreno onde foram efectuadas as escavações, os pressupostos das duas formas de responsabilidade são comuns, ressalvada a questão da ilicitude e da culpa, e a alegação destes pressupostos não tem a virtualidade de excluir, ou de limitar, a responsabilidade que possa ser reconhecida sem eles. E, como se referiu, a autora deixou clara a invocação dos dois fundamentos de responsabilidade.

Como, de resto, foi bem entendido pela co-ré C e pela chamada E, que deduziram oposição expressa a essa causa de pedir.

Voltando às conclusões:

3°. No presente processo não está minimamente provado o "custo dos trabalhos de demolição, reconstrução e reparação das zonas afectadas do edifício propriedade da A.", pois na resposta ao quesito 92° da BI apenas se refere, erradamente, que "as obras ... foram orçadas num valor aproximado de cerca de 300.000.000$00", o que integra mera estimativa de custos, não demonstrando, nem provando a materialidade e valor de quaisquer danos, eventualmente suportados pela ora recorrente (v. art. 1348°/2 do C. Civil; cfr. art. 483° do C. Civil) - cfr. texto n. ° 4;

Nesta conclusão, a apelante defende que não ficou provado o custo dos trabalhos de demolição e de reconstrução das zonas do edifício da autora que foram afectadas pela escavação, mas apenas um valor estimado.

Faltando, assim, um pressuposto da obrigação de indemnizar.

Mas também aqui se julga manifesta a falta de razão da apelante.

Desde logo, e como se ponderou em sede de decisão de facto, a resposta ao art. 92.º da BI, esclarecida pela respectiva fundamentação, deve ser entendida como significando que o tribunal estimou o custo dessas obras em cerca de 300.000.000$00 + IVA.

Mas, mesmo que assim não devesse ser entendido, nunca poderiam subsistir dúvidas de que se tratava de obras de grande dimensão e de custo elevado, cuja determinação, a ser necessário, deveria ser relegada para posterior liquidação. Sendo absolutamente inaceitável, numa tal hipótese, concluir pela improcedência da pretensão indemnizatória apenas por falta de determinação rigorosa do custo dessas obras de demolição e de reconstituição.

Depois, a impugnação assim deduzida é limitada a essas despesas de demolição e de reconstrução das partes afectadas do edifício da autora. Não abrangendo os danos, também de natureza patrimonial, que foram atendidos na decisão recorrida, fundados nos seguintes factos:

- Face às referidas anomalias e ao perigo iminente para a vida, não só de trabalhadores, como também de clientes do ..., a sociedade exploradora do ..., com a concordância da A. e da 1.ª Ré, encerrou a lavandaria do ... em 14 de Junho de 1999 - resposta ao quesito 20.°.

- Retirando do ... toda a maquinaria pesada e procedendo à sua desmontagem, transporte e guarda por empresa especializada, face à inexistência de meios e locais, no ..., onde pudesse ser armazenada - resposta ao quesito 21.°.

- A Autora pagou o montante de Esc. 768.890$00 com a desmontagem e transporte das máquinas da lavandaria do local onde estavam a laborar para outro lugar seguro – resposta ao quesito 93.°.

Esta despesa foi atendida na indemnização fixada na decisão recorrida, e isso não foi questionado, nem pela ora apelante B. Que, para além de questionar que a autora tenha sofrido um dano de valor correspondente ao custo de demolição e reconstrução dos Anexos, que não foram, nem serão reconstruídos, apenas impugnou a existência de danos não patrimoniais.

Devendo, assim, ser considerada reconhecida a existência dos danos traduzidos nos factos julgados provados em resposta aos art. 20º, 21º e 93º da BI.

E havendo que definir a responsabilidade por essas despesas.

Voltando às conclusões, prossegue a apelante:

4°. O art. 1348° do C. Civil não estabelece qualquer excepção ao disposto nos arts. 334° e 562° a 572° do C. Civil, nem tem o alcance que a autora lhe pretende agora atribuir, pois:

a) Apenas tutela danos "com as obras feitas" de escavação, e não danos decorrentes de outras causas, factos pretéritos e anteriores às escavações realizadas, a partir de finais de 1998, como se verifica in casu (v. Ac. STJ de 2008.11.13, Proc. 0883485; Ac. da Rel. do Porto de 1997.05.15, Proc. 9730032);

b)  Prescinde da qualificação da culpa do autor do dano - dolo, culpa ou negligência -, mas não de um nexo casual de imputação da autoria e da prova da verificação e do concreto montante dos danos, que não se presumem (v. Acs. Rel. do Porto, de 1997.05.15, Proc. 9730032; de 1993.04.13, Proc. 9250873; de 1992.04.30, Proc. 9250875; Ac. Rel. de Lisboa de 1992.04.07, Proc. 9078; Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, 2° ed., 111/182-183), e, decisivamente;

c) Não legitima comportamentos abusivos ilícitos e culposos imputáveis ao próprio lesado (v. arts. 334° e 570° do C. Civil), pois "seria inadmissível que quem age licitamente fosse tratado mais desfavoravelmente que quem age com dolo ou negligência" (v. Oliveira Ascenção, A preservação do equilíbrio imobiliário como princípio orientador da relação de vizinhança, ROA, 207,1/13) - cfr. texto n. ° 5;

5°. O citado art. 1348°/2 do C. Civil nunca poderia assim legitimar as extensas actuacões e omissões ilícitas e culposas da própria autora, integrando a presente acção o exercício abusivo de pretensos direitos (v. arts. 334° e 570° do C. Civil), sendo certo que os pedidos indemnizatórios sub judice respeitam a uma unidade ...eira - ... - que já foi integralmente demolida, por iniciativa e em benefício da ora recorrente, que não suportou nem suportará quaisquer danos, nomeadamente com a reconstrução e reparação de um edifício que não existe - cfr. texto n.° s 5 a 7;

Vejamos:

Muito sumariamente, julga-se que os princípios enunciados nas diversas alíneas da conclusão agora em apreço, não suscitam dúvidas, ou reservas. A questão é a sua aplicação ao caso concreto.

