Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
434/12.8TTBRR.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONCEITO
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. A responsabilidade objectiva emergente de acidentes de trabalho baseia-se no risco que é inerente ao exercício de qualquer e toda a actividade profissional, fazendo recair sobre os empregadores que com ela beneficiam a obrigação de reparar os danos correspondentes.
2. A referência a um acontecimento externo tem apenas em vista excluir do âmbito dos acidentes de trabalho situações em que a lesão que provocou a incapacidade ou morte não se relaciona com a actividade desenvolvida sob a autoridade de outrem.
3. No caso, a lesão, causa da dor do sinistrado, ocorreu quando este exercia as suas funções ao serviço da entidade empregadora, pelo que existe uma relação directa entre aquela lesão e o desenvolvimento da sua actividade profissional e tendo ocorrido no tempo e no local de trabalho presume-se consequência de acidente, face ao disposto art.º10 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

AA (…), demandou as RR. BB - Companhia de Seguros, S.A., (…) e CC — Companhia de Seguros, S.A., (…).
Pediu a condenação das RR. a pagarem-lhe a quantia de € 30,00, a título de despesas de transporte, a quantia de € 472,51 a título de indemnização por período de ITA e pensão anual e vitalícia.
Alegou que sofreu um acidente de trabalho, quando auferia a retribuição anual de € 13.500,20, sendo que a sua entidade patronal havia transferido para a RR., em regime de co-seguro, a responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho. Despendeu a quantia de € 30,00 em transportes, que teve incapacidade temporária para o trabalho e que ficou a padecer de incapacidade permanente. Com tais fundamentos, requereu a condenação das RR. a pagarem-lhe a referida quantia de € 30,00, a quantia de € 472,51 a título de indemnização por período de ITA e pensão anual e vitalícia.
Devidamente notificado para o efeito, o I.S.S. alegou que, na sequência do acidente em apreço nestes autos, pagou ao sinistrado, a título de subsídio de doença, a quantia de € 162,36, pedindo a condenação das RR. no reembolso de tal quantia, acrescida de juros de mora.

As RR. alegam não estar descrito o que causou a dor a que o A. se refere, pelo que a situação não pode ser caracterizada como de acidente de trabalho e, com tais fundamentos, requereu a sua absolvição.

No apenso de fixação de incapacidade, foi decidido que o sinistrado está afectado de uma IPP de 4,5 ( 3%x0,5), decorrente do acidente participado nos autos.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos : “ Julgo procedentes os pedidos formulados pelo A. e o pedido formulado pelo I.S.S. e, em consequência, condeno as RR. BB- Companhia de Seguros, S.A. e CC, SA., em regime de co-seguro, a pagar:
Ao A. AA:
a) A quantia de € 30,00 (trinta euros) a título de despesas de transportes;
b) A quantia de 472,51 (quatrocentos e setenta e dosi euros e cinquenta e um cêntimos, a título de indemnização por período de ITA , deduzindo-se a quantia que a RR deverão reembolsar ao ISS
c) A pensão anula e vitalícia de €425,25 (quatrocentos e vinte e cinco euros , devida desde 8 de Julho de 2012 , obrigatoriamente remível.
B) Ao ISS:
d) A quantia de € 162,36 (cento e sessenta e dois euros e trinta e seis cêntimos), a título de reembolso de subsídio de doença;
e)Quantias estas acrescidas de juros de mora contados, à taxa anual legal, desde os respectivos vencimento até integral pagamento.

As Rés seguradoras interpuseram recurso a fls. 168 e sgts , tendo suscitado a seguinte questão : Não se apurou a existência, de modo naturalístico e objectivo, que factos ou eventos possam, de algum modo ter causado dor ao sinistrado. Mas não basta a dor. Esta só por si não é um acidente de trabalho. Não é da dor que resultam eventuais lesões, mas apenas o contrário poderá suceder em termos de causalidade.
Concluiram que que relativamente ao evento a que se reportam os autos não se verificam os elementos necessários à sua qualificação como um acidnete de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8º da Lei n.º 98/2009, pelo que terão de improceder todos os pedidos formulados pelo A. e pelo IS:S. contra as rés .

