Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | AFONSO HENRIQUE | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA TERRITORIAL FORO PROVIDÊNCIA CAUTELAR | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/06/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I - O artº21º do DL 54/75, de 12-2 não foi revogado pela nova redacção do artº74º do CPC, dada pela Lei 14/06, de 26-4. II – Acresce que, à data do contrato em causa (26-1-05, conforme doc.1/fls.11), a excepção de incompetência relativa não era do conhecimento oficioso, excepto, nos casos elencados, nomeadamente, na a) do artº110º do CPC, donde só constava o nº2 do artº74º do CPC (responsabilidade por factos ilícitos), e não, a do nº1 do mesmo preceito legal. III - Deste modo, não é também aplicável ao caso, o artº100º do CPC (competência convencional), sendo válida a clausula 15ª do contrato, que definiu (por acordo entre as partes) a Comarca de Lisboa, como competente, para resolução de qualquer litígio decorrente do mesmo contrato. (AH) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa A requerente, S, SA, veio propor, contra o requerido, E a presente providência cautelar, para apreensão de veículo e respectivos documentos, sem audiência prévia do requerido – artº15º do DL nº54/75, de 12-2-; Alegando, para o efeito e em resumo, que; - Na sua actividade de locação financeira e de financiamento de aquisições a crédito, nomeadamente, de veículos, celebrou com o requerido, no dia 26-1-05, o contrato nº526346, a que se reporta o doc. nº1; - O qual, teve por objecto o financiamento de €14.377,52, montante este que se destinou à aquisição, po parte do requerido, da viatura automóvel, marca Fiat, modelo Punto 1.2; - Como condição da celebração do referido contrato e como garantia do seu bom cumprimento, foi exigido pela requerente ao ora requerido, a constituição de reserva de propriedade a seu favor sobre o mencionado veículo; - Deste modo, o veículo foi vendido com o encargo de reserva de propriedade, que se encontra, devidamente, registado – doc. nº2 -; - Mantém-se, por isso, na esfera jurídica do requerente, a propriedade da viatura, só se transmitindo com o cumprimento do mencionado contrato, encontrando-se suspensa tal transferência até então; - O requerente não satisfez todas as prestações mensais a que se obrigara, no valor mensal de €191,97; - Em face da sua mora, a requerente, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 7-11-05, concedeu ao requerido um prazo suplementar de 10 dias para pagamento da dívida, findo o qual a mora se convertia em incumprimento definitivo – doc nº3 -; - Carta que não foi recebida pelo requerido, apesar de enviada para a morada contratualmente fixada – doc nº4 -; - O requerido, até à presente data, não pagou a totalidade das prestações em dívida, nem procedeu à entrega do veículo em causa; Conclui pedindo que se ordena a apreensão do veículo e respectivos documentos, sem audição do requerido, para que a diligência requerida não seja frustada, designadamente, através do desencaminhamento do mesmo veículo. O Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho liminar – de indeferimento – (em síntese): “-…-. Considerando a nova redacção do artº74º nº1 do CPC (dada pela Lei 14/06, de 26-4) o Tribunal territorialmente competente para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, e também (atento ao disposto no artº83º nº1 c) do CPC) para os procedimentos cautelares como meios preventivos aquelas acções (propostos após a sua entrada em vigor, ou seja, após 1-5-06, passou a ser o domicílio do R./requerido. …-. Assim e de harmonia com o expendido, não é este Tribunal territorialmente competente para conhecer do presente procedimento cautelar. -…-. Após trânsito remeta os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por ser o competente -…-.” Desta decisão veio a requerente recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de agravo, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo – fls. 27. E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: - O presente recurso vem interposto da decisão que considerou o Tribunal da Comarca de Lisboa territorialmente incompetente e ordenou a remessa dos autos (procedimento cautelar para apreensão de veículo requerido nos termos do artº15º do DL 54/75, de 12-2) para o Tribunal Judicial da Comarca de Braga. - Este procedimento cautelar foi intentado ao abrigo do aludido DL 54/75, que define a competência do Tribunal da Comarca de Lisboa, nos termos do artº21º do mesmo DL 54/75. - Essa regra é especial face à do artº74º do CPC. - E não foi revogado pela Lei 14/06, de 26-4. - O tribunal territorialmente competente é pois, o da sede da proprietária da viatura, a recorrente, que detém a reserva de propriedade da