Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4203/16.8TBOER-A.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Litigam de má-fé os exequentes que, invocando a sua qualidade de senhorios num contrato de arrendamento para fins não habitacionais, demandam os fiadores identificados nesse contrato, apresentando como título executivo para pagamento da quantia certa correspondente às rendas, encargos e despesas em atraso, aquele que foi formado num procedimento especial de despejo onde os fiadores executados não foram demandados, mais invocando (mas não demonstrando documentalmente com o requerimento executivo ou mesmo posteriormente) ter solicitado aos executados o pagamento das quantias em atraso, e invocando ainda, em sede de contestação aos embargos que os executados deduziram e como forma de remediar a falta de título executivo, a cumulação sucessiva de execuções fundada na pretensa comunicação a que alude o art.º 9º, nº 7, al. b), do NRAU, efectuada aos executados durante o prazo que os exequentes dispunham para contestar os embargos.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Novo Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Por apenso à execução que A. e F. movem a J. e G., vêm estes deduzir embargos de executado, aí alegando, em síntese, que:
· Inexiste, quanto aos mesmos, fiadores do contrato de arrendamento apresentado no Balcão Nacional do Arrendamento, título executivo, pois que não foram demandados no âmbito do procedimento especial de despejo que aí correu termos e no qual se formou o título para desocupação do locado e o título para pagamento de quantia certa;
· Acresce que, ao contrário do alegado no requerimento executivo, não têm memória de, nas datas de 30/4/2013 e 25/11/2013, terem sido interpelados por carta registada com aviso de recepção ou mediante notificação judicial avulsa para proceder ao pagamento das alegadas rendas em dívida por parte da sociedade arrendatária;
· Nesse pressuposto, por não figurarem no título apresentado, são parte ilegítima na execução;
· Os exequentes actuam em abuso do direito, pois pretendem o pagamento de uma dívida a que sabem não ter direito;
· Para além do mais, tendo sido entregue aos exequentes, aquando da celebração do contrato de arrendamento, a quantia de € 50.000,00, a título de caução, devem os mesmos pagar-se dessa quantia de modo a verem ressarcida a quantia alegadamente em dívida;
· Acresce que os exequentes litigam em manifesta má-fé, devendo ser condenados em multa condigna e em indemnização aos embargantes, em quantia não inferior a € 5.000,00.
Devidamente notificados, os exequentes apresentam contestação onde, a título prévio, apresentam pedido de cumulação sucessiva, ao abrigo do disposto no art.º 711º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil. Mais alegam nessa contestação que, através do pedido de cumulação sucessiva, se encontram sanadas as pretensas excepções dilatórias de falta de título executivo e de ilegitimidade processual passiva, inexistindo da sua parte qualquer abuso de direito ou litigância de má-fé. Mais aduzem que, ao contrário do alegado pelos executados, não foi paga qualquer caução de que os exequentes se possam pagar. Por fim, requerem a condenação dos executados como litigantes de má-fé, a pagar-lhes uma indemnização e os honorários com o mandatário, que cifram em pelo menos € 5.000,00.
Por requerimento de 14/6/2017 os exequentes procedem à alteração do seu requerimento probatório, aditando testemunhas e juntando sete documentos, entre eles um carta datada de 30/4/2013 e dirigida aos executados (bem como comprovativo do registo postal da mesma naquela data), onde lhes declaram que “junto enviamos cópia da carta enviada à Firma (…) Lda, relativamente às rendas em dívida para vosso conhecimento e eventual pagamento em nome da inquilina”, mais constando em anexo a carta de 30/4/2013 enviada à inquilina.
Após prévia indicação do conhecimento imediato do mérito dos embargos, sem necessidade de realização de audiência prévia, e após produção de alegações de facto e de direito por ambas as partes, foi proferida decisão final que julgou procedentes os embargos e extinta a execução, mais condenando os exequentes como litigantes de má‑fé no pagamento da multa equivalente a 40 UCs e no pagamento de indemnização aos executados no valor de € 3.500,00.
