Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CASTRO | ||
Descritores: | CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE OFENDIDO MENOR LEGITIMIDADE PROGENITORES SEPARADOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1– Por força do disposto no artigo 68º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal, no caso do ofendido ser menor de 16 anos de idade, têm legitimidade para se constituir assistentes em representação do mesmo ambos os progenitores, seus legais representantes, a quem está confiado o exercício comum das responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do filho. 2–O facto de um dos progenitores do ofendido menor de 16 anos de idade já se ter constituído assistente em representação deste não preclude a possibilidade de o outro progenitor também se constituir assistente em representação do filho, nos termos do artigo 68º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal. 3–Constituindo-se ambos os progenitores assistentes em representação do filho menor de 16 anos, ambos têm de estar judiciariamente representados pelo mesmo advogado, nos termos do artº 70º, nº 1, do Código de Processo Penal, pois ambos representam o mesmo interesse e de molde a evitar antinomias processuais eventualmente incompatíveis. 4–Tendo sido requerida a abertura de instrução por um dos progenitores constituído assistente, na sequência de despacho de arquivamento do Ministério Público, a ausência do progenitor também constituído assistente, mas não subscritor de tal requerimento, tem de ser suprida por qualquer um dos meios previstos nos artigos 27º, nº 3, e 18º, nºs 2 e 3, ambos do Código de Processo Civil, aqui aplicáveis com as necessárias adaptações, por remissão do artigo 4º do Código de Processo Penal. (Sumário da responsabilidade do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No âmbito do proc. de inquérito nº 727/20.0JAFUN.L1, que correu termos no DIAP – 2ª Secção do Funchal, da Procuradoria da República da Comarca da Madeira, AA…, com sinais identificadores nos autos, a 07.11.2022 remeteu requerimento aos autos dirigido ao Exmº Sr. JIC (refª 4954388) com o seguinte teor (transcrição): «AA…. (denunciante), vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 68.º n.º 1 alínea d) e n.º 3 e 70.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), REQUERER A SUA CONSTITUIÇÃO COMO ASSISTENTE, O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: 1.–Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 68º, nº 1, alíneas a) e b) e nº 3, 69º, nº 2, alínea c) e 401º, nº 1, alínea b) e nº 2 do CPP – sem esquecer o que se extrai dos arts. 284º e 287º, nº 1, b) do mesmo diploma – podem constituir-se assistentes no processo penal (entre outras pessoas) os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos, e as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento, podendo intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento, ou no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos nos casos do art. 284º e da alínea b) do nº 1 do art. 287º. 2.–Simultaneamente, o art.º 68.º n.º 1 alínea d) do CPP, prevê expressamente que: 1.-“d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou, na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de protecção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime;” 2.-Nos termos da denúncia apresentada pela Requerente, os factos em investigação terão sido praticados no período em que os menores se encontravam à guarda e cuidados do Progenitor, na sua residência, motivo pelo qual existem (pelo menos) suspeitas do auxílio, ou omissão do Progenitor. 3.-A Progenitora Requerente não pode permanecer afastada do presente inquérito, razão pela qual se pretende constituir como assistente, na qualidade de mãe dos menores ofendidos. 4.-Nos termos do art.º 69.º n.º1 do CPP o assistente tem a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja atividade subordina a sua intervenção, salvas as exceções previstas na lei; 5.-Esta subordinação da intervenção do assistente ao Ministério Público, é compreensível na medida em que no processo criminal está em causa, acima de tudo, um interesse público que é a realização da justiça e reposição da ordem jurídica violada; 6.-«O conceito de colaboração e de subordinação não significa obviamente que a intervenção do assistente não possa entrar em direto conflito com as decisões do MP. O que se pretende dizer é, isso sim, que o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da administração da justiça (ou, no caso concreto, um melhor exercício da 'acção penal'). O que significa, pois, que colaboração e subordinação se referem aos 'interesses' em jogo» (RPCC, 1998, p. 638); 7.-Apesar desta subordinação, o legislador ordinário, ao reconhecer a posição processual do assistente, enquanto sujeito processual, confere-lhe alguma autonomia em relação ao Ministério Público. Com efeito, o art.º 287.º n.º 1 alínea b), do CPP atribui ao assistente a faculdade de requerer a abertura de instrução quando o Ministério Público decide arquivar o inquérito [...] não estando em causa crime particular, nem como as situações previstas no nº2 do art.º 69.º do CPP; 8.-Em todo o caso, mesmo nessas situações de autonomia, o assistente é sempre um colaborador do Ministério Público, no sentido de que, com a sua atuação, contribui para uma melhor realização dos interesses cometidos ao Ministério Público, ou seja, para uma melhor realização da justiça; 9.-Cumpre referir, que o espírito do legislador ao conferir legitimidade a para intervir nos autos como assistente, é o de conferir a possibilidade de colaborarem com Ministério Público na realização da justiça; 10.-O presente requerimento de constituição de assistente está em tempo, pretende vir a aderir a uma acusação deduzida pelo Ministério Público, e vir a deduzir o seu pedido de indemnização cível, encontra-se representado por Advogado e liquidou a taxa de justiça respectiva (cf. art.ºs 68.º n.º 3, 70.º e 284.º e 519.º n.º 1 do CPP). Face ao exposto, requer-se a constituição como assistente no presente processo Penal.» # O Ministério Público, por seu turno, acerca de tal requerimento, pronunciou-se do seguinte modo (transcrição): «Fls. 376-381 Remeta os autos à Mma. Juiz de Instrução Criminal com a seguinte promoção: Veio a mãe dos menores requerer a sua constituição como assistente, por ser a representante legal dos mesmos, à data da eventual prática dos factos sob investigação. Ora, em bom rigor, no presente inquérito têm legitimidade para intervir na referida qualidade, os menores ofendidos, ainda que representados pelos seus representantes legais, atentas as suas idades. Acontece que os menores possuem já a qualidade de assistentes no presente inquérito, estando representados pelo seu pai, o qual não é sequer suspeito da prática dos factos sob investigação, pelo que o Ministério Público se opõe à constituição como assistente requerida.» *** Também o arguido BB…., através do requerimento com a refª 5003365, opôs-se ao requerido do seguinte modo (transcrição): «I–Da ilegitimidade 1º Os menores ..