Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA ALBUQUERQUE | ||
Descritores: | DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Estando em causa deliberação social respeitante à dissolução de sociedade, a eventual nulidade dessa deliberação, por contradição com a norma do nº 1 do art 147º/1 CSCom – por se dissolver a sociedade sem se proceder à respectiva liquidação, fora das situações em que a lei o consente, como sucederá quando falsamente se declare que a mesma não tem activo nem passivo - só poderá admitir-se enquanto não se mostre registada a dissolução. II – Deverá entender-se existir analogia de situações entre o liquidatário nomeado que não paga ou assegura o passivo social, e o(s) sócio(s) que declara(m) a extinção imediata da sociedade prescindindo intencionalmente da nomeação de um liquidatário para evitar aquele que seria o objectivo legal da actuação deste: proceder à satisfação ou ao acautelamento do passivo social. III – Por isso, numa sociedade unipessoal em que o único sócio e gerente declara falsamente na acta referente à deliberação da dissolução que a mesma não tem activo nem passivo, poderão os credores sociais cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados, responsabilizar pessoalmente esse sócio, em função da aplicação analógica do disposto no art 158º do CSCom. IV – Como, para tanto, será necessária a actuação dolosa desse sócio e gerente, têm os credores sociais que demonstrar que os sócios beneficiaram pessoalmente de património social que deveria ter respondido pelo passivo social e que foi transferido para a sua titularidade. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - A e M, intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário, contra J e mulher, M, “D Investimentos Imobiliários Unipessoal, Lda”, “Resumoreal SA” e JF pedindo que, a) se declare nula e de nenhum efeito a acta de que consta a deliberação da dissolução da R. “D Investimentos Imobiliários Unipessoal Lda”, e, consequentemente, se declare nula a referida dissolução e os respectivos registos junto da Conservatória do Registo Comercial e Automóveis do Funchal, Repartição de Finanças e os demais com eles relacionados, nomeadamente junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ou outros; b) – se declarem nulas e de nenhum efeito as compras e vendas levadas a cabo entre as RR. “D Investimentos Imobiliários Unipessoal, Lda” e “Resumoreal, S.A.” e os RR. e mulher , por simulação, bem como os respectivos registos junto da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz e Serviço de Finanças de Santa Cruz, ou quando assim se não entenda, se declare a fracção habitacional, designada pela letra "G", adquirida a favor da R. “D Investimentos Imobiliários Unipessoal Lda” e, na mesma nulo o respectivo registo junto da dita C. do Registo Predial e Serviço de Finanças a favor dos RR. J e mulher M. c) – se condenem a R. “D Investimentos Imobiliários Unipessoal Lda” e solidariamente os RR. J e mulher M, a reconhecerem os documentos a que se referem os arts. 1° e 2° da petição inicial, e estes e os demais RR., a procederem à reparação dos defeitos que a obra da referida Fracção "A" apresenta, acima identificados no art 1° da p.i., no valor que vier a ser fixado na presente acção, bem como a indemnizar os consequentes prejuízos sofridos pelos AA. de € 15.000,00 (art 14°) e de € 10.000,00 (art 60°) respectivamente, no total de € 25.000,00. d) ou, quando assim se não entenda, se condenem os RR. J e mulher M, aquele por responsabilidade para com os credores sociais por acto ilícito de gestão (dissolução irregular), a reconhecerem os documentos a que se referem os arts. 1° e 2°, e estes, e ainda os RR. “Resumoreal, S.A”. e ainda o R. JF, solidariamente, a procederem à reparação dos defeitos que a obra da referida Fracção "A" apresenta, acima identificados, no valor que vier a ser fixado na presente acção, bem como a indemnizar os consequentes prejuízos sofridos pelos AA. de € 15.000,00 (art°. 14°) e € 10.000,00 (art°. 60°) respectivamente, no total de € 25.000,00. e) – se condenem todos os RR, solidariamente, a pagar aos AA. a indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos por estes, no montante de € 10.000,00, na proporção de metade para cada um destes. f) – se condenem todos os RR, solidariamente, a pagar aos AA todos os custos que os AA tiveram de suportar com a presente acção a calcular em execução de sentença. Investimentos Imobiliários Unipessoal. Alegaram que, tendo permutado com a R. “D Investimentos Imobiliários Unipessoal Lda”, (que, doravante se designará apenas por “Dl”), por escritura de 13/09/2011, um terreno destinado a construção, sua pertença, com uma fracção habitacional de determinado prédio urbano, pertencente à referida “Domineal”, aquele pelo valor de € 105.000,00, esta, pelo valor de € 230.000,00, tendo a diferença de valores de € 125.000,00 sido paga em valor à R. que a recebeu e deu quitação, vieram os AA. a detectar na referida fracção, onde passaram a habitar e que havia sido construída pela referida “D”, vários defeitos ocultos que entretanto foram surgindo. Apesar de os terem sucessivamente denunciado à referida sociedade, esta nada fez e nada disse, atitude de inacção que os levou a investigarem, tendo constatado que o R. J, único sócio e gerente da sociedade unipessoal em causa, procedera à respectiva dissolução, com efeitos a partir de 30/11/2011, tendo afirmado na acta de que consta a deliberação da dissolução que a sociedade não tinha activo nem passivo. Refere não ser verdade que tal sociedade não tivesse passivo, pois que à data da mesma, já tinha sido comunicada dos defeitos da casa dos AA. – para além da responsabilidade que a construção da mesma lhe implicava pelo prazo de cinco anos, nos termos do art 1225º CC - acrescendo que ficou a dever a vários terceiros fornecimentos e serviços relacionados com a construção da mesma. Acresce que tinha como activo (pelo menos) o prédio objecto do contrato de permuta com os AA., sucedendo que doze dias antes da referida dissolução, a “D”, representada pelo R. J, vendeu tal prédio à “Resumoreal SA”, pelo preço de € 95.000,00, que, para além de ter sido inferior ao da respectiva aquisição, não chegou a ser pago à sociedade, pois os RR. J e mulher, com o acordo da referida “Resumoreal SA” e com o objectivo comum de prejudicarem os credores da “D”, compraram-lhe, em nome próprio, pelo preço de € 90.000,00, uma fracção autónoma destinada a habitação, no denominado “Edificio Garajau VIEW”, a qual foi paga com o produto da venda do acima referido prédio pertencente à “D”. Acresce ainda que o R. J, com o objectivo premeditado de dissolver a “D” o mais rápido possível, em representação dessa sociedade, vendeu, em 3/10/2011, à respectiva promitente compradora, mas por concluir, e por € 170.000,00, uma fracção cuja venda fora prometida por € 185.000,00, e completa, tipo chave na mão, venda a que procedeu nestes termos por assim a ter solicitado junto da referida promitente compradora. Concluem referindo que as compras e vendas celebradas entre a R. “D” e “Resumoreal” e entre esta e os RR. J e mulher M são nulas por se tratarem de negócios simulados, nos termos do art 240º/1 e 2 do CC, e a acta que determinou a dissolução da R. “D” e os respectivos registos são nulos por serem ilegais, por assentarem em fundamentos falsos e ilegais, designadamente por violação do estipulado na lei comercial, designadamente o artigo 56º/1 al d) do CSC, por ser ofensivo dos bens costumes (art 282° do CC) e dos demais preceitos legais de protecção dos credores e demais terceiros interessados, acrescendo que o R. J, na sua condição de gerente da R. “D”, respondia civilmente para com os credores desta pela inobservância culposa das disposições legais e contratuais destinadas à protecção destes nos termos dos art 78° e 79° do CSC., responsabilidade esta extensiva à R. M Andrade por ter beneficiado da dita observância culposa das disposições legais referidas, sabendo, por sua vez, a R. “Resumoreal, S.A.” que transferindo a propriedade da fracção acima referida para o nome dos RR. J e mulher, em vez de o fazer a favor da R. “D”, estava a lesar os interesses dos AA. e demais credores da “Resumoreal, S.A”. Entendem, em suma, os AA. que os RR. J e consorte, a “D” e a “Resumoreal” conluiaram-se, nas ditas compras e vendas (ou permutas simuladas), no sentido de desviarem o património da requerida “D” para o nome individual dos RR. J e consorte, para dessa forma inviabilizarem e frustrarem a satisfação dos créditos que os recorrentes e outros credores possuem sobre a “D”. Os RR. “D” (intitulando-se “D – Investimentos Imobiliários Unipessoal Lda – Extinta”…) e J e M, contestaram, excepcionando a ilegitimidade destes dois últimos RR., e impugnaram, referindo ter o R. J actuado sempre, enquanto gerente da sociedade, no interesse da mesma, sendo-lhe inaplicável o disposto no art 78º CSC, impugnando ainda de forma a excluírem os apontados defeitos (ocultos) da fracção a que se referem os AA., e referindo que os invocados fundamentos da dissolução da R. “D” são verdadeiros e que a venda feita à “Resumoreal” nada tem a ver com a da fracção de que se tornaram donos, tratando-se de uma mera coincidência. Terminam requerendo a intervenção acessória de “Fernando Mendonça- Construções, Sociedade Unipessoal Lda”, na qualidade de empreiteira da construção da fracção dos AA. Também a R. “Resumoreal” e o R. José Freitas contestaram, igualmente excepcionando a respectiva legitimidade, excluindo conhecimento e vontade de prejudicarem eventuais credores da “D”, e, consequentemente, as invocadas simulações, terminando por reconvirem (reconvenção que aqui não oferece interesse referir). Os AA. replicaram, opondo-se à procedência das excepções de ilegitimidade e à reconvenção, tendo ainda os RR., em diferentes articulados, apresentado tréplicas, nada sendo invocado de novo e relevante nestes articulados para o objecto do presente recurso.
Invocando o disposto no artigo 590º/1 CPC (aplicável ex vi do disposto pelo artigo 5º/1 da L 41/2013), e considerando que, «em face da existência de manifesta improcedência do pedido, a ponderação de prossecução dos autos apenas consubstanciaria a realização de actos inúteis», foi proferido despacho que, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 590º, 6º e 547º CPC, determinou «a extinção dos autos por falta de elementos essenciais para a sua prossecução».
II – Do assim decidido, apelaram os AA., que concluíram as respectivas alegações do seguinte modo: I -A sociedade D foi dissolvida por uma acta assinada pelo seu único sócio, J, onde foi declarado que aquela não tinha património, nem tinha dívidas a credores sociais; II - Nessa altura, já a sociedade D tinha sido notificada para realizar obras no prédio dos recorrentes; III - No momento da assinatura da acta e da dissolução, a sociedade D não tinha património, porque havia cedido, doze dias antes daquele acto, o único imóvel de que era proprietária, à sociedade Resumoreal, SA; IV - Para pagar a aquisição desse imóvel, a Resumoreal entregou ao sócio da D e respectiva esposa, ou seja, ao recorrido J e consorte, um apartamento tipo T3, não tendo entregue àquela (D), qualquer valor em bens imóveis ou em termos monetários; V - Ou seja, para fugir aos credores da D o sócio desta, J adquiriu em nome individual, uma fracção que devia ser escriturada e registada em nome daquela; VI- Todo este negócio foi simulado entre a D a Resumoreal e os respectivos sócios, para retirar do nome daquela, o património que lhe pertencia; VII - Com toda esta manobra, a sociedade D ficou sem qualquer património no seu nome, o que impossibilita os recorrentes de lhe exigirem responsabilidades e de receberem os seus créditos; VIII - O conteúdo daquela acta é falso, não corresponde à verdade, porque a D tinha dívidas e responsabilidades para com os credores sociais, nomeadamente para com os recorrentes e tinha património, tendo este sido "desviado" intencionalmente, doze dias antes da assinatura daquela; IX - Como ensina o Acórdão citado, existe responsabilidade civil do senhor J perante os credores sociais da D; X- Mas a esposa do senhor J, também deve ser demandada,porque beneficiou com a aquisição de um apartamento que verdadeiramente devia estar escriturado e registado em nome da D; XI - E a recorrida Resumo Real, bem como o seu administrador JF, também devem ser demandados, na medida em que estão conluiados com os restantes recorridos para prejudicarem os recorrentes, tendo a sua intervenção sido determinante e essencial, "em toda esta vigarice"; XII - Ao determinar a extinção dos presentes autos por falta de elementos essências para a sua prossecução, o tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o artigo 78° n° 1, do CSC. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, ordenando-se os prosseguimentos dos presentes autos contra todos os Réus/ recorridos, tudo com as legais consequências.
Não foram apresentadas contra alegações.
III – O tribunal da 1ª instância limitou-se a evidenciar, como facto provado, o de que à data em que a presente acção entrou em juízo (23/02/2012), a R. “D – Investimentos Imobiliários, Unipessoal Lda” havia já sofrido processo de liquidação, tendo sido declarada encerrada pela Apresentação datada de 30/11/2011, estando a sua matrícula cancelada desde esse mesmo dia.
IV - Estando em causa no presente recurso saber se, ao contrário do que foi decidido, os autos contêm “elementos essenciais” para a sua prossecução, senão contra todos os RR. como o pretendem os AA/apelantes, pelo menos contra alguns, importa, naturalmente, convocar a matéria de facto alegada pelos mesmos, de modo a apurar se a mesma preenche os pressupostos das normas de responsabilidade por eles invocadas, ou outras, dentro da mesma causa de pedir e no âmbito dos (muitos) pedidos formulados.
Ora, foram alegados pelos AA. os seguintes factos com interesse para a decisão: 1 - Por escritura de 13/09/2011 realizada entre a R. “D” e os AA. foi objecto de permuta entre os respectivos outorgantes, uma fracção autónoma de determinado prédio urbano, pelo valor de € 230.000,00, recebida pelos AA., e um terreno destinado a construção recebido em troca daquela fracção pela “D”, e pelo valor de € 105.000,00, tendo a diferença de valores de € 125.000,00, sido paga pelos AA. à sociedade que os recebeu e deu quitação. 2- A referida fracção fora construída pela sociedade "D” por administração directa e com recurso a terceiros por si contratados. 5 - Adquirida a dita fracção e instalada a sua habitação na mesma, os AA. depararam-se com vários defeitos de construção, que entretanto foram surgindo. 6 - Esses defeitos foram participados à “D” pelos AA., à medida que se iam revelando, tendo os mesmos reclamado as respectivas reparações, e fixando-lhe prazos para o efeito. 7 - Assim, em 12/10/2011, o A. enviou carta registada com aviso de recepção à “D”, denunciando várias anomalias, defeitos e omissões constantes do relatório técnico que juntou, e concedeu um prazo de trinta dias para que esta procedesse à sua reparação urgente, dada a sua gravidade. 8 - Esta carta foi recebida pela “D”, em 17/10/2011, mas, não obstante, a mesma não procedeu às ditas reparações, à excepção da ligação exterior da água no jardim e à colocação de um ponto de água no jardim ao nível do rés-do-chão. 9 - Em 07/11/2011 ocorreu uma outra avaria (de um dos tubos da caixa de colectores da casa de banho social) por deficiente construção. 10 – Os AA. por carta de 08/11/2011, participaram tal ocorrência à “D” solicitando-lhe a imediata reparação da tubagem avariada e dos prejuízos causados. 11- Essa carta foi recebida pela “D” em 14/11/11, mas, não obstante, a mesma não procedeu à reparação dos prejuízos e defeitos referidos, nem deu qualquer sinal nesse sentido, não respondendo às solicitações escritas ou por telefone feitas pelos requerentes. 12- Em 12/12/2011 surgiram novas anomalias e defeitos ocultos na construção da dita fracção, nomeadamente a ruptura do tubo de fornecimento e água à moradia e a constatação de que a “D” procedeu à instalação do ITED 1 na dita moradia em desrespeito pelo projecto de ITED 2 aprovado pela autarquia para a moradia, factos que foram participados à R. “D” por carta registada de 12/12/11. 13 – Apesar de a ter recebido, a R. não deu o menor sinal ou reacção à mesma, nem respondeu às solicitações dos requerentes. 14 - O silêncio dessa R. e a não reparação dos prejuízos sofridos na fracção dos AA. fê-los suspeitar que algo de anormal se estava a passar. 