Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2845/22.1T8CSC-D.L1-7
Relator: RUTE LOPES
Descritores: ACÇÕES DE DIVÓRCIO
PENDÊNCIA SIMULTÂNEA EM TRIBUNAIS NA UNIÃO EUROPEIA
TRIBUNAL COMPETENTE
LITISPENDÊNCIA
REGULAMENTO (UE) 2019/1111
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – Quando sejam intentadas duas ações de divórcio entre os mesmos cônjuges, em diferentes tribunais de Estados-Membros da União Europeia, é aplicável às questões de competência e litispendência, o Regulamento (UE) 2019/1111 que define como relevante para apreciação daquelas questões, a data da instauração da ação.
2 - Entre os critérios de atribuição de competência para tramitar a ação de divórcio previstos no artigo 3.º Regulamento 2019/1111 não é estabelecida qualquer hierarquia ou ordem de precedência. A competência ali estabelecida é concorrente.
3 – O Regulamento 2019/1111 resolve a questão da competência concorrente pelo critério do tribunal onde a ação entrou em primeiro lugar, originando dessa forma uma incompetência superveniente do tribunal onde foi interposta a ação entrada em segundo lugar.
4 - Na análise da questão da litispendência, o Regulamento 2019/1111 afasta a aplicação do critério decorrente do artigo 582.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
5 – O Regulamento 2019/1111 resolve a questão da litispendência, sujeitando-a à questão da competência. A litispendência cessa quando o tribunal em que a ação entrou em primeiro lugar reconhecer a sua competência e o tribunal em que a ação entrou em segundo lugar reconhecer a sua incompetência em favor daquele.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação e Lisboa

RELATÓRIO
1 Em 24 de agosto de 2022, a recorrida, autora nos autos, interpôs ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra  o recorrente, réu, invocando, além do mais, que desde janeiro de 2021, até ao presente, se encontram separados, não obstante terem vivido na mesma casa, no Luxemburgo, até fevereiro de 2022, data em que a apelada veio para Portugal, onde passou a viver, tendo o apelante permanecido no Luxemburgo.
2 Citado em 25 de novembro de 2022, o réu veio deduzir exceções de litispendência e incompetência internacional dos tribunais portugueses.
3 Alegou ter interposto ação de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais contra a autora, num tribunal do Luxemburgo, no dia 13 de Outubro de 2022, o tribunal da residência habitual dos cônjuges até setembro de 2022, por isso o competente para tramitar a ação de divórcio.
4 Alegou ainda verificar-se situação de litispendência a ser conhecida e declarada nos presentes autos, porque a autora, ré, no processo do Luxemburgo, foi citada naqueles autos em data anterior à da citação do apelante nestes autos, pelo que, ao abrigo do regime processual que rege a litispendência, esta ação deve considerar-se interposta em segundo lugar.
5 O tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão:
Assim sendo, e nos termos do disposto no artigo 3.º, al. a), ponto VI. e al. b) do Regulamento, este Tribunal de Família e Menores é competente internacionalmente para apreciar e julgar a presente Ação de Divórcio.
E, uma vez que a presente ação de divórcio foi instaurada antes de a ação de divórcio ter sido instaurada no Luxemburgo, verifica-se efetivamente uma situação de litispendência, cabendo assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, al. a) e 20.º, n.ºs 1 do Regulamento, comunicar ao Tribunal do Luxemburgo, para que este, oficiosamente – no que à matéria da regulação do divórcio concerne – suspenda oficiosamente a instância.
6 O réu, apelante, inconformado com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma:
CONCLUSÕES DO APELANTE
1) A última residência de ambos os cônjuges é indiscutivelmente no Luxemburgo, onde, ambos trabalhavam, tinham consultas médicas, onde a filha comum nasceu e onde ia à creche. Os cônjuges apenas deixaram de partilhar uma vida em comum em setembro de 2022.
2) A ação de divórcio intentada pela autora deu entrada em juízo no dia 24.08.2022 e o réu foi citado no dia 25.11.2022.
3) O réu deu entrada, nos Tribunais do Luxemburgo (concretamente no Tribunal d'Arrondissement de Luxembourg - Juge aux affaires familiales), de uma ação de divórcio no dia 13.10.2022, para a qual a autora foi citada no dia 16.11.2022.
4) Verifica-se entre ambos os processos situação de litispendência que, nos termos do disposto n.º 1 do artigo 580.º do Código de Processo Civil, pressupõe a repetição de uma causa – pedido, causa de pedir e partes.
5) De acordo com o n.º 1 do artigo 20.º do Regulamento (UE) 2019/1111, em situação de litispendência, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
6) Considera-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.
7) Neste caso, deve, pois, considerar-se interposta em segundo lugar a ação intentada no tribunal recorrido.