Nas contra-alegações o digno Magistrado do MP pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais.

Apreciando

Fundamentos de facto

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. No dia 19 de Junho de 2012, o A. era trabalhador de «DD, SA».
2. O A. auferia a remuneração anual de € 785,00 X 14 + € 128,20 X 11 + € 100,00 X 11, na totalidade de € 13.500,20.
3. A «DDL» tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para as duas RR, em regime de co-seguro, 80% a 1a R e 20% a 2a R.
4. O A. despendeu a quantia de € 30,00 referente a despesas de transporte.
5. No período de 26 de Junho a 7 de Julho de 2012, o I.S.S. pagou ao A., a quantia de € 162,36 (cento e sessenta e dois euros e trinta e seis cêntimos), a título de subsídio de doença.
6. Na data referida em A., o A. encontrava-se na Moita e exercia as funções próprias da categoria profissional de auxiliar de produção, sob a autoridade e direcção de «DD, SA».
7. Nessa ocasião, quando estava a recuperar um contender danificado e ao aceder à parte superior do contentor, o A. sentiu urna forte dor no joelho esquerdo, de que resultaram as lesões descritas nos autos.
8. O A esteve com ITA de 20 de Junho de 2012 até 7 de Julho de 2012.
9. Data em que se consolidaram as suas lesões.

Fundamentos direito

Como acima se referiu, a única questão em causa é a caracterização do evento como acidente de trabalho. O autor alegou que sofreu um acidente de trabalho ao serviço da DD, S.A, que havia transferido para as rés, em regime de co-seguro, a responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho, tendo requerido a condenação das rés a pagarem-lhe as quantias enunciadas.
As rés alegam não estar descrito o que causou a dor a que o autor se refere, pelo que, a situação não pode ser caracterizada como de acidente de trabalho, requerendo a absolvição.
Vejamos então
Resultou provado que em 19 de Junho de 2012, o autor encontrava-se na Moita e exercia as funções próprias da categoria profissional de auxiliar de produção, sob a autoridade e direcção de DD, SA. Nessa ocasião, quando estava a recuperar um contentor danificado e ao aceder à parte superior do mesmo sentiu uma forte dor no joelho esquerdo de que resultaram as lesões descritas nos autos.
A responsabilidade objectiva emergente de acidentes de trabalho baseia-se no risco que é inerente ao exercício de qualquer e toda a actividade profissional, fazendo recair sobre os empregadores, que com ela beneficiam, a obrigação de reparar os danos correspondentes. Assim, a referência a um acontecimento externo tem apenas em vista excluir do âmbito dos acidentes de trabalho situações em que a lesão que provocou a incapacidade ou morte não se relaciona com a actividade desenvolvida sob a autoridade de outrem, ou seja, nas situações em que o dano decorre de uma realidade que apenas diz respeito ao trabalhador, a denominada causa endógena, e nada tem que ver com a actividade desenvolvida.
No caso, resultou provado que o autor quando estava a recuperar um contentor danificado sentiu uma forte dor no joelho esquerdo de que resultaram as lesões descritas nos autos. Resulta assim que a lesão, causa da dor do sinistrado, ocorreu quando este exercia as suas funções ao serviço da entidade empregadora, existindo por isso uma relação directa entre a lesão que lhe provocou a dor e o desenvolvimento da sua actividade profissional. Sendo que a mesma lesão, que provocou a dor e uma incapacidade permanente parcial (IPP) ao sinistrado, ocorreu no tempo e no local de trabalho e como tal presume-se consequência de acidente, face ao disposto art.º10 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, sendo certo que as seguradoras não conseguiram demonstrar que não foi por causa do exercício da sua actividade profissional que ocorreu a referida lesão que lhe provocou a incapacidade arbitrada pelos peritos médicos no incidente de fixação de incapacidade.
Deste modo, concluímos tal como a sentença recorrida, pela caracterização do evento como acidente de trabalho e consequente responsabilização das rés pelo ressarcimento do autor.

Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e em consequênc confirma-se a sentença recorrida
Custas pela recorrente.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2014

Paula Sá Fernandes
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso