Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
745/2004-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
ERRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/22/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: Na intervenção principal, o terceiro associa-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, enquanto na intervenção acessória a posição do interveniente é a de mero auxiliar na defesa do réu, tendo em vista o seu interesse indirecto na improcedência de pretensão do autor.
É legítima a correcção oficiosa da forma de incidente de intervenção de terceiros, desde que o respectivo requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental adequada ao caso.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I - RELATÓRIO
Fundação ... intentou, na 16ª Vara de Lisboa, acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Companhia ... Lda e Luís ..., pedindo a resolução do contrato de arrendamento do prédio urbano sito na Rua da Manutenção e a Ré condenada a entregar à A. o locado livre e devoluto e em bom estado de conservação e ambos os RR condenados a pagar as 73 rendas no montante de 21.931.974$00 e as que se vencerem mensalmente até entrega do locado.
Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, que em 28 de Fevereiro de 1994, a A. deu de arrendamento à Ré sociedade o prédio sito na Rua da Manutenção, pelo período de um ano, com início em 1 de Janeiro de 1994, sendo a renda mensal de 250.000$00, a pagar no local que a senhoria indicasse, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse. Mais alega que em 1 de Julho a renda passaria a ser de 287.500$00 e a partir de 1 de Junho de 1995 passou a ser de 300.438$00 e que a inquilina deixou de pagar as rendas desde a que se de Dezembro de 1995.
Por último alega que o R. Luís declarou que ficava e principal pagador da sociedade inquilina, sendo assim solidariamente responsável pelo pagamento das rendas.

Citados ambos os RR, apenas o R. Luís contestou, alegando que interveio na escritura de arrendamento não por si, mas na qualidade de sócio e gerente da sociedade R. e que por escritura de cessão de quotas, cedeu as quotas que detinha nessa sociedade a Helena e Eduardo tendo estes assumido a responsabilidade pela fiança que o R. prestara, pelo que existe liberação do fiador pelo afiançado.
Mais alega que comunicou tal facto à A. por carta de 23.02.96, tendo igualmente, por carta de 23.02.96, procedido junto da Ré pela sua liberação. De todo o modo a sua obrigação extinguiu-se em 28.02.00, cinco anos após a primeira prorrogação, por força do art. 655 nº 2 do CC e que ainda que assim se não considere, estão prescritas as rendas vencidas até 8.01.87.
Mais peticiona a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Deduziu, ainda, o R. incidente de intervenção principal provocada, de Helena e Eduardo, nos termos do art. 325º do CC, alegando para o efeito que estes assumiram expressamente a qualidade de fiadores no contrato de arrendamento dos autos, por escritura de cessão de quotas celebrada com o Réu.
Notificada a A. da contestação e para efeitos do disposto no art. 326º do CPC, esta impugna as excepções invocadas na contestação e não se pronunciou quanto ao aludido incidente de intervenção.
O Mmº Juiz a quo indeferiu o incidente de intervenção provocada com fundamento no facto de a intervenção principal visar, perante uma acção pendente, proporcionar a terceiros, o litisconsórcio ou a coligação com alguma das partes da causa. Porém, no caso em apreço, alega o R que por escritura de cessão de quotas os chamados assumiram pessoalmente a responsabilidade pela fiança que o primeiro outorgante prestou a favor da A., mas isso não justifica que os chamados devam estar nesta causa, porque não têm nenhum direito próprio na mesma.
Além disso, o Mmº Juiz, ao abrigo do art. 508º do CPC, considerando estar assegurado o princípio do contraditório e ser a causa de manifesta simplicidade, dispensou a audiência preliminar e proferiu saneador-sentença, por entender que os autos continham todos os elementos para uma decisão conscenciosa, declarando resolvido o contrato de arrendamento e condenando a 1ª Ré a proceder á entrega do locado livre e em bom estado de conservação. Mais condenou a 1ª Ré a pagar à A. a quantia de 109.396,23 €, correspondente a 73 rendas, no montante de 21.931.947$00, e as que se vencerem mensalmente até entrega do locado, à razão de 1.498,58€ .
Julgou ainda a acção parcialmente procedente relativamente ao 2º R., por parcialmente procedente a arguida excepção da prescrição, e em consequência condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 89.914,71, correspondente a 60 rendas, no montante de 18.026.280$00 e as que se vencerem mensalmente até entrega do locado, à razão de 1.498,58€ .