….. e ……. foram sujeitos a medida cautelar de apoio junto dos pais, com execução junto do pai, tendo a progenitora, apenas direito a uma hora semanal com os filhos. 2º Ao que sabe o ora requerente, as responsabilidades parentais, de ambos os menores, está entregue ao progenitor …….. 3º O progenitor ……., já se constituiu assistente, no presente processo. 4º Nos termos do artigo 68º nº 1, al. d) do CPP, sendo os ofendidos menores, tem legitimidade para se constituir assistente, o representante legal. 5º Ora, sendo o progenitor detentor das responsabilidades parentais dos dois filhos menores, é àquele a quem incumbe tal representação. 6º Não cumprindo, por via disso, a progenitora AA, os requisitos legais que a habilite à sua constituição de assistente, nos termos da al. d) do nº 1 do artigo 68º do CPP. 7º Para melhor esclarecimento, requer a V/Exa se digne oficiar ao Juízo de Família e Menores do Funchal, Juiz 3, onde corre sob o nº 533/19.5T8FNC-B, o processo de Promoção e Protecção, para indicar a estes autos, qual dos progenitores é o legal representante dos menores. Termos em que deverá ser recusada a constituição de assistente da progenitora AA, por falta de legitimidade.» # Entretanto, na sequência de despacho de arquivamento do inquérito por parte do Ministério Público (refª 52446754), a ora recorrente requereu a abertura de instrução por requerimento que deu entrada em juízo a 16.12.2022 (refª 5016555). # Todavia, por despacho de 14.02.2023 (refª 53103252) a Mmª JIC do Juízo de Instrução Criminal do Funchal, do T.J. da Comarca da Madeira, proferiu o seguinte despacho (transcrição): «AA….. veio requerer a sua constituição como assistente. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a pretensão da requerente por falta de legitimidade. O arguido, notificado para se pronunciar nos termos do disposto no art. 68.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, veio alegar que os ofendidos estão à guarda do pai pelo que a requerente não tem legitimidade para a constituição como assistente. Cumpre decidir. Nos termos do disposto no art. 68.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos. Estabelece a alínea d) do preceito que “No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de protecção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime. No caso dos autos, são ofendidos …….. e …….., ambos menores com idade inferior a 16 anos, sendo que dos documentos juntos aos autos resulta que a requerente e …… são pais dos ofendidos, o que por força do disposto no art. 124.º do Código Civil, conferia a qualquer um deles a representação dos menores. Ora, o acima citado art. 68.º, n.º 1, alínea d) indica as “classes” de pessoas com legitimidade para a constituição como assistente, mas em cada uma apenas uma pessoa pode assegurar tal qualidade processual em substituição do ofendido, devendo ser admitido a intervir como tal, o primeiro que o venha a requerer e reúna os requisitos para o efeito. Conforme resulta do teor de fls. 147, o pai dos ofendidos foi admitido a intervir nos autos na qualidade de assistente em representação daqueles e, como tal, carece a requerente de legitimidade para intervir nos autos nessa qualidade. Nestes termos, e por falta de legitimidade, indefiro o pedido de constituição de assistente formulado por AA……. Notifique. * AA……..veio requerer igualmente a abertura de instrução. Conforme resulta do disposto no art. 287.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, têm legitimidade para requerer a abertura da instrução o arguido e o assistente. Uma vez que a requerente não assume nos autos a qualidade de assistente, carece a mesma de legitimidade para requerer a abertura de instrução. Em conformidade com o n.º 3 do art. 287.º do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura da instrução apenas pode ser rejeitado por extemporaneidade, incompetência do juiz ou inadmissibilidade legal da instrução. Reconduzindo-se a ilegitimidade da requerente à inadmissibilidade legal da instrução, ao abrigo do referido preceito, decido rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado por AA…….. Notifique. * Oportunamente, arquivem-se os autos.» # Inconformada com tal despacho, por requerimento que deu entrada em juízo a 22.03.2023 (refª 5168296), AA…. dele interpôs recurso, apresentando, em abono da sua posição, as seguintes conclusões da motivação (transcrição): «----CONCLUSÕES---- A)–O despacho recorrido padece de erro de julgamento. B)–Nos presentes autos encontra-se em investigação a prática de um crime de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo artigo 171.º do Código Penal, crime de natureza pública. C)–Estando em causa a prática de um crime contra menores de 16 anos, qualquer um dos pais, em representação dos menores, poderá constituir-se assistente. D)–O que significa que, não sendo exigível que ambos os progenitores se constituam assistentes, também não lhes é vedado que o façam. E)–Da interpretação da alínea d), do n.º 1, do artigo 68.º do CPP não se extrai que a admissão de intervenção de um dos progenitores como assistente exclua ou impeça que o outro progenitor se possa constituir assistente. F)–De qualquer modo, em situações de conflito de interesses, como o é a dos presentes autos, em que o progenitor assistente, o pai, dando nota de ser capaz de sacrificar os interesses dos filhos, ofendidos, em benefício dos interesses de terceiros, o arguido, é motivo suficiente para paralisar a sua intervenção nessa qualidade e, por conseguinte, admitir a intervir na qualidade de assistente o progenitor denunciante, a mãe, que não se conformando com a decisão de arquivamento do inquérito, pretende velar pela salvaguarda dos interesses dos menores, visados pela protecção penal (do artigo 171.