Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | RUI COELHO | ||
| Descritores: | VIDEOVIGILÂNCIA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | Sumário: I – A utilização de imagens de vídeo captadas por sistema de vigilância não registado junto da Comissão Nacional de Protecção de Dados, referentes à prática de crimes de violência doméstica, sem que tenha havido intrusão da vida privada do Arguido, não constitui recurso a prova proibida. II - «É criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente, constituindo único limite a esta justa causa a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral do visado». III - A situação dos autos, na qual o Arguido agrediu a vítima na entrada da casa onde funcionava uma câmara para efeitos de salvaguarda do património, enquadra-se no espectro de conflito de normas e de direitos apontado sendo, por isso, de considerar que a utilização das gravações do sistema de vigilância não constitui recurso a prova proibida. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No Juízo de Instrução Criminal do Funchal do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, foi proferido despacho, com o seguinte teor: « 1. A detenção foi legal, porque efectuada nos termos do disposto nos artigos254º, n.º 1, alínea a), e 257º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, e não se mostra ultrapassado o prazo a que aludem a alínea a) do n.º 1 do artigo 254º e o n.º 1 do artigo 141º, ambos do mesmo diploma codificador. 2. Dos elementos probatórios constantes dos autos, designadamente, do teordo auto de notícia, ref.ª 6431047, aditamento, ref.ª 6431047, relatório médico, ref.ª 6431047, fotogramas, ref.ª 6431047, folhas de suporte – auto de visionamento, ref.ª 6431047, auto de transcrição, ref.ª 6431047, fotogramas, ref.ª 6431047, certificado de registo criminal, ref.ª 57617640, certidão de casamento, ref.ª 57618110, certidão de nascimento, ref.ª 57618107, auto de inquirição de AA, ref.ª 57619084, auto de inquirição de BB, ref.ª 57619051, aditamento, ref.ª 6432042, certidão de nascimento, ref.ª 57620167, certidão de nascimento, ref.ª 57620168, documentação clínica, ref.ª 6431937 e suporte digital, na contracapa, bem como das declarações do arguido, resulta já fortemente indiciada a prática pelo arguido, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de violência doméstica agravados, previstos e punidos pelo artigo 152º, n.os 1, alíneas a), d) e e) e 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal. Com efeito, dos referidos elementos probatórios resulta que: 1. O arguido CC (adiante, CC) e a ofendida AA (doravante, AA) iniciaram um relacionamento amoroso em ........2007, tendo casado em ........2010. 2. O arguido CC e a ofendida AA passaram a residirem comunhão de leito, mesa e habitação, desde data não concretamente apurada, mas em ... de 2009. 3. Do referido relacionamento nasceu, a ........2016, BB(doravante, BB). 4. Em data não concretamente apurada, mas em ... de 2019, o arguido CC e a ofendida AA fixaram a sua residência comum na casa dos pais daquele, sita na .... 5. Na mencionada residência, o casal e o filho comum partilhavam um quarto, composto por uma cama de casal e uma cama de solteiro. 6. Em data não concretamente apurada, mas no … de 2025, a relação do arguido CC e da ofendida AA começou a deteriorar-se, em virtude de esta ter descoberto que aquele mantinha uma relação extraconjugal com outra mulher. 7. Por esse motivo, em data não concretamente apurada, mas em ... de2025, a ofendida AA passou a ocupar o quarto de uma das irmãs do arguido CC, que se encontra emigrada. 8. No dia ........2025, a mencionada irmã do arguido CC regressou à …, motivo pelo qual a ofendida AA regressou ao quarto que partilhava anteriormente com o arguido CC e o filho comum do casal, tendo passado a dormir na cama deste último. 9. No dia ........2025, após a festa de aniversário de uma das irmãs do arguido CC, no interior do quarto do casal e na presença do filho e ofendido, BB, aquele iniciou uma discussão com a ofendida AA, no decurso da qual atirou o seu telemóvel na direcção desta, atingindo-a no lado esquerdo da face. 10. Em consequência do descrito, a ofendida AA padeceu de dores, incómodos e vermelhidão na zona atingida. 11. No dia ........2025, os ofendidos AA e BB mudaram a sua residência para casa de familiares daquela que, entretanto, haviam regressado de férias a esta ..., sita no .... 12. Entre os dias ........2025 e ........2025, a horas não concretamente apuradas, o arguido CC enviou um número não concretamente apurado de mensagens escritas à ofendida AA, nas quais lhe perguntou pelo filho comum do casal, lhe pediu desculpa e a questionou sobre se não tinha vergonha de estar “com as mamas à mostra” (sic) no meio dos familiares e a dançar com os mesmos. 13. No dia ........2025, no decurso de um jantar em casa da tia da ofendida AA, o arguido CC apercebeu-se que esta estava a trocar mensagens com um indivíduo do sexo masculino. 14. Por esse motivo, exercendo força física, o arguido CC retirou o telemóvel da mão da ofendida AA e fotografou as mencionadas mensagens, enviando-as, de seguida, para o seu próprio telemóvel. 15. De seguida, o arguido CC atirou o telemóvel da ofendida AA ao solo, partindo-o. 16. Após, o arguido CC abandonou o local. 17. Em datas não concretamente apuradas, mas entre os dias ........2025 e........2025, o arguido CC enviou um número não apurado mensagens à ofendida AA com cópia do print das supra mencionadas mensagens e a perguntar o que se tinha passado. 18. No dia ........2025, pelas 04h00m, os familiares da ofendida AA saíram da residência sita em ..., em direcção ao aeroporto. 19. Pelas 04h16m, o arguido CC bateu à porta da mencionada residência. 20. Por pensar tratarem-se dos seus familiares, a ofendida AA abriu a porta da residência. 21. De imediato, o arguido CC entrou na residência e desferiu um número não concretamente apurado de palmadas e murros na face e cabeça da ofendida AA, fazendo-a cair, consequentemente, ao solo. 22. Apesar de se ter apercebido que o ofendido BB tinha acordado, desperto pelos gritos da ofendida AA, e tendo surgido, entretanto, na sala, o arguido CC continuou a desferir palmadas e murros na face e cabeça da ofendida AA. 23. O arguido CC manteve a sua conduta, não obstante o ofendido BB lhe ter pedido repetidamente, aos gritos e enquanto chorava, que não batesse na mãe. 24. A dada altura, o arguido CC recuou e a ofendida AA encetou fuga para o exterior da residência. 25. Acto contínuo, o arguido CC seguiu no seu encalço, enquanto gritava com aquela e lhe desferia palmadas e murros na zona da cabeça e face, bem como pontapés nos membros inferiores. 26. O ofendido BB seguiu também no encalço dos seus pais para o exterior da residência e, ali chegado, colocou-se entre ambos de forma a proteger o corpo da ofendida AA e pediu repetidamente ao pai, ora arguido, para parar de bater na mãe. 27. Quando a ofendida AA estava sentada junto à parede da residência, o arguido CC desferiu-lhe ainda uma pancada na zona da cabeça. 