Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18365/10.4YYLSB-B.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
CADUCIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– Nos embargos de terceiro de feição repressiva, estando em causa fazer valer um conhecimento superveniente relativamente à data da realização da penhora ou do acto ofensivo, cabe ao embargante, não apenas o ónus de alegar o conhecimento superveniente, mas também a prova dessa superveniência.

II- Para que o tribunal se possa pronunciar oficiosamente sobre a caducidade do exercício do direito, têm de constar da petição factos que demonstrem de forma inequívoca em que data teve o embargante conhecimento da diligência ofensiva da sua posse ou do direito, ou factos de que se constate, também de forma inequívoca, que o embargante teve conhecimento da penhora ou da diligência ofensiva há mais de 30 dias relativamente à data em que a acção entrou em juízo.

III– Na falta desse carácter inequívoco, deverá receber os embargos, cabendo então ao embargado o ónus de invocar a caducidade da respectiva interposição.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



I-Relatório:


I - Na execução que S. SA, move a F.Lda., a José L. e a Luis J. para pagamento  da quantia de € 8.008,35 e legais acréscimos, veio  Rita L. deduzir embargos de terceiro, pedindo que seja dada sem efeito a diligência judicial da venda do bem imóvel.

Alega, em síntese, que só teve conhecimento da execução em 18/2/2014 em função da diligência judicial que nesse dia foi praticada relativamente ao imóvel sito na R. 11 de Novembro, 72 Parede de que é comproprietária juntamente com o marido, o executado José L., e que essa diligência ofende a sua posse e direitos sobre tal imóvel, sendo que é terceira na acção, pois que é alheia aos termos processuais da mesma.

A exequente, por requerimento de fls 17, referindo que teve conhecimento da dedução de embargos de terceiro pela consulta do processo via Citius”,  veio referir que a embargante há mais de um ano que tinha «perfeito» conhecimento da existência do processo,  tendo sido arrolada como testemunha no incidente de nulidade de citação do executado seu marido – incidente julgado improcedente no dia 23/1/2013 – acrescendo que a mesma foi citada no dia 16/1/2014 para querendo “manifestar os seus direitos”, tendo os embargos apenas dado entrada no dia 18/3/2014, pelo que deverão ser julgados totalmente improcedentes por extemporâneos nos termos do art 344º/2 CPC.

Antes de ser proferido despacho liminar, foi proferido despacho em que foi referido:
« …uma vez que não decorre da p.i. de embargos nem do processo executivo a que diligência se refere a embargante, como tendo sido realizada pelo AE em 18/4/2014, notifique a embargante para, em 10 dias, esclarecer a que diligência se refere nos arts 1º a 3º, 14º, 25º e 40º da sua p. i. , devendo ainda juntar aos autos o “doc nº 4” aludido no Ponto 4 da sua p. i.»

Ao que a embargante respondeu nos seguintes termos:

«…vem informar V Exª que tomou conhecimento da existência dos autos executivos por via da notificação que ora juntamos como doc nº 1. Contudo, cumpre esclarecer que a data plasmada na PI se reporta à indicação da data da expedição da mesma, sendo que, na verdade a mesma foi recepcionada em 21/4/2014, conforme doc nº 2 que juntamos. Por referência ao documento referenciado no art 4º da petição inicial, conforme alegado, o imóvel é co-propriedade da embargante, que aí reside, cfr doc nº 3».

Foi proferido despacho nos termos do artº 345º do CPC indeferindo liminarmente os embargos de terceiro face à sua manifesta intempestividade.

II – Do assim decidido apelou a embargante, concluindo as respectivas alegações, nos seguintes termos:

I- A Recorrente apresentou os presentes embargos de terceiro, porquanto foi a mesma surpreendida com diligencia judicial praticada pelo Exmo Agente de Execução ocorrida no âmbito dos presentes autos, na sua residência sita na R. 11 de Novembro nº 72, 2775-261, Parede.

II- Atente-se que a ora embargante, ora Recorrente, é co-proprietária do imóvel atrás referido.

III- Pugnou a Recorrente que tomou conhecimento da existência dos autos de execução bem como da diligência executiva pela qual se pretende atacar o bem imóvel melhor identificado nos autos em 18/2/2014, bem como conhecimento da relação material controvertida que subjaz ao petitório legal destes autos o que ora reiteramos.

