Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22927/20.3T8LSB-B.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
PROVA
ACÇÃO ESPECIAL DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.Nos termos do art.º 38.º da LAV compete aos tribunais estaduais apoiar a jurisdição arbitral na produção de prova, a pedido da parte interessada, para tal autorizada pelo tribunal arbitral.

II.A ação especial para apresentação de coisas ou de documentos (art.º 1045.º e seguintes do CPC) pode ser utilizada para forçar a apresentação de documentos do lado da contraparte na ação arbitral.

III.Inexistem obstáculos ao deferimento da intimação da sociedade requerida para juntar aos autos documentos que foram suficientemente identificados no âmbito do processo arbitral e cuja relevância para o processo arbitral foi previamente apreciada pelo tribunal arbitral.

IV. A tal não obsta a circunstância de a requerida alegar que alguns dos documentos não existem e/ou que já juntou alguns deles no processo arbitral: caberá à requerida apresentar os documentos que existirem e que ainda não tiver juntado ao processo arbitral.


Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa



I.RELATÓRIO:


1.Em 01.11.2020 Clube (…) (doravante designado de “requerente” ou “Clube”) instaurou no Juízo Local Cível de Lisboa processo especial de apresentação de coisas ou documentos contra (…) SAD (doravante designada de “requerida” ou “SAD”).

O requerente alegou, em síntese, que em 7.01.2019 a ora requerida apresentou um requerimento de arbitragem ao abrigo de convenção de arbitragem que entre as partes havia sido acordada no âmbito de um “Protocolo de Repartição de Direitos e Obrigações” que ambas haviam outorgado em 05.12.2012. Tal requerimento deu origem ao processo n.º 1/2019/INS/ASB do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria. Nos respetivos articulados, o ora requerente (Réu e reconvinte na ação arbitral) e a requerida (Autora e reconvinda na ação arbitral) requereram mutuamente a junção de elementos e documentos na posse da parte contrária. Findos os articulados, em 13.7.2020 o tribunal arbitral proferiu o Despacho n.º 6, pelo qual, entre outras matérias, o tribunal arbitral apreciou a pertinência dos requerimentos probatórios e ordenou à ora requerida que juntasse elementos e documentos, conforme transcrição do despacho a que o ora requerente procedeu. Notificada do Despacho n.º 6, a ora requerida nada disse e nada juntou, pelo que em 01.9.2020 o tribunal arbitral proferiu o Despacho n.º 7, constatando isso mesmo e solicitando ao ora requerente para requerer o que tivesse por conveniente. Contudo, em 07.9.2020 a ora requerida solicitou que lhe fosse concedida a possibilidade de juntar aos autos a Informação Devida (expressão utilizada pelo ora requerente na petição inicial desta ação especial) até ao dia 16.9.2020, pretensão à qual o ora requerente não se opôs e que foi deferida pelo tribunal arbitral pelo seu Despacho n.º 8. Em 16.9.2020 a ora requerida procedeu à junção de apenas 6 (seis) documentos, numerados como A90 a A96, de ora em diante os «6 Documentos», recusando-se a juntar os restantes elementos. Em 09.10.2020 o ora requerente requereu autorização ao tribunal arbitral para solicitar a intervenção do tribunal estadual ao abrigo do art.º 38.º n.º 1 da Lei da Arbitragem Voluntária e em 21.10.2020 o tribunal arbitral proferiu o Despacho n.º 10, reconhecendo o direito do ora requerente em solicitar a intervenção do tribunal estadual na medida do necessário à produção da prova documental determinada e não cumprida pela requerida, concedendo a sua autorização para esse efeito. O ora requerente tem um interesse legítimo na entrega da Informação Devida, o qual foi reconhecido pelo tribunal arbitral que também exigiu essa entrega, no uso das suas atribuições legais.

O requerente terminou formulando o seguinte petitório:

Termos em que se requer o seguinte:
1)- A Requerida seja citada e intimada a apresentar neste Tribunal a Informação Devida, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objetiva, com exceção dos 6 Documentos, em data, dia e hora a ser designada pelo Tribunal.
2)- Seja fixada uma sanção pecuniária compulsória a pagar pela Requerida, de valor não inferior a € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) por cada dia de atraso no cumprimento pontual e completo do requerido em 1), por cada elemento que fique em falta.
3)- Remeter os resultados obtidos no presente processo para o Tribunal Arbitral.
4)-Condenar a Requerida no pagamento das custas e procuradoria deste processo”.

2.A requerida contestou, pugnando pela improcedência da pedida condenação em sanção pecuniária compulsória; arguindo a incompetência do tribunal arbitral relativamente ao objeto de parte dos documentos requeridos pelo requerente; alegando a impertinência da maioria do requerido pelo requerente; arguindo a impossibilidade de o tribunal ordenar a prestação de “informações” e a inadequação da presente forma de processo a tal pretensão; invocando a inexistência de alguns dos documentos solicitados e a circunstância de a requerida já ter juntado ao processo arbitral o que era pertinente.
A requerida concluiu pela improcedência do pedido.
Subsidiariamente a requerida solicitou a concessão de prazo não inferior a três semanas para a junção dos documentos, caso o seu número fosse elevado.

