Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2942/17.5T8BBR.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: GERENTES
ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE
OBRIGAÇÃO DE PRESTAR INFORMAÇÕES
DEVER DE INFORMAÇÃO AOS SÓCIOS
ANULABILIDADE DAS DELIBERAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - Sobre os gerentes recai a obrigação de prestar, a qualquer sócio que o requeira, informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e, bem assim, facultar-lhe, na sede social, a consulta da respectiva escrituração, livros de documentos

2 - Ao dever de informar os sócios das sociedades sobre a sua gestão contrapõe-se o direito de informação dos sócios, assistindo-lhes o controle dos actos dos gerentes no exercício dos poderes de administração da sociedade

3 – É anulável a deliberação que tenha sido tomada, sem que ao sócio tenham sido prestadas as informações suficientes e necessárias, para que este pudesse votar em consciência e esclarecido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

AP demandou Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada, pedindo que fosse decretada a nulidade, por violação dos bons costumes, da deliberação tomada, em assembleia geral da sociedade ré, em 4/7/17, de aquisição, pelo seu valor nominal, das participações detidas pelos sócios LR e FP na sociedade que gira sob a denominação Ambitrevo Investimentos, Limitada e, caso assim se não entenda, a anulação da deliberação identificada por violação do direito à informação.
Alegou, para tanto, que na qualidade de sócia da sociedade ré, que na assembleia geral acima referida, foi deliberada a aquisição por esta das participações sociais que os seus gerentes, FP e LR, detinham na sociedade “Ambitrevo Investimentos, Lda.”.
Esta sociedade foi constituída por aqueles sem o seu conhecimento, constituindo o culminar de um longo processo de ilegalidades praticadas por aqueles, com o intuito de a prejudicar e  defraudar, violando os bons costumes, “por não ser esse o comportamento exigível aos sócios gerentes de uma sociedade a quem é vedado violar sistematicamente a lei de forma ostensiva e não observar as mais elementares regras e deveres de lealdade e honestidade na gestão da sociedade”.
Mais sustenta, para efeito do pedido que subsidiariamente deduz, que a deliberação em causa foi ainda tomada sem que lhe tenham sido prestadas as informações, apesar, de as ter solicitado, colocando-a na impossibilidade de exercer o direito de voto de forma esclarecida.

Na contestação, a ré pugnando pela improcedência do pedido e, consequente absolvição, impugnou o alegado pela autora, imputando à autora a prática de actos de concorrência desleal, provocando prejuízos à sociedade ré, tendo, inclusivamente, sido apresentada uma queixa-crime e intentada uma acção de exclusão de sócia contra a aqui autora.
Que a deliberação impugnada (que nenhum prejuízo causa à autora) sempre seria aprovada, mesmo com o voto contrário da autora, uma vez que os demais sócios representam a maioria do capital social.
Foi a conduta da autora que motivou o receio da ré em prestar-lhe determinadas informações, por as mesmas poderem por ela ser indevidamente utilizadas, pois que a autora violara já o dever de sigilo e confidencialidade a que se encontra adstrita.

Realizada a audiência prévia foi proferido despacho saneador e, face à desnecessidade de julgamento, foi prolatada sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, anulou a deliberação tomada, em assembleia-geral da sociedade ré, realizada, em 4/7/17, pela qual foi aprovada a aquisição, pelo valor nominal de € 1.000,00 cada, das participações detidas pelos sócios-gerentes da ré na sociedade denominada Ambitrevo Investimentos, Lda. – fls. 319 e sgs.