8) O Tribunal a quo aplicou, para determinar a competência internacional dos tribunais portugueses para a presente ação de divórcio, o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019 e considerou, contrariamente ao que o Réu havia invocado, que a presente ação foi intentada antes da ação interposta pelo Réu no Luxemburgo e que, por conseguinte, se consideraria anterior.
9) Do Regulamento 2019/1111 decorrem vários fatores gerais de conexão: a última residência dos cônjuges, a residência do cônjuge requerente e a nacionalidade dos cônjuges (artigo 3.º).
10) No caso concreto, está preenchido o critério previsto no ponto ii) da alínea a) do artigo 3.º: “a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida”.
11) Estando verificado este requisito, não se vislumbram motivos para aplicar o critério da nacionalidade dos cônjuges, previsto na alínea b) do mesmo artigo.
12) Não há igualmente necessidade de aplicar o critério previsto no ponto vi) da al. a) do artigo 3.º, visto que o ponto ii) tem aplicação e atribui a competência aos tribunais luxemburgueses, nos quais, aliás já corre a competente ação.
13) Entende-se que o referido critério do ponto ii) da alínea a) se aplica antes de ser necessário recorrer àquele que prevê a competência dos tribunais do Estado-Membro da nacionalidade de ambos os cônjuges, o que, consequentemente, afasta in casu a competência dos tribunais portugueses, visto que a última residência comum foi no Luxemburgo e o Réu ainda reside neste país.
14) Os tribunais luxemburgueses são assim os competentes para julgar a presente ação, devendo os tribunais Portugueses assim decidir.
7 A apelada respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão do tribunal a quo.
OBJETO DO RECURSO
8 O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
9 À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir:
- da competência internacional dos tribunais portugueses;
- da litispendência.
FUNDAMENTOS DE FACTO
10 Os fundamentos fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório desta decisão.
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO
Enquadramento legal
REGULAMENTO (UE) 2019/1111 DO CONSELHO de 25 de junho de 2019
Artigo 3.º do Regulamento
São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro:
a) Em cujo território se situe:
i) a residência habitual dos cônjuges,
ii) a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida,
iii) a residência habitual do requerido,
iv) em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, v) a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos um ano imediatamente antes da data do pedido, ou vi) a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos durante seis meses imediatamente antes do pedido e se for nacional do Estado-Membro em questão; ou
b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges.
Artigo 17.º, al a), do Regulamento
Considera-se que o processo foi instaurado:
a) Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido.
Artigo 20.º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento
1. Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
3. Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declara-se incompetente a favor daquele. Neste caso, a parte que instaurou o processo no tribunal a que se recorreu em segundo lugar pode submeter o referido processo à apreciação do tribunal a que se recorreu em primeiro lugar.
Artigo 59.º do Código de Processo Civil
Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
Artigo 62.º, al. a), do Código de Processo Civil
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
Artigo 72.º do Código de Processo Civil
Para as ações de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o tribunal de domicílio ou da residência do autor.
Artigo 580.º, n.º 3, do Código de Processo Civil
3 - é irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais.
*
Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil
A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
1.Enquadramento
11 O apelante entende que o tribunal de primeira instância o deveria ter absolvido da instância, por verificação de exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, nos termos a alínea a) do artigo 96.º do Código de Processo Civil.
12 Começamos por notar que se verifica divergência quanto aos factos respeitantes à data em que a apelada passou a residir em Portugal. Tal divergência, porém, não releva, como veremos.
13 A ação de divórcio foi interposta pela apelada num tribunal português, em concreto, no Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o competente do ponto de vista territorial, atenta a residência que indicou.
14 O apelante insurge-se contra o reconhecimento da competência internacional dos tribunais portugueses, invocando que:
- à data em que a ação foi proposta, a residência dos cônjuges era no Luxemburgo desde 28/8/2017, onde viviam, trabalhavam e a filha frequentava a creche e onde o apelante ainda reside.
- o apelante interpôs ação no Luxemburgo após a data em que a apelada interpôs esta ação, mas no âmbito da qual a citação ocorreu em primeiro lugar.
15 É indiscutível que, neste caso, foram propostas duas ações de divórcio pelas partes, respetivamente. Uma entrada no tribunal, em Portugal, no dia 24.08.2022; a outra, num tribunal do Luxemburgo, no dia 13.10.2022. Também não é questionado que a citação para a ação interposta no Luxemburgo ocorreu em data anterior à citação para a ação pendente no tribunal a quo.
2. Competência internacional dos tribunais portugueses
16 A competência internacional atribui o poder de julgar aos tribunais portugueses, em face dos tribunais estrangeiros, traduzindo uma extensão além fronteiras do poder jurisdicional legalmente atribuído.
17 Ela só é convocada quando, no litígio, se verifique um ou mais elementos de conexão com uma ordem jurídica estrangeira.