3.Em 10.5.2021 foi proferida a seguinte decisão:
I – Refª 37707055
Atento o esclarecimento prestado pela requerente, por agora, nada a ordenar ou apreciar, impondo-se o normal prosseguimento dos autos.
II - Da invocada incompetência do Tribunal Arbitral
Na contestação apresentada veio a requerida invocar a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação que são objeto de parte dos documentos cuja apresentação é requerida nestes autos.
Ora, este tribunal não tem competência para apreciar da eventual incompetência do tribunal arbitral, sendo certo que este não é sequer o meio processual próprio para invocar tal exceção, razão pela qual não poderá este tribunal apreciar ou pronunciar-se sobre tal questão.
Nesta conformidade, julgo improcedente nesta parte a contestação apresentada e, consequentemente, indefiro, por desnecessária, a inquirição das testemunhas arroladas.

II–Da alegada impertinência dos documentos
Veio ainda a requerida alegar na contestação apresentada a impertinência de parte dos documentos cuja apresentação é aqui requerida para o objeto do processo que corre termos no Tribunal Arbitral.
Conforme se alcança da alegação da requerente, em 13 de julho de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu o Despacho n.º 6, no âmbito do processo n.º 1/2019/INS/ASB do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio Indústria, no qual apreciou a pertinência dos requerimentos probatórios e ordenou à Requerida que juntasse os documentos aqui em causa.
Consagra expressamente o artigo 30.º, n.º 4 da LAV que compete ao Tribunal Arbitral apreciar a pertinência da prova a produzir.
Assim sendo, considerando que o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre a pertinência da junção ao processo arbitral dos documentos aqui em causa, não assiste a este tribunal competência para sindicar ou pôr em causa tal decisão, razão pela qual não poderá este tribunal apreciar ou pronunciar-se sobre tal questão.
Nesta conformidade, julgo improcedente nesta parte a contestação apresentada e, consequentemente, indefiro, por desnecessária, a inquirição das testemunhas arroladas.

III–Da apresentação dos documentos
Mostrando-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 38.º da LAV, ao abrigo de tal preceito e ao abrigo do disposto nos artigos 1045.º e 1046.º, impõe-se determinar a apresentação dos documentos.
Sucede que a requerida também suscitou dúvidas quanto à identificação dos documentos cuja apresentação é requerida.
Assim sendo, determino que antes de mais, se notifique a requerente para, em aperfeiçoamento ao seu requerimento inicial, concretizar devidamente todos os documentos cuja apresentação requer, esclarecendo, designadamente, todas as dúvidas suscitadas pela requerida na sua contestação.

4.Em resposta ao aludido despacho do tribunal a quoo CLUBE/requerente apresentou o seguinte requerimento:
Clube (…)”, Requerente nos autos à margem identificados, notificado do despacho, com a referência 405380723, vem expor o seguinte:
1.-No que diz respeito à cópia dos mapas financeiros apresentados na Liga Portuguesa ..... ..... respeitantes aos jogos em casa da Autora com o B....., S..... e P..... nas épocas 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018:
A Requerida está obrigada perante a Liga Portuguesa ..... ..... ..... a remeter um mapa financeiro por cada jogo, conforme modelo que se junta como documento em anexo.
O pedido é claro e isento de dúvidas objetivas e a Requerida sabe perfeitamente a que documento se reporta o determinado pelo Tribunal Arbitral, pelo que a Requerida deve dar cumprimento à junção determinada pelo Tribunal Arbitral.
2.-Informação sobre o montante de IVA liquidado sobre os convites respeitantes a todos os jogos referidos no número anterior:
Deverá a Requerida entregar cópia da declaração periódica de IVA correspondente ao período de tributação em que tiveram lugar os jogos em casa da Autora com o B....., S..... e P..... nas épocas 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018, acompanhada da informação sobre a parte da base tributável e do imposto a favor do Estado que diz respeito a tais jogos e, dentro desta parte, a parcela respeitante aos convites desses jogos.
A Requerida está obrigada a ter uma contabilidade organizada e, por isso, as ofertas devem estar necessariamente listadas, mensuradas, documentadas e, inclusive, ter associada identificação dos clientes/destinatários a quem as mesmas foram transmitidas (nomeadamente, para justificar a sua razoabilidade, a sua conformidade com os usos comerciais e se foram feitas no âmbito da atividade da empresa ou com fins alheios à empresa), de modo a serem de objeto de justificação e de tratamento contabilístico e, por essa via, sustentarem as obrigações declarativas em sede de IRC e de IVA.