Inconformada, a sociedade ré apelou, formulando as conclusões que se transcrevem:
1ª. A informação prestada à Recorrida, antes e durante a Assembleia Geral Extraordinária, designadamente quanto à razão da operação de cessão de quotas, que constituía o ponto único da ordem de trabalhos, foi clara, permitindo à Recorrida apreender, em toda a sua amplitude, a motivação do thema decidendum, pelo que é valida a deliberação objecto dos presentes autos.
2ª.Ainda que assim se não entenda, e sem prescindir, o certo é que, a Recorrida, apesar de afirmar que não foi conveniente e suficientemente informada sobre o assunto que constituiu o ponto único da ordem de trabalhos referira, não pediu esclarecimentos ou informação adicional, na Assembleia Geral Extraordinária em causa, limitando-se a fazer verter em acta o que já havia dito nas missivas que enviou anteriormente.
3ª. Não tendo procurado informação, a Recorrida pretende ora fazer-se prevalecer dessa inacção para alegar a falta de informação que fundamenta a presente acção de anulação, o que constitui um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio, que se argui, sendo, por isso, e também com este fundamento, válida a deliberação objecto dos presentes autos.
A apelada contra-alegou pugnando pela confirmação da decisão.

Factos assentes em 1ª instância:
1 - A ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a gestão e transporte de resíduos, gestão e qualidade de ambientais, gestão agrícola, higiene e segurança no trabalho e tecnologias ambientais; (certidão do registo comercial junta a fls.149 a 154v.)
2 - O capital social da ré encontra-se distribuído por três quotas, sendo a ora autora titular de uma quota no valor nominal de €30.000,00, FP titular de uma quota no valor nominal de €30.000,00, e LR titular de uma quota no valor nominal de €40.000,00; (idem)
3 - A gerência da ré é exercida pelos sócios FP e LR; (ibidem)
4 - Pela apresentação 11 de 27.01.2017 foi inscrita no registo comercial a constituição da sociedade por quotas “Ambitrevo Investimentos, Lda.”, com o objecto social de “exploração e agro-florestal, nomeadamente produção, transformação e comercialização, gestão de explorações, elaboração, execução e manutenção de projectos florestais e agrícolas, compra, venda e gestão de bens imobiliários”, com o capital social de € 5.000,00, distribuído por três quotas, sendo uma de € 3.000,00 na titularidade da aqui ré Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Lda., outra de €1.000,00 na titularidade de LRe uma terceira quota, no valor de € 1.000,00, titulado por FP; (fls.41v. e 42)
5 - Em 30 de Março de 2010, a ré tomou de arrendamento a CF, Produtos Hortícolas e Frutos, Lda. o prédio rústico denominado “Herdade da Agolada”, pelo prazo de 30 anos, renovável por iguais períodos, com a finalidade de aí construir uma central de compostagem para desenvolvimento da sua actividade; (fls.179v. a 183)
6 - Por documento datado de 19 de Setembro de 2016, a CF, Produtos Hortícolas e Frutos, Lda. prometeu vender à aqui Ré o imóvel identificado no número anterior, e esta última prometeu comprá-lo, pelo preço de € 1.500.000,00, mediante o pagamento do valor de € 150.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento através de cheque emitido com data de 30.11.2016, e o pagamento do remanescente na data da outorga do contrato definitivo de compra e venda, a celebrar até ao dia 30.12.2016; (fls.183v. a 186).
7 - Por documento escrito datado de 31.01.2017, a ora ré cedeu a posição contratual que ocupava no contrato promessa identificado no número anterior à Ambitrevo – Investimentos, Lda.; (fls.187v. a 188v.)
8 - Por carta datada de 13.03.2017, a ora autora solicitou à gerência da ré a convocação de assembleia-geral «com a seguinte ordem do dia:
1. Deliberar a destituição, com justa causa, dos gerentes LRe FP, em virtude de os mesmos terem violado os deveres de lealdade e de boa-fé consagrados no artigo 64 do Código das Sociedades Comerciais ao constituírem, em 27 de Janeiro de 2017, a sociedade Ambitrevo Investimentos, Lda. (…) em nome da qual compraram, em 3 de Fevereiro de 2017, um terreno que tinha sido prometido vender à Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada que, inclusivamente, pagou o sinal previsto no contrato de promessa de compra e venda e ainda com o fundamento de terem constituído a aludida sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada que exerce uma actividade concorrencial com a Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada e em cujo capital a ora requerente não participa;