18 A ausência de acordos supra nacionais repartidores de competência entre os países gera, em regra, situações de competência concorrente entre tribunais de diferentes países, apenas excecionadas pelas de atribuição exclusiva de competência internacional (no caso português, as situações elencadas no artigo 63.º, do Código de Processo Civil)
19 É à luz de um litígio no qual se verifique uma conexão com ordem jurídica estrangeira que devem analisar-se os pressupostos de atribuição de competência internacional dos tribunais portugueses.
20 Os tribunais portugueses têm competência internacional para decidir ações de divórcio intentadas por autor residente em Portugal – artigos 62.º e 72 do Código de Processo Civil.
21 É aqui definido o critério da coincidência, que determina que a competência internacional dos tribunais portugueses acompanha a competência nacional quanto aos critérios de atribuição de competência territorial. Coincide com ela.
22 Assim é no caso do divórcio, definindo o artigo 72.º, do Código de Processo Civil a regra de competência territorial, de que a ação respetiva deve ser interposta no tribunal da área de domicílio ou residência do autor, a competência internacional desse tribunal é reconhecida por via do artigo 62.º, al. a), do Código de Processo Civil.
23 Pelo que, desde que demonstrado que a apelada tem residência ou domicílio em Portugal, à data de propositura da ação, sempre seria inquestionável a competência internacional dos tribunais portugueses, não assistindo assim razão ao apelante.
3. REGULAMENTO (UE) 2019/1111 DO CONSELHO
24 Sem prejuízo, neste caso, as normas de competência internacional dos tribunais nacionais previstas no Código de Processo Civil não são aplicáveis, mas sim o REGULAMENTO (UE) 2019/1111 DO CONSELHO de 25 de junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças, que assume prioridade vinculativa face ao regime nacional.
25 O Regulamento resolve, não apenas questões de competência, mas também de litispendência, decorrentes da interposição de ações sobre o mesmo objeto e entre as mesmas partes, em tribunais de diferentes Estados-Membros da União Europeia.
26 Por força dos artigos 59.º e 580.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e ainda dos princípios de prevalência do direito europeu face ao nacional - Princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno; Princípio da aplicabilidade direta; e Princípio do efeito direto -, as questões de competência e litispendência suscitadas no recurso deverão ser apreciadas à luz deste Regulamento.
3.1. Data de entrada da ação em tribunal
27 O Regulamento define que a data relevante a considerar na sua aplicação para todos os efeitos, incluindo competência e litispendência, é a da instauração da ação - artigo 17.º.
28 Com relevância para a interpretação desta norma, considera-se no Regulamento (considerando 35) o reconhecimento de que nos sistemas dos diferentes Estados-Membros existem duas abordagens diferentes nesta matéria – “os que exigem que o ato introdutório da instância seja primeiro notificado ao requerido, ou os que se bastam com o primeiro apresentado ao tribunal”. O Regulamento optou pelo critério segundo o qual para efeito de considerar a ação interposta “deverá ser suficiente que tenha sido tomada a primeira medida nos termos do direito nacional, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem nos termos do direito nacional para que seja tomada a segunda medida”.
29 A “primeira medida” é designação suficientemente abrangente para incluir todos os possíveis atos que as legislações nacionais prevejam como iniciadores do procedimento de divórcio, na esteira da Jurisprudência do Tribunal de Justiça – Cf. o mesmo considerando.
30 Em conclusão, para decidir as questões objeto deste litígio, considera-se aplicável o Regulamento (UE) 2019/1111 e, em aplicação do mesmo, serão relevantes as datas de interposição das ações por ambas as partes, em Portugal e no Luxemburgo.
3.2. Competência para ações de divórcio
31 Em concreto, quanto à ação de divórcio, de acordo com o artigo 3.º do Regulamento são fixados sete critérios concretos atributivos de competência aos tribunais na União Europeia, seis baseados na residência habitual e o sétimo, na nacionalidade:
- tribunal da residência habitual dos cônjuges;
- tribunal da última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida;
- tribunal da residência habitual do requerido;
- em caso de pedido conjunto, tribunal da residência habitual de qualquer dos cônjuges;
- tribunal da residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos um ano imediatamente antes da data do pedido
- tribunal da residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos durante seis meses imediatamente antes do pedido e se for nacional do Estado-Membro em questão;
- tribunal da nacionalidade de ambos os cônjuges.
32 Entre estes critérios não é estabelecida qualquer hierarquia ou ordem de precedência. A competência dos tribunais é concorrente. Desde que verificados os requisitos, fica na disponibilidade das partes a escolha do tribunal para tramitar a ação de divórcio.