Assim, trata-se de informação que a Requerida há muito que tem preparada e o pedido é claro e isento de dúvidas objetivas, pelo que a Requerida deve dar cumprimento à junção determinada pelo Tribunal Arbitral.
3.-Informação sobre os montantes recebidos ao abrigo do fundo/mecanismos de solidariedade da UEFA respeitantes às épocas 2016/2017 e 2017/2018, acompanhada da correspondente documentação de suporte.
A Requerida recebeu determinados montantes ao abrigo do fundo/mecanismos de solidariedade da UEFA, respeitantes às épocas 2016/2017 e 2017/2018.
A Requerida recebeu os aludidos montantes, via Federação Portuguesa de Futebol e/ou via Liga Portuguesa ..... ....., e os mesmos foram comunicados por tais entidades à Requerida e conferidos por esta.
A contabilidade não se faz de recortes de jornais e os extratos bancários são instrumentos de reconciliação de movimentos financeiros e não de suporte de crédito de débitos.
Para que fique claro, os montantes em causa são os respeitantes às épocas 2016/2017 e 2017/2018, independentemente do momento em que foram efetivamente colocados à disposição da Requerida.
Deverá a Requerida prestar informação sobre esses valores e apresentar os documentos que, na sua contabilidade, suportam esse crédito e o seu recebimento.
4.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, que tenham sido celebrados com os atletas (…), mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
O pedido é claro e isento de dúvidas objetivas, pelo que a Requerida deve dar cumprimento à junção determinada pelo Tribunal Arbitral.
Para que fique claro, a obrigação de junção de documentos determinada pelo Tribunal Arbitral reporta-se todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza e não está cronologicamente limitada.
5.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, incluindo de transferência, agenciamento, comparticipação em negócio ou outro, que tenham sido celebrados com terceiros e que digam respeito aos atletas (…), incluindo (mas sem limitar) os que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva, direitos económicos, direitos de imagem, mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
O pedido é claro e isento de dúvidas objetivas, pelo que a Requerida deve dar cumprimento à junção determinada pelo Tribunal Arbitral.
Para que fique claro, a obrigação de junção de documentos determinada pelo Tribunal Arbitral reporta-se todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza e não está cronologicamente limitada.
6.-Cópia de todas as faturas, recibos ou quaisquer outros elementos contabilísticos integrados na contabilidade da Autora, emitidas pela Autora ou por terceiras entidades e que digam respeito às realidades referidas em 4. e 5., independentemente de existir contrato escrito.
O pedido é claro e isento de dúvidas objetivas, pelo que a Requerida deve dar cumprimento à junção determinada pelo Tribunal Arbitral.
Para que fique claro, a obrigação de junção de documentos determinada pelo Tribunal Arbitral reporta-se todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza e não está cronologicamente limitada.
7.- Cópia de todos os contratos, de todas as faturas, de todos os recibos e referência de todas as datas de pagamento da correspondente contrapartida devida pela Autora, respeitante à utilização, pela Autora, do Complexo Desportivo ..... (relvado principal e adjacentes, bem como zonas técnicas ou outras) e do Estádio do B..... (em S___) durante as épocas 2017/2018 e 2018/2019.
O pedido é claro e isento de dúvidas objetivas, pelo que a Requerida deve dar cumprimento à junção determinada pelo Tribunal Arbitral.
8.- Informação sobre os montantes recebidos pela participação na Liga Europa na época 2015/2016, acompanhada da correspondente documentação de suporte.
O pedido é claro e isento de dúvidas objetivas, pelo que a Requerida deve dar cumprimento à prestação de informação e à junção determinada pelo Tribunal Arbitral.
Mais se requer:
para prova da falta de cumprimento do dever de cooperação por parte da Requerida, requer-se que seja oficiada a Federação ..... de ..... / Direção ..... (Avª. ....., - 1...-4... - ..... ..... – D____) e a Liga Portuguesa ..... ..... (Rua ....., nº ....., - 4...-1... - P____) para virem aos autos juntar cópia de toda correspondência (enviada e recebida) que mantiveram com a Requerida, “(…) SAD”, acerca dos montantes que lhe foram atribuídos ao abrigo do fundo/mecanismos de solidariedade da UEFA respeitantes às épocas 2016/2017 e 2017/2018.”