º do CP). G)–Os progenitores dos menores estão separados desde 2018 e a sua relação, desde então, é bastante conflituosa. H)–O pai dos menores foi admitido a intervir como assistente por despacho de fls. 117. I)–O referido progenitor prestou declarações na qualidade de testemunha, conforme documentado de fls. 326 a 331 dos autos. J)–Nessas declarações está bem espelhado a forte relação de amizade que à data existia entre o declarante (…..) e o arguido, sabendo-se que posteriormente essa relação de amizade evoluiu para uma relação amorosa. K)–Dessas declarações resulta, inequivocamente, que o ….. assume a firme posição de defesa do arguido, com o propósito cristalino de ilibá-lo, o que contrasta com o interesse dos menores, que a lei quer proteger com a incriminação. L)–Daí o seu total desinteresse em requerer a abertura de instrução. M)–Atenta a natureza do crime em causa, a autodeterminação sexual dos menores, estão em perigo os valores referidos no artigo 1878.º do CC, e pelos quais a mãe deve velar para que sejam salvaguardados e, por isso, lhe deve ser reconhecido o direito a intervir como assistente nestes autos. N)–Normas jurídicas violadas: alínea d) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP. O)–Sentido com que, no entender da recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas: Reconhecer o direito da recorrente, enquanto mãe dos menores ofendidos, para constituir-se assistente, tendo em conta que da interpretação da norma da alínea d), do n.º 1, do artigo 68.º do CPP não se extrai qualquer limitação à intervenção de ambos os progenitores como assistentes nem a admissão de intervenção de um deles como assistente exclui ou impede que o outro progenitor se possa constituir assistente. Em todo o caso, perante as circunstâncias concretas de existência de conflito de conflito de interesses, como o é a dos presentes autos, em que o progenitor assistente revela ser capaz de sacrificar os interesses dos filhos, ofendidos, em benefício dos interesses de terceiros, deve ver paralisada a sua intervenção nessa qualidade, devendo-se, por conseguinte, admitir a intervir na qualidade de assistente o outro progenitor, que manifeste vontade nesse sentido, com o intuito de velar pela salvaguarda dos interesses dos menores, visados pela protecção penal. Nestes termos: Nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a decisão de indeferimento da constituição de assistente revogada e substituída por outra que admita a recorrente a intervir nos autos como assistente e, em consequência, que admita o requerimento de abertura de instrução, assim se fazendo justiça.» # O recurso interposto foi admitido a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito não suspensivo (refª 53330560). # Por seu turno, o Ministério Público junto do tribunal onde foi proferido o acórdão sob recurso apresentou contra-alegações (refª 5230375), concluindo do seguinte modo (transcrição): «1.-Sendo apenas os ofendidos que sejam os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger, quando previu e puniu a infração a que esta ofendeu ou pôs em perigo, que têm legitimidade substantiva para se constituírem assistentes. 2.- No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, a legitimidade para se constituir como assistente pertence ao seu representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou na ausência dos demais, entidade ou instituição com responsabilidades de proteção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime. 3.-O pai dos ofendidos, menores de 16 anos, é o seu legal representante e foi admitido a intervir nos autos na qualidade de assistente em representação daqueles. 4.-Não se vislumbra qualquer conflito de interesses entre o pai e os menores. 5.-O facto de ….. não ter requerido a abertura de instrução, não significa que tenha assumido uma posição contrária aos interesses dos seus filhos, nem determina a sua substituição a intervir nos autos como assistente. 6.-Como bem sublinhado pela MMa. JIC, o art. 68º, nº 1, al. d) indica as “classes” de pessoas com legitimidade para a constituição como assistente, mas em cada uma apenas uma pessoa pode assegurar tal qualidade processual em substituição do ofendido. 7.-Destarte, bem andou o Tribunal ao indeferir o pedido de constituição de assistente formulado por AA…., nos termos em que o fez, devendo o presente recurso ser julgado improcedente.» # Neste Tribunal da Relação de Lisboa, por seu turno, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu o seguinte parecer (transcrição): «Confrontados os fundamentos do recurso e a decisão recorrida, sou do entendimento que o recurso deve proceder. O despacho recorrido parece assentar no entendimento que, quando o ofendido é menor de 16 anos, apenas um dos seus progenitores se pode constituir assistente no processo penal. E, decorrência deste entendimento, o despacho prossegue, fazendo uso de um critério cronológico, afirmando que aquele que requerer e for admitido primeiro afasta a legitimidade e a possibilidade do outro se constituir assistente. Ora, salvo o devido respeito, não perfilho tal entendimento. O artigo 68.º do Código de Processo Penal dispõe que podem constituir-se assistentes no processo penal, no caso de o ofendido ser menor de 16 anos, o representante legal. Cabe desde já afirmar que podem constituir-se vários assistentes no mesmo processo penal. É o que decorre das diversas normas que dispõem expressamente sobre o assistente (artigos 68.º a 70.º do citado código), que falam sempre no plural, e, mais claramente do artigo 70.º: havendo vários assistentes… Por outro lado, a alínea d) do artigo 68.º ao aludir ao representante legal não exclui a possibilidade de duas pessoas assumiram tal qualidade. O artigo 124.º do Código Civil dispõe que a incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal (os detentores das responsabilidades parentais). Mais dispõe este código que os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade (no caso em apreço, até aos 16 anos) e que compete aos pais, no interesse dos filhos, representá-los (artigos 1877.º e 1878.º), esclarecendo, com as exceções ali previstas, que o poder de representação compreende o exercício de todos os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho (artigo 1881.º). Sobre o exercício das responsabilidades parentais, dispõe o artigo 1901.º que, na constância do matrimónio, pertence a ambos os pais, e, em caso de divórcio, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. A intervenção no processo penal na qualidade de assistente, para mais quando este reporta a factos que se prendem com uma importante faceta da formação da personalidade das crianças e jovens como é a sexualidade, é uma questão de particular importância para a vida dos filhos. Tratando-se de questão de particular importância para a vida dos filhos e atentas as referidas normas, entendo que o representante legal do menor a que alude a alínea d) do artigo 68.