mesma. - Acresce ainda que, na data da celebração do contrato de crédito foi constituído um pacto de afloramento, constante da 15ª cláusula das condições gerais do contrato, o qual estabelece como foro competente a Comarca de Lisboa para resolução e todos os litígios emergentes do contrato celebrado. - E atendendo ao disposto no artº100º do CPC (redacção anterior à entrada em vigor da Lei 14/06, de 26-4) às partes “…é permitido afastar, por convenção expressa, a aplicação de regras de competência em razão do território …-.” - Deste modo, a recorrente considera que o referido pacto é válido, por ter sido celebrado antes da vigência da Lei 14/06. - Mais, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da irrectroactividade da lei, logo, a nova Lei 14/06, de 26-4 apenas retirou aos sujeitos jurídicos, a possibilidade de celebrarem pactos de aforamento, e não, que os pactos anteriormente celebrados deixariam de ser válidos. - A aplicação imediata da lei não deverá ofender aquele princípio da irrectroactividade. Conclui pelo provimento do recurso. Foram colhidos os necessários vistos. APRECIANDO E DECIDINDO. Thema decidendum: Em função das conclusões do recurso, as questões a dirimir são as que se seguem: 1 - Foi ou não revogado o artº21º do DL 54/75, de 12-2, face à nova redacção do artº74º do CPC, dada pela Lei 14/06, de 26-4? 2 – Mesmo a entender-se que o citado artº21º do DL 54/75 deixou de vigorar, há ou não, que respeitar a cláusula 15ª do contrato em apreço, que definiu (por acordo entre as partes) a Comarca de Lisboa, como competente, para resolução de qualquer litígio decorrente do mesmo contrato? Dispõe o artº74º nº1 do CPC (competência para o cumprimento da obrigação): 1. A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no Tribunal do domicílio do R., podendo o credor optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o R. seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o R. tenha domicílio na mesma área metropolitana. 2. Se a acção se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu. Como é referido na decisão impugnada, esta (supra) enunciada redacção do artº74º nº1 do CPC foi dada pela Lei 14/2006, de 26-4. Contudo, na mesma decisão objecto de recurso não se faz referência ao artº21º do DL54/75, de 12-2, que estipula o seguinte: - O requerente da apreensão e as acções relativas aos veículos apreendidos são da competência do Tribunal da Comarca em cuja área se situa a residência habitual ou sede do proprietário. Sabemos que, quando uma lei nova é publicada, esta dispõe em regra para o futuro – artº12º do CC -. Esse princípio foi observado, dispondo o artº6º do DL14/2006, de 26-4 que: - A presente lei aplica-se apenas às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor. O que, prima facie, seria o caso, uma vez que este procedimento cautelar deu entrada em 31-7-06. Porém, como se sabe, a lei geral não derroga lei especial que exista, a não ser que o faça expressamente, o que não se verifica. Há sim, que ponderar a natureza do DL 54/75 de 12-2. Trata-se, efectivamente, duma lei especial que, não tendo sido, expressamente, revogada pela referenciada Lei 14/2006, no que ao artº21º diz respeito, mantém a regra de competência territorial aí prefigurada (sede da proprietária do veículo/Lisboa). O que se compreende pois, regulando o registo da propriedade automóvel, foi sucessivamente alterado pelos DL403/88 (de 9-11) DL 178 A/05 (de 28-10) DL182/02, (de 20-8) – com a Declaração de Rectificação nº31 B/02 (de 31-10) e pelo DL107 A/05, de 28-10, mas nunca in totum. Por outro lado, no que se reporta ao artº21º desse diploma legal, nunca o mesmo sofreu qualquer alteração., o que não foi inocente. É que, estando na base da apreensão, normalmente, uma situação de reserva de propriedade, justifica-se que, o Tribunal competente seja o da residência do seu proprietário. Acresce que, à data do contrato em causa (26-1-05, conforme doc.1/fls.11), a excepção de incompetência relativa não era do conhecimento oficioso, excepto, nos casos elencados, nomeadamente, na a) do artº110º do CPC, donde só constava o nº2 do artº74º do CPC (responsabilidade por factos ilícitos), e não, a do nº1 do mesmo preceito legal. Deste modo, não é também aplicável ao caso, o artº100º do CPC (competência convencional), sendo válida a clausula 15ª do contrato, que definiu (por acordo entre as partes) a Comarca de Lisboa, como competente, para resolução de qualquer litígio decorrente do mesmo contrato. DECISÃO: Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em dar provimento ao recurso/agravo e consequentemente, revogam a decisão impugnada, julgando o Tribunal a quo competente para tramitar e decidir a questão sub júdice. Sem custas. Lisboa, 6 de Março de 2007 Afonso Henrique Rui Moura Rui Vouga |