28. O arguido CC apenas cessou a sua conduta, porquanto a primada ofendida AA lhe gritou, através do aparelho de videovigilância da residência, para que parasse. 29. Após, o arguido CC abandonou o local. 30. Em consequência do descrito, a ofendida AA sofreu dor e incómodos nas zonas atingidas e, nomeadamente, as seguintes lesões: hematoma extenso atingindo órbita esquerda e região fronto-parietal esquerda (não consegue abrir o olho), fotofobia, hematoma da região parietal esquerda, epistaxis do nariz, ferida no lábio inferior esquerdo, múltiplas fraturas faciais à esquerda, com atingimento das paredes do seio maxilar e das paredes orbitárias medial e inferior, desvio ósseo inferior com procidência da gordura periorbitária e desvio inferior do músculo reto inferior, com encarceramento parcial, ligeiro desvio medial do músculo reto interno, encontrando-se a aguardar cirurgia. 31. Ao agir da forma descrita, o arguido CC sabia que molestava a saúde psíquica e física dos ofendidos, a sua honra e consideração, que fazia com que aqueles receassem pela sua vida, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor próprio e a sua dignidade, ou seja, sabia que lhes provocava grande sofrimento psíquico e físico, o que pretendeu, fez e logrou alcançar por mais do que uma ocasião, no interior da residência comum e, a ........2025, na residência daqueles, apesar de saber que lhes devia particular respeito por se tratarem, respectivamente, da sua cônjuge e do seu filho, ainda menor de idade (9 anos), e, por isso, menos capaz de se defender de si e de lhe resistir, e que agia contra a vontade dos mesmos, resultado que previu, que quis, com o qual se conformou e que alcançou. 32. O arguido CC agiu de forma livre, deliberada e consciente, bemsabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa mesma avaliação. 33. O arguido reside na casa dos progenitores, tendo quarto próprio; 34. O arguido é ... de profissão; e 35. O arguido aufere, a título de retribuição base, quantia equivalente a um salário mínimo regional. Verifica-se, por conseguinte, que da conjugação de todos os meios de prova constantes dos autos, resultam já fortes indícios de que o arguido tenha praticado os factos supra descritos. Tendo em conta os factos indiciados, importa aferir da necessidade de aplicação ao arguido de medida de coacção mais gravosa do que o TIR. Vejamos. “As medidas de coacção... - ensina o Prof. Germano Marques da Silva - “são meios processuais de limitação da liberdade pessoal... dos arguidos... que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias” (Curso de Direito processual Penal, II, pp. 231). Como “expressão máxima da restrição de direitos, liberdades e garantias” em que são tidas, constituem princípios gerais subjacentes à aplicação de quaisquer medidas de coacção, os da legalidade ou tipicidade – artigo 191º, n.º 1, do Código Processo Penal; o princípio da necessidade, decorrente do disposto no artigo 192º, n.º 2, do Código Processo Penal; o da adequação e da proporcionalidade expressamente objecto do artigo 193º, n.º 1, em consequência dos quais resulta a previsão legal de medidas de coacção diversas; finalmente, o princípio da precariedade – cf. artigos 215º e 218.º do Código Processo Penal – emanação do princípio fundamental “global” da presunção de inocência – artigos 11º, n.º 1 da DUDH, 6.º, n.º 2 da CEDH e 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. O artigo 204º do Código Processo Penal dispõe que nenhuma medida de coacção “pode ser aplicada se em concreto se não verificar: a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa”. No que concretamente à prisão preventiva concerne sobreleva ainda e também o princípio da subsidiariedade, directa e especialmente decorrente do artigo 28º, n.º 2, da CRP e directamente recebido também pelo artigo 193º, n.º 2 do Código Processo Penal, o que diz bem do carácter de direito constitucional aplicado de todas estas normas, não podendo, por isso, nesta parte, deixar de ser tais normas interpretadas em conformidade com a lei constitucional. Por outro lado, há que ter sempre presente, sobretudo no que tange à prisão preventiva em particular, como medida mais gravosa rodear de todas as cautelas necessárias e razoáveis a aplicação de uma medida que incide sobre cidadãos que se presumem inocentes e que reveste uma gravidade extrema. Por fim, cabe ainda salientar que o crime pelo qual o arguido vem indiciado, embora em abstracto seja punido com pena de prisão de dois a cinco anos (cfr. artigo 152º, n.os 1, alíneas a), d) e e) e 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal), admite a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva. Com efeito, o crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.os 1, alíneas a), d) e e) e 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal, integra o conceito de criminalidade violenta (cf. artigo 1.º, alínea j), do Código de Processo Penal), razão pela qual o referido crime admite a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, nos termos do artigo 202º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal. Vejamos. No caso dos autos, é manifesto que os factos indiciados se revelem de particular gravidade. Os mesmos demonstram que o arguido é portador de uma personalidade violenta, dominante e possessiva, agindo, de forma impulsiva, por motivação relacionada com ciúmes e um sentimento de posse que tem para com a sua cônjuge-mulher. Para o efeito, cabe relembrar que o próprio arguido afirmou em sede do presente interrogatório ter ficado cego de raiva, por achar que a sua cônjuge-mulher o havia traído, de tal modo que nem se apercebeu que a havia agredido com tal gravidade. Por outro lado, o arguido, para além de demonstrar pouco autocritica, não manifestou ter qualquer pejo em actuar da forma como actuou, no meio da noite, em casa dos ofendidos e na presença do seu filho de 9 (nove) anos de idade, que lhe pediu sucessiva e encarecidamente para parar de desferir murros sobre o corpo da sua mãe, tendo chegado ao ponto de se colocar à sua frente, de forma a protegê-la, não obstante ser apenas uma criança indefesa. Em consequência dos factos perpetrados, a ofendida sofreu de dor e de incómodos nas zonas atingidas e sofreu, nomeadamente, as seguintes lesões: múltiplas fracturas faciais à esquerda, com atingimento das paredes do seio maxilar e das paredes orbitárias medial e inferior, desvio ósseo inferior com procidência da gordura periorbitária e desvio inferior do músculo reto inferior, com encarceramento parcial e ligeiro desvio medial do músculo recto interno, encontrando-se a aguardar cirurgia. É, assim, entendimento do Tribunal que perante os factos supra descritos seja altamente provável que o arguido venha a ser condenado em pena privativa da liberdade. Por outro lado, atendendo à personalidade violenta, dominante e possessiva