º do Código de Processo Penal não tem de ser necessariamente uma única pessoa, mas sim podem ser, e serão na esmagadora maioria dos casos, os dois progenitores do menor. Aliás, nos casos, sendo até os mais comuns, em que ambos os progenitores apresentam requerimento conjunto para se constituírem assistentes em representação dos filhos, qual o critério a seguir? Não pode ser critério preferir aquele cujo nome aparece em primeiro lugar… pois que ambos são representantes legais dos filhos e têm legitimidade idêntica. Em face do exposto, sou de parecer que ao recurso interposto pela denunciante AA…… deve ser dado provimento e, julgando-o procedente, ser revogado o despacho recorrido e determinada a sua substituição por outro que admita a recorrente constituir-se assistente no processo.» # Notificados nos os sujeitos processuais nos termos do disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, apenas o arguido BB…... apresentou resposta ao parecer do Exmº Sr. PGA, adotando idêntico posicionamento em relação ao que já havia sustentado a propósito da mesma questão, salientando que o que está em causa não é saber se pode haver mais do que um assistente, mas se a progenitora dos menores, por não exercer as responsabilidades parentais (apenas atribuídas ao progenitor), pode constituir-se assistente enquanto sua legal representante. Pugna assim pela ilegitimidade da recorrente para se constituir assistente, pretensão que deverá ser indeferida. # Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso interposto. *** FUNDAMENTAÇÃO I–Questões a decidir Tendo presente que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso [quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, n.º 2, do CPP (cfr. o Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, publicado no DR I Série de 28.12.1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum; a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito legal) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379º, n.º 2, do CPP)], as questões que se colocam reportam-se à/ao: i)-legitimidade da recorrente para se constituir assistente em representação dos seus filhos menores, quando o seu progenitor já se constituiu assistente em representação daqueles; ii)-suprimento da falta de subscrição pelo assistente já constituído do RAI caso se admita a recorrente a intervir também como assistente. * II–Apreciação das questões acima enunciadas a)-Com vista à apreciação das questões acima enunciadas, imposta considerar que resulta dos autos o seguinte: i)- O processo de inquérito teve início com a denúncia apresentada por AA…., na qualidade de representante legal de ……… e ………, e da qual resulta que BB……. colocou a mão nos pénis dos menores e introduziu o dedo nos seus ânus, tendo-lhes dito para não dizerem nada (fls. 2-3). ii) …… nasceu a …….e é filho de ……..e de AA…... iii) …… nasceu a ……e é filho de …….. e de AA……... iv) ...... Por despacho datado de 17.05.2021, transitado em julgado, ………, na qualidade de representante de ………. e de ……….., foi admitido a intervir nos autos como assistente (refª 50013239). v) ...... A 30.10.2022, pelo Ministério Público foi proferido despacho de arquivamento do inquérito (refª 52446754) com o seguinte teor (transcrição): «I.– Do Objecto do Inquérito O presente inquérito teve início com a denúncia apresentada por AA….., na qualidade de representante legal de …….. e ……… e da qual resulta que BB……. colocou a mão nos pénis dos menores e introduziu o dedo nos seus ânus, tendo-lhes dito para não dizerem nada (fls. 2-3). Tais factos são suscetíveis de integrar, em abstrato, a prática de, pelo menos, dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, do Código Penal. II.– A investigação Nos termos do disposto no artigo 267.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público pratica todos os actos e assegura a realização de todos os meios de prova necessários à realização das referidas finalidades, podendo delegar nos órgãos de polícia criminal o “encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas a inquérito” (cfr. artigo 270.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), ainda que com as restrições constantes dos artigos 269.º e 270.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Procedeu-se à inquirição de AA…., a qual, com interesse para o presente despacho referiu que os factos por si denunciados lhe foram relatados pelos seus filhos no dia anterior ao da apresentação da denúncia (fls.5-6). Ambas as crianças foram entrevistadas em narrativa livre, tendo …….relatado que o “BB……” lhes mexia no pénis quando estavam deitados na cama e que “da última vez que estivemos em casa do papá, quando estávamos na cama, à noite para dormir, o …….. mexeu na minha pilinha e na pilinha do ….. e depois meteu o dedo no nosso rabinho” (fls. 34-36). ………., por sua vez, apenas se pronunciou, com palavras, sobre o seu nome, idade e escola que frequenta, não respondendo às demais perguntas colocadas (fls. 37-38). Foram tomadas declarações para memória futura a ambos os ofendidos, cujo auto se mostra junto a fls. 113-117 e o respectivo suporte digital a fls. 118. A fls. 168-170 mostra-se junto o relatório da perícia de natureza sexual em direito penal a que foi sujeito ……... O relatório da perícia médico-legal em psicologia forense mostra-se junto a fls. 272-278. A fls. 299, no decurso da notificação realizada para o efeito, veio a senhora psicóloga que acompanha o menor …….. esclarecer que o mesmo procura fugir de temas que suscitam ansiedade, manifestando, relativamente a algumas questões, vontade em não decepcionar nenhum dos progenitores, referindo-se “à verdade do papá ou à verdade da mamã” (sic), concluindo que não estão reunidas as condições para prosseguir com a realização de novas declarações para memória futura. Procedeu-se à constituição de BB…… como arguido, tendo o mesmo, nessa qualidade e relativamente aos factos sob investigação, refutado, em suma a sua prática. Referiu ter residido em casa de …….. entre Agosto e Outubro de 2020, por a sua residência estar em obras e que, quando ali pernoitava, o fazia no quarto das crianças, porquanto a residência possui apenas dois quartos de dormir. Esclareceu, contudo, que, quando as crianças estavam com o pai, o arguido ali não pernoitava e ficava em casa de ……, seu amigo, em Machico. Disse que, depois da apresentação da denúncia, deixou de falar com as crianças, por opção, mas que, até então sempre teve um bom relacionamento com as mesmas, com quem falava e brincava, sempre na presença do pai, nunca tendo estado sozinho com as mesmas. Referiu