Inconformado com a sentença, dela apelou o Réu Luís, tendo formulado, no essencial, as seguintes conclusões:
1. Ao decidir quer a questão do incidente de intervenção principal provocada, quer do mérito da causa, sem proceder à audiência preliminar, nos termos do art. 508ºA do CPC, o Mmº Juiz a quo violou a lei, pelo que a sentença deve ser revogada, ordenando-se a realização de audiência preliminar e subsequente tramitação do processo.
2. O regime do art. 595º, nº 2 CC determina que os chamados devam responder, pelo menos, como devedores solidários, com o 2ºR – no caso de vir a provar-se que consentiu na transmissão ou a ratificou.
4. Deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter admitido o incidente de Intervenção Provocada dos chamados.
(...)

Contra-alegou a A. alegando que não é de admitir o incidente de intervenção principal, por não se verificarem os pressupostos e, não tendo requerido a intervenção dos terceiros como parte acessória, não pode agora agora fazê-lo.
Conclui que a sentença recorrida deve ser mantida, por não merecer qualquer censura.

Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.

Como se sabe, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões do Recorrente (arts. 684º, n.º 3 e 690º, nº 1 do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas – e bem assim as que forem de conhecimento oficioso – exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art. 660º, nº 2 do CPC.
Há, assim, que apreciar, pela ordem que se segue e sem prejuízo da prejudicialidade das questões subsequentes:
- da viabilidade ou não do incidente de intervenção de terceiros.
- da dispensa da audiência preliminar
- da necessidade de ser organizada a Base Instrutória
- da responsabilidade do fiador
- da litigância de má fé