do arguido, é convicção do Tribunal que, no caso concreto, existe um forte perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime em apreço, de que este continue a sua actividade criminosa (cf. artigo 204º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal), pois o seu comportamento, motivado por ciúmes – que, por sua vez, não desaparecem de um dia para o outro –, revelou descontrolo completo, tendo agido num estado de completa alienação. A este perigo acresce ainda o de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, tendo em conta que as condutas em referência, atenta a sua violência, causam enorme alarme social em todo o território nacional, tendo sido amplamente noticiados pela comunicação social Regional e Nacional (cf. artigo 204º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal). Por outro lado, cabe ainda salientar que, no entendimento do Tribunal, existe perigo de perturbação do inquérito, na medida em que o mesmo se mostra ainda numa fase embrionária, sendo que o arguido, em liberdade, poderá, sem qualquer dificuldade e aproveitando-se do manifesto ascendente que tem sobre ambas as vítimas, levá-las a alterarem o conteúdo das suas declarações ou até mesmo convencê-las a recusar-se a colaborar na descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 134º do Código de Processo Penal (cf. artigo 204º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal). Assim, face à gravidade dos factos, à personalidade do arguido e ao perigo em concreto verificado, resulta necessária a aplicação ao arguido de uma medida de coacção privativa da liberdade, por só esta se demonstrar adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (art.º 193º, n.º 1 do CPP). Conforme tem vindo a ser entendido pela nossa mais recente Jurisprudência, a medida de coacção de prisão preventiva apenas deve ser aplicada naquelas situações em que os requisitos gerais para a aplicação de uma medida de coacção sejam de tal maneira fortes e prementes que levem à conclusão que todas as demais medidas de coacção se revelam inadequadas ou insuficientes e esse é exactamente o que sucede no caso dos autos, já que de, no imediato, não é possível aferir da possibilidade de aplicação de OPHVE por ausência de elementos nos autos para o efeito. Cumulativamente, o Tribunal decide ainda aplicar ao arguido a medida de coacção de proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, os ofendidos AA e BB (cf. artigo 31º, n.º 1, alíneas d) e e), da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro – Regime jurídico aplicável à prevenção da violência Doméstica e à protecção e assistência suas vítimas). Termos em que, o Tribunal entende ser suficiente, proporcional e adequada a sujeição do arguido, cumulativamente, às medidas de coacção de: i. TIR, já prestado; ii. Prisão preventiva; iii. Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, os ofendidos AA e BB (cf. artigo 31º, n.º 1, alíneas d) e e), da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro – Regime jurídico aplicável à prevenção da violência Doméstica e à protecção e assistência suas vítimas). (…)» Na mesma ocasião, e após invocação de nulidade do despacho supra reproduzido, foi proferido ainda o seguinte despacho: «Após compulsar o teor do despacho que antecede, o Tribunal verificou que o mesmo não padece da nulidade invocada. Efetivamente, o mesmo foi proferido no estrito cumprimento do disposto no art.º 194º, n.º 6, alíneas a), b), c) e d) do Código de Processo Penal, tendo para o efeito subsumido os factos concretos que, in casu, preenche os pressupostos que estão na base da aplicação ao arguido das medidas suprarreferidas, incluindo os previstos no art.º 193º e 204º do Código de Processo Penal. Termos em que, por ser o entendimento do Tribunal que o despacho em referência não padece de nulidade, decide-se indeferir o requerido. » - do recurso - Inconformado, recorreu o Arguido formulando as seguintes conclusões: « I. Não obstante o respeito que as decisões judiciais, sempre e em qualquer circunstância merecem, entende o arguido que os despachos em crise padecem de Nulidade por inobservância do disposto no art.194º, nº 6, do C.P.P., ou seja, por falta de fundamentação; II. Com efeito, para além de entendermos que não se verificam no caso concreto os perigos a que alude o art. 204º nº 1 do CPP, (conforme supra melhor explanado no corpo das alegações), ocorrendo erro do despacho recorrido na apreciação dos pressupostos legais que permitem a aplicação da medida designadamente das exigências cautelares determinantes, da sua necessidade, da sua adequação e proporcionalidade, III. Não resulta da douta decisão por que razão as medidas não privativas da liberdade – ou mesmo a OPHVE – se mostram insuficientes ou inadequadas. IV. Inexiste, no presente caso, fundamento para a aplicação de medida mais gravosa que o TIR já prestado, V. Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao aplicar ao arguido a medida de coação mais gravosa do nosso ordenamento jurídico, em manifesta violação do principio da legalidade, cf. Art.º 191.º do Cód. Proc. Penal e 29.º da Constituição da República Portuguesa, por violação do nº 1 do art. 204º do CPP. VI. Ao ser sujeito a uma medida de coação detentiva da liberdade sem que se conheçam verdadeiramente os motivos de afastamento da possibilidade de aplicação de medida diversa, menos gravosa, o Tribunal a quo não cumpriu o dever de Fundamentação a que estava obrigado de acordo com a ratio do artigo 204.º do Código de Processo Penal, de acordo com o Princípio da Legalidade, artigo 191.º do Código de Processo Penal, e também de acordo com o Princípio de Adequação e Proporcionalidade, artigo 193.º do Código de Processo Penal, ocorrendo ainda violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem no que respeita às medidas de privação da liberdade (art. 3º, 5º e 9º), e o art. 27º e 32° da C.R.P. VII. Dado o que supra se referiu, não entende, com o devido respeito pelo douto Tribunal, que é muito, a desproporcionalidade da medida de coação ora aplicada sem sequer se ter admitido outra medida como, por exemplo, a apresentação no posto policial (cumulada com proibição de contactos) ou, no máximo, a vigilância eletrónica à distância (OPHVE), e mesmo esta última, salvo melhor opinião, se afigura como desproporcional. VIII. Entendemos que as medidas propostas pela defesa do arguido e atrás mencionadas no corpo das alegações, são suficientes e adequadas para acautelar qualquer dos perigos que alegadamente se fazem sentir. IX. Tais medidas conferem, além do mais, um nível adequado de proteção à vítima. X. Entendemos, ainda, que a MM. Juiz a quo não poderia fundamentar a sua decisão com base na prova “suporte digital” que corresponde a um video captado por uma camera de videvigilancia particular, instalada por terceiros, na habitação destes, que não cumpre a legislação regulamentar vigente, nem tão pouco a respectiva gravação foi obtida com o consentimento