15 - Verificaram, via net, pelo Portal da Justiça, que o R. J, único sócio e gerente da R. D procedeu à dissolução desta sociedade pela Insc. Nº 3 — Ap. 16/20111130 junto da respectiva Conservatória do Registo Comercial. 16 – Tal dissolução foi deliberada pelo R. J, na Acta, sem número, em suposta Assembleia Geral Extraordinária daquela sociedade com data de 29/11/2011, correspondente ao documento n° 14 junto com a petição inicial, sendo aí referido que, "cumprido integralmente o seu objecto social" e representando ele "cem por cento do capital”, dissolvia a sociedade com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2011. 17 – Afirmou ainda na referida acta "... que em virtude da sociedade na presente data, já não ter qualquer activo nem passivo se encontrava em condições de poder ser dada como liquidada, conforme tudo decorria da contabilidade social”, tendo nestes termos o referido R. J “aprovado as contas e o respectivo balanço de exercício final, assim como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo, tendo o sócio gerente Sr. J sido nomeado depositário da escrituração comercial e designado para formalizar os actos de registo comercial". 18 - É do conhecimento de várias pessoas que a “D” ficou a dever a terceiros vários fornecimentos feitos para a construção do prédio em que se integra a fracção dos recorrentes, como são os casos, entre outros, de Fernando Mendonça que trabalhou na obra e a quem a mesma ficou a dever € 2.500,00, e Luís Gouveia, pintor, que não terminou o trabalho em virtude daquela não ter pago a segunda prestação do pagamento acordado e também de um electricista, de um carpinteiro e de um rapaz de Machico que também lá trabalhou. 19 - Entre esses fornecedores encontram-se ainda pedreiros, pintores e o fornecedor da cozinha e roupeiros, que têm vindo junto dos AA. informar-se da situação dos seus créditos e das dividas e do incumprimento da “D” para com eles e para com outros fornecedores de material. 20 - Por escritura de 18/11/2011, através do Procedimento Casa Pronta — Proc. n°. 68139/2011 da Conservatória do Registo Predial do Funchal, o R. J, em representação da R. “D”, outorgou uma escritura de compra e venda do prédio que tinha sido objecto do contrato de permuta outorgado com os AA. na acima referida escritura de 13/9/2011, a favor da R. “Resumoreal”, pelo preço de € 95.000,00. 21- E por escritura desse mesmo dia, 18/11/2011, a R. “Resumoreal” vendeu aos RR. J e mulher, pelo preço de € 90.000,00, determinada fracção autónoma, destinada a habitação, sita no “Edificio Garajau VIEW”. 22- O R. J tem justificado a alguns credores que efectuou a dita "permuta" porque lhe seria mais fácil, no momento actual, vender o apartamento assim adquirido do que um lote de terreno para construção e "que quando o vendesse faria contas com eles". 23- O R. J já colocou à venda a referida fracção (sita no “Edificio Garajau VIEW), tendo-o publicitado na internet. 24- Os AA. levaram a efeito diligências junto das Repartições das Finanças e das Conservatórias dos Registos Prediais da Região Autónoma da Madeira, onde lhes foi informado que os RR. J e mulher e a R. “D” não possuem quaisquer outros imóveis em seu nome. 25 – O R. J, em representação da R. “D”, vendeu, em 3/10/2011, fracção (gémea da dos AA. ) à sua promitente compradora, Carolina Gomes da Costa. 26 – Essa fracção, ao contrário do estabelecido no contrato promessa de 2/2/2010, que previa a entrega da fracção totalmente concluída, tipo chave na mão, foi entregue por concluir e com redução do preço, de € 185.000,00, para € 170.000,00. 27 – O que foi feito por solicitação do R.J, com o objectivo de dissolver a “D” o mais rápido possível.
Antes de prosseguir, importa verificar o que foi decidido na 1ª instância. Foi aí entendido, relativamente à R. “D – Investimentos Imobiliários, Unipessoal Lda”, que se impunha a respectiva absolvição da instância por se verificar excepção dilatória insuprível referente à respectiva de falta de personalidade judiciária, evidenciando-se decorrer da certidão do respectivo registo comercial que, antes da entrada em juízo da presente acção, ocorrida em 23/2/2012, já se mostrava registado o encerramento da sua liquidação, circunstância que, nos termos do art 160º/2 do CSCom., implica que a sociedade se considere extinta. E, porque o estava antes da interposição da acção, excluiu a decisão a aplicabilidade à situação dos autos do disposto no art 162º CSCom. Excluiu igualmente a possibilidade, pretendida pelos AA., de poder ser declarada nula «a acta em que se decidiu, por assembleia da referida R., a dissolução da sociedade», referindo, para assim concluir, que os AA. não procederam junto da Conservatória de Registo Comercial à impugnação da decisão de liquidação, para o que dispunham de 10 dias, invocando a disposição do art 12º do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (aprovado pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29/3). Entendeu, subsequentemente que, a impossibilidade de reapreciar a situação de dissolução da “D” implicava a inutilidade da apreciação da existência das invocadas simulações, na medida em que os AA. não se relacionaram negocialmente com qualquer outro dos RR. e a lei «não permite que se condenem terceiros, em nada relacionados com a empreitada ou com a compra e venda defeituosa, a proceder à reparação de defeitos da coisa ou a indemnizar pelos vícios de que esta sofre», vindo assim a rematar que, «relativamente aos Réus “Resumoreal, Lda.” José Freitas e M Rodrigues inexiste, in casu, legitimidade substantiva, concluindo-se pela improcedência dos pedidos contra eles apresentados». E no que se refere ao R. J, a circunstância de a sua demanda «enquanto pessoa singular» se basear exclusivamente no facto de o mesmo «ter, sob falsos pretextos, procedido à dissolução da sociedade “D» e desta não poder ser posta em causa», implicaria, a «falta de um pressuposto lógico factual para que se possa apreciar da assim invocada responsabilidade, enquanto sócio daquela sociedade».