II - FACTOS PROVADOS
1. A A. é uma instituição particular de solidariedade social, instituída por vontade da sua fundadora, Arcelina ..., manifestada em testamento que outorgou em 14 de Fevereiro de 1968 e está reconhecida por despacho do Senhor Secretário de Estado da Segurança Social de 6/7/76, publicado no D.R.III Série de 02/08/76.
2. Por escritura pública datada de 28 de Fevereiro de 1994, outorgada no l6º Cartório Notarial de Lisboa, e exarada a fls. 10 Vº a 14 do L 437-C, a A declarou dar de arrendamento à sociedade R., o prédio urbano sito na R. da Manutenção.
3. Foi convencionado que o arrendamento se iniciaria em 01/01/94, sendo a duração anual renovável nos termos da lei.
4. Foi ainda convencionado que a renda mensal seria de 255.000$00, que em 1 de Julho passaria a ser de 287.500$00 e a partir daí aumentada de acordo com a lei.
5. Em 1 de Junho de 1995 a renda foi aumentada para o montante de 300.438$00.
6. A renda seria paga, antecipadamente, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse, em local a indicar por escrito pela senhoria, dentro dos Concelhos de Lisboa e Setúbal, tendo esta indicado que deveria ser depositada na conta bancária da A., no crédito Predial Português.
7. O local arrendado destinava-se a serração mecânica ou manual de madeira, carpintaria, fábrica de blocos de cimento, depósito e comércio de madeiras, ferragens e outros materiais de construção e podia ainda ser destinado pelo inquilino a reparação, comércio, e representação de automóveis, peças e acessórios.
8. O R. Luís declarou na escritura referida em 2, "Que fica por fiador e principal pagador da sociedade inquilina e como tal se responsabiliza pelo contrato durante o seu prazo e suas renovações, mesmo que haja aumento de renda”.
9. Em 1 de Dezembro de 1995, a Ré sociedade não pagou a renda respeitante a Janeiro de 1996, no montante de 300.438$00, nem as posteriores.
10. Por escritura lavrada em 18.04.94, no 16º Cartório Notarial de Lisboa, o R. Luís e mulher declararam ceder as quotas detidas na sociedade Ré, a Helena e Eduardo, renunciando à gerência.
11. Nessa escritura declararam os referidos Helena e Eduardo “que eles outorgantes assumem pessoalmente a responsabilidade pela fiança que o primeiro outorgante varão prestou a favor da sociedade perante a Fundação na escritura de arrendamento celebrada neste cartório, em vinte e oito de Fevereiro de mil novecentos e noventa e quatro (...), expressamente reconhecendo àquele outorgante o direito de regresso sobre eles terceira e quarto outorgantes, por todas e quaisquer quantias que lhe venham a ser exigidas no âmbito daquela fiança”.
12. Por carta datada de 12/01/96 a A. remeteu ao R. Luís cópia de uma carta remetida à sociedade Ré, na qual solicitava o pagamento até ao final do mês, das rendas em dívida relativas a 1 de Dezembro de 1995 e de 1 de Janeiro de 1996, acrescidas di agravamento de 50%, no montante de 901.314$00.
13. Por carta datada de 23.01.96 e junta a fls. 62 e 63 o R. Luís comunicou à A. a cessão de quotas efectuada, remetendo-lhe cópia da respectiva escritura, mais comunicando que “(...) considero os factos relatados na carta de V. Exas susceptíveis de manifestar uma alteração da situação patrimonial de Luís Ribeiro & Companhia Lda, em termos de pôr em risco quaisquer eventuais direitos contra esta, pelo que, nos termos do art. 654º do Código Civil, desde já comunico a V. Exas que não poderei garantir qualquer obrigação daquela sociedade que se vença a partir desta data”.
14. Por carta de 23/01/96 e junta a fls. 72 e 73, o 2º R. enviou à 1ª Ré cópia da carta remetida à A. e mais a exortou ao pagamento da renda, sob pena de “(...) fica o fiador sub-rogado nos direitos do credor, isto é, no caso concreto, ficará com o direito a reaver as quantias pagas e no limite poderá fazer-se pagar pelo valor do direito ao arrendamento e ao trespasse ao local arrendado (...)” e ainda nos termos do art. 648º d) do CC para “(...) proceder por carta registada com aviso de recepção, assinada pelos gerentes da sociedade, com as assinaturas reconhecidas notarialmente, à libertação de Luís, das obrigações assumidas no contrato de arrendamento; b) comunicar à Fundação a substituição da fiança (...) e a consequente liberação de Luís, remetendo à Senhoria cópia da carta de liberação que me tiver sido enviada (...)”.

III – O DIREITO
1. Do incidente de intervenção principal
Com vista à apreciação do presente incidente de intervenção de terceiros há que ter em conta a seguinte matéria:
O R. Luís declarou na escritura de arrendamento em causa nestes autos, que ficava por fiador e principal pagador da sociedade inquilina e como tal se responsabilizava pelo contrato durante o seu prazo e suas renovações.
Por escritura lavrada em 18.04.94, no 16º Cartório Notarial de Lisboa, o R. Luís e mulher declararam ceder as quotas detidas na sociedade Ré, a Helena e Eduardo, renunciando à gerência, tendo os referidos Helena e Eduardo declarado que assumiam pessoalmente a responsabilidade pela fiança que o R. Luís prestara a favor da sociedade perante a Fundação na escritura de arrendamento, declarando que expressamente reconheciam àquele o direito de regresso sobre eles, por todas e quaisquer quantias que lhe viessem a ser exigidas no âmbito daquela fiança.
A Ré sociedade deixou de efectuar o pagamento das rendas a partir de Janeiro de 1996, pelo que a A. veio exigir o seu pagamento à Ré arrendatária e ao aqui Apelante, enquanto fiador.
Em 23.1.96, o R., ora Apelante, comunicou à A. , ora Apelada, a cessão de quotas supra referida, a favor de Helena e Eduardo, remetendo cópia da escritura.
Este, veio deduzir o incidente de intervenção principal provocada dos referidos Helena e Eduardo alegando que estes assumiram expressamente a qualidade de fiadores no contrato de arrendamento dos autos, por escritura de cessão de quotas celebrada com o Réu.