Assim:

É seguro que só poderão ser atendidos na presente acção os danos efectivamente resultantes da escavação realizada no prédio da ora apelante nos anos de 1998/1999, ficando excluídos quaisquer danos anteriores.

Mas, estando esta componente do pedido de indemnização equacionada em termos de envolver o pagamento dos custos dos trabalhos de demolição e de reconstrução das zonas afectadas pela escavação, o estado anterior do edifício não releva para esse efeito. Posto que, nos termos também já referidos, a obrigação de reparação das zonas afectadas pela escavação só não existiria se, nos termos da parte final do art. 566.º do C. Civil, fosse excessivamente onerosa para a devedora. E não foi alegada, nem está provada, matéria de facto que permita fundar qualquer apreciação a esse respeito.

Assim, se fosse de concluir que a ora apelante devia responder por esses custos, não haveria fundamento para deduzir neles qualquer quantia a título de outros danos anteriores, posto que não há como concluir que a reconstrução da zona afectada seria excessivamente onerosa para a devedora.

Prosseguindo, a questão do nexo de imputação objectiva das anomalias verificadas no edifício da autora às escavações realizadas no prédio da ré ficou estabelecida em sede de decisão sobre matéria de facto. Nos termos julgados provados, as escavações realizadas no terreno da ré deram origem às diversas anomalias descritas nas respostas aos art. 3.º a 34º da BI, tendo desencadeado o respectivo processo causal.

Conclusão que não é prejudicada pelo facto de também ter sido julgado provado, em resposta ao art. 45.º da BI, que a pressão exercida sobre o morro, pelas fundações do Anexo do edifício da autora e pelo muro de contenção, contribuiu para a verificação dos movimentos de terras, que puseram em causa a estabilidade estrutural do Anexo. Impondo-se, apenas, esclarecer a quem essa contribuição deve ser imputada, designadamente se deve ser imputada à autora.

Questão cuja apreciação se relega para momento posterior, esclarecendo-se primeiro os fundamentos da responsabilidade das rés. Parecendo seguro que a responsabilidade da proprietária do terreno por danos resultantes de escavações, fundada nos termos do art. 1348.º do C. Civil, só é excluída por culpa do lesado se apenas o lesado tiver dado causa aos danos. Já não é excluída quando, designadamente, os danos também sejam imputáveis a culpa da empreiteira, ou da própria proprietária do prédio onde foram realizadas as escavações.

Por fim, a questão de saber se a autora sofreu um dano em medida correspondente ao custo das obras de demolição e de reconstrução das partes do edifício da autora afectadas pela escavação, será apreciada no âmbito do recurso principal, interposto pela autora, de que constitui o principal objecto. Sendo certo que a apreciação do recurso sempre teria de prosseguir para determinação da responsabilidade pelas despesas de remoção das máquinas da lavandaria, em relação às quais nenhuma impugnação foi deduzida.

Por ora, importa apenas considerar assente a aplicabilidade, no caso dos autos, do regime de responsabilidade estabelecido no art. 1348.º do C.Civil.

Prossegue a apelante

B - DA INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE POR ACTOS ILÍCITOS

6°. Da matéria de facto dada como assente no presente processo e na douta sentença recorrida não resultam demonstrados nem provados os pressupostos e requisitos da responsabilidade civil da ora recorrida B - dano, ilicitude, culpa e nexo de causalidade -, que nunca poderia ser condenada no pagamento de qualquer indemnização à ora recorrente (v. arts. 342° e 483° do C. Civil) - cfr. texto n.° 8;

BA - DOS DANOS NÃO PROVADOS

7°. No caso sub judice não foram concretizados, nem provados os pretensos danos invocados pela ora recorrente, que não se verificaram nem se verificam actualmente (v. arts. 483° e 1348°/2 do C. Civil) - cfr. texto n. ° s 9 e 10;

8°. O valor do dano patrimonial eventualmente suportado pela autora não se identifica com qualquer montante conclusiva e genericamente referido em conjectural orçamento ou estimativa de custos, que nunca foi aceite pela B (v. resposta ao quesito 92° da BI), não podendo deixar de considerar-se a "situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal" (v. art. 566°/2 do C. Civil), avaliando-se a efectiva lesão e eventualmente causada à luz da teoria da diferença (v. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5° ed., p.p. 643 e segs.), o que não se verificou In casu - cfr. texto n.° s 10 a 13;

9°. No caso sub judice não faz sequer qualquer sentido considerar-se a "reparação dos danos no ..., em ordem a conferir às zonas afectadas a estabilidade e segurança que possuíam antes da actuação dos RR" (v. quesito 92° da BI) e, muito menos, o valor da reconstrução de partes de um edifício que foi demolido e não será reconstruído (v. pedido, a fls. 2190-2191 dos autos), no interesse e com claro benefício para a pretensa lesada (v. arts. 562° e 564° do C. Civil) - cfr. texto n. ° s 12 e 13;

10°. Na definição do prejuízo eventualmente causado e da quantificação da lesão efectivamente provocada à conjectural "situação patrimonial do lesado" (v. art. 566°/2 do C. Civil), é manifesto que nunca poderia deixar de ser considerado o estado de degradação em que o ... se encontrava em 1998, em consequência de situações anteriores, devendo ser feita "uma avaliação concreta do dano e não uma avaliação abstracta" (v. Antunes Varela, Das Obriaacões em Geral, 1/924, nota 1), como pretende agora a ora recorrente - cfr. texto n. ° s 12 a 13;

Está agora em causa a verificação, no caso, dos pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, estabelecida nos art. 483.º e seguintes do C. Civil.

A este propósito, a apelante começa por reiterar o que já tinha alegado em relação à verificação e valoração dos danos resultantes das escavações, no capítulo que destinou à impugnação dos pressupostos da responsabilidade civil por actos lícitos. Assim sendo, remete-se para as considerações já feitas a esse propósito, designadamente no que respeita à determinação da contribuição da autora para a produção dos danos e à valoração destes.