Quer crer-se que se justifica a adopção de uma outra perspectiva jurídica no que respeita à demanda dos RR. e que a mesma torna possível a prossecução da acção, pelo menos, relativamente a parte deles. Lembre-se que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante, não apenas à interpretação e aplicação das regras de direito mas, desde logo, à indagação destas regras, tal como resulta, hoje, do art 5º/3 CPC. O que significa, nas palavras de Alberto dos Reis [1] «que o juiz é livre na busca e escolha da norma jurídica que considera adequada. O autor ou o réu invoca determinada disposição legal; se o juiz entender que tal disposição não existe ou que, apesar de existir, não é a que se ajusta ao caso concreto em litígio, põe completamente de parte a indicação feita pela parte e vai buscar a regra de direito que, em seu modo de ver, regula a espécie de que se trata». Assim o juiz «pode e deve suprir ex officio as deficiências ou inexactidões das partes no tocante quer à qualificação jurídica do facto, quer à interpretação e individuação da norma». E conclui: «É livre o tribunal na qualificação jurídica dos factos, contando que não altere a causa de pedir».
Na 1ª instância excluiu-se a aplicação do disposto no art 162º CSCom, e bem, na medida incontornável em que, quando a presente acção foi interposta, já a “D” se mostrava extinta, não fazendo sentido que a acção pudesse prosseguir contra ente sem personalidade jurídica ou ao menos judiciária. Mas, não se ponderou minimamente a disciplina do art 163º CSCom referente ao “passivo superveniente”, e tão pouco a da possível aplicação (analógica) do art 158º do mesmo diploma, sendo que será em função do disposto nestas normas que, salvo melhor opinião, será possível fazer prosseguir, ainda que limitadamente, a acção.
Constitui regra em matéria de liquidação das sociedades a constante do disposto no art 146º/1 CSCom, cujo teor implica que só apenas «quando a lei disponha diferentemente» é que a sociedade dissolvida pode não entrar imediatamente em liquidação, isto é, pode ser dissolvida sem liquidação. Como é sabido, a sociedade dissolvida não se extingue de imediato, pressupondo que se lhe siga um processo de liquidação e partilha do acervo de direitos sociais existentes no seu património, consoante decorre dos arts 146º e 147º CSCom. Na fase de liquidação incumbe aos liquidatários pagar as dívidas da sociedade e, relativamente às dívidas litigiosas, acautelar, através de caução, os eventuais direitos do credor - art. 154º/1 e 3 CSCom. - tornando-se pessoalmente responsáveis perante os mesmos se, falsamente, fizerem constar do relatório final a apresentar aos sócios, ou falsamente declararem no acto de dissolução da sociedade, que todos esses créditos estão efectivamente acautelados, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 158º CSCom.
Um dos casos de dispensa de liquidação em sentido estrito é a hipótese de partilha imediata prevista pelo art 147º/1 CSCom. Diz-se nesta norma que, «sem prejuízo do disposto no art 148º - que trata da liquidação por transmissão global e que está aqui fora de causa – se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dividas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, pela forma prescrita no art 156º». Como é posto em destaque por Carolina Cunha [2], neste passo citando Raul Ventura, «parece claro que a condição sine qua non da sua admissibilidade reside na total inexistência de dívidas sociais: “não importa o número ou o quantitativo das dívidas da sociedade; de qualquer montante, por muito reduzido que seja, uma divida basta para ser ilícita a partilha imediata”». Importa, especialmente aqui, o que, a respeito desta ilicitude, comenta a referida autora: «Todavia, parece-nos, a consequência útil desta ilicitude – a saber, a nulidade da deliberação dos sócios (que aprove um determinado projecto de partilha, ex vi do art 56º/1 d), por violação da norma imperativa do art 147º/1 – apenas se fará sentir enquanto a sociedade mantiver a sua personalidade jurídica. Aí sim, poderão os bens eventualmente já entregues aos sócios retornar ao património social, após o que a liquidação deve prosseguir nos termos do art 149º e ss . Mas, caso haja já sido registado o encerramento da liquidação, a extinção do ente societário (art 160º/2) determina que ao credor insatisfeito apenas seja dado a recorrer aos mecanismos previstos no art 163º para responsabilizar os sócios “até ao montante que receberam na partilha” – a qual não é, portanto, directamente afectada». [3]
Como se vê desta observação, o pedido feito nesta acção pelos AA. de que, “se declare nula e de nenhum efeito a acta de que consta a deliberação da dissolução da R. “D Lda”, e, consequentemente, se declare nula a referida dissolução e os respectivos registos junto da Conservatória do Registo Comercial e Automóveis do Funchal, Repartição de Finanças e os demais com eles relacionados, nomeadamente junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ou outros”, nulidade que os mesmos parecem basear, justamente, no art 56º/1 d), a lei parece só admiti-lo enquanto a sociedade cuja deliberação está em causa não se mostra extinta. Registado o encerramento da liquidação, extinta que fica a sociedade, o credor apenas poderá valer-se do disposto no art 163º, ou, como adiante melhor se referirá, da disciplina do art 158º do mesmo diploma, embora aqui aplicada analogicamente.