1.1. Importa, desde já, apreciar a admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada, que, vem previsto, enquanto intervenção de terceiros, nos arts. 325º a 329º do CPC.
Miguel Teixeira de Sousa 1 refere que o incidente de intervenção principal permite a modificação subjectiva da instância, por iniciativa de qualquer das partes e é admissível quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu associado ou como associado da parte contrária, isto é, quando qualquer das partes deseje chamar um litisconsorte voluntário ou necessário (art. 325º nº 1 CPC) e quando o autor pretenda provocar a intervenção de um réu subsidiário contra quem queira dirigir o pedido (art. 325º, nº 2 e 31º-B CPC).
Dispõe o n.º 1 do art. 329º do CPC que o “chamamento de condevedores ou do principal devedor, suscitado pelo réu que nisso mostre interesse atendível, é deduzido obrigatoriamente na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada".
O n.º 2, do citado artigo refere que, “tratando-se de obrigação solidária e sendo a prestação exigida na totalidade a um dos condevedores, pode o chamamento ter ainda como fim a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir assistir".
Ora, esta é a finalidade alegada pelo Réu, aqui Apelante, no requerimento de chamamento, referindo que os chamados têm uma posição jurídica igual à que o A. atribui ao R./Apelante, na acção.
Admitindo, contudo, existiram dúvidas sobre a aplicabilidade do art. 325º do CPC, sempre seria de admitir, pelo menos a existência de direito de regresso do 2º R., ora Apelante, sobre os chamados, o que sustentaria o incidente de intervenção provocada acessória (art. 330º do CPC).
Vejamos.
Com vista a apurar quando é que pela acção de regresso nos devemos socorrer de um ou outro, importa atentar quanto ao fundamento que cria aquele direito: se é através de uma intervenção litisconsorcial ou de garantia perante o credor/autor, fazendo, nesse caso, valer um direito próprio, paralelo ao do réu, podendo ser directamente demandado como parte principal, o incidente correcto é o da intervenção principal.
Se, pelo contrário, a acção de regresso surge de uma relação conexa existente entre o réu e o interveniente (v.g. de uma relação de garantia assumida unicamente por este face aquele), de uma relação em que o interveniente não tenha legitimidade para ser demandado como parte principal, estaremos perante a intervenção acessória.
Tendo em conta o condicionalismo legal e factual apresentados é de considerar acertado o despacho recorrido no sentido da não admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada.
Pese embora o R. tenha invocado a comunicação da cessão de quotas à A. para justificar a dedução do incidente de intervenção principal provocada, invocando que a A. teria aceite a transmissão da dívida, nos termos do art. 595º nº 2 do CC, pelo que os chamados devem responder como devedores solidários, não se afigura ser este o incidente correcto.
De facto, a relação jurídica em que se baseia o incidente de intervenção de terceiros em causa é autónoma da relação locatícia estabelecida entre a 1ª Ré, de quem o aqui Apelante é fiador, e a A., enquanto senhoria, sendo certo que o aqui está em causa é o incumprimento desse contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas.
Como refere Salvador da Costa 2 na intervenção principal, o terceiro “associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas”.
Ora, no caso dos autos, inexiste igualdade ou pararelismo do interesse do interveniente com o da parte principal, Réu aqui Apelante, a que se iria associar.
Logo não é possível admitirem-se os referidos Helena e Eduardo, a intervirem nos autos como associados do Réu.
A responsabilidade civil que o R. pretende assacar-lhes deriva do facto de estes terem assumido na escritura de cessão de quotas a responsabilidade pela fiança que o R. prestou a favor da A., responsabilidade totalmente estranha à relação locatícia em causa nestes autos, não se verificando uma situação de pluralidade subjectiva subsidiária.