ainda que, na sua opinião, esta denúncia é uma forma da mãe dos menores isolar o pai das mesmas, não sendo já uma situação isolada (fls. 311-314). Foi inquirido …….., o qual, na qualidade de testemunha, referiu viver maritalmente com ……. desde 2019 e que apenas depois conheceu os ofendidos. Esclareceu que a partir de 2020, as crianças passaram a estar em semanas alternadas em sua casa e que partilhavam o quarto, tendo, cada uma, a sua cama. Relativamente ao arguido, confirmou que residiu consigo e …… durante um período em 2020, não sabendo especificar qual, em virtude da sua residência estar em obras. Esclareceu que o arguido apenas pernoitou na sua residência nas semanas em que os menores estavam com a mãe, sendo que nas outras semanas ficava em casa de um outro amigo, de nome ……... Afirmou ainda que nunca falou com os menores sobre o presente inquérito, apesar de saber que o pai das mesmas o terá feito, não tendo, todavia, presenciado as conversas mantidas (fls. 317-322). Procedeu-se à inquirição de …….. o qual, com relevo para o presente despacho, confirmou apenas que, durante um período que não soube precisar, no ano de 2020, o arguido pernoitou, em semanas alternadas, em sua casa, depois de um período de férias no Porto Santo. Instado esclareceu que o arguido lhe havia referido que a residência de ………… não tinha condições para que ali ficasse quando os filhos deste estavam ao seu cuidado (fls. 323-325). Foi ainda inquirido ……., o qual, com interesse para o presente despacho referiu a presente denúncia foi apresentada após o próprio ter solicitado a intervenção da CPCJ, em Setembro de 2020. Relativamente à permanência do arguido na sua casa, confirmou que tal aconteceu em 2020, mas que o mesmo ali não pernoitou quando os menores estavam aos seus cuidados, por a sua residência ter apenas dois quartos de dormir. Esclareceu que a única pessoa, além do próprio e dos menores, que ali pernoitava quando as crianças estavam ao seu cuidado era …….. (fls. 326-331). Por fim, foram novamente tomadas declarações a AA…., que se mostram juntas a fls. 371-372. Não se afigura, por ora, qualquer outra diligência a realizar, que se mostre útil à descoberta da verdade. III.– Apreciação Aqui chegados cumpre apreciar a prova recolhida e decidir sobre a forma de dar por terminado o presente inquérito: deduzindo acusação pelos factos denunciados ou, pelo contrário, proferindo despacho de arquivamento respectivo. Nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado o crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento. Posteriormente, e caso não se proceda ao arquivamento nos termos supra expostos, sempre deveremos avaliar se foram, ou não, recolhidos indícios suficientes para a dedução de uma acusação pública (artigo 283.º, n.º 1 do Código de Processo Penal). Dizem-se suficientes os indícios quando, da prova recolhida resulta, para além de qualquer dúvida razoável, que houve crime, que o arguido foi seu agente e que fazendo um juízo de prognose, há uma probabilidade particularmente qualificada de condenação do mesmo em julgamento. Feita esta análise e ponderação, entendendo-se que os indícios não são suficientes, sempre deverá o inquérito ser arquivado, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Descendo agora ao caso concreto, importa, desde já, consignar que não obstante as inúmeras diligências de investigação realizadas, não foi possível recolher indícios suficientes que nos permitam imputar ao arguido (ou a qualquer outra pessoa) a prática de qualquer crime, desde logo por não terem sido recolhidos indícios suficientes da sua verificação. Com efeito, a factualidade sob investigação, a ter ocorrido, verificou-se no interior do quarto que as crianças partilham em casa do pai, quando estas ali se encontravam sozinhas na companhia de …….., amigo do pai, pelo que estas (e o arguido) seriam as únicas que poderiam esclarecer, com certeza, o sucedido. Ora, aquando das suas inquirições, as crianças foram alterando a versão dos factos apresentada, não sendo possível deslindar qual a que corresponde, efectivamente, à verdade. De facto, apenas …….confirmou, numa fase inicial, a ocorrência dos factos sob investigação, tendo depois passado a fazer referência “à verdade da mãe” e “à verdade do pai”, quando se referia a cada uma das versões apresentadas sobre a verificação, ou não, dos factos. A criança manifestou ainda receio da reação de cada um dos progenitores à tomada de uma, ou outra posição. …………., por sua vez, apresentou sempre uma postura mais reservada, nunca tendo confirmado a versão dos factos relatada pelo irmão, antes pelo contrário. De referir que estas incongruências não foram passíveis de serem descortinadas, não obstante a confrontação conjunta dos menores sobre as respectivas versões dos factos, porquanto os mesmos nunca chegaram a um consenso sobre o que o arguido lhes terá, ou não, feito. Não obstante o supra exposto, os menores foram ainda sujeitos a perícia psicológica, a fim de apurar da credibilidade dos seus depoimentos, da sua capacidade de testemunhar e da congruência da sintomatologia apresentada com situações abusivas, não tendo a senhora perita sido capaz de esclarecer, de forma cabal, o solicitado, desde logo pôr-lhes um sentido.” “As declarações de ambos os menores são inestruturadas, sendo muito difícil decifrar, verificando-se ainda uma ausência de detalhes, sendo, dessa forma, inviável “negar nem atestar a credibilidade das declarações”. De referir ainda que, de acordo com a senhora perita, a baixa colaboração apresentada pelos menores, a sua desconcentração e baixa motivação a fornecer detalhes poderá ter várias explicações “inclusive a possibilidade de estarem enfastiados de inquirições formais e informais efectuadas por outros adultos” antes da realização da perícia. No mesmo sentido, a senhora psicóloga que tem vindo a acompanhar ……… foi peremptória ao afirmar que a realização de novas inquirições à criança ser-lhe-ia prejudicial ao seu desenvolvimento, porquanto, actualmente (e desde que tomou conhecimento que, em princípio, não mais iria ter de falar sobre este episódio), se encontra mais estável e colaborante no acompanhamento, donde somos obrigados a concluir que não se afigura adequada a realização de novas inquirições das crianças. A tudo o supra exposto, importa ainda acrescentar que foram realizadas outras diligências de investigação com vista ao apuramento da verdade, as quais, contudo, se revelaram também infrutíferas para a recolha de elementos de prova que nos permitissem imputar ao arguido (ou a qualquer outra pessoa) os factos sob investigação. Efectivamente, a perícia sexual a que foi submetido …….. não permitiu a recolha de quaisquer elementos que permitissem confirmar, ou infirmar, a verificação dos factos, desde logo por não terem sido encontradas quaisquer lesões na sua superfície corporal. Também todas as demais inquirições de testemunhas foram insuficientes para a recolha de indícios da verificação dos factos denunciados. Em suma, da prova recolhida constatamos não ter sido possível obter indícios suficientes que permitam imputar ao arguido BB…….. (ou a qualquer outra pessoa) a prática dos crimes sob investigação (não tendo sido sequer possível concluir com certeza que os factos sob investigação ocorreram), afigurando-se como muito provável que, por força dos indícios recolhidos, em julgamento, não resultaria a aplicação ao mesmo de qualquer sanção penal, conforme se exige pelo artigo 283.