5.A requerida/SAD apelou da decisão referida em 3.

6.Em 11.9.2021 foi proferido o seguinte despacho:
Atenta a natureza dos documentos em causa, ao abrigo do princípio da economia e celeridade processual e do dever de gestão processual, determino que se notifique a requerida para apresentar nos autos os documentos indicados pela requerente, até ao dia 27 de setembro de 2021, o que deverá fazer através de requerimento eletrónico, notificando a parte contrária desse requerimento”.

7.Em 12.10.2021 a requerida/SAD apelou do despacho referido em 6, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1º.-A presente ação foi proposta na sequência de uma decisão do Tribunal Arbitral constituído para dirimir um litígio entre as partes que determinou que a Apelante deveria “prestar informações” e juntar aos autos documentos, não determinados nem concretizados, mas que seguramente se contarão por centenas;
2º.-Não é da competência dos Tribunais Judiciais determinar que provas serão produzidas numa arbitragem; compete aos Tribunais arbitrais, nos termos do disposto no art. 30º, n.º 4, da LAV, determinar as provas admissíveis e pertinentes para a arbitragem, não podendo os Tribunais Judiciais, ou as próprias partes, substituir-se ao Tribunal Arbitral no exercício desses poderes;
3º.-O Tribunal Arbitral deferiu requerimentos probatórios do R. nessa arbitragem, aqui A. e ora Apelado e autorizou o recurso aos tribunais estaduais para a sua obtenção;
4º.-Na sua contestação à presente ação, a R. Apelante enunciou um conjunto de fundamentos de defesa que, no seu entendimento, deveriam conduzir à recusa dos Tribunais estaduais a prestarem a colaboração pedida;
5º.-Apreciando essa defesa, o Tribunal a quo decidiu o seguinte:considerando que o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre a pertinência da junção ao processo arbitral dos documentos aqui em causa, não assiste a este tribunal competência para sindicar ou pôr em causa tal decisão, razão pela qual não poderá este tribunal apreciar ou pronunciar-se sobre tal questão”;
6º.-Mas nesse mesmo despacho o Tribunal a quo decidiu também o seguinte: “Sucede que a requerida também suscitou dúvidas quanto à identificação dos documentos cuja apresentação é requerida. Assim sendo, determino que antes de mais, se notifique a requerente para, em aperfeiçoamento ao seu requerimento inicial, concretizar devidamente todos os documentos cuja apresentação requer, esclarecendo, designadamente, todas as dúvidas suscitadas pela requerida na sua contestação”;
7º.-Assim, o Tribunal a quo decidiu que não tinha poderes para conhecer as razões da Apelante mas, em simultâneo, convidou o Apelado a pronunciar-se sobre as dúvidas suscitadas pelas decisões do Tribunal Arbitral a respeito das provas a obter e produzir nesta ação, e assim a definir quais são os documentos admissíveis e pertinentes para a arbitragem que devem ser obtidos pelos Tribunais estaduais;
8º.-Respondendo a este convite do Tribunal a quo, o Apelado apresentou um requerimento enunciando quais são os documentos que, no seu entendimento, os Tribunais estaduais devem obter para serem remetidos à arbitragem;
9º.-A enunciação do Apelado dos documentos a obter e apresentar não é igual ao teor do despacho do Tribunal Arbitral que descreveu as provas que considerava admissíveis e pertinentes e em relação às quais autorizou o recurso aos tribunais estaduais;
10º.-Na verdade, esse requerimento do Apelado consiste na sua interpretação do despacho do Tribunal Arbitral de quais são os documentos pertinentes e admissíveis a juntar;
11º.-Pelo despacho recorrido, o Tribunal a quo disse o seguinte: “atenta a natureza dos documentos em causa, ao abrigo do princípio da economia e celeridade processual e do dever de gestão processual, determino que se notifique a requerida para apresentar nos autos os documentos indicados pela requerente”;
12º.-Ou seja, pelo despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu que a Apelante deve apresentar nestes autos os documentos decididos, escolhidos e determinados, não pelo Tribunal Arbitral, mas sim por uma das partes em litígio, o Apelado;
13º.-Ora, ao abrigo do disposto no art. 38º da LAV, aos Tribunais estaduais não compete: - Obter as provas que uma das partes considere admissíveis;
- Obter as provas que uma das partes considere pertinentes;
- Obter as provas que uma das partes determine terem valor para a arbitragem;
- Obter as provas que uma das partes afirme serem aquelas que o Tribunal Arbitral considerou admissíveis e pertinentes;
- Obter as provas que resultem do esclarecimento de uma das partes sobre as dúvidas suscitadas pelas decisões do Tribunal Arbitral.
14º.-A prova que os Tribunais Judiciais podem obter, para apresentar os resultados ao Tribunal Arbitral, é a prova que tiver sido considerada admissível e pertinente, e cuja obtenção tiver sido autorizada, pelo Tribunal Arbitral no exercício dos seus poderes legais de cognição;
15º.-Tendo, todavia, o Tribunal a quo deferido a uma das partes em litígio o poder de determinar quais seriam as provas a obter e produzir, não sabemos se as provas indicadas pelo Apelado ao Tribunal a quo como sendo as que se devem obter e produzir nestes autos são ou não as provas admissíveis e pertinentes segundo o juízo da única entidade que tem poderes para esse juízo, que é o Tribunal Arbitral.
16º.-O despacho recorrido, a subsistir no ordenamento jurídico, pode ter por efeito que, quando as provas lhe forem remetidas o Tribunal Arbitral, (1) considere que foram obtidas provas que não são admissíveis e ou não são pertinentes: e nesse caso, os Tribunais Judiciais teriam usado os seus poderes constitucionais para obter e apresentar provas para uma arbitragem que o respetivo Tribunal Arbitral considera inadmissíveis ou impertinentes; (2) considere que o elenco das provas produzidas perante os Tribunais Judiciais não corresponde ao que o Tribunal Arbitral entende serem as que deviam ser obtidas e produzidas, e nesse caso terá de haver nova ação judicial para obter as que estão em falta;