dos visados. XI. S.m.e., uma medida de coação não pode ser aplicada ou mantida com base em prova proibida. As medidas de coação devem respeitar os princípios da legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, como também não violar princípios constitucionais como o do processo justo, do contraditório e da presunção de inocência. Se uma medida de coação for baseada em prova proibida, tal fundamentação é ilegal, e a decisão pode ser revogada XII. Tal vídeo – e os fotogramas e transcrições de vídeo dele extraídas – constituem prova proibida, não podendo ser validamente utilizadas como meio de prova. XIII. Assim sendo, e também com base neste fundamento, deve o despacho em crise ser anulado e substituído por outro que determine o desentranhamento de tais provas dos autos e decida pela não aplicação ao arguido de medida de coação mais gravosa que o TIR já prestado. XIV. Sendo este Despacho uma decisão que pode alterar a vida de qualquer pessoa, nomeadamente a do ora recorrente, que é pessoa integrada socialmente e com uma atividade profissional. XV. Acrescendo o facto de parecer ter sido esquecido de acolher no Despacho que o ora recorrente é primário. XVI. Sempre haverá que considerar e ponderar as consequências nefastas e o carácter altamente repressivo da prisão, que segrega, retirando-lhe a liberdade. XVII. Face a todo o exposto, por não se verificarem reunidos quaisquer dos pressupostos ou requisitos que podem determinar a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, deve o Despacho recorrido ser anulado e, consequentemente, ser ao ora recorrente restituído a liberdade. XVIII. Para o caso de assim não se entender, pedimos a V. Exas. Venerandos Juízes, a substituição do despacho em crise por decisão que decida suficiente, adequada e proporcional, a aplicação das seguintes medias de coação já anteriormente mencionadas: - Termo de Identidade e Residência, já prestado; - Proibição de contactar a ofendida por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa; - Proibição de se aproximar a uma distância inferior a 300 metros da ofendida e proibição de entrar e permanecer na residência onde esta habita, bem assim como do respectivo local de trabalho, ou de se aproximar destes locais a uma distância inferior a 300 metros. Cumuladas com fiscalização das medidas de coacção agora apontadas, através dos meios técnicos de controlo à distância. XIX. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e, por via dele, este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa alterar as decisões aqui em crise, nos termos preconizados, e decdir ainda o que reputem necessário, sempre em Doutíssimo Suprimento. » - da resposta - Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos: « 1. Dispõe o artigo 205º, nº 1, da CRP, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. 2. Estabelece o artigo 97.º, n.º 5, do C.P.P. que: “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.” 3. O artº 374º/2 e artº 375º do C.P.P não são disposições aplicáveis, à decisão em tela, porquanto não se trata de sentença. 4. Da leitura atenta da decisão recorrida, constatamos que a MMa. Juiz tomou posição, de forma clara e inequívoca, sobre as questões que lhe foram trazidas- indiciação, qualificação jurídica, perigos e medida de coação a aplicar em concreto-, fundamentando a sua decisão. 5. Todos os elementos probatórios dos autos têm plena validade e relevância jurídica, entre os quais a gravação que o recorrente alega ter sido obtida “de forma ilícita e não autorizada”. 6. Os fotogramas juntos aos autos, e respetivo suporte digital, foram extraídos do sistema de videovigilância da habitação onde as vítimas estavam a residir, o qual foi ali colocado no exterior dessa residência, com a evidente finalidade de se evitar a prática de crimes patrimoniais. 7. As imagens em apreço documentam a prática de crimes por parte do arguido- pessoa estranha ao referido espaço e que nele se introduziu ilegitimamente. 8. Sopesando, no caso concreto, o interesse no apuramento de factos com relevância 11 criminal em contraposição com o direito à imagem do arguido, há que concluir pela preponderância do primeiro em detrimento do outro, pois que este não fica beliscado de forma intolerável ou desproporcionada, visto que não fica afetado o núcleo essencial de direitos de personalidade. 9. Ainda que se desconsidere a gravação, os factos encontram-se fortemente indiciado com fundamento no depoimento dos ofendidos, nos registos clínicos e bem assim, nas declarações parcialmente confessórias do arguido que, foi admitindo algumas das suas condutas. 10. O perigo de continuação da atividade criminosa, não se confunde, necessariamente, com a consumação de novos atos criminosos. Devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada - “em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido”, nos termos da citada alínea c) do art. 204º. 11. Através dos factos fortemente indiciados, verifica-se que o arguido agiu sob o efeito da ingestão de bebidas alcoólicas, tem uma personalidade agressiva e sentimento de posse face à mulher. 12. A ingestão de bebidas alcoólicas em excesso, conjugada com os ciúmes do arguido- os quais não desaparecem sem terapêutica adequada após um certo período de tempo-, fazem crer que o arguido, se deixado em liberdade não irá manter-se afastado dos ofendidos, continuando, assim, a sua atividade criminosa. 13. Existe uma cada vez maior reprovação social da violência doméstica, quer pelo seu elevado número e suas consequências devastadoras, quer pela interiorização de que as suas vítimas são as pessoas mais vulneráveis e indefesas (crianças, idosos, doentes, dependentes economicamente, mulheres), merecendo uma maior proteção social, jurídica e judicial. 14. O crime de violência doméstica trata-se de um flagelo social e humano, que tem como alvo as pessoas mais vulneráveis e, na escalada de violência, culmina, muitas vezes, em homicídio. 15. Atendendo às circunstâncias do presente caso em particular- os factos ocorreram num meio pequeno, onde as pessoas se conhecem; as condutas do arguido tiveram uma enormíssima repercussão social na ... e no País, por ter sido notícia constante de abertura de todos os telejornais regionais e nacionais, tema de conversas em vários programas televisivos e nas redes sociais, torna particularmente intenso esse perigo de perturbação da tranquilidade e ordem públicas, que ainda se mantém atual, cerca de 30 dias após a aplicação de medidas de coação. 12 16. É por demais evidente que medidas de coação não privativas da liberdade não são suficientes para afastar qualquer um dos perigos em apreço, primeiro porque o meio onde o arguido e as vítimas residem é pequeno, porque não houve qualquer alteração na vida do arguido que levasse a concluir que os factos não se repetiriam, por um lado. 17. Por outro lado, as referidas medidas de coação revelam-se insuficientes para acautelar o perigo de alarme público, posto que a comunidade que assistiu aos factos (através do vídeo), não iria compreender que o arguido ficasse em liberdade, dias após ter levado a cabo uma agressão tão violenta contra a mulher, perante o seu filho de 9 anos de idade. 