2. Deliberar instaurar uma acção de exclusão dos sócios LRe FP pela prática das condutas referidas em 1. E ainda por outros comportamentos desleais para com a sociedade e para com a sócia AP(…)»; (fls.116v.-117)
9 - Os gerentes da ré responderam por carta datada de 27.03.2017, comunicando, além do mais, o seguinte: «Decidiu esta gerência não deferir a sua pretensão, para o que, nos termos do artigo 375 do Código das Sociedades Comerciais, igualmente aplicável por via do artigo 248/1 referido, apresenta a seguinte fundamentação:
i. Não violaram os gerentes em exercício de funções (…) qualquer dever de lealdade ou de boa fé, ao constituírem, em 27/01/2017, a sociedade Ambitrevo Investimentos, Lda., a favor da qual foi averbada a aquisição do terreno que havia sido prometido vender à Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Lda.
ii. A sociedade ora constituída, cujo objecto social não é totalmente coincidente com o da Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Lda., é maioritariamente detida por esta, com a qual se encontra, assim, numa relação de domínio, nos termos previstos no artigo 486 do CSC
iii. V.Exa., à data, detém ainda uma participação na sociedade dominante, pelo que, não foi destituída do poder de influência que mantinha nas empresas do Grupo Ambitrevo
iv. A constituição da sociedade em causa e a aquisição, em seu nome, do terreno referido, decorreu de uma necessidade de estruturar um Grupo de empresas Ambitrevo, tendo por objectivo a especialização e complementaridade da actividade de cada uma das pessoas jurídicas, com vista a efectivos ganhos de eficiência»; (fls.117v.-118)
10 - Por carta datada de 22 de Maio de 2017, a gerência da ré convocou a autora para uma assembleia-geral extraordinária, a realizar no dia 6 de Junho de 2017, pelas 15h, com a seguinte ordem de trabalhos: - Aquisição de participações sociais na Sociedade Ambitrevo Investimentos, Lda.; (fls.134)
11 - Em resposta à convocatória aludida no número anterior, a aqui autora dirigiu à ré uma carta, datada de 31.05.2017, na qual invocou o seguinte:
«1. A referida convocatória para realização de Assembleia-Geral que me foi enviada, na qual se pretende debater “aquisição de participações sociais na Sociedade Ambitrevo Investimentos, Lda.”, não respeitou o prazo de 15 dias previsto no artigo 248/3 do Código das Sociedades Comerciais, pelo que solicito o reagendamento da mesma, destarte cumprindo-se integralmente os ditames legais, sob pena de tal reunião ficar ferida de nulidade que desde já se invoca. Sem prescindir,
2. De acordo com a convocatória recebida, o ponto único da ordem do dia consiste em deliberar sobre a “aquisição de participações sociais na Sociedade Ambitrevo Investimentos, Lda”.
3. Sucede que a convocatória, além de estar inquinada de muitas outras irregularidades e invalidades, tais como a do não cumprimento do prazo legal, também omite informações indispensáveis para que possa preparar e tomar posição sobre o ponto único da ordem do dia.
4. Na realidade, na convocatória não se identifica devidamente a sociedade “Ambitrevo Investimentos, Lda”, não se justifica a(s) razão(ões) pelas quais se pretende deliberar a aquisição de participações sociais na referida sociedade, não se faz qualquer menção ao preço e condições de pagamento, assim como não se faz referência a nenhum outro dos elementos referidos no número 5 infra da presente carta.
5. Assim, sem prejuízo dos vícios de que padece a convocatória, que em tempo serão arguidos, desde já solicito me sejam prestadas as informações que passo a indicar:
(i) Explicitação, de forma fundamentada, das razões pelas quais se pretende deliberar a aquisição de participações sociais na sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada;
(ii) Identificação completa da sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada com indicação do capital social;
(iii) Repartição do capital social com identificação completa dos titulares das quotas e valor nominal das mesmas;
(iv) Indicação concreta e pormenorizada do objecto social, com menção expressa à actividade efectivamente desenvolvida;