17º.-Em face do exposto, o despacho recorrido, ao determinar que a Apelante deve juntar aos autos os documentos decididos, escolhidos e determinados por uma das partes, no caso o Apelado, incorre em violação direta e manifesta do disposto no arts. 38º e no art. 30º, n.º 4, da LAV (princípios e regras do processo arbitral), que dispõe que os poderes conferidos ao tribunal arbitral compreendem o de determinar a admissibilidade, pertinência e valor de qualquer prova produzida ou a produzir;
18º.-Tendo reconhecido a existência de dúvidas a carecer de esclarecimento sobre as provas que o Tribunal Arbitral considerou admissíveis e pertinentes, e em relação a cuja obtenção autorizou o recurso aos tribunais estaduais, o Tribunal a quo deveria ter decidido que os Tribunais Estaduais não podem colaborar com o Tribunal Arbitral;
19º.-O esclarecimento de dúvidas e a concretização das provas a obter e a produzir nos tribunais estaduais são matéria da estrita competência do Tribunal Arbitral, compreendendo-se dentro da sua autonomia;
20º.-O Tribunal a quo conferiu poderes para o esclarecimento das dúvidas a uma só das partes, concretamente ao A., ora Apelado, mas nada na lei permite ou autoriza que, no contexto do disposto no art. 38º da LAV, em caso de dúvidas sobre as decisões dos Tribunais Arbitrais a respeito das provas a obter pelos Tribunais estaduais, o esclarecimento dessas dúvidas caiba às partes, e muito menos que esse esclarecimento caiba a uma só das duas partes em litígio;
21º.-Consequentemente, pela decisão recorrida, o Tribunal Arbitral decidiu que a prova a obter e produzir nesta ação judicial, com a força de ius imperium, não será a que o Tribunal Arbitral decidiu e autorizou (qualquer que tenha sido), mas sim a prova que uma das partes decidiu (qualquer que tenha sido).
22º.-No contexto da interpretação e aplicação, no caso concreto, do disposto no art. 38º da L.A.V., a decisão recorrida não decidiu dar cumprimento à decisão do Tribunal Arbitral sobre as provas a obter e apresentar, mas sim a algo que não foi decidido e definido pelo Tribunal Arbitral;
23º.-Em resultado do despacho recorrido, quem decidiu quais são os documentos admissíveis e pertinentes para a arbitragem que devem ser produzidos perante os Tribunais Judiciais não foi o Tribunal Arbitral, mas sim o Apelado;
24º.-O Tribunal a quo devia ter decidido que não podia dar ao Tribunal Arbitral a colaboração pedida, pois não se pode substituir ao Tribunal Arbitral na decisão sobre a admissibilidade e a pertinência das provas a produzir;
25º.-Tendo ordenado à Apelante a apresentação dos documentos escolhidos pelo Apelado, os Tribunais Judiciais estão, não a colaborar com o Tribunal Arbitral, não a obter provas em conformidade com a decisão do Tribunal Arbitral, mas sim a obter as provas tal como foram definidas por uma das partes em sede de “esclarecimento de dúvidas” sobre as decisões do Tribunal Arbitral.
26º.-Tal constitui manifesta violação do disposto nos arts. 38º e 30º. n.º 4, da LAV, pois em vez de ser o Tribunal Arbitral a determinar as provas que são admissíveis e pertinentes, foi uma das partes a determinar quais são as provas admissíveis e pertinentes a obter e apresentar;
27º.-O Tribunal Arbitral começou por reconhecer que a Apelante havia cumprido parcialmente a determinação de “prestação de informações” e de junção de documentos;
28º.-Mas em seguida, “a fim de evitar ambiguidades quanto ao âmbito da intervenção do tribunal estadual”, o Tribunal Arbitral, nesse mesmo despacho, reproduziu exatamente o requerimento probatório que havia deferido pelo seu despacho n.º 6, antes de a Apelante (1) “prestar informações”, (2) afirmar que certos documentos não existem e (3) juntar diversos documentos;
29º.-Assim, o Tribunal Arbitral não decidiu quais são os requerimentos probatórios que foram cumpridos e quais foram os requerimentos probatórios que não foram cumpridos pela Apelante;
30º.-Ao Tribunal a quo, para obtenção de documentos, chegaram exatamente, sem tirar nem pôr, os requerimentos probatórios do Apelado que o Tribunal Arbitral deferiu inicialmente, antes de a ora Apelante os ter, na expressão do próprio Tribunal Arbitral, satisfeito parcialmente;
31º.-Apesar de reconhecer expressamente que a Apelante havia cumprido parcialmente as suas determinações de prestar informações e juntar documentos, o Tribunal Arbitral determinou que para os Tribunais estaduais transitariam os requerimentos probatórios do Apelado tal e qual, incluindo, pois, os que foram cumpridos pela Apelante, que o Tribunal Arbitral não se dignou esclareceu quais foram;
32º.-Tendo em conta que a Apelante havia dito, no seu requerimento, que um conjunto de documentos que não existem, no despacho n.º 10 o Tribunal Arbitral nada disse sobre esta afirmação da Apelante; não tomou qualquer posição sobre a afirmação da Apelante de que alguns documentos referidos no requerimento probatório do R. Apelado não existem;
33º.-Assim, os Tribunais Judiciais não conhecem em que medida foi ou não foi cumprida pela Apelante a determinação da junção de documentos, e para o conhecerem teriam de apreciar o fundo da causa arbitral, o que lhes está vedado pelo disposto no art. 30º, n.º 4, da LAV;
34º.-Particularmente no caso dos documentos que a Apelante disse não existirem, não é possível concluir que o Tribunal Arbitral determinou a sua junção, pois, perante a afirmação da Apelante de que há documentos que não existem, o Tribunal Arbitral permaneceu em silêncio (cfr. o despacho n.º 10);