Prossegue a apelante:

BB - DA INEXISTÊNCIA DA ILICITUDE E CULPA DA RECORRIDA

11°. No presente processo não se provou, nem sequer se demonstrou qualquer actuação imputável à ora recorrida B que fosse susceptível de ser qualificada como ilícita e culposa (v. arts. 342° e 483° do C. Civil), pois esta limitou-se a promover a construção de um edifício, após obter as necessárias licenças, contratou empreiteiros com especificas competências técnicas para o planeamento e execução da respectiva escavação e contenção periférica (v. alíneas F, G e 1 dos FA), que inclusivamente assumiram "uma obrigação de resultado" (v. fls. 213 dos autos), tendo ainda tomado todas as diligências consideradas necessárias, após ter conhecimento dos danos invocados pela autora (v. alíneas L e M dos FA; cfr. respostas aos quesitos 44°, 51°, 64°, 67°, 69°, 70° e 71° da MI- cfr. texto n.° s 15 e 16;

Aqui está em causa saber se os danos invocados nos autos não foram causados por qualquer acto ilícito e culposo da ora apelante, pressupostos da obrigação de indemnizar estabelecida nos art. 483.º e ss do C. Civil.

Essa questão não chegou a ser apreciada na decisão recorrida, onde a responsabilidade da ora apelante foi fundada apenas na sua qualidade de proprietária do terreno onde foram realizadas as escavações causadoras dos danos invocados pela autora. E, nos termos acabados de referir, o assim decidido deve ser confirmado, sendo relativamente indiferente saber se a ora apelante também deu culposamente causa aos danos.

Ainda assim, e porque a apelante suscita a questão, julga-se que não lhe assiste razão e que devem ser considerados verificados, em relação a ela, os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos enunciados nos art. 483.º e seguintes do C. Civil, designadamente a ilicitude e a culpa.

Muito sumariamente, relembra-se que no dia 08-02-1999 a ora apelante teve conhecimento de que os trabalhos de escavação em curso estavam a produzir danos no prédio da autora, e de que estes se foram progressivamente agravando, enquanto não foram reforçadas as medidas de contenção, mas não suspendeu, entretanto, esses trabalhos. Ou seja, a ora apelante prosseguiu com a execução dos trabalhos de escavação no seu terreno, depois de saber que os mesmos estavam a causar danos ao prédio da autora, e antes de reforçar as medidas de contenção, assim violando, de forma consciente, o direito de propriedade da autora. Pois que não podia deixar de prever que, sem o reforço da contenção, os danos se iriam progressivamente agravar, como se agravaram, e, apesar disso, prosseguiu com os trabalhos de escavação, numa atitude que permite configurar a existência de dolo eventual em relação aos danos que se vieram a verificar.

Assim, os danos verificados no edifício da autora em consequência das escavações realizadas depois de a ora apelante ter tomado conhecimento de que estavam a ser produzidos danos naquele prédio da autora, são imputáveis a culpa da apelante. O que acaba por envolver todos os danos causados, posto que foi a continuação dos trabalhos que deu causa aos danos estruturais, que tornaram inviável a reparação da parte da construção afectada, sem a sua demolição. E também obrigaram à remoção da lavandaria.

Deste modo, também estão verificados, em relação à ora apelante, os pressupostos da obrigação de indemnizar fundada na culpa.

***

Prosseguindo, julga-se oportuno proceder agora à apreciação da impugnação deduzida pela ré C, limitada à questão da sua culpa na produção dos danos.

Esta apelante rematou as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) A empreiteira ou subempreiteira só pode ser responsabilizada por danos causados a outrem ocorridos no exercício da sua actividade se tiver actuado dolosa ou culposamente.

b) A matéria dada como assente, quer nas repostas aos artigos 55º, 56º, 64º, 67º, 69º e 70º da BI, quer no já constante nas alíneas O) e P) dos FA, não permite concluir que a ora recorrente tenha actuado culposamente.

c)  Assim, faltando o requisito da culpa, não devia a mesma ter sido condenada nos termos constantes da sentença recorrida, à qual se imputa a violação, por erro de interpretação e de aplicação no disposto no artigo 483º n°1 do CC, a interpretar nos termos ora propugnados.

Consequentemente, (….) haverá que conceder provimento ao presente recurso subordinado, revogando-se a sentença recorrida, no que à ora recorrente toca, assim se fazendo a habitual Justiça!

A primeira conclusão formulada não suscita dúvidas. A ré C, demandada na sua qualidade de empreiteira da obra de contenção periférica dos terrenos adjacentes às escavações efectuadas no prédio da ré B, só pode ser responsabilizada pelos danos resultantes das escavações se tiver agido com culpa. Julgando-se ser pacífico o entendimento de que o autor das obras a que se refere o n.º 2 do art. 1348.º do C. Civil é o respectivo dono e não o seu autor material. Designadamente no caso de obras realizadas mediante contrato de empreitada, o autor das obras para efeitos deste preceito legal é o dono da obra e não o empreiteiro. Neste sentido pode ver-se, por todos, o Ac. do STJ de 13-04-2010 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.

E, estando em causa o reconhecimento de responsabilidade civil extracontratual, era à parte lesada que incumbia fazer prova da culpa da empreiteira, que não se presume, diversamente do que sucede na relação contratual entre a empreiteira e a dona da obra.

Na segunda conclusão, a apelante pretende que essa prova não foi feita e que a matéria de facto provada não permite concluir que a mesma tenha agido com culpa.

Mas julga-se que não lhe assiste razão.

Aliás, em bom rigor, a ora apelante não chega a impugnar a fundamentação da decisão recorrida, na parte em que ali se se fez assentar a responsabilidade da ora apelante na insuficiência do projecto inicial de contenção por ela elaborado. Depois de transcrever essa fundamentação, a ora apelante limitou-se a afirmar a sua discordância em relação à mesma, não se vendo que tenha, de alguma forma, justificado essa discordância. E, no lugar dessa justificação, alegou ter diligenciado prontamente pela realização do projecto de reforço da contenção, logo que isso se revelou necessário. Mas o que estava em causa era a necessidade desse reforço, que evidenciava a insuficiência do projecto inicial de contenção, da sua responsabilidade.