(v) Descrição pormenorizada dos activos da referida sociedade, assim como do passivo e documentos de suporte dos mesmos, bem como do seu balanço analítico de razão reportado à presente data;
(vi) Concretização das participações sociais a que se alude na convocatória e valor nominal das mesmas;
(vii) Identificação completa da pessoa singular ou colectiva a quem se pretende adquirir as participações em causa;
(viii) Preço de aquisição e condições de pagamento.
6. Para além disso, agradeço me seja enviado o código de acesso à certidão permanente da sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada e o respectivo pacto social.
7. A indicação de tais elementos é tão mais importante quanto é certo que a constituição da sociedade em causa constitui fundamento para a destituição, com justa causa, dos gerentes LRe FP, em virtude de os mesmos terem violado os deveres de lealdade e de boa-fé consagrados no artigo 64 do Código das Sociedades Comerciais ao terem constituído a referida sociedade, sem o meu conhecimento e em cujo capital não participo, a mesma exerce uma actividade concorrencial com a da Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada, e comprou, em 3 de Fevereiro de 2017, um terreno que tinha sido prometido vender à Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada que, inclusivamente, pagou o sinal previsto no contrato de promessa de compra e venda.
8. Pressupondo o reagendamento da assembleia-geral, as informações deverão ser fornecidas por escrito, para a Rua dos Flamingos, n.º 15, 2860-679 Sarilhos Pequenos, no prazo de 3 dias»; (fls.136 a 137)
12 - Por carta datada de 8 de Junho de 2017, a ré comunicou à ora autora que, «Dado que por lapso se não cumpriu por um dia o prazo de pré-aviso legalmente imposto para a realização da assembleia geral extraordinária convocada, vimos pelo presente proceder ao seu reagendamento, convocando V. Exa. Para estar presente, ou se fazer representar, na assembleia geral que se irá realizar no próximo dia 4 de Julho de 2017, pelas 15:00 horas, na sede social da Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Lda., (…) com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Aquisição das participações sociais da Ambitrevo Investimentos, Lda., pessoa colectiva n.º 514271310, com sede na Estrada Nacional 114, Km 104 – Agolada, Coruche, no valor nominal de 1.000,00€ (mil Euros) cada uma, tituladas por LRe FP, pelo preço equivalente ao seu valor nominal»; (fls.189)
13 - Por carta dirigida à ré e datada de 28 de Junho de 2017, a aqui autora comunicou o seguinte: «(…)venho, na sequência da convocatória para a assembleia geral extraordinária reagendada para o próximo dia 4 de Julho de 2017, pelas 15 horas, ao abrigo do disposto nos artigos 248, 214, 289 e 291 do Código das Sociedades Comerciais, estes dois últimos aplicáveis às sociedades por quotas por força do disposto no artigo 248 do mesmo código, requerer uma vez mais a prestação das informações e o envio de documentos, como segue:
1. De acordo com a convocatória recebida, o ponto único da ordem do dia consiste em deliberar sobre a “Aquisição das participações sociais da Ambitrevo Investimentos, Lda. (…) no valor nominal de     € 1.000,00 (mil Euros), cada uma, tituladas por LRe FP, pelo preço equivalente ao seu valor nominal.
2. Sucede que a convocatória, além de estar inquinada de muitas outras irregularidades e invalidades, omite informações indispensáveis para que possa preparar e tomar posição sobre o ponto único da ordem do dia.
3. Na realidade, na convocatória não se identifica devidamente a sociedade “Ambitrevo Investimentos, Lda”, nem se concretiza quais as participações sociais que se pretende adquirir a esta sociedade (fica-se sem saber quais as participações sociais da referida sociedade (como vem afirmado na convocatória) se pretende adquirir e porque é que as mesmas se encontram tituladas por LRe FP).
4. Depois, não se justifica a(s) razão(ões) pelas quais se pretende deliberar a aquisição de participações sociais da referida sociedade, assim como não se faz referência a nenhum outro dos elementos referidos no número 5 infra da presente carta.
5. Assim, sem prejuízo dos vícios de que padece a convocatória, que em tempo serão arguidos, desde já solicito me sejam prestadas as informações, que passo a indicar:
(i) Explicitação, de forma fundamentada, das razões pelas quais se pretende deliberar a aquisição de participações sociais na sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada;
(ii) Identificação completa da sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada com indicação do capital social;
(iii) Repartição actual do capital social com identificação completa dos titulares das quotas e valor nominal das mesmas;
(iv) Indicação concreta e pormenorizada do objecto social, com menção expressa à actividade efectivamente desenvolvida;
(v) Descrição pormenorizada dos activos da referida sociedade, assim como do passivo e documentos de suporte dos mesmos, bem como do seu balanço analítico de razão reportado à presente data;
(vi) Concretização das participações sociais a que se alude na convocatória e valor nominal das mesmas;
(vii) Identificação completa da pessoa singular ou colectiva a quem se pretende adquirir as participações em causa;
(viii) Preço de aquisição e condições de pagamento.
6. Para além disso, agradeço me seja enviado o código de acesso à certidão permanente da sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada e o respectivo pacto social.
7. A indicação de tais elementos é tão mais importante quanto é certo que a constituição da sociedade em causa constitui um dos fundamentos para a destituição, com justa causa, dos gerentes LRe FP, em virtude de os mesmos terem violado os deveres de lealdade e de boa-fé consagrados no artigo 64 do Código das Sociedades Comerciais ao terem constituído a referida sociedade (Ambitrevo Investimentos, Limitada), sem o meu conhecimento e em cujo capital não participo, e que comprou, em 3 de Fevereiro de 2017, um terreno que tinha sido prometido vender à Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada que, inclusivamente, pagou o sinal previsto no contrato de promessa de compra e venda.
8. Tendo em conta o reagendamento da assembleia-geral para o dia 04 de julho próximo e a simplicidade e natureza das informações solicitadas, as mesmas deverão ser fornecidas por escrito, para a Rua dos Flamingos, nº 15, 2860-679 Sarilhos Pequenos, no prazo de 48 horas»; (fls.142-142v.)
14 - No dia 4 de Julho de 2017, pelas 15h00, reuniu na respectiva sede a assembleia geral extraordinária da aqui ré, conforme consta da Acta n.º 18 cujo teor ora se dá por reproduzida na íntegra e na qual esteve representada a totalidade do capital social; (fls.145 a 146v.) 
15 - Iniciados os trabalhos da referida assembleia, a aqui autora pediu a palavra e, concedida, disse:
1. Por carta datada de 28 Junho de 2017, solicitei um conjunto de informações e documentos, os quais já tinha solicitado por carta datada de 31 de Maio de 2017, e que passo, de novo, a indicar:
(i) Explicitação, de forma fundamentada, das razões pelas quais se pretende deliberar a aquisição de participações sociais na sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada;
(ii) Identificação completa da sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada com indicação do capital social;
(iii) Repartição actual do capital social com identificação completa dos titulares das quotas e valor nominal das mesmas;
(iv) Indicação concreta e pormenorizada do objecto social, com menção expressa à actividade efectivamente desenvolvida;
(v) Descrição pormenorizada dos activos da referida sociedade, assim como do passivo e documentos de suporte dos mesmos, bem como do seu balanço analítico de razão reportado à presente data;
(vi) Concretização das participações sociais a que se alude na convocatória e valor nominal das mesmas;
(vii) Identificação completa da pessoa singular ou colectiva a quem se pretende adquirir as participações em causa;
(viii) Preço de aquisição e condições de pagamento;
(ix) Pacto social da Ambitrevo Investimentos, Lda.
2. Nenhuma dessas informações/documentos me foi fornecida, tendo-me sido enviado, apenas, às primeiras horas do dia de hoje, a certidão permanente da sociedade Ambitrevo Investimentos, Limitada e um balancete da mesma sociedade que não responde a nenhuma das questões que coloquei.
3. Para além disso, na convocatória para a presente assembleia-geral não se identifica devidamente a sociedade “Ambitrevo Investimentos, Lda.” nem se concretiza quais as participações sociais que se pretende adquirir a esta sociedade, pelo que solicito me seja esclarecido quais as participações sociais da referida sociedade se pretende adquirir e porque é que as mesmas se encontram tituladas por LRe FP.