Os exequentes recorrem da parte da decisão final que os condena como litigantes de má‑fé, em multa e indemnização a favor dos executados, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
a) Quanto à carta de 30/04/2013 a mesma não foi, efectivamente, junta numa fase inicial mas veio a mesma a ser junta mais tarde em requerimento probatório apresentado pelos Recorrentes, encontrando-se tal documentado nos autos.
b) E o mesmo é de dizer em relação ao texto da notificação judicial avulsa pois que o mesmo foi junto aos autos em 08/05/2015 e a que coube a Referência CITIUS 9793371.
c) Em relação às 3 comunicações datadas de 11/04/2017 e ao facto de não se mostarem juntos aos autos os respectivos comprovativos postais da sua expedição os mesmos não constam nem teriam de constar pois que, nos termos do artigo 9º, nº 7 b) da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro tais comunicações fazem-se por contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original e tal foi feito por Agente de Execução nos termos que a sentença, paradoxalmente, até dá como provado ter ocorrido, isto no ponto 9 do probatório fixado.
d) Não consta do probatório fixado que o Tribunal, na putativa ausência dos supra aludidos documentos, tenha endereçado aos Recorrentes um qualquer convite à sua junção e tal era um verdadeiro poder – dever que se impunha ao julgador nos termos do artigo 590º, nº 2 c) do CPC actuando o órgão Judicial ao abrigo de poderes vinculados.
e) E isto assim sendo uma vez que os ditos documentos seriam, nos termos da lei, essenciais para a decisão a tomar.
f) Os Recorrentes recorreram ao mecanismo previsto no artigo 711º, nº 1 do CPC de modo a agilizar o processo, iIsto é, os Recorrentes, cientes da razão da sua pretensão e não pretendendo ver um processo regressar ao seu início sem que nada o justificasse, interpretaram o artigo 711º do CPC em conjugação com o princípio da economia processual, entendido este como princípio que obsta a prática de actos que retardem o processo para além do necessário.
g) Ora a litigância de má fé não visa punir a defesa em juízo de teses ousadas e ainda que as mesmas não venham a ter acolhimento na decisão, o que a litigância de má fé visa punir, em sede de matéria de Direito, é a defesa de teses absurdas que não logram obter, sequer ao de leve, respaldo na lei.
h) E é manifesto que tal não sucedeu no caso sub judice pelo que, também por esta via, a condenação dos Recorrentes como litigantes de má fé não se pode manter.
i) Para tal exige-se a demonstração de um juízo de censura incidente sobre um concreto comportamento adoptado pela parte na lide, ora, tendo os Recorrentes nesta lide sido representados por dois mandatários judiciais distintos: i) o que deu impulso processual à lide, com o requerimento executivo, o Ilustre Advogado, Dr. Gião Falcato e ii) aquelas que assumiram por substabelecimento a lide, aquando dos embargos, as aqui Signatárias, -logo daqui não se pode considerar que os Recorrentes actuaram com dolo ou negligência grave, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, ou que omitiram factos relevantes para a decisão da causa,
j) Antes, estes representados por mandatários, procuraram o apoio técnico daqueles que com a sua ciência jurídica procuraram dentro do espírito da Lei e sempre respeitando os Tribunais acautelar o direito dos Embargados/Exequentes: o direito a um crédito, que pelo teor da douta sentença resulta que existe, mas se considera inexigível perante os Embargantes/Executados, por não ter sido contra eles junto ab initio o título executivo, cujo douto Tribunal considerou como fundamental, sem possibilidade de suprimento a posteriori.
k) Mas o crédito existe, tendo os Recorrentes ficado efectivamente prejudicados no seu direito sem nunca terem recebido as rendas que reclamavam nos autos sub judice, como a própria sentença o reconhece
l) Violou a sentença o artigos 542º, nº 2 e 590º, nº 2 c) do CPC, 9º, nº 7 b) da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro assim como fez uma errónea interpretação da matéria de facto devendo ser aditado ao probatório fixado o seguinte:
m) A carta de 30/04/2013 veio a ser junta mais tarde em requerimento probatório apresentado pels Recorrentes.
n) E, com tal, deve o presente recurso proceder sendo revogada a Douta sentença recorrida e substituída a mesma por uma decisão que absolva os Recorrentes da sua condenação como litigantes de má fé.