Assim, o que efectivamente aqui está em causa é saber se os erros e insuficiências do projecto inicial de contenção, da autoria da ora apelante, lhe são imputáveis a título de culpa, não relevando, para esse efeito, a sua intervenção no reforço desse projecto inicial e na respectiva execução.

E, uma vez que, em relação a esta questão, a apelante nada alegou, parece que nada haveria que conhecer, posto que o objecto do recurso está, antes de mais, delimitado pelas respectivas alegações.

Ainda assim, admitindo-se que, ao manifestar a sua discordância em relação ao decidido, a apelante suscite a necessidade da sua reapreciação, julga-se que a conclusão estabelecida na decisão recorrida deve ser mantida.

Desde logo, julga-se ser extensiva a esta ré a censura fundada na não suspensão dos trabalhos de escavação e de contenção após a verificação de que estavam a ser produzidos danos, progressivamente agravados, no edifício da autora. Entendendo-se que incumbia especialmente a esta ré, responsável pela contenção do prédio da autora, a avaliação dessa situação e a indicação do procedimento mais adequado a fazer-lhe face. Que, segundo se julga, passava pela imediata suspensão dos trabalhos de escavação, enquanto não fosse efectuado o reforço da contenção.

Mas, antes disso, julga-se que as próprias insuficiências do projecto inicial de contenção lhe são imputáveis.

Relembra-se que, a este propósito, a ora apelante alegou na sua contestação:

Os elementos que serviram de base à realização da memória descritiva foram fornecidos pela 1.ª ré, constando das plantas e cortes referentes ao projecto de arquitectura e do relatório de reconhecimento geológico-geotécnico realizado pela D.

Este relatório estava errado, tendo sido demonstrada, em sondagens e ensaios realizados pela ré C, a existência de uma maior percentagem de terreno argiloso do que a que constava do referido estudo, uma estrutura complexa dos solos compartimentada por falhas geológicas causadoras de zonas de deslizamento, bem como a presença errática de água, que no mesmo estudo se dizia não existir.

E a 1.ª ré também não lhe forneceu informação sobre as características e condições das fundações e do tipo de estrutura do edifício da A., que eram invulgares.

A 1.ª ré também ocultou à 2.ª ré anteriores trabalhos de escavação por ela levados a cabo no local no ano de 1981, os quais afectaram a estabilidade do edifício da A., quer a nível de fundações, quer a nível dos solos dos terrenos confinantes, sendo que, caso não tivesse sido omitida a respectiva informação, a 2.ª Ré não teria considerado suficientes os elementos que lhe foram fornecidos.

Ora, estando em causa a elaboração e a execução de um projecto da especialidade da ré, era a esta que incumbia obter toda a informação que reputasse necessária à sua execução. Como seria, no caso, o sistema de fundações dos edifícios confinantes com a escavação, ou a existência de escavações anteriores, que a ora apelante considerou relevantes para a definição das necessidades de contenção. Tendo assumido a responsabilidade pelo projecto, a ora apelante não podia deixar de verificar tudo o que pudesse relevar para a boa execução do mesmo. E se a dona da obra não lhe forneceu todos os elementos necessários a esse fim, não podia contentar-se com os elementos por ela disponibilizados. Ou lhos pedia, ou os obtinha ela própria, mas nunca poderia concluir o projecto sem uma avaliação rigorosa de todas as condicionantes que devessem ser atendidas.

Ora, nos termos referidos, a própria apelante alegou que as insuficiências do projecto inicial se ficaram a dever à falta de informação sobre o tipo de fundações do edifício da autora e sobre a existência de anteriores escavações no terreno da ré B.

E, mesmo no que respeita à utilização do relatório de reconhecimento geológico-geotécnico referido na al. h) dos factos assentes, se afigura que a ora apelante não está isenta de culpa. É certo que esse estudo foi realizado por uma terceira sociedade, sem qualquer intervenção da ora apelante, tendo-lhe sido disponibilizado pela ré B. Mas, previamente à sua utilização, a ora ré não podia deixar de fazer uma avaliação dos respectivos termos, designadamente do método utilizado e da justificação das conclusões formuladas. Que estavam significativamente erradas, conforme resultou da resposta aos art. 55º e 56º da BI. Parecendo que, se tivesse feito uma cuidada apreciação desse relatório, tendo também em consideração que o mesmo datava já do ano 1981, a ora apelante se teria apercebido das suas limitações. Que era suposto existirem, tendo em conta a dimensão dos erros que foram verificados. A menos que se devesse admitir que essas avaliações, mesmo bem efectuadas, podiam conter erros dessa dimensão.

Mas mesmo que não possa ser censurada à ora apelante a utilização deste relatório na elaboração do projecto de contenção, subsistem os demais fundamentos de culpa já referidos.

Devendo concluir-se pela improcedência deste recurso, onde esta era a única questão suscitada.

***

Uma vez reconhecida a existência de responsabilidade das duas rés pelos danos sofridos pela autora em consequência das escavações realizadas no terreno da ré B no período de e1998/1999, afigura-se oportuno proceder agora à avaliação da responsabilidade da própria autora na produção desses danos. Saber se, e em que medida, a autora lhes deu causa.

Esta questão foi suscitada pela apelante B, quer no âmbito das suas contra-alegações no recurso principal, quer no âmbito das suas alegações no recurso subordinado, sendo mais explícitas as conclusões que formulou no âmbito deste último recurso que, segundo se julga, não deixou de fora qualquer argumento invocado nas contra-alegações.

Será, pois, a partir das conclusões formuladas no recurso subordinado que se procederá à apreciação desta questão.