4. Acresce que também não se justifica a(s) razão(ões) pelas quais se pretende deliberar a aquisição de participações sociais da referida sociedade, o que igualmente solicito me seja explicado.
5. Assim, venho, ao abrigo do disposto no artigo 290 do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades por quotas por força do disposto no nº 7 do artigo 214 do mesmo código, me sejam dadas respostas concretas às questões acima formuladas.
6. Para além disso, solicito ainda que me sejam explicadas as razões pelas quais a escritura de compra e venda do terreno que tinha sido prometido vender à Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada (com quem tinha sido celebrado o contrato promessa de compra e venda) e que, inclusivamente, pagou o sinal previsto no contrato de promessa, foi celebrada com a Ambitrevo Investimentos, Limitada, sociedade esta onde os sócios gerentes da Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada, LRe FP, participam directamente no capital e sem que nada me tivesse sido dito.
7. Pretendo ainda que me seja explicado por que motivo decidiram e pretendem agora que a Ambitrevo – Soluções Agrícolas e Ambientais, Limitada adquira as participações sociais na Ambitrevo Investimentos, Limitada, o que só sucedeu depois de eu ter invocado que a operação de compra do imóvel por esta última sociedade me prejudica a mim e prejudica a sociedade e que constitui fundamento para a destituição com justa causa dos gerentes LRe FP.
8. E isto porquanto a constituição da Ambitrevo Investimentos, Limitada e a compra do terreno em nome desta consubstancia e consubstanciou a violação dos deveres de lealdade e de boa-fé consagrados no artigo 64 do Código das Sociedades Comerciais pelos gerentes LRe FP»; (fls.145 a 146v.);
16 - Em resposta, pediu a palavra o representante do sócio e gerente FPconstando da ata que, «no seu uso, disse, sem embargo de explicação mais pormenorizada a dar por escrito, que a sociedade denominada Ambitrevo Investimentos foi criada tendo em vista um princípio de especialização do Grupo Ambitrevo, sendo destinada à alocação do património imobiliário detido por estes, razão pela qual o terreno mencionado foi adquirido por esta sociedade. Disse que a sócia APnão foi convidada a integrar a sociedade dado que, como lhe haviam transmitido, tinha declarado recusar-se a assinar qualquer documento. A transmissão das quotas ora realizada para a sociedade Ambitrevo Soluções Agrícolas é preambular à constituição de uma SGPS, que se pretende constituir, para gerir as participações sociais do grupo e que virá a deter as participações ora cedidas. Mais referiu que, de forma alguma, se pretendeu prejudicar a sócia APque, com esta transmissão, vê a sua posição social salvaguardada»;
17 - De seguida, passou-se à votação do ponto único da ordem de trabalhos, tendo sido aprovado por maioria, com os votos favoráveis dos sócios Luís Rosa e FPe o voto contra da sócia aqui autora; 
18 - Conforme da mesma ata consta, «A sócia APjustificou o seu sentido de voto com a seguinte declaração: “voto contra, por não me encontrar cabalmente informada, pois não me foi disponibilizada a solicitada informação em tempo útil, pelo que me encontro impedida de, de forma esclarecida, exercer o meu direito de voto»; 
19 - A aqui autora instaurou contra a aqui ré uma acção comum para anulação de deliberações sociais, que corre termos no Juiz 3 deste Tribunal, com o n.º 12503/17.3T8LSB; (fls.89 a 111)
20 - Em 24 de Março de 2017, a gerência da ré comunicou à ora autora que lhe havia instaurado processo disciplinar por factos ocorridos no exercício das suas funções, conforme documento junto a fls.119v. a 124v., cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido;
21 - O procedimento disciplinar identificado no número anterior foi arquivado por inutilidade superveniente, na sequência de denúncia pela autora do contrato de trabalho a termo certo que havia celebrado com a ré; (fls.116)
22 - Em 11.05.2017, a ora ré apresentou participação criminal contra a aqui autora, junto do DIAP de Setúbal, conforme documento junto a fls.165v. a 170 v.;
23 - A ré instaurou também contra a autora uma acção declarativa de condenação, sob a forma comum, no Tribunal Judicial da Comarca da Moita, peticionando a exclusão de sócia da aqui autora (fls.173v. a 176)