Por isso, e no que à R “D” diz respeito, não pode deixar de se acompanhar a decisão da 1ª instância confirmando a respectiva absolvição da instância por falta de personalidade jurídica [4]. Se é certo que a acção de nulidade, nos termos gerais, pode ser interposta por qualquer interessado, e por isso, à partida, seria de admitir que o pudesse ser por qualquer credor que justificasse o seu interesse, parece que estando em causa deliberação social respeitante à dissolução de sociedade, a eventual nulidade dessa deliberação por contradição com a norma do referido nº 1 do art 147º/1 CSCom, só poderá admitir-se enquanto não se mostre registada a dissolução[5].
É também a circunstância de a sociedade estar extinta que torna inaplicável o disposto no art 78º/1 CSCom ao R. J, enquanto gerente da “D”. A norma em causa pressupõe, entre o mais, que «o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos», e, como é evidente, a insuficiência de património implica a existência jurídica da sociedade. Coutinho de Abreu/Maria Elisabete Ramos [6] salientam, em comentário a este preceito, que o dano dos credores sociais é configurado como um dano indirecto, decorrente, do directo, da sociedade, advindo da diminuição do respectivo património social, sendo que este dano (da sociedade) há-de necessariamente ter decorrido da violação de normas de protecção dos credores sociais. E é porque os danos dos credores sociais resultam do dano da sociedade que «eles não podem exigir dos administradores indemnização de valor superior ao dano provocado por estes ao património da sociedade». Assim, e pese embora o art 78º/1 constitua uma forma de responsabilidade directa dos administradores para com os credores sociais, no sentido de lhes permitir uma acção autónoma e directa contra os mesmos, a verdade é que ela não pode efectivar-se sem que a sociedade – e o respectivo património - exista.
Falece, assim, a via, essencialmente em função da qual os AA. parece que perspectivavam a responsabilidade do R. J - não é possível "ressuscitar" a “D Investimentos Imobiliários Unipessoal Lda” e, ressuscitada que a mesma fosse, responsabilizar o seu gerente pelo esvaziamento do património dessa sociedade a que procedeu.
No entanto, convir-se-á que a solução da sentença recorrida não se mostra satisfatória, na medida que deixa sem a mínima protecção os AA. como possíveis credores da sociedade extinta, bem como outros possíveis credores da sociedade, quando os factos alegados sugerem fortemente que o recurso por parte do gerente da “D” à respectiva dissolução se tratou de um expediente para pôr termo a uma situação que previa como patrimonialmente deficitária sem acautelar devidamente os interesses dos credores sociais.
Na situação dos autos, e tanto quanto se mostra possível entrever – aos presentes autos de recurso não veio apensa a providência cautelar, na qual se mostra junta a acta referente à deliberação de dissolução da “D”- o único sócio desta, aqui R. J, não utilizou a via prevista no art 27º e ss do RJPADL, “Procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais”, mas antes o que Carolina Cunha designa [7] como «um procedimento ad hoc de dissolução sem liquidação», e que se traduz em os sócios deliberarem a dissolução da sociedade (como é permitido pelo art 141º/1 b)) e acrescentarem à acta referente a essa deliberação, a declaração de que não existe activo nem passivo a liquidar. «Logram, deste modo, registar o encerramento da dissolução e, portanto, extinguir a sociedade (art 160º/2) sem que tenha lugar qualquer das operações previstas nos arts 146º ss do CSC», fazendo a autora em causa notar que este procedimento «ad hoc de dissolução sem liquidação por declaração em acta não está sequer previsto na lei».[8] Carolina Cunha[9] põe mesmo em causa a ideia de um “um património zero” que é pressuposto da liquidação imediata nas suas diferentes modalidades – e que implica que, «previamente à decisão de dissolução, sejam totalmente eliminados o activo e o passivo existentes, o que só é possível se, satisfeitas as dividas, não subsistir activo, isto é, se o activo se equivaler exactamente ao passivo e ambos forem liquidáveis, não subsistindo quaisquer lucros finais por distribuir» – referindo: «convenhamos, que só por grande coincidência o activo societário cobrirá exactamente o passivo sem faltar nem sobejar»… É perante o procedimento de extinção imediata criado pelo acima referido RJPADL, que «suprime de modo radical toda e qualquer operação de liquidação e representa, portanto, a consagração legal de uma dissolução sem fase de liquidação», e este «procedimento ad hoc de dissolução por declaração em acta» (e também, embora em menor escala, por não dispensar a prestação de contas do art 149º, a própria partilha imediata prevista no art 147º CSC)», e sendo manifesto que «todos estes procedimentos se prestam a uma utilização fraudulenta em detrimento dos credores sociais», que, aquela autora noticia ter vindo a ser «pacificamente admitido o recurso pelos credores sociais ao mecanismo do art 163º». Diz-se no nº 1 desta norma que, «encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha …», explicitando o nº 2 da mesma que «as acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito…». Sucede que, como o refere ainda Carolina Cunha, «a utilidade deste regime para a satisfação