Conclui a apelante:

C -DA RESPONSABILIDADE DA ...;

11°. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, as actuações e omissões imputáveis à ... que foram provadas no presente processo, determinaram ou, pelo menos, concorreram decisivamente para a verificação dos pretensos danos e "anomalias" conclusivamente invocadas, que nunca poderiam ser exclusivamente imputáveis a actuações da B (v. arts. 334° e 570° do C. Civil), pois:

a)               Não é possível estabelecer qualquer relação segura de causa-efeito ou nexo de causalidade entre a escavação e construção levada a efeito no prédio da B e o eventual aparecimento de "anomalias", que já anteriormente existiam no ... da ora recorrida (v. fls. 492 do processo cautelar apenso e fls. 337, 1066 e segs., 1073 a 1086 e 1071 e segs. dos autos; cfr. Ac. STJ de 1996.11.12, BMJ 461/411);

b) A ... reclamou na presente acção o pagamento de indemnização por danos alegadamente causados em prédio que erigiu sobre uma parede inclinada em direcção ao prédio da B (v. resposta ao quesito 42° da BI), assumindo o pressuposto que o prédio da ora recorrente não viesse a sofrer alterações, e que, se tal acontecesse, seriam necessariamente causados danos no ... (v. resposta ao quesito 84° da BI; cfr. depoimento de Carlos Lobato, com gravação identificada nas actas de fls. 1014 e 1204 dos autos), assentando ainda o seu ... sobre fundações Ilegais e clandestinas, em clara violação do projecto aprovado licenciado, no qual se previa a construção de um muro auto-portante, com o qual os técnicos da B sempre contaram (v. fls. 493 do processo cautelar apenso, plantas de fls. 1073 e segs. dos autos e Docs. de fls. 693 e segs. dos autos);

 c)              A ... deliberada e culposamente nunca informou a B das características das fundações clandestinas que construiu, as quais tiveram "como pressuposto que o terreno contíguo aos Anexos - que actualmente pertence à B – não viesse a sofrer alterações" (v. resposta ao quesito 84° da BI);

d) A ... deliberada e culposamente só informou a B da ocorrência de danos no seu prédio por carta datada de 1999.03.10 (v. resposta ao quesito 90° da BI), apesar de os conhecer e proceder à sua monitorização, pelo menos, desde 1998 (v. fls. 376 dos autos) - cfr. texto n .° s 14 a 20;

Vejamos:

Como se viu, está aqui em causa saber se, e em que medida, a própria autora contribuiu culposamente para produção dos danos verificados no seu edifício.

A apelante começa por lembrar que não existe nexo de causalidade entre as escavações realizadas nos anos de 1998/1999 e as anomalias que o edifício já apresentava na data em que aquelas foram iniciadas. Mas, sendo seguro que assim é, isso em nada releva para a definição da questão da responsabilidade da autora pela produção dos danos, que ora se pretende analisar.

Prosseguindo, a apelante imputa à autora as características anómalas das fundações dos Anexos nascentes, que seriam clandestinas, pretendendo que foram essas características que deram causa, ou pelo menos contribuíram, para a produção dos danos.

A este propósito, está assente nos autos a seguinte factualidade:

(...) estruturalmente, tratava-se de um edifício (do ...)  com alguma complexidade, nomeadamente no corpo designado por "Anexos posteriores", mais a nascente, cuja construção é executada sobre um sistema estrutural que se desenvolve "em ponte", sobre um "vazio", entre o corpo principal do ... e o terreno localizado ao nível do logradouro correspondendo aproximadamente ao 8° piso dos quartos. Nota-se que a zona de logradouro está delimitada por um muro de contenção do talude. O sistema estrutural desta "ponte" é constituído por vigas metálicas e vigas de betão armado.

" (...) identificam-se nesta zona de construção diversas juntas. Algumas delas correspondem a vigas simplesmente apoiadas, sendo um dos apoios em pequenas consolas integradas nos pilares – (parte da al. c).

- As fundações do "corpo nascente" ("Anexo nascente") do ... apoiavam-se no morro contíguo ao edifício principal, que estava revestido por uma parede inclinada em direcção ao prédio da 1.ª ré - resposta ao quesito 42.º.

- As características geológicas e geotécnicas do terreno onde foi implantado o Anexo Nascente eram propícias à ocorrência de movimentos de terras – resposta ao quesito 43.º.

- A pressão exercida sobre o morro pelas fundações do Anexo e pelo muro de contenção, contribuiu para a verificação dos movimentos de terras que puseram em causa a estabilidade estrutural do Anexo – resposta ao quesito 45.°..

- O tipo de construção do ... teve como pressuposto que o terreno contíguo aos Anexos – que actualmente pertence à B – não viesse a sofrer alterações – resposta ao quesito 84.°.

Como se concluiu na resposta alterada ao art. 45º da BI, o tipo de fundações utilizado para a construção do Anexo nascente contribuiu para a produção dos danos sofridos pela autora. Havendo agora que determinar a quem é que esse contributo deve ser imputado.

Muito brevemente, julga-se que esse contributo deve ser imputado a todas as partes, autora e rés.

À autora, porque se afigura inaceitável fazer fundações de um edifício, ou de parte dele, destinado a durar por tempo indeterminado, assentes no pressuposto de que o terreno contíguo não viria a sofrer alterações. Sendo evidente que esse pressuposto não podia ser assegurado a médio ou longo prazo.

Para além disso, a estrutura de suporte do Anexo não estava travada no edifício do ..., como seria desejável e possível, mas apenas apoiada, daí resultando também uma injustificada limitação da sua estabilidade. Tanto mais que o muro de contenção exercia pressão sobre o morro na direcção do prédio da ré, tornando mais necessário esse travamento da estrutura apoio do Anexo no edifício principal do ....

Assim, apesar de não resultar da matéria de facto assente, nem de qualquer meio de prova junto aos autos, que as referidas fundações fossem clandestinas, embora também não resulte o contrário, julga-se que as mesmas eram efectivamente anómalas e inaceitáveis, o que, para efeitos da presente acção, deve ser imputado à autora, dona dessa construção.

Mas também é imputável às rés, mais directamente à ré C, autora do projecto de contenção, que não teve em consideração, e não podia deixar de ter tido, a existência do referido Anexo e o tipo de fundações nele utilizado. Realidades cujo esclarecimento cabal se lhe impunha antes de dar como concluído o seu projecto de contenção.