Adita-se ainda o facto sob o nº 24, com o seguinte teor:
No dia da realização da assembleia-geral foram entregues à autora a certidão permanente da sociedade Ambitrevo Investimentos Limitada e um balancete (cfr. factos 76 da p.i)

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, as questões trazidas a esta Relação consistem em saber se há lugar ou não à anulabilidade da deliberação tomada em assembleia-geral da sociedade ré, em 4/7/17 – aquisição, pelo valor nominal de € 1.000,00 cada, das participações detidas pelos sócios gerentes da ré na sociedade denominada Ambitrevo Investimentos, Lda. – e, se há ou não lugar, a abuso de direito por parte da apelada.

Vejamos, então.
a) Anulabilidade da deliberação.
As sociedades são administradas e representadas por um ou mais gerentes, designados no contrato de sociedade ou eleitos, posteriormente, por deliberação dos sócios, caso não esteja prevista no contrato outra forma de deliberação.
Os sócios gerentes das sociedades têm o direito e o dever de administrar a sociedade de que são órgãos.
Resulta da lei das sociedades comerciais que sobre os respectivos gerentes recaem deveres legais e contratuais, tendo como fonte o contrato social ou as deliberações da assembleia-geral e de outros órgãos sociais – deveres que existem para com a sociedade, sócios e terceiros (credores, trabalhadores, fisco, etc.).
Sobre os gerentes recai a obrigação de prestar, a qualquer sócio que o requeira, informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e, bem assim, facultar-lhe, na sede social, a consulta da respectiva escrituração, livros de documentos.
A informação será dada por escrito, se assim for solicitado; Podem ser pedidas informações sobre actos já praticados ou sobre actos cuja prática seja esperada, quando estes sejam susceptíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei – art. 214/1 e 3 CSCom, sob a epígrafe “Direito à informação”
Esta informação, salvo disposição diversa no contrato de sociedade, só pode ser recusada pelos gerentes quando for de recear que o sócio as utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar violação do segredo imposto por lei no interesse de terceiros – art. 215 CSCom.
De ressalvar que esta recusa de informação ou de consulta tem de resultar de factos objectivos.
Assim, ao dever de informar os sócios das sociedades sobre a sua gestão contrapõe-se o direito de informação dos sócios, assistindo-lhes o controle dos actos dos gerentes no exercício dos poderes de administração da sociedade – cfr. art. 21/1 c) CSCom.
São anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação, ou seja, as menções exigidas pelos art. 377/8 (o aviso da convocação deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada) e na colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato – cfr. arts. 58/1 c) e 4, 290/3 CSCom.
Assim, relativamente ao direito de informar, a lei exige que o sócio esteja suficientemente informado e esclarecido sobre a matéria sobre a qual recairá a deliberação, de forma a que a possa votar em consciência.
No caso em apreço, a deliberação recaiu sobre a aquisição de  participações em sociedade terceira.           
Dos factos apurados constata-se que a autora solicitou à ré informações sobre a matéria sobre a qual a deliberação recairia, sem que a sociedade ré, em algum momento, lhe tenha fornecido informação ou resposta por escrito - cfr. factos 11, 13.
Voltou a fazê-lo, em sede de assembleia-geral (local de prestação de informações relevantes aos sócios, esclarecimentos de dúvidas e justificações de actos sociais), tendo-lhe aí sido prestados os esclarecimentos constantes do facto apurado sob o nº 16, bem como entregue a certidão permanente da sociedade Ambitrevo Investimentos Limitada e um balancete.
Na verdade, através destes documentos a autora tomou conhecimento da identificação da sociedade Ambitrevo, objecto social, a repartição do capital social, a identificação dos titulares das quotas, bem como o seu valor nominal.
Não obstante, atentos os esclarecimentos solicitados, ficou in albis quanto ao leit motiv da pretendida aquisição de participações sociais na sociedade Ambitrevo Limitada, a identificação da pessoa (s) singular ou colectiva a quem se pretendia adquirir as participações, o preço da aquisição e condições de pagamento, o pacto social da sociedade e o balanço analítico de razão.
Ora, estes elementos não são de todo despiciendos, antes pertinentes e importantes para a formação do sentido de voto de qualquer sócio, tendo em atenção que a sociedade ré passa a ser sócia da sociedade Ambitrevo Limitada.
Acresce, que os esclarecimentos prestados, na assembleia, de 4/7/18, e só aí, pelo sócio gerente FPmormente de que “a sociedade Ambitrevo Limtada foi criada tendo em vista um princípio de especialização do Grupo Ambitrevo, destinando-se à alocação do património imobiliário detido por estes, razão pela qual o terreno mencionado foi adquirido e que a transmissão de quotas realizada para a Sociedade Ambitrevo Soluções Agrícolas é preambular à constituição de uma SGPS, que se pretende constituir, para gerir as participações sociais do grupo e que virá a deter as participações ora cedidas” (facto 16) são relevantes e importantes impondo, necessariamente, esclarecimentos mais detalhados e rigorosos relativamente à futura criação de uma SGPS por forma a que a autora pudesse votar, esclarecida e conscientemente, a deliberação.
Assim sendo, uma vez que, na aprovação da deliberação impugnada, a autora não estava devidamente esclarecida por omissão de informações suficientes e necessárias, não obstante as ter solicitado, a deliberação é anulável, falecendo a pretensão da apelante.