dos credores é, na hipótese que curamos, marginal: segundo o disposto no art 163º/1 a responsabilidade dos sócios pelo passivo social superveniente tem como limite o montante que receberam na partilha. Ora, justamente, a declaração que fundou o procedimento acelerado de extinção do ente societário atestava igualmente a inexistência de activo, pelo que é frequente os antigos sócios alegarem que nada foi partilhado e que nada receberam, assim logrando esvaziar totalmente a sua responsabilidade. Note-se, todavia, que não parece curial que os sócios se possam valer apenas de uma declaração feita por eles próprios e desprovida de fiscalização para demonstrarem que nada receberam em partilha - tanto mais que a declaração se veio a revelar falsa no que ao passivo concerne - o que confere um golpe decisivo na sua (já escassa) credibilidade quanto à inexistência de activo». Considerações que a levam a concluir no sentido de que, «em termos processuais, portanto, demandados pelos credores ao abrigo do art 163º para pagamento do passivo superveniente, cabe aos sócios provar, através de outros meios que não a referida declaração, que nada receberem na partilha (cfr aliás o art 342º/2 CC)». Não é no entanto esta solução - que se mostra aliás, ao arrepio do ponto de vista largamente dominante na jurisprudência na matéria em causa, e que na prática, resulta esvaziada de utilidade, como melhor se verá adiante - que importa aqui reter, mas antes, o ponto de vista que a mesma autora subsequentemente defende, e que é, o, da aplicação analógica do art 158º CSC.
Dispõe esta norma que «os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados á assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acutelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados».
O que está em causa [10] é saber até que ponto se deve entender existir analogia de situações entre o liquidatário nomeado que não paga ou assegura o passivo social, e o(s) sócio(s) que declara(m) a extinção imediata da sociedade prescindindo intencionalmente da nomeação de um liquidatário para evitar aquele que seria o objectivo legal da actuação deste: proceder à satisfação ou ao acautelamento do passivo social. Carolina Cunha conclui que só a aplicação analógica da solução contida no referido art 158º constitui verdadeira punição do «desvalor da conduta consubstanciada na falsidade das declarações emitidas». Assim, «os sujeitos que com culpa indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados tornam-se pessoalmente responsáveis para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acutelados», embora a autora em causa faça especificamente notar que a aplicação analógica do art 158º, que advoga, «em atenção ao disposto no nº 2 do art 158º tem que ficar restringida aos casos em que os sócios agiram com dolo». A responsabilidade dos liquidatários a que alude esta norma é pessoal e estabelece-se de forma directa entre os credores sociais e eles, ao contrário do que sucede com o disposto no art 163º, em que, como é salientado no Ac desta Relação de 15/3/2011[11] , o devedor é ainda a sociedade – que, só não é o sujeito passivo da relação processual, por já não ter personalidade jurídica e judiciária, por isso sendo substituída pela generalidade dos sócios - sendo por isso que estes só respondem pelas "forças" do que receberam na liquidação e partilha daquela sociedade, o que significa que não lhes poderá ser exigido mais do que a sociedade suportaria caso não estivesse extinta. A respeito desta norma – do art 163º - refere, com muito interesse, o Ac RP 8/1/2015 que, a mesma. «consagra uma situação de responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, ou seja, constitui uma fonte específica de responsabilidade de alguém por dívidas que não eram suas. Quando, com recurso a este normativo, os credores sociais demandam os sócios já não é a responsabilidade da sociedade que querem ver reconhecida mas a responsabilidade dos próprios sócios. Obtida a sentença condenatória dos sócios, é o património destes que os credores vão poder executar coercivamente. E isso sem restrição aos bens concretamente recebidos na partilha dos bens sociais, já que o normativo não cria no património dos sócios uma espécie de património autónomo restringindo a acção dos credores a esse património, apenas estabelece que os sócios respondem, com a totalidade do seu património, até ao limite do valor que receberam na partilha».
Aqui chegados, há que ponderar se a factualidade alegada pelos AA. na acção, permite a subsunção numa ou outra das normas acima referidas, a do art 158º ou a do art 163º do CSCom.
Sendo que, em função do que até agora se expôs, se entende concluir que a aplicabilidade do disposto no art 163º deverá ser reservada para as situações em que houve, apesar de tudo, liquidação, e por «circunstâncias várias, envolvendo, ou não culpa (ou dolo) dos liquidatários, pôde a sociedade vir a ser extinta sem que estejam satisfeitos todos os credores sociais, por isso se falando de passivo superveniente».[12] [13]. Nestas circunstâncias, a responsabilidade dos sócios pelo passivo social não satisfeito ou acautelado depende de terem recebido na liquidação mais bens do que aqueles que podiam ter sido distribuídos aos sócios na liquidação e, como tal, tem como medida o montante que receberam na partilha.