III- A Recorrente não tem qualquer ligação ou relação com a Exequente nem, foi parte em qualquer relação comercial ou contratual com qualquer das partes destes autos, pois que não figura como executada quer a título principal quer a titulo secundário.

IV- Releve-se, nunca a recorrente teve qualquer intervenção/relação com a executada principal.

V- Tal facto coloca-a na posição de terceira face ao petitório legal e respectivos efeitos e consequências.

VI- A recorrente não figura em qualquer relação jurídica com os intervenientes, não sendo a mesma devedora da exequente ou sequer avalista da executada principal nos presentes autos.

VII- As ulteriores diligencias processuais dos autos tornaram a recorrente na principal visada e afectada, senão mesmo a única lesada, com a diligência realizada, sendo co-proprietária do imóvel o qual se consubstancia na sua casa de morada de família, pois que tal imóvel reveste relevante essencialidade para a Recorrente, que vê em risco a casa onde reside e tem instalada a sua vida.

VIII- Assim está em causa a defesa de manter a sua habitação, mediante manutenção da co- propriedade e posse legítima, titulada, de boa fé e pública, sendo terceira de boa fé na presente contenda.

IX- Qualquer acção ou diligencia a fim de assacar responsabilidades por créditos devidos pela executada principal ou qualquer outro dos executados que figure nos autos  deverá ser peticionada sem sacrifício patrimonial da Recorrente, contrariamente ao que acontece.

X- A diligência judicial ordenada nos presentes autos ofende a posse e os direitos da recorrente - arts 344º, 342º, 350º do CPC - a embargante é terceira de boa fé,  uma vez que não é parte ou interveniente no referido processo.

XI- À recorrente é legitimo defender a sua posse e os seus direitos adquiridos sobre o imóvel in casu, com direitos e obrigações melhor descritos nos documentos juntos, o que se requer, arts 350º e ss CPC.

XII- Os embargos apresentam-se como tempestivos e oportunos- cfr art 342º e ss do CPC - considerando que conforme alegado a recorrente tomou conhecimento da penhora do imóvel mediante o doc nº 1 junto com o requerimento ref 16861743, tendo apenas nesta data tomado conhecimento da penhora sob o imóvel.

XIII- A recorrente é terceira na presente acção uma vez que não é parte primitiva ou incidental na presente demanda de execução judicial.

XIV- A presente petição de embargos é tempestiva nos termos do nº 2 do art 353º CPC, uma vez que só agora a ora embargante tomou conhecimento dos factos que afectam de forma muito grave os seus direitos de posse e propriedade sobre o imóvel supra melhor identificado.

XV- A recorrente detém a posse do imóvel titulada de boa fé publica e ininterrupta - 1253º e ss CC e 342º CPC, pelo que detém a posse e a propriedade do imóvel e bem assim dos móveis que compõem o respectivo recheio e existências.

XVI- A referida diligência judicial ofende a posse real e efectiva da ora embargante, cfr arts 342º CPC e 1253º CC.

XVII- O imóvel ajuizado é a casa de morada de família da recorrente, onde tem instalada e sediada a sua vida.

XVIII- Quanto à relação da recorrente com a relação substantiva que subjaz ao pedido inexiste qualquer relação contratual da recorrente com a exequente pelo que não teve esta qualquer responsabilidade na formação da alegada divida sob cobrança.

XIX- A recorrente não tem qualquer interesse nos negócios da sociedade executada, contudo se diga que, para além das simples garantias gerais, podem ser fixadas outras garantias específicas, caracterizadas essencialmente pela acessoriedade e a subsidiariedade.

XX- A acessoriedade como primeiro desses traços característicos encontra a sua expressão no nº 2 do art 627º CC com as consequências que se encontram fixadas nos arts 628º, 631º, 632º, 634º, e 651º CC e a subsidiariedade é um benefício que permite lançar mão, a par de outros meios de defesa, da presente petição de embargos.

XXI - É assim certo o principio segundo o qual o património da ora recorrente só responderá pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o património dos devedores é insuficiente para a solver.