2. Do incidente de intervenção acessória
Importa ter presente que o direito de regresso, tanto pode existir em alguns casos que fundamentam a intervenção principal como noutros que justificam a intervenção acessória.
Estabelece o art. 330º, nº 1, do C.Proc.Civil que "o réu que tenha acção de regresso contra um terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal", permitindo o art. 332º, nº 3, que os chamados possam suscitar sucessivamente o chamamento de terceiros.

A intervenção acessória, extinto o incidente do chamamento à autoria - mostra-se claramente justificada no Preâmbulo do DL nº 329-A/95 de 12 /12, quando refere que “relativamente às situações presentemente abordadas e tratadas sob a égide do chamamento à autoria, optou-se por acautelar os eventuais interesses legítimos que estão na base e fundam o chamamento nos quadros da intervenção acessória, admitindo, deste modo, em termos inovadores, que esta possa comportar, ao lado da assistência, também uma forma de intervenção (acessória) provocada ou suscitada pelo réu da acção principal. Considera-se que a posição processual que deve corresponder ao titular da relação de regresso, meramente conexa com a controvertida - invocada pelo réu como causa do chamamento - é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual efectivação da acção de regresso pelo réu de demanda anterior, e não a de parte principal: mal se compreende, na verdade, que quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida (mas tão somente sujeito passivo de uma eventual acção de regresso ou indemnização configurada pelo chamante) e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a acção proceda (ficando tão somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela acção de regresso, a efectivar em demanda ulterior) deva ser tratado como parte principal. A fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspectiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento".
Miguel Teixeira de Sousa 3 explica que o terceiro é, neste incidente, chamado, “para auxiliar o réu na sua defesa e a sua actividade não pode exceder a discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso que fundamenta a intervenção (art. 330º, nº 2). Com este chamamento, o demandado obtém não só o auxílio do terceiro interveniente, como também a vinculação deste último à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332º, nº 4). Portanto, a intervenção do terceiro não é acompanhada de qualquer alteração no objecto da causa e, menos ainda, de qualquer cumulação objectiva".
E como refere Lopes do Rego 4 “na base de tal configuração está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexa com a controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência de pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto da ulterior e eventual acção de regresso ou de indemnização contra ele movida pelo réu da causa principal”.
Tal como já sucedia quanto ao incidente de chamamento à autoria, no que respeita à intervenção acessória fundada no direito de regresso, deve manter-se o entendimento que a jurisprudência maioritariamente defendia, de que não se visa com este incidente, condenar o chamado, antes e apenas estender a este os efeitos do caso julgado da decisão proferida na causa.
Isso mesmo acontece agora no âmbito do incidente de chamamento para intervenção acessória previsto no art. 330º do C.Proc.Civil, com fundamento no eventual direito de regresso, cuja única intenção é a de alargar o caso julgado ao respectivo interveniente 5
Salvador da Costa Ac. RL de 21/06/2001, in www.dgsi.pt. defende que a admissibilidade da intervenção provocada acessória de terceiro ao lado do Réu, depende necessariamente da articulação de factos que relevem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da respectiva acção, envolvente do Réu e de um terceiro, devendo ser ainda articulados factos reveladores de que, perdida a demanda, o Réu tenha acção de regresso contra terceiro com vista à realização do direito subjectivo a indemnização ou a restituição correspondente ao prejuízo derivado da perda da acção.