Nas situações em que não houve liquidação – como a dos autos – mas, em que se vem a provar que, ao contrário do intencionalmente declarado pelos sócios - que não faz, obviamente, prova plena desse facto - havia passivo a liquidar, o credor social, para beneficiar da aplicação (analógica) do art 158º e obter por essa via a responsabilização pessoal dos sócios, deverá alegar e provar que este(s) indicaram falsamente que não havia passivo (isto é, que os «direitos de todos os credores da sociedade estavam satisfeitos ou acautelados») e que essa falsa indicação consubstanciou uma actuação dolosa desses sócios, o que só poderá lograr, alegando e demonstrando que esses sócios beneficiaram pessoalmente de património social que deveria ter respondido pelo passivo social, e que foi antes e indevidamente transferido para a respectiva titularidade.
Note-se, como se reflecte com inteira pertinência no referido Ac da R P de 8/1/2015 [14], que a aplicação de uma ou outra das normas referidas não se basta com a circunstância dos credores sociais alegarem e demonstrarem os factos constitutivos do seu direito sobre a sociedade - na situação dos autos, a existência dos defeitos no imóvel, a sua denúncia, a necessidade da sua reparação, os prejuizos decorrentes desses defeitos. Antes ambas - também, pois, a do art 163º - pressupõem que os credores sociais demonstrem que os sócios beneficiaram pessoalmente de património social que deveria ter respondido pelo passivo social e que foi transferido para a sua titularidade. Diz-se nesse acórdão: «Fundamental ao preenchimento do mencionado pressuposto da responsabilidade (a partilha, leia-se, a apropriação pelos sócios de bens sociais) será assim a demonstração de que os sócios se aproveitaram do patrimonio social, que de outra forma responderia pelo passivo social em benefício pessoal e prejuizo dos credores e que foi essa situação que motivou e permitiu a deliberação de extinção imediata da sociedade» E noutro passo: «... para viabilizar este possivel enquadramento jurídico, é indispensável que os credores sociais aleguem, ao menos, que, ao contrário do que os sócios declararam, a sociedade tinha efectivamnete bens que redundaram em proveiro dos sócios, ou que os besn que a sociedade possuíra anteriormente foram dissipados pelos sócios em seu proveito pessoal, ou com vista a possibilitar a liquidação imediata da sociedade sem satisfazer ou acautelar previamente os credores sociais». E é por assim ser - quer dizer, é porque não se pode fazer a aplicação de um ou outro desses dispositivos sem as referidas alegações por parte do credor social – que não pode deixar de se sustentar, que são os credores que têm de fazer a prova de que os sócios receberam em partilha património da sociedade que poderia responder total ou parcilmente pelo seu crédito, como é entendimento comum na jurisprudência [15], e não os sócios que tem de fazer a prova de que não receberma em partilha bens sociais.
Revertendo, agora, à situação dos autos, haver-se-á de concluir que os AA. terão alegado factos suficientes para a aplicação analógica, que nos parace curial, do referido art 158º. Com efeito, sustentam que o R. J, único sócio e gerente da sociedade “Domineal”, indicou falsamente que a mesma não tinha passivo nem activo, quando, por um lado, deveria ter acautelado o passivo litigioso decorrente das pretensões dos AA. que àquele momento já lhe haviam denunciado defeitos vários do imóvel, e por outro, não se poderia ter desfeito do terreno para construção que integrava o património daquela sociedade, vendendo-o à R. “Resumoreal” para, por intermédio do conluio desta, lograr obter, em vez do produto da venda desse imóvel, que se integraria no património da referida “D”, fracção autónoma para habitação, que se integrou no património pessoal dele e do seu cônjuge, aqui R. M, com quem é casado em comunhão de adquiridos.
Nestas circunstâncias, a prova da simulação será fundamental, fazendo, pois, todo o sentido, a presença da “Resomoreal” na lado passivo da acção, por estar em causa litisconsórcio necessário dos simuladores - art 240º/1 CC e art 28º CPC. Como fará sentido a presença nesse mesmo lado da acção do cônjuge do R. J, a R. M, em função do disposto no art 28º-A/3 do CPC. Será – e isto, sempre salvo melhor ponderação, que a prossecução dos autos facilitará - através das nulidades decorrentes da prova das simulações dos contratos realizados com a “Resumoreal” e da dos demais pressupostos de aplicação analógica do art 158º CSCom, que o terreno para construção - mais valioso do que a fracção habitacional – se integrará, na ausência jurídica da “Dl”, no património do R. J, para responder pelos eventuais créditos dos AA.. Já a demanda de José Freitas surge despropositada, pois que, quem foi sujeito das compras e vendas (ou da permuta) invocadamente simuladas foi a “Resumoreal” e não aquele seu administrador.
Deste modo, entende-se que a acção terá condições para prosseguir, embora apenas contra o R. J e sua mulher, M, bem como contra a sociedade “Resumoreal SA”.
V - Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida relativamente à absolvição da instância no referente à demandada “D Investimentos Imobiliários Unipessoal, Lda”, e absolver do pedido o R. JF, ordenando, no respeitante aos demais RR., a prossecução dos autos.
Custas, nesta instância, e na 1ª, pelos AA. na proporção de ½.
Lisboa, 19 de Novembro de 2015 Maria Teresa Albuquerque José Maria Sousa Pinto Jorge Vilaça ____________________________________________________ |