Nas alíneas restantes a apelante censura à autora a falta de informação sobre as aludidas características das fundações do anexo nascente e sobre a existência de anomalias causadas pelas escavações, logo que as mesmas foram verificadas.

Mas, quanto à primeira parte, não resulta da matéria de facto assente que a autora tenha omitido qualquer informação, ou recusado qualquer esclarecimento, sobre o tipo de fundações do seu edifício. Desconhecendo-se se alguma informação lhe foi solicitada, e não se vendo que lhe incumbisse a iniciativa dessa informação. Nos termos já referidos, era às rés, em particular à ré C, que incumbia providenciar por essa informação, reconhecendo a própria que não o fez.

No mais, resulta dos autos que a autora não informou prontamente as rés da verificação de anomalias no seu prédio, imputáveis às escavações, logo que delas teve conhecimento, mas não se indicia que esse conhecimento tenha sido anterior a meados do mês de Fevereiro de 1999, altura em que terão sido colocados os primeiros testemunhos, supostamente sobre fissuras já verificadas. E, sendo certamente censurável a demora na prestação dessa informação, que apenas foi feita pela carta de 10-03-1999, e já depois de as rés terem tomado conhecimento, por si próprias, da existência de anomalias, não se vê que essa demora tenha dado causa à produção, ou ao agravamento de danos. Pois que, como já se observou, a prestação dessa informação não teve influência no prosseguimento dos trabalhos de escavação, nada permitindo pensar que teria sido diferente se a informação tivesse chegado um pouco mais cedo.

Nada acrescendo, por esta via, à contribuição da autora para os danos.

Ficando esta limitada nos termos acima referidos.

Fazendo agora o confronto das contribuições da autora e da ré, propendemos a sobrelevar a desta última. Pois que incumbia efectivamente à ré verificar toda a realidade existente no terreno, e apresentar um projecto adequado a fazer-lhe face, contendo os efeitos da escavação nos prédios vizinhos, sendo inaceitável que tivesse concluído o seu projecto de contenção sem ter informação sobre as fundações do prédio da autora.

 Nesta perspectiva, afigura-se adequada a repartição de culpas na proporção de ¼ para a autora e ¾ para a ré C, cuja responsabilidade é acompanhada pela ré B, nos termos do art. 1348.º do C. Civil.

Sendo a responsabilidade da ré B acompanhada, por força do contrato de seguro, pela chamada E.

Devendo ao montante da indemnização ser fixado em ¾ do valor dos danos.

Respondendo as rés e a chamada E solidariamente pelo pagamento da indemnização, nos termos do art. 497.º do C. Civil

***

Definida a questão da responsabilidade, resta determinar e valorizar os danos causados à autora pelas escavações.

Já se viu que a decisão recorrida condenou as rés no pagamento das despesas de desmontagem e transporte das máquinas da lavandaria, no montante de Esc. 768.890$00, ou € 3.835,21, e ainda no montante de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

E julgou não ser devida indemnização com fundamento nas despesas de demolição e de reconstrução do corpo nascente do ....

Em relação ao assim decidido, não foi identificada impugnação relevante à verificação do dano correspondente às despesas de mudança da lavandaria. Dano que, assim, deve ser considerado reconhecido, ou excluído do âmbito deste recurso.

No mais, importa saber:

- Se é devida indemnização à autora em valor correspondente às despesas de demolição e de reconstrução do corpo nascente do ....

- Se estão provados danos não patrimoniais indemnizáveis e, na afirmativa, a respectiva valoração.

Em relação à primeira questão, a autora concluiu nos seguintes termos:

b) Em matéria de obrigação de indemnizar vigora, como regra geral, o princípio da reconstituição ou reposição natural previsto no art.° 562.° do CC;

c) Todavia, o art.° 566.°, n.° 1 do CC, afasta aquele princípio ao determinar que, em certos casos, a indemnização deve ser fixada em dinheiro:

d)   Um dos casos em que a lei impõe o afastamento do princípio da reposição natural é o de essa reconstituição não ser possível, impondo a lei que, neste caso, a indemnização seja fixada em dinheiro (art.° 566.°, n.° 1 do CC);

e) No caso "sub judice", as partes reconhecem e a sentença dá como assente, que a reconstituição natural dos danos causados pelas RR. ao edifício propriedade da A. é já impossível;

Por isso, a sentença deveria ter condenado as RR no pagamento à A. de uma indemnização fixada em dinheiro, nomeadamente, e para além de outros prejuízos a liquidar em execução de sentença, no montante já liquidado e dado como provado correspondente ao custo dos trabalhos de demolição, reconstrução e reparação das zonas afetadas do edifício, ou seja Esc. 300.000.000 acrescidos de IVA;

f)                               "Acresce, todavia, da conjugação das normas dos citados art.°s 562.° e 566.º, n.° 1, que nada impede, não obstante a redação do primeiro, que o lesado - afinal a indemnização através da reposição natural visa, em última análise, favorecê-lo - venha, à partida, a optar pela indemnização pecuniária substitutiva ou equivalente" (Ac. STJ de 24-10-2002 cit.);

g)Se o lesante não aceitar o pagamento da indemnização pecuniária, deverá opor-se-lhe na contestação, pois é neste articulado que, segundo o disposto no art.° 489.°, n.° 1 do CPC, deve ser deduzida toda a defesa;

h)  Podendo a A. optar, desde o início, pela indemnização pecuniária, como fez, nunca as RR se opuseram ao pedido de indemnização sob essa forma, nem nas suas contestações, nem em qualquer altura do processo;

i)                 Também por tudo o referido - possibilidade legal da A. optar desde o início por uma indemnização pecuniária e não oposição das RR a essa forma de indemnizar - a sentença recorrida deveria ter condenado as RR no pagamento à A. de uma indemnização em dinheiro e não absolvê-las com o fundamento da impossibilidade de reconstituição natural dos prejuízos causados;

j)   A A. peticionou no seu articulado inicial o pagamento pelas RR de uma indemnização a liquidar em execução de sentença, tendo liquidado, nessa altura, o montante de prejuízos que à data podiam já ser liquidados, como impõe a lei;

k)               Era sobre esse pedido que se deveria ter pronunciado a sentença e não apenas sobre os prejuízos liquidados inicialmente, como fez;

l)                Entre a data da entrada do presente processo em juízo e a data de prolação da sentença em recurso, decorreram cerca de 13 anos e 3 meses.