18. O caso em apreço e as suas particulares circunstâncias descritas acima também não se compadece com a substituição por medida de coação de obrigação de permanência na habitação. 19. Pelo exposto, reafirma-se, que a decisão não merece qualquer censura, desde logo porque a prisão preventiva, cumulada com as proibições de contactos, mormente com a ofendida, continua a mostrar-se a única adequada às exigências cautelares que o caso requer, proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente lhe virão a ser aplicadas. » Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, em separado e com efeito devolutivo. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da concordância com a resposta, e com a manutenção do despacho recorrido, adiantando que argumentação sobre a utilização de prova proibida é destituída de fundamento por já existir jurisprudência reconhecendo a validade de gravações vídeo recolhidas naquelas condições. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer. Entretanto, por despacho de 13.10.2025, foi decidido alterar a medida de coacção aplicada, sendo este o dispositivo: « Nestes termos, verificando-se a atenuação do perigo de continuação da actividade criminosa nos termos acima expostos, atento o relatório da DGRSP e as declarações de consentimento juntas aos autos, ao abrigo do disposto nos arts. 191.º a 196.º, 200.º, n.º 1, alíneas d) e f) 201.º, n.º 1, 2 e 3 e 212.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e 31.º, n.º 1, alíneas b) e d), determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, para além do TIR já prestado, às medidas de coacção de: - obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica; - proibição de, por qualquer meio, contactar com a vítima AA; - proibição de contactar, por qualquer meio com a vítima BB, sem prejuízo do que venha a ser fixado pelo Juízo de Família e de Menores; - obrigação de se sujeitar a tratamento ao alcoolismo em instituição adequada, sob supervisão da DGRSP; - obrigação de frequentar programa da DGRSP para agressores em contexto de violência doméstica. Desde já autorizo todas as saídas do arguido para deslocações a consultas, à frequência de programas terapêuticos no âmbito do referido tratamento, bem como a sessões integradas no mencionado Programa». Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995] Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: - da nulidade do despacho que aplicou a medida de coacção; - da nulidade da prova que indiciou os factos que sustentam o despacho; - da medida de coacção concretamente aplicada. FUNDAMENTAÇÃO - da nulidade do despacho que aplicou a medida de coacção Imediatamente após a prolação do despacho acima reproduzido arguiu a defesa a nulidade do mesmo, argumentando: « A defesa do arguido vem nos termos do art.º 120º, n.º 3, al. A) do CPP arguir a nulidade da decisão ora proferida por inobservância do disposto no art.º 194º, n.º 6 do CPP, ou seja, por falta de fundamentação do despacho que aplicou a medida mais gravosa de prisão preventiva, sendo completamente omissa em termos de fundamentação no que se refere ao facto das demais medidas não privativas da liberdade se revelarem inadequadas ou insuficientes. A defesa do arguido entende que a simples menção de tais medidas se revelarem inadequadas ou insuficientes não satisfaz o mínimo de fundamentação que se exige para um despacho desta natureza, sobretudo atendendo a que o direito à liberdade pessoal, no que tange à liberdade ambulatória é um direito fundamental com assento constitucional no art.º 27º da nossa lei fundamental e atendendo ainda ao facto de prever o art.º 193º do Código de Processo Penal que a prisão preventiva e mesmo a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelam inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.». No mesmo acto conheceu o Tribunal a quo da questão suscitada, decidindo: « Após compulsar o teor do despacho que antecede, o Tribunal verificou que o mesmo não padece da nulidade invocada. Efetivamente, o mesmo foi proferido no estrito cumprimento do disposto no art.º 194º, n.º 6, alíneas a), b), c) e d) do Código de Processo Penal, tendo para o efeito subsumido os factos concretos que, in casu, preenche os pressupostos que estão na base da aplicação ao arguido das medidas suprarreferidas, incluindo os previstos no art.º 193º e 204º do Código de Processo Penal. Termos em que, por ser o entendimento do Tribunal que o despacho em referência não padece de nulidade, decide-se indeferir o requerido». Ora, sustenta o Recorrente que o despacho de aplicação de medidas de coacção deverá ser fundamentado o que não acontece no presente caso, pois que inexistem os perigos de continuação da actividade criminosa, de perturbação grave da ordem e tranquilidade publicas e de perturbação do inquérito. Ou seja, o que o Recorrente manifesta é um desacordo com a decisão proferida e não o vício de falta de fundamentação. Aliás, a fundamentação é por si citada mas, conclui, «nada nos autos permite concluir ser previsivel que o arguido continue a actividade criminosa, antes pelo contrário ». Relativamente ao perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas aponta ser a fundamentação manifestamente insuficiente, mas não argumenta porquê. Aponta, isso sim, é o seu entendimento de que «não vemos que previsível comportamento futuro do arguido pudesse causar perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ». Finalmente, e quanto ao perigo de perturbação do inquérito, o que questiona não é a fundamentação, mas outrossim a existência de tal perigo. Como tal, é manifesto que improcede a arguição de falta de fundamentação da decisão, nada havendo a apontar ao despacho que indeferiu a apontada nulidade, uma vez que da leitura do despacho transcrito acima se regista a justificação de facto e de direito para a aplicação das medidas de coacção determinadas pelo Tribunal de Instrução Criminal. Dele se retiram os factos concretamente imputados ao arguido, nomeadamente as suas acções e as circunstâncias de tempo, lugar e modo, a prova que sustenta tais factos, a qualificação jurídica dos mesmos e a relevância dos factos que concretamente justificam a escolha e aplicação das medidas de coacção. - da nulidade da prova que indiciou os factos que sustentam o despacho Outra questão suscitada pelo Recorrente prende-se com a invocação da utilização de prova nula para a formação da convicção do Tribunal. Em primeiro lugar, tal prova assumirá pequena relevância na decisão recorrida se atentarmos a que o próprio Arguido afirma que «o arguido confessou perante a MMª Juíza de instrução Criminal a pratica dos factos, tendo apenas apresentado a sua justificação para a pratica dos mesmos ». Mas, ainda assim, neste