Os executados não apresentaram contra-alegação.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Novo Código de Processo Civil, a questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, prende-se com a errada aplicação do nº 2 do art.º 542º do Novo Código de Processo Civil.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é aquela que decorre do relatório que antecede, complementada pela que a seguir se enuncia, e que decorre do teor da decisão recorrida e dos demais elementos documentais constante dos autos:
1. Os exequentes intentaram a acção executiva em 18/10/2016, visando o pagamento da quantia de € 48.356,46, e apresentando, para o efeito, como título:
a. Contrato de arrendamento para fins não habitacionais que, na qualidade de senhorios, celebraram a 10/12/2008 com a sociedade (…) Lda., tendo esta a qualidade de arrendatária, e em que intervieram os executados como fiadores desta sociedade, renunciando ao benefício da excussão prévia e garantindo o pagamento de todas as obrigações que da celebração de tal contrato decorressem para a arrendatária;
b. Título para desocupação do locado e título executivo para pagamento de quantia certa por ter sido deduzido pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso sem ter sido deduzida oposição no respectivo prazo.
2. O documento referido em 1.b. foi formado em 26/6/2014 no âmbito do procedimento especial de despejo que, sob o nº 904/14.3YLPRT, correu termos no Balcão Nacional do Arrendamento.
3. Nesse procedimento foi pelos exequentes demandada a sociedade (…) Lda., por referência a contrato de arrendamento com esta celebrado a 1/12/2008, e peticionado o pagamento da quantia total de € 31.884,45, a título de rendas em atraso.
4. No referido procedimento não foram demandados os executados.
5. No requerimento executivo afirmaram os exequentes que a 30/4/2013 dirigiram carta registada com aviso de recepção aos executados, solicitando o pagamento dos montantes em dívida, e que em 25/11/2013 foram estes notificados, mediante notificação judicial avulsa, aludindo a documento nº 2 que alegam juntar e cujo teor afirmam dar por reproduzido.
6. Inexistem, apresentados com o requerimento executivo, os documentos mencionados em 5.
7. Os embargos de executado foram apresentados pelos executados em 17/1/2017.
8. A contestação aos embargos deduzidos pelos executados foi apresentada pelos exequentes a 8/5/2017, tendo sido remetida a estes notificação para contestar em 12/4/2017.
9. Os exequentes juntam a essa contestação “certidão de comunicação” lavrada pelo agente de execução José Ribas, em 21/4/2017, dando conta, em suma, de ter este tentado a notificação dos executados para efeitos do disposto nos art.º 9º, nº 7, al. b), e 14º do NRAU, não tendo os mesmos comparecido para receber a notificação, mas da qual lhes deu conhecimento.
10. Juntam ainda à contestação cópias de três comunicações datadas de 11/4/2017, uma das quais assinada pelos exequentes e as restantes sem qualquer assinatura, onde mencionam, em síntese, encontrar-se em dívida o valor de € 44.090,56, solicitando dos executados o respectivo pagamento.
11. Não se mostra junto qualquer comprovativo de expedição postal das comunicações referidas em 10., nem da sua recepção pelos executados.
12. Na mesma contestação os exequentes afirmam juntar, como documento 4, a carta registada com aviso de recepção e a notificação judicial avulsa referidas no requerimento executivo.
13. Não foi junto aos autos qualquer comprovativo da referida notificação judicial avulsa dos embargantes, pese embora conste cópia de um requerimento tendente à notificação judicial avulsa da sociedade (…) Lda. e dos embargantes, que tem por destinatário o Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, sem certificação de entrega judicial, sem assinatura dos advogados subscritores e sem data.
14. Não foi junto aos autos qualquer comprovativo postal do recebimento pelos executados da carta registada com aviso de recepção que lhes foi dirigida pelos exequentes a 30/4/2013.