35º.-Sabe-se que a Apelante prestou informações e juntou documentos, como reconhece o despacho n.º 10, mas não se sabe, ou seja, os Tribunais Judiciais desconhecem que informações da Apelante não foram consideradas suficientes pelo Tribunal Arbitral, carecendo de “documentos de suporte”, e quais são, para o Tribunal Arbitral, os “documentos de suporte” de que a prestação de informações carece; e quais são os pontos dos requerimentos probatórios que já foram cumpridos pela Apelante, total ou parcialmente, mediante a junção de documentos;
36º.-Ora, os Tribunais Judiciais não podem prestar auxílio a um Tribunal Arbitral relativamente à obtenção de provas indicadas com esta indeterminação e falta de concretização; que sejam os Tribunais Judiciais a determinar que informações falta prestar e que documentos falta apresentar;
37º.-Que os Tribunais Judiciais, imiscuindo-se nos poderes instrutórios do Tribunal Arbitral, e assim na decisão da arbitragem, determinem quais são as informações que devem ser prestadas e quais são os documentos que devem ser apresentados para “dar suporte às informações” que ainda falta apresentar;
38º.-Tendo transitado para os Tribunais Judiciais, tal e qual, os requerimentos probatórios do Apelado tal como formulados antes de a Apelante juntar documentos à arbitragem, afirmar que certos documentos não existiam e “prestar informações”, determinar o que não está cumprido e que provas faltam obter e produzir implica um juízo vedado aos tribunais judiciais, sendo da competência exclusiva do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto no art. 30º, n.º 4, da LAV;
39º.-É que nem os Tribunais Estaduais, nem as partes, têm o poder de determinar que provas deferidas pelo Tribunal Arbitral não foram ainda apresentadas ao Tribunal Arbitral, e consequentemente, que provas devem ser obtidas e apresentadas pelos Tribunais Judiciais, atendendo a que, nos termos do art. 30º, n.º 4, da LAV, os poderes conferidos ao tribunal arbitral compreendem o de determinar a admissibilidade, pertinência e valor de qualquer prova produzida ou a produzir;
40º.-Assim, os Tribunais Estaduais, não sabendo quais são as provas, das que constam do despacho n.º 10, que já foram produzidas perante o Tribunal Arbitral, e que provas falta ainda obter e produzir, não podem prestar qualquer colaboração ao Tribunal Arbitral, não podendo assim ordenar à Apelante que junte documentos a estes autos, nomeadamente os documentos escolhidos e indicados pelo Apelado;
41º.-Está vedado aos Tribunais Estaduais, no auxílio que prestam ao Tribunal Arbitral no âmbito do art. 38º da LAV, suprir, complementar, suplementar, concretizar ou determinar a decisão do Tribunal Arbitral;
42º.-Em tema de prova documental, se o Tribunal Arbitral não definiu com precisão os documentos a serem apresentados, essa determinação não cabe aos Tribunais Judiciais, que a fazê-lo estariam a imiscuir-se nas competências e na autonomia do Tribunal Arbitral;
43º.-Diversas das determinações sobre as provas a produzir nos Tribunais Judiciais concretamente os pontos 2, 3, 8 e parte do ponto 7, têm por objeto “informações”;
44º.-Se o Tribunal Arbitral não indicou quem seriam as testemunhas, nem quais seriam os documentos, nem quais as partes a serem ouvidas para se obterem as “informações”, não podem os Tribunais Judiciais, imiscuindo-se na competência instrutória do Tribunal Arbitral, decidir que a informação será prestada deste ou daquele modo, por este ou aquele meio de prova, quais são os “documentos de suporte” das informações, ou qualquer outro meio de prova;
45º.-Perante uma declaração da Apelante, perante o Tribunal Arbitral, de que certos documentos não existiam, caso a ação corresse termos nos Tribunais Judiciais, a esta declaração da Apelante seguir-se-ia o procedimento previsto no art. 431º, n.º 1, do CPC, ou seja, se o notificado declarar que não possui o documento, o requerente é admitido a provar, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade;
46º.-Mas na arbitragem nada disto aconteceu; como decorre do despacho do Tribunal Arbitral, este autorizou o recurso aos Tribunais Judiciais como se a Apelante nada tivesse dito ou juntado, e mais: sem que o Tribunal Arbitral especificasse os documentos que faltaria juntar e nada dizendo sobre se esses documentos existem ou não existem, se há ou não há indícios da sua existência;
47º.-Não deve dum Tribunal Judicial ordenar a uma parte, usando o seu ius imperii, a apresentação de documentos que essa parte disse não existirem e sobre cuja existência não se produziu qualquer prova;
48º.-Assim, não deve ser ordenada à Apelante a junção de documentos que esta disse não existirem, e que o Tribunal não apresentou razões para existirem, absolvendo-se a Apelante dos pedidos que se referem à apresentação destes documentos;
49º.-Subsidiariamente: para apresentação das centenas de documentos determinados pela parte contrária, a decisão recorrida fixou uma data certa, da qual resulta que à Apelante foram conferidos dois dias úteis para apresentar esses documentos, quando esta havia requerido um prazo não inferior a 3 semanas para esse efeito;
50º.-Dois dias úteis para identificar, coligir e juntar aos autos centenas de documentos é um prazo desajustado e que não pode ser justificado por qualquer razão de prudência ou de razoabilidade;
51º.-Nem se vê, face aos tempos desta ação, que nesta altura corre termos há cerca de 11 meses, que a junção de um volume de documentos dessa ordem tenha de ter lugar em prazo tão escasso;
52º.-Assim, a título subsidiário, deve a decisão recorrida ser revogada e atribuído à Apelante prazo não inferior a 3 semanas para a prática do ato.