XXII- De facto e de direito não pode ser outra a convicção de Vª Excias senão que a configuração destes autos nos moldes em que ocorre viola a posse/propriedade da recorrente, bem como se assume como um direito incompatível com a realização/âmbito da diligência, assim legitimando a presente petição de embargos.

XXIII– Assim, conforme art 639º CC verdade é que só pode a recorrente ver a sua esfera jurídica afectada com uma diligência semelhante aquando o credor tiver executado todos os bens do devedor e ainda assim, não tiver obtido a satisfação do seu crédito, o que não sucedeu in casu.

XXIV- Ademais a recorrente é co-proprietária do imóvel o que acontece por aquisição conforme escritura publica celebrada, ou seja, a recorrente é co-proprietária do imóvel por tê-lo adquirido directamente e não como simples decorrência do facto de ser casada com um dos co-executados.

XXV- Pelo que não poderá ser admissível que esta veja sacrificado um bem de sua propriedade directa por divida de terceiros.

XXVI- Os embargos de terceiro constituem o meio de reacção tutelador da posse dirigidos contra diligências judiciais que a ofendem.

XXVII- Assim reiteramos com efeito a recorrente desconhecia as diligencias de penhora em curso e não podia antecipar que por qualquer modo viesse a exequente procurar fazer-se pagar das alegadas dividas da executada pelo sacrifício patrimonial.

XXVIII- Pugnamos assim que, efectivamente estão verificados os pressupostos necessários ao decretamento dos embargos requeridos, pois que, a decisão judicial proferida nos presentes autos ofende a pose e propriedade do bem imóvel da embargante, ora recorrente que se encontra penhorado - cfr arts 351º 359º e 819º do CC - pelo que a noção de posse constante do art 1251º CC e o art 1253ºA CC expressamente exige o animus para que a situação se qualifique como posse e não como mera detenção, e este animus existe.

XXVIX- A verdade é que a prova do animus in casu não pode senão resultar verificada mercê da concludência dos actos materiais praticados pelos Recorrente e pela averiguação da vontade concreta - art 1263º als a) e d) CC - sendo que o legislador acabou por consagrar no art 1252º/2 CC a presunção de que o detentor de facto é possuidor.

XXX- Isto é, a transacção ocorreu de facto muito alem da intenção, tendo a executada transmitido a posse pela cedência do bem - art 1267º/ al c) CC - e a concomitante vontade do possuidor actual, recorrente, de agir como titular do direito real correspondente - o que acontece in casu.

XXXI- A embargante remeteu aos autos os presentes embargos, cfr notificação que se referiu em requerimento que antecede, tendo recepcionado a mesma na data indicada, ou seja, no prazo de 30 dias contados da data da referida notificação sendo os mesmos tempestivos.

XXXII- Sendo que se afigura como um meio cabal e suprema relevância que sejam admitidos e processados os presentes embargos, com o mais de Direito, a fim de se acautelar a existência de danos na esfera jurídica da embargante, pois que esta é alheia e terceira face ao petitório que subjaz aos autos.
           
III– Foi considerado pela 1ª instância o seguinte circunstancialismo fáctico processual:

- Na execução, foi penhorado o imóvel id. no Auto de fls.83, em 23.10.2013, imóvel esse que se encontra registado em nome do 2º executado e da ora embargante, casados entre si no regime de comunhão de adquiridos (cf. certidão permanente do registo predial junta fls.91 e segs. da execução).
- A ora embargante foi citada para os termos da execução, com cópia do requerimento executivo e do auto de penhora, ao abrigo do artº 740º do novo CPC em 16.1.2014 (cf. carta de citação e A/R correspondente juntos a fls.99 e 108 da execução, tendo assinado ela própria o Aviso de recepção de tal carta de citação)
- Após tal citação, foi notificada para se pronunciar sobre a modalidade e valor da venda por carta datada de 18.2.2014.
- Os presentes embargos deram entrada em 18.3.2014.
           