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Tal como decorre do art.º 542º do Novo Código de Processo Civil, diz‑se litigante de má fé aquele que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A decisão recorrida sustenta da seguinte forma a condenação dos exequentes como litigantes de má-fé:
(…) os exequentes, reconhecendo implicitamente a ausência de título de suporte da execução, tentaram obtê-lo no decurso do prazo para a apresentação da contestação aos embargos de executado. Não podiam desconhecer que os documentos com que tentaram remediar a ausência de título não tinham aptidão enquanto tal, por não se encontrar demonstrada qualquer comunicação efectivada aos embargantes, e que a requerida cumulação de execuções constituiu, em sede de embargos de executado, um artifício processual anómalo e totalmente improcedente.
Os exequentes sabiam-no, pois encontravam-se assistidos por mandatários judiciais, a quem incumbe desde logo litigar com verdade, correcção e de forma íntegra.
Verifica-se, pelo contrário, que fizeram do processo um uso manifestamente reprovável, que se iniciou no requerimento executivo e culminou na contestação aos embargos e nos requerimentos subsequentes a esta peça, tendentes à apresentação de prova.
Com efeito, remeteram para documentos que nunca juntaram, dando-os por reproduzidos, tentando confundir a parte contrária e o tribunal. E tentaram, ainda, que a execução prosseguisse, de forma ilegal, fazendo referência a documentos datados do período que mediou entre a sua notificação para contestar e a apresentação da contestação, não podendo desconhecer que os mesmos nenhuma aptidão tinham como títulos executivos, para além de saberem igualmente, por tal constituir regra básica do processo executivo, que o expediente processual de cumulação de execuções que tentaram experimentar não era, de forma manifesta, idóneo a colmatar nem a ausência do título nem as inverdades (afirmação da junção de documentos que não juntaram) já anteriormente praticadas.
Litigaram, pois, os exequentes, assistidos pelos seus mandatários judiciais, com manifesta má fé, pois que não actuaram com a lisura, transparência e honestidade que devem pautar os litigantes de uma acção judicial”.
Entendem os exequentes que a junção do texto da notificação judicial avulsa dirigida ao extinto Tribunal Judicial da Comarca de Cascais (com a contestação aos embargos), bem como a junção (tardia) da carta de 30/4/2013, era bastante para fazer afirmar a existência do título executivo que permitia demandar os executados, para pagamento de quantia de € 48.356,46, indicada no requerimento executivo.
Todavia, a matéria de facto provada desmente categoricamente tal afirmação. Não só porque inexiste qualquer certificação de que o referido texto da notificação judicial avulsa teve a correspondente tramitação, tendo chegado ao conhecimento dos executados (falta, designadamente, a certidão judicial de notificação dos executados), mas igualmente porque inexiste demonstração da recepção da carta de 30/4/2013 pelos executados.
Ou seja, no momento em que os exequentes demandaram executivamente os executados inexistia a totalidade dos documentos que os primeiros entendiam constituir o título executivo complexo a que alude o art.º 14º-A do NRAU.
Por serem confrontados com essa falta de título executivo, os executados deduziram a sua oposição por embargos, invocando isso mesmo como fundamento da oposição.
E é nesse momento processual que os exequentes, ao invés de procederem com a lisura processual que se lhes impunha, designadamente reconhecendo o bem fundado da oposição dos executados, optam por confundir o tribunal e a parte contrária, não só defendendo que lhes assiste o direito de, mesmo não tendo título executivo formado contra os executados, cumularem sucessivamente com esse inexistente título o título que pretenderam formar durante o prazo de que dispuseram para contestar os embargos, como igualmente defendendo que o título originário existe, com base em documentos que, por não respeitarem aos executados (como é o caso do texto da (não) notificação judicial avulsa), nunca poderiam formar título executivo quanto aos mesmos, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 14º-A do NRAU.
Ou seja, na sua contestação aos embargos os exequentes não defenderam qualquer tese ousada, designadamente aquela que permitiria que a conjugação do princípio da economia processual com o instituto da cumulação sucessiva de execuções fizesse afirmar a existência de título executivo relativamente aos executados, nos termos invocados no requerimento executivo.
Antes afirmaram uma tese completamente absurda, porque totalmente despida de sustento normativo, e desde logo porque inexiste qualquer instituto jurídico que permita cumular sucessivamente o que existe apenas supervenientemente com o que inexiste originariamente.