momento, importa referir que carece de fundamento a pretensão recursiva. Alega o Recorrente que «não poderia fundamentar a [sua] decisão com base na prova “suporte digital” que corresponde a um video captado por uma camera de videvigilancia particular, instalada por terceiros, na habitação destes, que não cumpre a legislação regulamentar vigente, nem tão pouco a respectiva gravação foi obtida com o consentimento dos visados». A questão não é nova e centra-se, obviamente, na ponderação de valores tutelados pelas normas invocadas e pelas normas violada pela conduta indiciada. Tanto assim que nesta matéria seguimos de perto a jurisprudência consagrada no Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 28.09.2011, Conselheiro Santos Cabral [ECLI:PT:STJ:2011:22.09.6YGLSB.S2.54], do qual citamos, por referência, o seu sumário: «(…) IV - A segurança é um elemento essencial da vida dos cidadãos, consubstanciando-se num direito à existência de um clima de paz e confiança mútua, que lhes permite o livre exercício dos seus direitos individuais, sociais e políticos. V-O direito à segurança não sendo um direito absoluto é, todavia, um direito constitucional que, qualitativamente, se situa num nível equiparável a outros direitos fundamentais que, pelo simples facto de o serem, não deixam de estar sujeitos a uma ponderação de valores. O Direito á segurança é uma garantia de outros direitos fundamentais e, simultaneamente, um direito inscrito no património de cada cidadão. VI- Um dos pilares fundamentais do Estado de Direito é a relação equilibrada construída entre segurança e democracia ou entre segurança e direitos fundamentais. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tentou, em diversas decisões, responder a esta questão fundamental, reconhecendo que, numa sociedade democrática, os interesses da segurança nacional prevalecem sobre os interesses individuais, mas tornando, também, claro os limites que não podem ser ultrapassados em nome da segurança, nomeadamente em termos de inserção naquelas bases de dados. Assim, o poder de vigiar em segredo os cidadãos só pode ser tolerado na medida estritamente necessária à salvaguarda das instituições democráticas. É o grau mínimo de protecção requerido pela prevalência do direito numa sociedade democrática VIII- A videovigilância surge, simultaneamente, como uma imposição das exigências de segurança, uma forma do desenvolvimento das tecnologias de segurança e também uma consequência de novas formas de abordagem do fenómeno da criminalidade. A sua utilização no domínio da segurança é muitas vezes o ponto de encontro ou o resultado da aplicação de estratégias que visam o controle do espaço em que o cidadão se realiza e, nomeadamente, o espaço urbano e a sua gestão. IX - O uso das tecnologias de informação, das comunicações e da videovigilância (com tratamento automatizado dos dados de natureza pessoal ou gravação de imagens) pode conflituar com o direito à intimidade. O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se com base num conceito de vida privada que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: o respeito dos comportamentos; o respeito do anonimato; e o respeito da vida em relação X- Não se deve distinguir entre "intimidade" e "vida privada" simples, com apelo á denominada “teoria das esferas” porquanto é difícil determinar o que é que deve ser incluído em cada uma das classificações, sendo sempre uma opção em alguma medida, arbitrária. Aliás, não se vislumbra uma área que mereça uma protecção tão intensa que se sobreponha a todos os restantes valores da ordem jurídico constitucional e cuja protecção seja absoluta e, por outro lado é impossível configurar cada uma das esferas como compartimentos estanques sem inter-relação. XI - Entre nós, os requisitos para a utilização de videovigilância estão fixados na Lei 67/98, de 26-10, cabendo a sua autorização à Comissão Nacional de Protecção de Dados, enfatizando esta entidade e o próprio legislador a necessidade, a adequação e a proporcionalidade entre os meios utilizados, os direitos fundamentais atingidos e as finalidades estabelecidas (protecção de pessoas e bens). XII-A finalidade da Lei 67/98 está impressa no juízo de proporcionalidade que constitui o critério de admissibilidade da videovigilância. Um primeiro dado adquirido é o de que as medidas restritivas de direitos, ou seja a limitação ao jus libertatis cada cidadão têm a sua justificação numa tarefa que é exercida em nome de toda a comunidade no exercício de um jus puniendi, que não é mais do que uma defesa de bens jurídicos indispensáveis á vida em sociedade. O princípio da proporcionalidade constitui, conjuntamente com os pressupostos materiais de previsão constitucional expressa, fundamento de restrições ao exercício de direitos, liberdades e garantias com foro constitucional XIII-A resposta á questão sobre a legalidade procedimental em processo penal não pode ser questionada a texto que não pode, nem deve, responder á mesma questão, como é a referida Lei 67/98. Numa outra perspectiva é evidente a aporia a que é conduzido quem pretenda rever na citada Lei a fonte de apreciação da legalidade dos meios de prova em processo penal e ver naquela Comissão de Protecção de Dados- instância administrativa destinada a controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais-uma papel de filtragem e condição prévia do acto processual penal como se uma instância judicial penal de primeiro e último recurso se tratasse. A legalidade dos actos praticados no processo penal procura-se no Código de Processo Penal. XIV – O artigo167 do CPP faz depender a validade da prova produzida por reproduções mecânicas da sua não ilicitude face ao disposto na lei penal. Significa o exposto que a admissibilidade da prova depende da sua configuração como um acto ilícito em função da integração de tipos legais de crime que visam a tutela de direitos da personalidade como é o caso do direito á intimidade. Questão distinta é a ponderação sobre a eventual concessão de autorização pela Comissão Nacional de Protecção de Dados pois que esta poderá relevar para uma valoração do respeito pela legislação de protecção de dados, designadamente a Lei 67/98 (aplicável à videovigilância nos termos do seu art. 4.º/4) mas não define a licitude, ou ilicitude, da recolha ou utilização das imagens. (o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os artigos 27.º e 28.º, constituem o crime da previsão do art. 43.º dessa lei, pois tratando-se de uma conduta negligente haverá apenas a contra-ordenação cominada no antecedente artigo 37.º).Como A verificação da existência, ou não, de licença concedida pela CNPD para a colocação da(s) câmara(s) de videovigilância no prédio do assistente poderá eventualmente, integrar desrespeito pela legislação de protecção de dados, designadamente a Lei 67/98, aplicável à videovigilância nos termos do seu art. 4.