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Por último, sempre se dirá que terá de funcionar, também em sede de inquérito, o princípio do in dubio pro reo, componente do princípio da presunção de inocência com consagração no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Neste sentido, Maia Costa não tem dúvidas quanto à aplicação deste princípio, em sede de despacho de encerramento do inquérito, pois considera que o normativo que define o que são indícios suficientes demonstra “inquestionável similitude entre a posição do magistrado do Ministério Público que aprecia a prova do inquérito e a do Juiz que analisa a prova da audiência de julgamento: em qualquer dos momentos, cada um daqueles magistrados, caso se confronte com uma dúvida inultrapassável sobre as provas produzidas, deve fazer funcionar a (mesma) regra (in dúbio pro reo), arquivando o inquérito o Ministério Público, proferindo sentença absolutória o Juiz” (A presunção de inocência do arguido na fase de inquérito, Revista do Ministério Público, n.º 92, p. 71). Face a tais circunstâncias e à ausência de outros meios de prova susceptíveis de auxiliarem na descoberta da verdade, por não terem sido recolhidos indícios suficientes da verificação dos crimes denunciados e da sua autoria, determino o arquivamento do inquérito, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem prejuízo da sua reabertura, caso venham a ser encontrados e juntos aos autos novos elementos de prova que invalidem os fundamentos ora invocados (ex vi artigo 279.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).» vi)-Nessa sequência, a ora recorrente requereu a abertura de instrução (refª 5016555). vii)-Nos autos principais de regulação do exercício das responsabilidades parentais com o nº 533/19/19.5T8FNC, que corre termos no Juízo de Família e Menores do Funchal – Juiz 3, do T.J. da Comarca da Madeira relativamente aos menores ……… e …………, por sentença de 09.03.2020, transitada em julgado, foi homologado o seguinte acordo (transcrição): «I– EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS E RESIDÊNCIA: 1.-Os menores ………. e ……… ficarão a residir uma semana com cada um dos progenitores alternadamente, iniciando-se a semana com o progenitor cuja guarda lhe pertença na segunda-feira após as actividades lectivas. 2.-Às quartas-feiras, o progenitor a quem a guarda não estiver entregue nessa semana, irá buscar os menores à escola, devendo acompanhá-los às suas actividades. 3.-A residência dos menores para efeitos fiscais ficar fixada na morada da mãe. 4.-As questões de particular importância serão decididas em comum pelos progenitores, salvo nos casos de urgência em que qualquer um dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível (art. 1906.º, n.º 1 do Código Civil). II–DIREITO DE CONVÍVIO: 1.-Os progenitores poderão visitar e estar com os filhos nos períodos em que a guarda não lhes pertença, sem prejuízo dos seus horários normais escolares e de descanso, em termos a acordar entre ambos. 2.-Os aniversários de cada um dos menores serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, independentemente de coincidir com a semana de cada um deles. 3.-Os menores passarão o aniversário do pai, bem como o dia do pai, com este, e passarão com a mãe o aniversário desta e o dia da mãe. 4.-Nas épocas festivas, nos anos pares, os menores passarão o dia 24 de Dezembro e o dia 01 de Janeiro com o progenitor, e passarão com a progenitora o dia 25 de Dezembro e 31 de Dezembro, alternando nos anos ímpares. 5.-Na Páscoa, nos anos pares, os menores passarão o Domingo de Páscoa com o progenitor e a Sexta-feira Santa com a progenitora, alternando nos anos ímpares. 6.-No Carnaval os menores passarão nos anos ímpares com o progenitor e nos anos pares com a progenitora. 7. No mês de Agosto, os menores passarão a primeira quinzena do mês com o pai, e a segunda quinzena com a mãe. III–DESPESAS ESCOLARES E MÉDICAS E MEDICAMENTOSAS: 1.-As despesas com a saúde dos menores (nomeadamente, consultas e exames médicos e aquisição de medicamentos) não cobertas pelo sistema de saúde ou seguros, serão repartidas entre os progenitores, na proporção de 70% para o progenitor e 30% para a progenitora, as quais serão comunicadas após a sua realização, mediante a apresentação de documentos comprovativos da realização dessas despesas (nos quais conste o nome da criança a quem respeite e com o numero de contribuinte). 2.-As despesas escolares (incluindo inscrição, alimentação, livros e material escolar) serão suportadas pelo progenitor na totalidade. 3.-As despesas decorrentes de actividades extracurriculares, desde que previamente acordadas entre ambos, serão suportadas pelo progenitor. 4.-A progenitora deverá requerer o recebimento por ela do abono de família dos menores. 5.-A bonificação por deficiência a favor do menor …… fica atribuída à progenitora. IV–VIAGENS: 1.-Os pais autorizam-se mutuamente às viagens dos menores em gozo de férias ou períodos limitados de tempo, para fora da Região Autónoma da Madeira, pelo período máximo de 15 dias, devendo o progenitor que não viajar com a criança ser avisado com antecedência mínima de 30 dias quais os dias da viagem, destino e formas de contacto.» viii)-No apenso A de tal processo (alteração do regime de exercício da regulação das responsabilidades parentais), na ata da conferência realizada a 23.11.2020, consta, além do mais, o seguinte: «Neste momento foi concedida a palavra à Digna Procuradora da República, que no seu uso promoveu que a semana de residência alternada do pai seja fixada, nos seguintes termos: 1.