Ou, utilizando uma linguagem mais coloquial (para que os exequentes percebam melhor o mal fundado da sua conduta), aquilo que os mesmos fizeram foi a chamada “fuga em frente”, remendando sucessivamente o que já não tinha remendo, e assim deixando antever, até porque sempre estiveram (e estão) assistidos por mandatários, que sabiam não deter qualquer título que lhes permitisse demandar executivamente os executados.
E a circunstância de, em abstracto, assistir aos exequentes o direito fundamental de acesso aos tribunais, não lhes permite a violação dos deveres de cooperação, probidade e boa-fé que decorrem dos art.º 7º e 8º do Novo Código de Processo Civil.
Sendo que os deveres de probidade e boa-fé impunham aos exequentes a conclusão da total ausência do título executivo que invocaram no requerimento executivo apresentado contra os executados, impedindo-os, no caso concreto, quer de recorrer ao tribunal pela via executiva utilizada, quer de aí defender, posteriormente, a referida tese absurda da cumulação sucessiva de execuções, à conta do tempo e do trabalho do tribunal e da contraparte.
O que equivale a afirmar, não só que os exequentes deduziram pretensão executiva cuja falta de fundamento não deviam ignorar, porque não sustentada pelo correspondente título executivo, como igualmente que praticaram uma conduta entorpecedora da acção da justiça, através do um uso manifestamente reprovável do processo e dos meios processuais.
O que equivale a afirmar que litigaram de má fé, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 542º do Novo Código de Processo Civil, como igualmente foi afirmado pelo tribunal recorrido.
Aliás, e como já decidiu o Tribunal da Relação do Porto no seu acórdão de 14/11/1991 (relatado por Cesário de Matos e cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt), “a exequente que desencadeia a execução, sabedora da inverdade subjacente ao que procurava obter, age com dolo instrumental directo, requisito da má fé”.
Quanto à afirmação dos exequentes da violação, pelo tribunal recorrido, do disposto no art.º 590º, nº 2, al. c), do Novo Código de Processo Civil, basta atentar no corpo do referido nº 2, quando aí se refere a prolação de “despacho pré‑saneador”, para concluir que o poder-dever de gestão processual aí expresso não se destina a colmatar a ausência de título executivo nas acções executivas, mas a disciplinar a tramitação das acções com estrutura declarativa.
E sendo que a falta ou insuficiência de título executivo leva ao indeferimento do requerimento executivo, sem necessidade de convite prévio à apresentação daquele, como decorre da conjugação dos nº 2, al. a) e nº 4 do art.º 726º do Novo Código de Processo Civil.
Já quanto à afirmação dos exequentes de que o crédito correspondente ao montante das rendas existe, não é isso que está (ou estava) em causa na instauração da acção executiva, que pela sua própria natureza não se destina à declaração do direito de crédito violado, mas à realização coactiva de uma obrigação pecuniária revelada pelo título executivo.
Pelo que é inócua a afirmação de que nunca receberam as rendas em questão, já que tal só poderia ser oposto aos executados, para valer como título executivo, na medida em que estivesse (e não estava) titulado pelos documentos a que alude o art.º 14º-A do NRAU.
Do mesmo modo que é inócua a consideração do disposto no art.º 9º, nº 7, al. b), do NRAU, já que são os próprios exequentes que reconhecem que o aí preceituado respeita às comunicações pretensamente efectuadas após terem sido notificados para contestar os embargos de executado, e não a qualquer comunicação anterior à propositura da acção executiva e, designadamente, à notificação judicial avulsa e à carta invocadas no requerimento executivo.
Ou seja, tais considerações não têm a virtualidade de alterar o raciocínio acima exposto, quanto à conduta dos exequentes e sua consideração como correspondendo a uma actuação ilícita e culposa e, por isso, preenchendo os pressupostos da litigância de má fé a que alude o nº 2 do art.º 542º do Novo Código de Processo Civil.
O que equivale a afirmar a improcedência das conclusões do recurso dos exequentes, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura e sendo de manter a mesma.
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 13 de Setembro de 2018

António Moreira

Magda Geraldes

Farinha Alves (Vencido),
Admitindo que o Exequente foi descuidado, julgo que a sua atuação não é merecedora de condenação por litigância de má fé.