 O despacho liminar que ora se mostra recorrido apresenta o seguinte conteúdo:

«Dispõe o artº 342º, nº 1 do CPC: “Se a penhora, ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
A possibilidade de dedução de embargos de terceiro por parte do cônjuge do executado vem prevista no artº 343º do novo CPC.
Dispõe ainda o artº 344º, nº 2 do CPC que o embargante deve deduzir a sua pretensão mediante petição nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que teve conhecimento da ofensa.
Assim, o prazo processualmente previsto para a dedução de embargos de terceiro assume actualmente a natureza de prazo processual peremptório, incumbindo pois ao embargante a alegação e prova da tempestividade dos embargos. Como se explica no Ac.RL de 22.4.2008 (in www.dgsi.pt ), “tudo aponta para que a revisão do CPC 95/96 pretendeu pôr cobro à divergência doutrinária sobre a natureza daquele prazo, acabando por assimilá-lo inteiramente a um prazo processual, em termos similares ao que sucede com o prazo para a dedução de oposição à execução. Esta solução é, desde logo, postulada pela natureza incidental que é atribuída à dedução de embargos de terceiro…”
Tal regime mantém-se no novo CPC que, em relação às disposições supra citadas, manteve a mesma redacção do anterior.
No caso destes autos, a embargante alegou que teve conhecimento da penhora em Fevereiro de 2014, quando recebeu a carta de notificação para se pronunciar sobre a modalidade e valor da venda.
Porém, conforme decorre do supra exposto, antes de tal notificação, a ora embargante foi citada, com cópia do auto de penhora, para os termos da execução em Janeiro de 2014, tendo assinado ela própria o Aviso de recepção de tal carta de citação.
A posterior notificação foi remetida para a mesma morada da citação.
Apesar de ter sido dada oportunidade à embargante para esclarecer a tempestividade dos embargos, a mesma nada disse quanto ao seu acto de citação pessoal realizado em 16.1.2014.
Considerando tal acto de citação e nada tendo sido alegado, susceptivel de prova, quanto à invocada superveniência subjectiva, importa ter em conta a data de realização e registo da penhora (2013) e bem assim a data de citação da ora embargante (Jan.2014).
Ora, tendo em conta que os presentes embargos deram entrada em 18.3.2014, é manifesta a sua intempestividade.
Urge pois concluir pela extemporaneidade dos embargos.
Com tal conclusão, fica prejudicada a apreciação do mérito da alegação que fundamenta os embargos do cônjuge do executado.
Face ao exposto, indefiro liminarmente os embargos de terceiro deduzidos por Rita Liquito, face à sua manifesta intempestividade.
Custas pela embargante.
Registe e notifique».

IV– Considerando o teor do despacho recorrido e o das conclusões, a única questão a decidir – pese embora a prolixidade destas – é a da tempestividade dos embargos.

Dispõe o art 344º do CPC no seu nº 2, depois de no seu nº 1 referir que «os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto ofensivo do direito do embargante», que (este) «… deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas».

A diligência a que se reporta esta norma é, naturalmente, a que está em causa no seu nº 1 - o acto ofensivo do direito do embargante - que os artigos antecedentes – 342º e 343º - melhor qualificam de «penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens».

Consequentemente, estão aqui em causa embargos com finalidade repressiva – o terceiro embargante pretende ver regressar à sua posse o bem objecto da penhora ou da diligência judicialmente ordenada.

È certo que os embargos de terceiro podem também assumir natureza preventiva, mas aí, atenta a sua finalidade e configuração, devem ser deduzidos entre a data em que foi proferida a decisão que permite a realização da diligência ofensiva da posse ou do direito incompatível e o momento em que essa decisão será executada. Como resulta do disposto no art 350º, a ideia nos embargos preventivos é impedir que o embargante seja esbulhado da sua posse ou veja o seu direito ofendido, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência de apreensão ou de entrega de bens que se revele ofensiva.

Como resulta do referido nº 2 do art 344º o prazo para a dedução dos embargos de terceiro com feição repressiva é aí mencionado de forma alternativa – ou nos 30 dias a contar da data em que a diligência foi efectuada, ou no prazo de 30 dias a contar da data em que o embargante teve conhecimento da ofensa, falando-se a este propósito de conhecimento superveniente. 

O que importa nesta segunda circunstância é a data em que o embargante teve conhecimento efectivo do acto ofensivo da sua posse[1].

Havendo ampla jurisprudência a excluir que releve para esse efeito a data da  inscrição desse acto no registo predial ou da publicidade do mesmo em sede de editais ou anúncios[2].