-Na semana de residência alternada do pai, no período compreendido entre 23 e 30 de Novembro, os menores permanecerão em casa dos avós paternos juntamente com o pai enquanto se aguarda pelo relatório de avaliação diagnóstica a elaborar pela EMAT no processo de promoção e protecção. Dada a palavra aos progenitores e aos seus ilustres mandatários, pelos mesmos foi dito estarem de acordo quanto à proposta da Digna Procuradora da República. Após, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO No que respeita à guarda alternada e para vigorar durante a semana que se inicia hoje, até à próxima segunda-feira, dia em que a mãe irá buscar os filhos à escola, o …… e o …… pernoitarão em casa dos seus avós paternos conjuntamente com o seu pai.» (Cfr. certidão com a refª 650395). ix)-No apenso B de tal processo (autos de Promoção e Proteção nº 533/19/19.5T8FNC-B), em que é requerente o MP e menores ……..e ………., a 10.03.2021 foi homologado acordo de promoção e proteção e aplicada medida de apoio junto dos pais, com a duração de 12 meses e a rever quando se mostrassem decorridos 6 meses da sua aplicação. Em 06.09.201 foi proferida decisão de revisão da medida em questão a determinar a continuação da medida de apoio junto dos pais a favor dos menores, decisão que transitou em julgado. A 26.04.2022 foi proferido despacho que determinou a aplicação a favor dos menores da medida cautelar de apoio junto dos pais, com execução junto do pais, pelo período de 6 meses, decisão essa transitada em julgado. Foi entretanto determinada a suspensão dos convívios dos menores com a progenitora por decisão de 08.07.2022 – entretanto revogada pelo TRL -, suspensão essa de novo decretada por despacho de 28.04.2023 pelo período de 3 meses, a qual também viria a ser revogada pelo TRL por decisão singular de 14.07.2023. (Cfr certidões com as refªs 650395 e 650938). # b)-Da legitimidade da recorrente para se constituir assistente e suas consequências para o andamento dos autos: Dispõe o artº 124º do Código Civil que «A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respetivos.» Por seu turno, decorre do disposto nos artgs 1877º e 1878º do Código Civil que «Os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação», competindo aos «pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens». A Constituição da República Portuguesa consagra como princípio geral a igualdade dos pais na educação dos filhos (artº 36º nº 5) o que implica que, seja qual for a relação familiar entre os progenitores (matrimónio, união de facto ou mesmo sem qualquer coabitação), numa situação de dissociação familiar, o exercício das responsabilidades parentais continua a ser exercido em conjunto por ambos (cfr. os artgs 1901º, 1906º nº 1, 1911º e 1912º do Código Civil). Por seu turno, decorre do disposto no nº 1 do artº 1906º do Código Civil - hipótese que aqui se coloca - que «As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.» Até à Lei nº 61/2008, de 31.10, em caso de divórcio ou separação de facto, o exercício conjunto do poder paternal dependia do acordo dos pais. Presentemente, generalizou-se o exercício em comum das responsabilidades parentais e o princípio geral de exercício conjunto veio a ser imposto apenas quanto «às questões de particular importância», deixando-se a decisão exclusiva dos atos do dia-a-dia para o progenitor à guarda de quem o filho se encontra. No caso presente inexiste qualquer decisão judicial que, nos termos do nº 2 do artº 1906º do Código Civil, tenha julgado contrário aos interesses dos menores …… e …… o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância por ambos os progenitores, de modo a ser apenas exercida pelo assistente ……… . Assim, tendo presente o teor dos factos acima relatados, não há dúvida que as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância são exercidas por ambos os progenitores dos menores ……. e ………, independentemente da medida cautelar de apoio junto dos pais, que se mantém em vigor; isto é, temos de concluir que o exercício das responsabilidades parentais quanto àquele tipo de questões é exercido conjuntamente pelo assistente …….. e pela ora recorrente AA…… . Labora assim o arguido BB…… num erro de base quanto aos pressupostos de que partiu no posicionamento que expressou nos autos – o de que apenas o assistente …….. exerce as responsabilidades parentais relativas aos filhos, alegadas vítimas -, pelo que caem pela base os argumentos que esgrimiu para sustentar a manutenção do despacho recorrido. Por outro lado, tendo deixado o legislador à doutrina e à jurisprudência a tarefa de densificar o que são «questões de particular importância para a vida do filho», sempre diremos que são todas aquelas que se encontram relacionadas com o núcleo essencial da sua vivência, como seja a sua saúde, segurança, desenvolvimento e formação (neste sentido, cfr. o Ac do TRL de 04.06.2020, proc. nº 1742/19.2T8ALM-A.L1-2, que pode ser consultado no sítio www.dgsi.pt). Nelas se incluem, seguramente, a representação em juízo dos filhos menores, alegadas vítimas de crimes sexuais. No caso dos autos, os menores só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes – que são os seus pais -, assim suprindo a sua incapacidade judiciária (cfr. o artº 16º, nºs 1 e 2, do CPC). É por isso que, nos termos do artº 68º, nº 1, al. d), do CPP, tem legitimidade para se constituir assistente, «No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal, e na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de proteção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime.» Note-se que, como nota Manuel Lopes Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 7ª ed. Revista e Actualizada, pág. 165, Almedina, Coimbra 1996, «As pessoas a quem aqui se confere o direito de se constituírem assistentes agem em representação do ofendido. Cessando a incapacidade deste, cessa a legitimidade do substituto.» Ora, a questão que se coloca nestes autos não é a de se saber se determinado processo pode ter vários assistentes, pois a resposta é obviamente positiva, desde que, por exemplo, existam vários ofendidos na aceção da al. a), do nº 1, do artº 68º do CPP. Todavia, nessa hipótese, cada um deles cura dos seus próprios interesses, sem potenciais dicotomias processuais incompatíveis entre si com referência ao mesmo interesse, podendo por isso ser representados judiciariamente por advogados distintos (cfr. o nº 2 do artº 70º do CPP). A questão que se coloca é antes a de se saber se a representação dos menores …….. e ……. nestes autos – ante a sua incapacidade - pode ser assegurada em simultâneo por ambos os progenitores através da respetiva constituição como assistentes, atento o disposto no artº 68º, nº 1, al. d), do CPP. E a