Não seria lícito e de boa-fé exigir à A. que mantivesse o edifício intacto e a ameaçar ruína eminente durante todo este tempo, até pelas consequências que daí poderiam advir para o património e vidas alheias, e também para a 1.ª Ré que tem a funcionar há vários anos um ... de cinco estrelas no prédio vizinho do da A, como é público e notório.

Acresce que, como se dá provado na sentença, a parte afetada do edifício do ... correspondente ao corpo nascente foi demolida ainda antes da propositura da ação ou no seu decurso, tendo tal demolição sido imposta pelo perigo de ruína eminente que apresentava, com o consequente risco para pessoas e bens.

m)Está dado como provado no processo, com base no orçamento junto aos autos, que o custo das obras de reparação dos danos causadas pelas RR no edifício da A. orçava, naquela data (há mais de 13 anos), em Esc. 300.000.000 mais IVA.

Face a esta prova deveria a sentença recorrida ter condenado, desde logo, as RR no pagamento desse montante, para além de outros prejuízos que se viessem a liquidar em execução de sentença, conforme peticionado;

n) Mas ainda que, por hipótese, considerasse que tal prova não era suficientemente idónea para condenar as RR naquele montante - como parece quer dizer-se na sentença - deveria então e sempre condenar as RR no montante que se viesse a apurar em liquidação de sentença, como impõe o art.° 661.°, n.° 2 do CPC;

Em termos muito breves, julga-se que não assiste razão à apelante.

Não está em causa a dedução do pedido de indemnização em dinheiro, uma vez que essa é a regra. O princípio da reconstituição natural opera apenas como critério de determinação dos danos a atender na fixação do montante da indemnização. Que, ao menos em regra, é fixada na quantia em dinheiro necessária para assegurar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto gerador da obrigação de indemnizar.

Deste modo, o pedido inicialmente formulado estava em condições de ser julgado parcialmente procedente, respondendo as rés pelas despesas de demolição e de reconstrução da parte afectada do edifício da autora, ressalvada a medida em que os danos devessem ser imputados à própria autora.

Mas, a autora procedeu à demolição de todo o edifício, e não apenas da parte danificada, e não o reconstruiu, nem vai reconstruir, tendo dado um destino diferente ao seu prédio. Daí resultando que a autora não suportou, nem vai suportar, qualquer custo com a reconstrução, que não vai ser feita, não se vendo como é que esse custo, meramente hipotético, poderia ser identificado como um dano e conferir direito a indemnização. E a própria perda da parte danificada do edifício não pode ser considerada um dano para a autora, uma vez que essa parte só não foi reconstruída porque a autora decidiu não o fazer. Ou seja, aquela parte do edifício não se perdeu por ter sofrido danos, mas porque a autora decidiu demolir todo o edifício e não o reconstruir. Tendo optado por um projecto imobiliário diferente.

E o mesmo se passa, ainda que de forma menos evidente, com as despesas de demolição. Que, tendo existido, resultaram da decisão da autora, de demolir todo o edifício do ... e de dar um destino diferente ao seu prédio, e não dos danos produzidos pelas escavações. O que se compreende melhor considerando o princípio que rege a fixação da indemnização em dinheiro, quando a reconstituição natural não é possível, estabelecido no art. 566.º, n.º 2 do C. Civil.

Nos termos desta disposição legal, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. De acordo com esse critério, está em causa comparar a situação patrimonial em que a autora se encontra, com aquela em que a mesma se encontraria se não tivessem ocorrido os danos, correspondendo o saldo negativo que seja apurado à medida do dano a indemnizar.

Ora, fazendo essa comparação, nenhuma diferença é identificável no que respeita às despesas de demolição, posto que não foi alegado que essas despesas tivessem sido agravadas pelas anomalias existentes, resultantes das escavações. De facto, tendo decidido demolir todo o edifício do ..., incluindo a parte danificada, a autora sempre suportaria as respectivas despesas de demolição.

E é esse mesmo critério que não permite, por falta de elementos, apurar uma diferença no património da autora, fundada na perda do Anexo nascente. Pois que, nos termos já referidos, essa perda acabou por resultar de uma opção da autora, não se provando que tenha sido determinada pela situação do Anexo nascente. Não havendo como comparar a actual situação patrimonial da autora com a que a mesma teria se não tivesse sido realizada a escavação.

Concluindo-se, assim, que a matéria de facto fixada não permite determinar uma diferença entre a situação patrimonial real da autora na data de encerramento da discussão, e aquela em que a mesma estaria na mesma data, se não tivessem ocorrido as escavações.

Ou seja, não permite fixar qualquer medida de indemnização.

Devendo ser confirmado o decidido nesta parte.

Em relação à indemnização por danos não patrimoniais, a autora pretende ver alterado o seu valor para o montante de Esc. 25.000.000$00, que peticionou. E a ré B defende que não ficaram provados danos dessa natureza.

Por razões lógicas, importa começar pela verificação dos danos, só depois se pondo a questão da sua valorização.

Com relevo par a apreciação desta questão, foi julgado provado:

- O ... era um estabelecimento ...eiro de cinco estrelas, com cerca de três dezenas de anos de existência e detentor de grande prestígio junto de todo o meio turístico e ...eiro, agências de viagens, companhias de aviação e estabelecimentos congéneres, nacionais e estrangeiros – resposta ao quesito 94.º.

- Contando entre os seus clientes prestigiadas empresas, nacionais e multinacionais e organismos públicos e privados, que nas suas instalações levaram a efeito, ao longo de muitos anos, as mais diversas manifestações, desde congressos a seminários e reuniões de alto nível, inclusive com delegações governamentais de vários países – resposta ao quesito 95.°.

- Era sabido por todas essas entidades, pelos "media" e pelo público em geral, que a Autora era proprietária do ... – resposta ao quesito 96.°.