33 A concorrência de competência entre tribunais dos Estados-Membros é resolvida pelo Regulamento através do critério da prioridade na interposição da ação. Em caso de duas ações com o mesmo objeto e partes, interpostas de acordo com os critérios do artigo 3.º, é competente o tribunal onde a ação foi interposta em primeiro lugar, devendo o tribunal em que seja proposta ação em momento subsequente, declarar-se incompetente em favor daquele – artigo 20.º, n.º 3 do Regulamento.
34 De acordo com a opção do Regulamento, um tribunal competente ab initio torna-se incompetente supervenientemente, porque a situação de incompetência só se verifica no momento em que a competência foi já reconhecida pelo tribunal onde a ação foi proposta em primeiro lugar. A incompetência não decorre dos critérios atributivos de competência, mas do prévio reconhecimento de outro tribunal como competente, cedendo o tribunal da segunda ação a sua competência em favor do tribunal da primeira ação.
35 Em conclusão, a interposição da ação de acordo com um dos critérios previstos no artigo 3.º, do Regulamento é o suficiente para o estabelecimento da competência definitiva do tribunal na data em que é apresentado no tribunal o ato introdutório da instância (artigos 17.º, al. a) do Regulamento), desde que seja a primeira ação interposta entre as mesmas partes e com o mesmo objeto.
36 Neste caso, a ação de divórcio foi interposta em primeiro lugar em Portugal e, em segundo, no Luxemburgo (em 24.08.2022 e 13.10.2022, respetivamente). Ambas obedecem a um dos critérios do artigo 3.º, do Regulamento.
37 O apelante entende que o tribunal a quo errou ao julgar-se competente de acordo com o último critério do elenco previsto no Regulamento, sem atentar para a precedência na aplicação, dos anteriores.
38 Efetivamente, o critério que o tribunal de primeira instância considerou para reconhecer a sua competência para a tramitação desta ação, foi o critério da nacionalidade dos cônjuges que surge no elenco em último lugar – artigo 3.º, al. b), do Regulamento.
39 E acertadamente, à luz do que analisámos. Não existindo hierarquia entre os critérios, a verificação de um qualquer, é suficiente para a atribuição da competência. Verificando-se que ambos os cônjuges têm nacionalidade portuguesa, o tribunal a quo, é competente.
40 Também acertadamente ajuizou o tribunal ao analisar a sua competência face à ação interposta no Luxemburgo, por ter sido interposta aqui em primeiro lugar, como analisámos resultar do regime legalmente aplicável.
41 Pelo exposto, o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste é competente para tramitar esta ação, devendo improceder o recurso do apelante com este fundamento.
3.3. Litispendência
42 A segunda questão suscitada prende-se com a litispendência.
43 A discordância do apelante face ao tribunal de primeira instância não está no reconhecimento dos pressupostos de litispendência mas em qual dos processos ela deve ser conhecida, se no português, como defende o apelante, se no luxemburguês, como decorreu da decisão recorrida.
44 O apelante alega aplicar-se o critério decorrente do artigo 582.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – o impedimento da litispendência opera na ação proposta em segundo lugar, considerando-se como tal aquela em que o réu foi citado posteriormente. Por isso, entende que a litispendência deve ser conhecida nesta ação por ter sido aquela para a qual o réu foi citado posteriormente.
45 O artigo 20.º, n.º 1, do Regulamento estabelece o regime a adotar quanto à litispendência. Ele surge, na verdade, sujeito à questão da competência. Ele fica resolvido assim que a questão da competência o for também – n.ºs 1 e 3, do artigo 20.º.
46 O regime determina que o processo interposto em segundo lugar (de acordo com o critério de entrada de ação do próprio Regulamento) suspende oficiosamente a instância até que o tribunal em que o processo foi interposto em primeiro lugar assuma ou não a competência. Se a assumir, o tribunal da segunda ação declara-se incompetente em favor do da primeira ação. Se não a assumir, então a ação prossegue. Em qualquer dos casos, cessa a litispendência.
47 Neste caso, uma vez mais, as datas de interposição da ação e o regime aplicável não permitem dar razão ao apelante.
48 Não tinha o tribunal de primeira instância que julgar verificada a situação de litispendência neste e suspender o processo, por não ser, à luz do Regulamento, o tribunal em que a ação foi instaurada em segundo lugar.
49 Termos em improcede o recurso interposto, devendo manter-se a decisão do tribunal de primeira instância.
3 Custas
50 Nos termos do artigo 527.º, do Código Civil, o recorrente deverá suportar as custas, porque vencido.
51 Na verdade, face à total improcedência da presente apelação, é inegável que o recorrido decaiu, devendo por isso suportar as custas do presente recurso (na modalidade de custas de parte).
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso, confirmando a decisão impugnada.
Custas pelo apelante.
O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente.

Lisboa, 5 de março de 2024
Rute Lopes      
Edgar Taborda Lopes   
Paulo Ramos de Faria