Constitui questão amplamente controvertida, a de saber se está vedado ao tribunal o conhecimento oficioso da intempestividade dos embargos de terceiro,  impendendo sobre o embargado o ónus de invocar a extemporaneidade dos embargos, nos termos dos arts 303º, 333º/2 e 342º/2 CC.

A questão em apreço era já controvertida na versão do CPC anterior à Reforma de 95/96, e em rigor continuou a sê-lo, havendo quem ainda defenda, na senda da jurisprudência anterior, que a intempestividade destes embargos está dependente de arguição, por estar em causa um prazo de caducidade estabelecido em matéria inserida no âmbito da disponibilidade das partes, de tal modo que, mesmo que o tribunal se aperceba do seu decurso, não se pode pronunciar oficiosamente sobre tal matéria[3].

No entanto, a redacção introduzida pela Reforma 95/96 ao art 354º ACPC, que hoje corresponde com o mesmo texto ao art 345º, e cuja epigrafe é “Fase Introdutória dos embargos”, quando refere «sendo apresentado em tempo», não pode deixar de constituir forte argumento no sentido de que o legislador terá querido estabelecer uma excepção ao disposto no art 333º/2 CC «permitindo ao tribunal o conhecimento oficioso da caducidade do direito de embargar, pelo que o juiz deve rejeitar os embargos com fundamento em extemporaneidade se, analisada sumariamente a prova apresentada, se convencer que os embargos foram deduzidos mais de 30 dias apos o conhecimento da diligencia ofensiva da posse ou do direito incompatível»[4].

Como é evidente, para que o tribunal se possa pronunciar oficiosamente sobre a caducidade do exercício do direito têm de constar da petição factos que demonstrem de forma inequívoca em que data teve o embargante conhecimento da diligência ofensiva da sua posse ou do direito.

Ou, factos de que se constate, também de forma inequívoca, que o embargante teve conhecimento da penhora ou da diligência ofensiva há mais de 30 dias relativamente à data em que a acção entrou em juízo.

E estando em causa fazer valer um conhecimento superveniente relativamente à data da realização da penhora ou do acto ofensivo, cabe ao embargante, não apenas o ónus de alegar o conhecimento superveniente, mas também a prova dessa superveniência, o que se justifica perante a redacção do art 343º/2 - de acordo com essa norma o embargante ao deduzir a sua pretensão deve apresentar de imediato todas as suas provas, «as quais se destinarão não só a provar o mérito da sua pretensão, como também a sua tempestividade em caso de invocação de superveniência subjectiva», devendo pois concluir-se que, «se já passaram mais de 30 dias a contar da data em que se verificou a realização da diligência, recai sobre o embargante o ónus de demonstrar ao tribunal que só teve conhecimento dessa diligência ofensiva da posse ou do direito em momento posterior» [5].

Donde se conclui que «a arguição da extemporaneidade dos embargos de terceiros pelo embargado, só deverá ter lugar quando o juiz  tenha proferido um despacho de recebimento por ter formado a convicção, com base na factualidade invocada pelo embargante, de que os embargos foram deduzidos de forma tempestiva» [6] 

Revertendo à situação dos autos, há que salientar que a embargante, quer na petição, quer nas conclusões do presente recurso optou, decerto, deliberadamente pela total equivocidade - na verdade, como é referido no despacho que antecede o de rejeição liminar dos embargos, a embargante não revelou na petição inicial a que diligência judicial se pretendia dirigir. E sendo convidada para o fazer vem informar que «só tomou conhecimento da existência dos autos executivos pela notificação que junta» – datada de 18/2/2014 e que diz recepcionada apenas a 21/2/2014 -  e em função da qual o Exmo AE a notificou para os efeitos do disposto no art 812º/1 CPC, isto é para, no prazo de 10 dias, indicar a modalidade de venda e o valor dos bens a vender .
Donde se mostra forçoso concluir que pretende fazer valer um conhecimento superveniente da ofensa – ao referir que apenas em 21/2/2014 e através da referida notificação tomou conhecimento da execução, por maioria de razão, está alegar que apenas nessa data tomou conhecimento do acto ofensivo, e este, estando em causa uma execução, tem que se reportar à penhora.

Deve fazer-se notar que a exequente embargada, naturalmente conhecedora da polémica questão do conhecimento ofícioso da intempestividade dos embargos, apressou-se, ainda que não notificada para o efeito – referindo ter tido conhecimento da dedução dos embargos através do “Citius” - a vir arguir tal intempestividade.