8.Não houve contra-alegações.

9.A apelação foi admitida, com subida em separado e efeito suspensivo (sujeito à condição da prestação de caução no valor de € 2 000,00, que a apelante satisfez mediante o depósito da quantia de € 2 000,00 à ordem do tribunal).

10.Foram colhidos os vistos legais.

II.FUNDAMENTAÇÃO

1.As questões objeto deste recurso são as seguintes: incompetência do tribunal estadual para esclarecer dúvidas e concretizar as provas a obter e a produzir nos tribunais estaduais no contexto do art.º 38.º da LAV; incompetência do tribunal estadual para a obtenção de informações; impossibilidade de o tribunal estadual ordenar a apresentação de documentos que a parte contrária disse não existirem e sobre cuja existência não foi produzida qualquer prova; concessão de prazo não inferior a três semanas para a prática do ato.
2.Primeira questão (incompetência do tribunal estadual para esclarecer dúvidas e concretizar as provas a obter e a produzir nos tribunais estaduais no contexto do art.º 38.º da LAV)
2.1.-O factualismo a levar em consideração é o que consta no Relatório supra e ainda o seguinte:
1.-Em 13.7.2020 o tribunal arbitral proferiu o despacho n.º 6, que na parte relevante aqui se transcreve:
VIII-Informações a prestar e documentos a juntar pelas Partes
(…)
Na contestação, o Demandado solicitou que a Demandante junte:
«1.- Cópia dos mapas financeiros apresentados na Liga Portuguesa ..... ..... respeitantes aos jogos em casa da Autora com o B....., S..... e P..... nas épocas 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018.
2.- Informação sobre o montante de IVA liquidado sobre os convites respeitantes a todos os jogos referidos no número anterior.
3.-Informação sobre os montantes recebidos ao abrigo do fundo/mecanismos de solidariedade da UEFA respeitantes às épocas 2016/2017 e 2017/2018, acompanhada da correspondente documentação de suporte;
4.- Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, que tenham sido celebrados com os atletas (…), mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
5.- Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, incluindo de transferência, agenciamento, comparticipação em negócio ou outro, que tenham sido celebrados com terceiros e que digam respeito aos atletas (…), incluindo (mas sem limitar) os que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva, direitos económicos, direitos de imagem, mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
6.- Informação sobre quaisquer montantes recebidos ou reclamados que digam respeito aos mecanismos de solidariedade (nacional e/ou internacional) ligados à formação dos atletas (…), bem como cópia de toda a documentação e correspondência trocada a esse respeito com terceiras entidades, incluindo (mas não excluindo) as que asseguram esses pagamentos.
7.- Cópia de todas as faturas, recibos ou quaisquer outros elementos contabilísticos integrados na contabilidade da Autora, emitidas pela Autora ou por terceiras entidades e que digam respeito às realidades referidas em 4., 5. e 6., independentemente de existir contrato escrito.
8.- Cópia de todos os contratos, de todas as faturas, de todos os recibos e referência de todas as datas de pagamento da correspondente contrapartida devida pela Autora, respeitante à utilização, pela Autora, do Complexo Desportivo ..... (relvado principal e adjacentes, bem como zonas técnicas ou outras) e do Estádio do B..... (em S_____) durante as épocas 2017/2018 e 2018/2019.
9.- Informação sobre os montantes recebidos pela participação na Liga Europa na época 2015/2016, acompanhada da correspondente documentação de suporte.
10.- Todos os demais elementos relevantes na posse da Autora ou que a Autora diligencie na sua obtenção que permitam comprovar de urna forma completa os termos e condições que existiram e que existem e que digam respeito às situações referidas nos números anteriores
No seu requerimento de 25.6.2020, o Demandado prescindiu da solicitação referida sob o n.° 6.
Todos os documentos e informações referidos nos n.ºs 1 a 5 e 7 a 9 do elenco constante do requerimento do Demandado são potencialmente relevantes para a decisão dos factos controvertidos que podem influenciar o desfecho da causa.
Defere-se, pois, o pedido do Demandado de que a Demandante junte esses documentos, com exclusão do n.° 10, tendo em vista sua indeterminação.
(…)
X.Síntese
Em síntese, são as seguintes as decisões tomadas neste despacho:
(…)
d)-Determina-se que a Demandante junte:
«1.-Cópia dos mapas financeiros apresentados na Liga Portuguesa ..... ..... respeitantes aos jogos em casa da Autora com o B....., S..... e P..... nas épocas 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018.
2.-Informação sobre o montante de IVA liquidado sobre os convites respeitantes a todos os jogos referidos no número anterior.
3.-Informação sobre os montantes recebidos ao abrigo do fundo/mecanismos de solidariedade da UEFA respeitantes às épocas 2016/2017 e 2017/2018, acompanhada da correspondente documentação de suporte;
4.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, que tenham sido celebrados com os atletas (…), mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
5.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, incluindo de transferência, agenciamento, comparticipação em negócio ou outro, que tenham sido celebrados com terceiros e que digam respeito aos atletas (…), incluindo (mas sem limitar) os que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva, direitos económicos, direitos de imagem, mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
6.-Cópia de todas as faturas, recibos ou quaisquer outros elementos contabilísticos integrados na contabilidade da Autora, emitidas pela Autora ou por terceiras entidades e que digam respeito às realidades referidas em 4. e 5., independentemente de existir contrato escrito.
7.-Cópia de todos os contratos, de todas as faturas, de todos os recibos e referência de todas as datas de pagamento da correspondente contrapartida devida pela Autora, respeitante à utilização, pela Autora, do Complexo Desportivo ..... (relvado principal e adjacentes, bem como zonas técnicas ou outras) e do Estádio do B..... (em S_____) durante as épocas 2017/2018 e 2018/2019.
8.-Informação sobre os montantes recebidos pela participação na Liga Europa na época 2015/2016, acompanhada da correspondente documentação de suporte.”

2.Em 01.9.2020 o tribunal arbitral proferiu o Despacho n.º 7, no qual, após constatar que a ora requerida não havia juntado nenhum dos elementos solicitados nem nada havia requerido, determinou que o ora requerente fosse notificado para “requerer o que tenha por conveniente, nomeadamente quanto à perícia cuja realização requereu anteriormente, reiterando esse requerimento, alterando-o ou dando-o sem efeito.”