Ora, o R. articulou factos que relevam a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da respectiva acção.
Assim, alegou (e provou) que Helena e Eduardo, no âmbito da escritura de cessão de quotas lavrada em 18.04.94, no 16º Cartório Notarial de Lisboa, declararam assumir pessoalmente a responsabilidade pela fiança que o 2º R. prestou a favor da sociedade perante a Fundação na escritura de arrendamento expressamente reconhecendo àquele o direito de regresso sobre eles. Está, pois, configurado um direito de indemnização com viabilidade e conexo com o objecto da relação controvertida na presente acção, na medida em que a eventual condenação do R., ora Recorrente, permite-lhe accionar os chamados que destarte ficam vinculados em termos reflexos, pelo caso julgado.
Justifica-se, assim, a intervenção acessória provocada dos chamados, que, embora não possam ser condenados nesta acção ficam vinculados ao caso julgado da sentença a proferir, no tocante aos pressupostos de que depende o direito de regresso dos Réu, ora Apelante.
Conclui-se pela admissibilidade da intervenção provocada acessória dos terceiros, ao lado do Réu.

3. Da correcção oficiosa da forma incidental
O Réu deduziu incidente de intervenção principal provocada, pelo que importa saber se pode o tribunal proceder à correcção oficiosa do mesmo.
Com a reforma do processo civil veio claramente permitir-se a opção por soluções que privilegiam aspectos de ordem substancial, em detrimento das questões de natureza meramente formal.
É dever do juiz providenciar pelo andamento regular e célere do processo, "sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes" (art. 265º, nº 1 do CPC).
Por outro lado, ao juiz incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, "quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer", (cfr. n.º 3 do mesmo artigo).
O princípio da adequação formal, determinando a prática oficiosa dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, "quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa" (art. 265º-A, do CPC), encontra aplicação, designadamente, na hipótese de modificação subjectiva da instância decorrente de intervenção acessória.
Por último, há que trazer à colação, o princípio da cooperação, previsto no art. 266º, nº 1 do CPC, que tem por finalidade a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio, visando, por um lado, o apuramento da verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, a obtenção da adequada decisão de direito; e, por outro o da cooperação em sentido formal, com vista à obtenção, sem dilações inúteis, das condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo 7.
Assim, tendo em consideração que, no caso em apreço se pode aproveitar, a dedução do requerimento de intervenção principal provocada, como incidente de intervenção acessória, que é o próprio, impõe-se a admissão deste incidente.
Consequentemente anulam-se os posteriores actos processuais praticados, designadamente o saneador-sentença, considerando que a admissão deste incidente dará lugar à ritologia estabelecida nos arts. 332º e 333º do CPC, nomeadamente, procedendo-se à citação dos chamados.
Face ao exposto fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas no âmbito deste recurso.

IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso, admitindo o incidente deduzido como de intervenção acessória provocada e determinando que os autos prossigam os termos subsequentes previstos no art. 332º do CPC, nesta medida revogando o despacho recorrido na parte em que não admitiu o incidente de chamamento, com a consequente anulação dos actos posteriormente praticados, designadamente do subsequente saneador-sentença.
Custas pela Apelada.

Lisboa, 22 de Abril de 2004.
Relatora
Fátima Galante
Adjuntos
Manuel Gonçalves
Urbano Dias

________________________________________________________________
1-Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 2ª. edição, pag. 182
2-Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Almedina, Coimbra, 1999, pag. 253.
3-Miguel Teixeira de Sousa. ob. cit. pag. 179.
4- Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Almedina, Coimbra, 1999, pag. 253.
5-Neste sentido, Salvador da Costa, ob. cit., pag. 121 e Ac. STJ de 05/02/2002 (relator Garcia Marques.
6-Ac. RL de 21/06/2001, in www.dgsi.pt.
7-Neste sentido Ac. RL no Agravo nº 10688, desta Secção (relatora Fernanda Isabel) e Ac. RL de 5.2.2004, (relator Ezagüy Martins), in www.dgsi.pt..