b) Abuso do direito
Defende a apelante, nas conclusões de recurso, que a autora agiu com abuso de direito, na modalidade venire contra factum próprio, uma vez que nada fez para procurar e obter a informação pretendida.
 Não obstante, constata-se que esta questão é de todo omissa na contestação apresentada pela apelante e, por isso, não foi apreciada na sentença, constituindo uma questão nova.
Os recursos são meios a usar para se obter a reapreciação de uma decisão, já não para obter decisões sobre questões novas, ou seja, questões que não foram suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido, não sendo lícito invocar neles questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas.
As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, os quais se destinam a reapreciar questões e não a decidir questões novas, sob pena de supressão de um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida - cfr. Acs. STJ 7/11/93, in CJ STJ 1/9393 e de 4/7/95, in CJ STJ 2/95 – 153, entre outros.
O Tribunal da Relação não tem de se pronunciar sobre questões novas suscitadas, excepção às de conhecimento oficioso – arts. 608/2 e 627 CPC.
Destarte, não se toma conhecimento.

Concluindo:
1 - Sobre os gerentes recai a obrigação de prestar, a qualquer sócio que o requeira, informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e, bem assim, facultar-lhe, na sede social, a consulta da respectiva escrituração, livros de documentos
2 - Ao dever de informar os sócios das sociedades sobre a sua gestão contrapõe-se o direito de informação dos sócios, assistindo-lhes o controle dos actos dos gerentes no exercício dos poderes de administração da sociedade
3 – É anulável a deliberação que tenha sido tomada, sem que ao sócio tenham sido prestadas as informações suficientes e necessárias, para que este pudesse votar em consciência e esclarecido.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a sentença.
Custas pela apelante.
Lisboa, 21 de Junho de 2018

Carla Mendes

Octávia Viegas

Rui da Ponte Gomes