º/4. XV-É criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente, constituindo único limite a esta justa causa a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral do visado. XVI Assim, os fotogramas obtidos através do sistema de videovigilância existentes num local de acesso público, para protecção dos bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à Comissão Nacional de Protecção de Dados ou tenha sido objecto de deliberação favorável da Assembleia de Condóminos do respectivo prédio constituído em propriedade horizontal, não correspondem a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas). XVII - Deste modo, deve entender-se que age no exercício de um direito e, portanto, vê excluída a ilicitude do seu comportamento, o agente cuja conduta é autorizada por uma qualquer disposição de qualquer ramo do direito, nisso consistindo o chamado «princípio da unidade da ordem jurídica». XVIII - Na verdade, quando os valores jurídicos protegidos pela estatuição do art. 199.º do CP – relativos à imagem ou à palavra – estão a ser instrumentalizados na defesa de outros direitos, ou quando a não protecção concreta do direito à imagem ou à palavra é condição de eficácia da actuação do Estado na protecção de outros valores, eventualmente situados num patamar qualitativo superior, não se vislumbrando a possibilidade de afirmação da prevalência daquela protecção contra tudo e contra todos. XIX - A protecção da palavra que consubstancia práticas criminosas ou da imagem que as retrata têm de ceder perante o interesse de protecção da vítima e a eficiência da justiça penal: a protecção acaba quando aquilo que se protege constitui um crime. XX - Não se verifica a identidade de regimes entre o art. 167.º do CPP – que se reporta a um meio de prova pré-constituído (valor probatório das reproduções mecânicas) – e o regime instituído pela Lei 5/2002, de 11-02, para o combate à criminalidade organizada e económico-financeira – que permitiu ampliar a possibilidade de registar a voz e a imagem, sujeitando-a aos seguintes requisitos: autorização judicial; investigação de um crime de catálogo e necessidade desse meio de obtenção de prova para a investigação. XXI - Nesta decorrência, a reprodução de imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado nas partes comuns de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal não representa qualquer ilícito criminal, assumindo-se como um meio de prova admissível e objecto de valoração A ponderação entre custos para a reserva da intimidade e os benefícios para a segurança tem de levar em conta o facto de as partes comuns do condomínio serem totalmente diferentes das parcelas privadas, essas sim de utilização exclusiva. Há uma necessidade de conciliar os direitos com a realidade e as necessidades actuais da vida em sociedade. A privacidade não é um espaço material estabilizado e fixo, na medida em que existe uma "relatividade histórico-cultural da privacidade, isto é, a oscilação das fronteiras entre o privado e o público ao ritmo das transformações civilizacionais.» - [negritos nossos]. Considerando que, como bem aponta o Ministério Público na sua resposta, «os fotogramas juntos aos autos, e respetivo suporte digital, foram extraídos do sistema de videovigilância da habitação onde as vítimas estavam a residir, temporariamente, sem o arguido. Tal sistema terá sido colocado no exterior dessa residência com a evidente finalidade de se evitar a prática de crimes patrimoniais, sem que tivesse havido, por isso, qualquer intromissão na vida privada do arguido»., conclui-se que a situação dos autos se enquadra no espectro de conflito de normas e de direitos apontado no citado acórdão sendo, por isso, de considerar que a utilização das gravações do sistema de vigilância não constitui recurso a prova proibida. Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, conclui-se que o Tribunal de Instrução Criminal não recorreu a prova proibida para fundamentar a sua decisão, pelo que esta se reconhece válida. - da medida de coacção de prisão preventiva concretamente aplicada Acima reproduzimos o despacho recorrido, do qual decorre a fundamentação para a aplicação das medidas de coacção. Recordamos que, então, foi aplicada ao Arguido a medida de prisão preventiva, entretanto alterada para a de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica. Tendo em consideração o objecto do processo, não está aqui em causa a argumentação e aplicação da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, porque tal decisão é posterior ao despacho objecto de recurso. Destarte, apenas se conhece da argumentação e da decisão relativa à aplicação ao Arguido da prisão preventiva, juntamente com as demais medidas, sendo que o Recorrente se insurge apenas contra a primeira, ou seja, a privativa da liberdade. A aplicação das medidas de coacção é marcada pelo princípio da legalidade pois as limitações que importam para os Arguidos que às mesmas ficam sujeitos só se justificam se existirem necessidades cautelares emergentes das situações tipificadas nalgum dos perigos enunciados no art.º 204.º do Código Penal. Mas tal não é bastante para a justificação da aplicação de qualquer uma das medidas previstas no Código de Processo Penal. Com efeito, a aplicação de medidas de coacção tem que respeitar os princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da intervenção mínima. Só desta forma se pode justificar tal compressão de direitos num sujeito que, não obstante indiciado, se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória [Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, 07.02.2023, Desembargadora Carla Francisco, ECLI:PT:TRL:2023:600.22.8SXLSB.A.L1.5.06]. Deste modo, tal como previsto no art.º 204.º do Código de Processo Penal, «Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida», uma das circunstâncias previstas nas alíneas subsequente. Vejamos cada uma em separado. «a) Fuga ou perigo de fuga;» Vista a decisão recorrida, não foi este um dos perigos que a sustentou, pelo que não cumpre maior análise quanto a tal circunstância. «b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;» Já no que toca ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, também deve o mesmo resultar de factos que demonstrem uma actuação do arguido com o propósito de prejudicar a investigação, não bastando a mera possibilidade de que tal aconteça. Do despacho recorrido retira-se como fundamentação que: «existe perigo de perturbação do inquérito, na medida em que o mesmo se mostra ainda numa fase embrionária, sendo que o arguido, em liberdade, poderá, sem qualquer dificuldade e aproveitando-se do manifesto ascendente que tem sobre ambas as vítimas, levá-las a alterarem o conteúdo das suas declarações ou até mesmo convencê-las a recusar-se a colaborar na descoberta da verdade, nos termos do disposto no artigo 134º do Código de Processo Penal (cf. artigo 204º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal). » Não podemos escamotear o facto da actividade criminosa