- Os administradores e quadros dirigentes da A. foram contactados por jornalistas, agências de viagens, empresas e clientes individuais e pelas mais diversas pessoas, que os interrogaram sobre a situação do ... e o estado em que se encontrava – resposta ao quesito 98.º.

- O que obrigou esses quadros a desdobrarem-se em explicações, as quais nem sempre produziram o efeito desejado – resposta ao quesito 99.º.

- A autora é uma das maiores empresas turísticas do País, altamente prestigiada, e cujo bom-nome e reputação são muitíssimo respeitados – resposta ao quesito 102.º.

Esta matéria foi valorada na decisão recorrida nos seguintes termos:

«Face a esta matéria, é forçoso concluir que a imagem da A., enquanto proprietária do  ..., e uma das maiores empresas turísticas do País, altamente prestigiada e cujo bom nome e reputação são respeitados, não pode deixar de ter sido afectada pelas perturbações ocorridas e pela notícia que se espalhou. O que obrigou os quadros e dirigentes a desdobrarem-se em explicações junto do meio ...eiro, comunicação social, agências de viagens e clientes, nem sempre com o êxito desejado.

Ou seja, e em conclusão, a A. sofreu danos não patrimoniais.

(…)

Afigura-se, contudo, excessiva a quantia pedida a este título, nomeadamente tendo em conta a bastíssima jurisprudência dos tribunais superiores ao fixarem a indemnização, a título de danos patrimoniais em casos de perda de vida, etc, e veja-se por último o citado acórdão do STJ, em caso idêntico ao dos presentes autos, onde foi confirmada a decisão que havia fixado em € 15.000, 00 o total da indemnização por danos não patrimoniais devida aos 3 autores.

Pelo quanto se deixou exposto, entendo ser equitativo fixar em € 5.000,00 o montante da indemnização devido à A. a este título

Como já se referiu, a apelante B defende que não ficaram provados danos não patrimoniais, tendo formulado as seguintes conclusões:

C - DOS CONJECTURAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS

14°. Os factos provados na presente acção (v. respostas aos quesitos 98° e 99° da BI), não integram qualquer ofensa ao bom nome, prestígio ou reputação da ora recorrente (v. art. 496° do C. Civil), que não demonstrou nem provou os factos constitutivos dos seus pretensos direitos (v. art. 342°/1 do C. Civil; cfr. respostas negativas aos quesitos 97°, 100°, 103° e 104° da BI), sendo certo que "os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais" (v. Ac. Rel. Coimbra de 2011.02.08, Proc. 265/07.7; cfr. no mesmo sentido, Ac. Rel. de Lisboa, de 2005.10.20, Proc. 1082/2008-8, ambos In www.dçisi.pt) -- cfr. texto n.° s 19 e 20;

15°. À data dos referidos factos, a ora recorrente nem sequer explorava o ..., estando a sua exploração a cargo doutra empresa (... Hotéis 11 - Actividades ...eiras, S.A. - v. fls. 32 e 63-64 dos autos; cfr. despacho do Tribunal a ano, de fls. 1011 dos autos), que não é parte na presente accão, nem suportou quaisquer danos (v. art. 496°/1 do C.Civil), pois aquele estabelecimento ...eiro constituía, desde há muito, uma "estrutura obsoleta" que era "uma agressão visual" (v. fls. 1117) e vinha acumulando significativo "agravamento nos resultados negativos" de exploração ...eira (v. fls. 1130 dos autos) - cfr. texto n. ° s 21 e 22;

Vista a matéria de facto fixada, julga-se que assiste razão à apelante B, quando defende que não ficou provado que a situação dos autos tenha causado à autora danos não patrimoniais.

Desde logo, em tese geral, não se vê como é que os danos verificados no corpo nascente do edifício da autora em consequência de escavações realizadas no prédio contíguo, mesmo sendo estruturais e comprometendo a estabilidade da parte do edifício afectada, poderiam afectar o elevado prestígio da sua proprietária. Pois que, ao menos na aparência, se tratava de uma situação exclusivamente imputável a terceiros, por isso insusceptível de ter efeitos no prestígio da autora. Não se vendo que a explicação dessa situação pudesse suscitar maiores dúvidas ou dificuldades, ao menos na medida em que a mesma não fosse imputável à própria autora.

Depois, apenas está provado que os colaboradores da autora foram insistentemente questionados sobre a situação e o estado do ... e que os mesmos se desdobraram em explicações, que nem sempre tiveram o efeito desejado. Mas ser questionado, mesmo que insistentemente, sobre a situação do ..., que seria justificável com os trabalhos de escavação em curso no prédio vizinho, não constitui um dano indemnizável, nem é susceptível de afectar o prestígio da proprietária do edifício, ao menos com dimensão merecedora da tutela do direito. E fica por perceber, até porque nunca foi concretizado, qual foi o efeito desejado que essas explicações não conseguiram produzir.

De resto, como observa a apelante B, a perda de prestígio da autora em consequência da situação dos autos foi quesitada, ainda que de forma eminentemente conclusiva, nos artigos 100°, 101º, 103° e 104° da BI, que foram julgados não provados.

Conclui-se, assim, que não estão provados danos não patrimoniais com a gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, não havendo que fixar, a este título qualquer indemnização.

A condenação das rés, e da chamada E, será assim limitada às despesas de mudança da lavandaria, que totalizara, € 3.835,21, imputando-se-lhes ¾ desse montante, ou seja, a quantia de € 2.876,41.

Acrescendo juros desde a citação.

Termos em que acordam em:

Julgar improcedente o recurso principal, interposto pela autora A, e o recurso subordinado, interposto pela ré C, confirmando, nessa parte, o decidido.

Julgar parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pela ré B, alterando a decisão recorrida no sentido de limitar a condenação das rés ao pagamento da quantia de € 2.876,41, (dois mil, oitocentos e setenta e seis euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até pagamento.

Custas, em todos os recursos, na proporção do decaimento.

Lisboa, 30-10-2014

(Farinha Alves)

(Tibério Silva)

(Ezagüy Martins)