resposta, salvo melhor opinião, não pode ser senão positiva. Exercendo em conjunto ambos os progenitores as responsabilidades parentais dos seus filhos, ambos menores de 16 anos, sendo por isso ambos seus legais representantes em questões de particular importância para a vida destes, tanto tem legitimidade o progenitor como a progenitora para se constituírem assistentes. E não é pelo facto de o progenitor dos menores se já ter constituído assistente que igual direito processual pode ser negado à progenitora por tudo quanto já expressamos. Na verdade, salvo melhor opinião, aquela disposição do CPP não impõe que a legitimidade para se constituir assistente em representação dos filhos incapazes tenha de ser singular, antes se impondo que a mesma possa e deva ser conjunta atentas as regras atinentes ao exercício das responsabilidades parentais. E nem se diga que esta situação é equivalente àqueloutra de inexistência de representante legal do filho ofendido menor de 16 anos - assumindo então a legitimidade para se constituir assistente qualquer uma das pessoas indicadas na al. c) do nº 1 do artº 68º do CPP e pela ordem ali referida -, pois quanto a estes inexiste mecanismo de suprimento do desacordo no rumo processual a seguir, pelo que se entende que apenas um deles se pode constituir assistente (no sentido que no caso da al. c) do nº 1, do artº 68º do CPP apenas uma dessas pessoas, de entre as igualmente elegíveis do mesmo grupo e segundo a ordem ali estabelecida, se pode constituir assistente, cfr. Manuel Lopes Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 7ª ed. Revista e Actualizada, pág. 165, Almedina, Coimbra 1996). Com efeito, no caso dos pais, como se verá, existem mecanismos processuais que permitem superar a ausência de um dos progenitores na prática de um ato processual que a lei impõe que seja praticado por ambos e também a superar o dissenso de ambos no rumo processual a seguir. Aqui chegados, coloca-se então a questão de se saber como resolver a questão do desacordo quanto ao rumo a seguir nos autos (a recorrente requereu a abertura de instrução e o assistente, pai dos menores, não requereu a abertura de instrução ante o despacho de arquivamento proferido pelo MP, sem olvidar que o arguido é seu amigo e viveu em sua casa, altura em que, segundo a denúncia, terão ocorrido os factos investigados). Neste circunstancialismo, em caso de desacordo, como parece ser o caso, pode qualquer um dos progenitores requerer ao juiz da causa que providencie sobre a forma de o incapaz ser representado, mas a instância não se suspende por contrária aos princípios da ação penal (cfr. os artgs 18º, nºs 2 e 3, e 27º, nº 3, do CPC, aqui aplicáveis com as necessárias adaptações, por remissão do artº 4º do CPP). O que não pode suceder é as alegadas vítimas serem representadas em juízo pelos progenitores em desacordo e com estratégias processuais distintas ou opostas, criando dicotomias processuais potencialmente inultrapassáveis. Mas para isso existem os “remédios” de suprimento previstos no CPC, aqui aplicáveis com as necessárias adaptações por remissão do artº 4º do CPP. Trata-se, todavia, de questão a resolver a jusante – no pressuposto já assente da admissibilidade da recorrente como assistente -, visto que, salvo melhor opinião, em nada bule com a legitimidade da recorrente para se constituir assistente em co-representação (com o progenitor ……) dos seus filhos menores de 16 anos, questão prévia que, como vimos, se coloca a montante. Para além disso, ambos os assistentes terão de ser representados pelo mesmo advogado, nos termos do artº 70º, nº 1, do CPP, questão também a resolver a jusante. Ademais, o objeto do presente recurso – atentas as conclusões das alegações recursivas – abarca também a apreciação da admissibilidade do requerimento de abertura de instrução. Todavia, atentas as necessidades de suprimento assinaladas, não pode este tribunal pronunciar-se já sobre essa questão, pelo que se devolve ao JIC a oportuna apreciação dos seus requisitos de admissibilidade, mas sempre no pressuposto de que a requerente é assistente nos autos. * Assim, concluindo: - Por a recorrente estar em tempo, ter legitimidade, ter pago a taxa de justiça devida e estar representada por advogado, deve ser a mesma admitida a intervir nos autos como assistente (cfr. os artgs 68º, nºs 1, al. d), e 3, al. b), 70º, nº 1, e 519º, nº 1, todos do CPP), devendo entretanto ser escolhido por ambos os assistentes um só advogado para os representar doravante, ou, em caso de divergência, decidirá o juiz nos termos do artº 70º, nº 1, do CPP; - Quanto ao requerimento de abertura de instrução, deverá o mesmo ser apreciado pelo JIC: i)-tendo em atenção a constituição de assistente da ora recorrente; ii)-diligenciado pela representação de ambos os assistentes por um só advogado nos termos do artº 70º, nº 1, do CPP; e iii)-suprindo a falta do progenitor/assistente que não subscreveu tal requerimento de abertura de instrução por qualquer um dos meios previstos no CPC, por remissão do artº 4º do CPP (cfr. os artgs 27º, nº 3, e 18º, nºs 2 e 3, do CPC, aqui aplicáveis com as necessárias adaptações). *** DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os juízes desta 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto, pelo que, revogando o despacho recorrido: a)- Determinam que o tribunal a quo substitua o despacho de não admissão da constituição de assistente da recorrente AAA por outro que a admita a intervir nos autos nessa qualidade; b)-Determinam a apreciação pelo juiz de instrução criminal da admissibilidade do requerimento de abertura de instrução nos termos do artº 287º, nºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP – no pressuposto de que a requerente é assistente -, diligenciando previamente pela representação de ambos os assistentes por um só advogado nos termos do artº 70º, nº 1, do CPP; e suprindo a falta de subscrição daquele requerimento de abertura de instrução pelo assistente ……. por qualquer um dos meios previstos nos artgs 27º, nº 3, e 18º, nºs 2 e 3, ambos do CPC, aqui aplicáveis com as necessárias adaptações, por remissão do artº 4º do CPP. Sem custas por não serem devidas ante a procedência do recurso (cfr. o artº 515º, nº 1, al. b), a contrario, do CPP). Registe e notifique (artº 425º, nºs 3 e 6, do CPP). Lisboa, 26 de outubro de 2023. (Texto processado por computador, composto e revisto pelo 1º signatário) Os Juízes Desembargadores, José Castro Paula Cristina C. Bizarro Jorge Manuel da Silva Rosas de Castro (Assinaturas eletrónicas no canto superior esquerdo da 1ª página) |