A verdade é que, ainda que nada tivesse dito, ou ainda que o requerimento em causa, porque desinserido da normal tramitação do processo não se devesse ter em consideração, sempre a situação era tal que, podia e devia o tribunal, oficiosamente, rejeitar os embargos por intempestivos, como o fez.

Pois, recaindo na situação em apreço sobre a embargante o ónus de alegar e provar que só teve conhecimento «da existência dos autos de execução bem como da diligência executiva pela qual se pretende atacar o bem imóvel melhor identificado nos autos em 18/2/2014 – cfr conclusão III - com a notificação referente ao art 812º/1 CPC,   teria naturalmente que justificar  por que  bizarro  motivo, tendo sido citada, com cópia do auto de penhora para os termos da execução em 16/1/2014- tendo ela própria assinado o aviso de recepção de tal carta de citação  – dessa citação não lhe resultara  aquele conhecimento, sendo certo que lhe cabia informar-se a respeito do conteúdo da mesma.

Se na petição e no requerimento acatador do convite que lhe foi dirigido nada alega de relevante para justificar a dedução de embargos apenas em 18/1/2014, quando o conhecimento da penhora lhe terá advindo, naturalmente, da citação com cópia do auto dessa penhora, em 16/1/2014, a verdade é que também nas muito extensas conclusões deste recurso nada diz de útil a esse respeito.

Refere-se à questão que está em causa - a tempestividade dos embargos- apenas em três das trinta e tal conclusões que apresenta – XII, XIV e XXXI - aí referindo, respectiva e inocuamente:

«Os embargos apresentam-se como tempestivos e oportunos- cfr art 342º e ss do CPC - considerando que conforme alegado a recorrente tomou conhecimento da penhora do imóvel mediante o doc nº 1 junto com o requerimento ref 16861743, tendo apenas nesta data tomado conhecimento da penhora sob o imóvel»; «a presente petição de embargos é tempestiva nos termos do nº 2 do art 353º CPC, uma vez que só agora a ora embargante tomou conhecimento dos factos que afectam de forma muito grave os seus direitos de posse e propriedade sobre o imóvel supra melhor identificado»; «a embargante remeteu aos autos os presentes embargos, cfr notificação que se referiu em requerimento que antecede, tendo recepcionado a mesma na data indicada, ou seja, no prazo de 30 dias contados da data da referida notificação sendo os mesmos tempestivos».

Donde se conclui pela improcedência da apelação.

V- Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela embargante.



Lisboa, 14 de Maio de 2015

                         
Maria Teresa Albuquerque                                              
José Maria Sousa Pinto                                              
Jorge Vilaça



[1]- O Tribunal Constitucional, a propósito de norma semelhante do CPPT, respectivo art 237º/3, julgou-a inconstitucional, por violação do art 20º da CRP, quando interpretada como determinando a contagem do prazo para dedução dos embargos de  terceiro da data da realização da penhora, arresto, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, mesmo nos casos em que o terceiro só toma conhecimento do acto ofensivo da posse ou do direito subsequentemente à realização deste, mas antes da venda deste ( Ac T C nº 468/2001, in DR I Serie nº 276 de 28/11/2001
[2]- Ac STJ 30/11/2006; Ac STJ 22/4/1997 ambos em www.dgsi.pt 
[3]- Cfr Ac STJ 3/5/2001 e Ac TRC 1/4/2008, em www.dgsi.pt.
[4]- Cfr Marco Carvalho Gonçalves, «Embargos de terceiro na Acção executiva», p 333, que se tem vindo a acompanhar,  e Ac TRL 2/2/2005, TRL 25/5/2000, in www.dgsi.pt
[5]- Obra e autor citados;  Ac TRP 28-4-1987 CT II 236, Ac STJ 13/7/1988 B 379º- 561, Ac TRP 23/5/2000 em cujo sumário se diz: «Deve ser indeferida liminarmente a petição de embargos de terceiro se dela não consta ter o embargante tido conhecimento da diligencia pretensamente ofensiva há  30, ou menos , dias se esta teve lugar há mais tempo do que esse prazo».
[6]- Obra e autor citados, p 337