indiciada, imputada ao Arguido Recorrente, respeitar ao crime de violência doméstica no qual se regista um ascendente do agressor perante as suas vítimas. No caso concreto, e em particular, quanto ao filho, de nove anos. Como tal, o contacto com as vítimas poderá influenciar o decurso do inquérito, nomeadamente a aquisição de prova que ainda não está consolidada e é objecto de impugnação e discussão jurídica. Tenhamos, pois, presente que o que se pretende salvaguardar é a recolha, conservação e veracidade da prova, mantendo-a intacta, inadulterada. Porém, repete-se, o perigo de perturbação do inquérito concretiza-se na verificação de factos suficientemente indiciados que demonstrem que o agente tem capacidade, oportunidade e intenção de prejudicar a atividade de recolha e conservação da prova já recolhida nos autos ou ainda por recolher. Considerando o ascendente revelado pelo ora Recorrente sobre as suas vítimas, aferido pelo modo de exceção do crime, reconhece-se a existência de tal perigo. «c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas» O Tribunal a quo considerou que os factos «demonstram que o arguido é portador de uma personalidade violenta, dominante e possessiva, agindo, de forma impulsiva, por motivação relacionada com ciúmes e um sentimento de posse que tem para com a sua cônjuge-mulher. Para o efeito, cabe relembrar que o próprio arguido afirmou em sede do presente interrogatório ter ficado cego de raiva, por achar que a sua cônjuge-mulher o havia traído, de tal modo que nem se apercebeu que a havia agredido com tal gravidade. Por outro lado, o arguido, para além de demonstrar pouco autocritica, não manifestou ter qualquer pejo em actuar da forma como actuou, no meio da noite, em casa dos ofendidos e na presença do seu filho de 9 (nove) anos de idade, que lhe pediu sucessiva e encarecidamente para parar de desferir murros sobre o corpo da sua mãe, tendo chegado ao ponto de se colocar à sua frente, de forma a protegê-la, não obstante ser apenas uma criança indefesa. (…) Por outro lado, atendendo à personalidade violenta, dominante e possessiva do arguido, é convicção do Tribunal que, no caso concreto, existe um forte perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime em apreço, de que este continue a sua actividade criminosa (cf. artigo 204º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal), pois o seu comportamento, motivado por ciúmes – que, por sua vez, não desaparecem de um dia para o outro –, revelou descontrolo completo, tendo agido num estado de completa alienação. » A forma como está indiciada a prática dos crimes traduz uma facilidade extrema na concretização do perigo de continuação da actividade criminosa. A atitude do Arguido não se mostra atenuada pelas suas declarações de que não pretende reatar o relacionamento com a ofendida. A relação entre ambos perdurará enquanto pais, com a necessidade de exercício das suas responsabilidades parentais, e nada na conduta do Arguido abona em seu favor, após a prática dos factos tal como se mostram imputados e fortemente indiciados. Assim, conclui-se como na Primeira Instância, que existe perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime, de que o Recorrente possa continuar a actividade criminosa. Mas mais se retira desta alínea, na medida em que o Tribunal a quo ainda apela ao perigo de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas, «tendo em conta que as condutas em referência, atenta a sua violência, causam enorme alarme social em todo o território nacional, tendo sido amplamente noticiados pela comunicação social Regional e Nacional». Apesar de tal facto não estar elencado nos factos indiciados, porque não são factos relativos à prática do facto ou imputáveis ao Arguido, o certo é que tal conjunto de circunstâncias referido na decisão corresponde a facto notório, público e reconhecido, uma vez que foi larga a cobertura mediática que fez chegar aos cidadãos a ocorrência deste episódio, com tal insistência, que se pode afirmar com segurança que foi bastante divulgado por todo o território, por toda a população. Assim, a medida de coacção aplicada deverá ainda ter presente a necessidade de mitigar o perigo de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas, como foi feito no despacho recorrido. «d) Da escolha da medida Justificada a aplicação de medidas de coacção, com base nos dois perigos acima enunciados, cumpre atestar da adequação e proporcionalidade das medidas aplicadas. Subsidiariamente, ponderar a suficiência de outras medidas de coacção menos gravosas. Havendo fundamento para a aplicação de medidas de coacção, segue-se a sua determinação, de acordo com os apontados princípios da adequação, proporcionalidade e suficiência. Ou seja, a medida deverá ser adequada a garantir a diminuição do perigo que a justifica, ser proporcional, no encargo que importa, à gravidade dos factos, do crime e da pena abstractamente aplicável e suficiente para ser eficaz, ou seja, ser aquela que, de forma menos gravosa, assegura o resultado pretendido. O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e o perigo de continuação da actividade criminosa e grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas são os perigos que cumpre mitigar. Quanto aos mesmos, sem dúvida que a medida de prisão preventiva escolhida é adequada. Não se verificam quaisquer problemas de proporcionalidade. Como já se apontou, a gravidade dos crimes indiciados, traduzida na moldura penal abstracta aplicável a cada um deles, permite a escolha desta medida, e permite concluir que não é desproporcionado impor a privação da liberdade, nomeadamente a quem se encontra indiciado da prática de dois crimes de violência doméstica agravados, previstos e punidos pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alíneas a), d) e e) e 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal Finalmente, quanto à suficiência da medida, tendo em consideração a circunstância apontada do risco inerente à continuação da actividade criminosa, por parte do Arguido que se revelou pouco empático com o sofrimento das vítimas, tentando ainda justificar as suas acções, afigura-se que qualquer uma das medidas de coacção menos gravosas, a ser eleita, se revelaria inadequada para assegurar a prevenção dos apontados riscos. Destarte, a conclusão que se impõe é a de que a fundamentação do despacho recorrido é adequada e corresponde ao sentir da comunidade na resposta preventiva que se exige a fim de salvaguardar os riscos de continuação da actividade criminosa, de perturbação do inquérito e de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Como tal, por necessária, adequada e proporcional, mantém-se inalterada a escolha da primeira instância quanto à medida de coação aplicada. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se inalterada a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça. Lisboa, 02.Dezembro.2025 Rui Coelho João António Filipe Ferreira Ester Pacheco dos Santos |