3.Em 09.9.2020 o tribunal arbitral proferiu o Despacho n.º 8, com o seguinte teor:
“Por requerimento de 7.9.2020, a Demandante, além de se pronunciar sobre uma questão de competência do tribunal, veio requerer que lhe seja concedida a possibilidade de juntar aos autos até dia 16 do mês corrente os documentos (e informação presume-se) cuja junção lhe foi determinada pelo tribunal no despacho n.º 6.
Por e-mail de 9.9.2020, o Demandado comunicou que não se opõe ao requerido pela Demandante, «sendo, depois, devolvido ao Réu o direito de se pronunciar sobre os mesmos e requerer o que tenha por conveniente.».
Tendo em vista as posições das Partes e o interesse na boa instrução do processo, os árbitros deferem o requerimento da Demandante, esclarecendo que o Demandado se poderá pronunciar sobre os documentos e informação adicionais que a Demandante traga ao processo e deverá tomar posição sobre a suficiência dos mesmos, a fim de habilitar os árbitros a apreciar o pedido de produção de prova pericial apresentado pelo Demandado.”

4.Em 21.10.2020 o tribunal arbitral proferiu o Despacho n.º 10, com o seguinte teor:
“I.
Pelo despacho n.° 9, foi decidido, nos termos do art. 35, n.º 3, da LAV, que o tribunal arbitral prosseguiria o processo com base na prova apresentada, a menos que o Demandado comunicasse pretender autorização do tribunal arbitral para usar a faculdade prevista no art. 38, n.º 1, da LAV, tendo sido solicitado ao Demandado que:
A)-Comunicasse se pretendia requerer produção de prova perante tribunal estadual;
B)-Em caso negativo, requeresse o que tivesse por conveniente quanto à perícia cuja realização tinha requerido anteriormente, reiterando esse requerimento, alterando-o ou dando-o sem efeito.

Por requerimento de 9.10.2020, o Demandado, além do mais:
- Informou que pretende requerer produção de prova perante tribunal estadual, tendo solicitado autorização do tribunal arbitral para o efeito;
- Deixou, nesta fase, «para o Tribunal, ao abrigo do artigo 37.° n.° 1 da LAV, a decisão sobre a necessidade de uma perícia e, se afirmativo, quais os seus pontos e qual a identidade do perito»;
- «Em todo o caso, em função da prova que venha a ser produzida junto do tribunal estadual», reservou-se o direito de requerer perícia.

Por requerimento de 19.10.2020, a Demandante pronunciou-se sobre o requerimento do Demandado, afirmando, em síntese, que:
- Os documentos que o Demandado pretende que sejam juntos ao processo pela Demandantes são inúteis para a decisão da causa;
- O Demandado tem acesso a tais documentos;
- Numa ação de inquérito judicial a sociedade, o Tribunal do Comércio de Lisboa, por decisão transitada em julgado, decidiu, além do mais, que o Demandado atuou de forma a causar prejuízo relevante à Demandante, não obstante ser acionista desta acionista enquanto clube fundador e, como tal, detentor de capital social mínimo previsto na lei 10%;
- A Demandante «irá juntar aos autos um conjunto de documentos logo que os obtenha e outro conjunto de documentos quando obtiver a autorização para quebrar a confidencialidade pelas partes perante quem se comprometeu a guardá-la (se bem que já tenha juntado aos autos as faturas relativas a esses contratos).»;
-A perícia requerida pelo Demandado é absolutamente impertinente, como já sustentado pela Demandante em requerimento anterior;
- «A A. deixa ao prudente critério do Tribunal a apreciação do pedido do R. efetuado ao abrigo do disposto no art. 38° da LAV. Sem prejuízo, no contexto processual aberto por este requerimento do R. e à luz das considerações da A. efetuadas nos requerimentos antecedentes, a A. solicita respeitosamente ao Tribunal que analise a pertinência dos requerimentos de junção de documentos do R., nomeadamente da adequação desses documentos para prova dos factos constitutivos dos direitos do R. e dos efeitos extintivos dos direitos da A..».

II
A Lei da Arbitragem Voluntária estabelece no seu art. 38, n.2 1, que «Quando a prova a produzir dependa da vontade de uma das partes ou de terceiros e estes recusem a sua colaboração, uma parte, com a prévia autorização do tribunal arbitrai, pode solicitar ao tribunal estadual competente que a prova seja produzida perante ele, sendo os seus resultados remetidos ao tribunal arbitral.»
Este tribunal arbitral ordenou, no despacho n.° 6, sob requerimento do Demandado constante da sua contestação (não totalmente atendido), que a Demandante juntasse certos documentos em seu poder — o que a Demandante, pelo seu requerimento de 16 de setembro do ano corrente, satisfez de modo apenas parcial.
Tem, pois, o Demandado direito a solicitar a intervenção do tribunal estadual na medida do necessário à produção da prova documental determinada e não cumprida - o que o tribunal arbitral, por este meio, autoriza.
A fim de evitar ambiguidades quanto ao âmbito da intervenção do tribunal estadual, reproduz-se a parte do despacho que ordenou à Demandante a junção dos documentos em causa:

«d)-Determina-se que a Demandante junte:
1.-Cópia dos mapas financeiros apresentados na Liga Portuguesa ..... ..... respeitantes aos jogos em casa da Autora com o B....., S..... e P..... nas épocas 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018.
2.-Informação sobre o montante de IVA liquidado sobre os convites respeitantes a todos os jogos referidos no número anterior.
3.-Informação sobre os montantes recebidos ao abrigo do fundo/mecanismos de solidariedade da UEFA respeitantes às épocas 2016/2017 e 2017/2018, acompanhada da correspondente documentação de suporte;
4.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, que tenham sido celebrados com os atletas (…), mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
5.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, incluindo de transferência, agenciamento, comparticipação em negócio ou outro, que tenham sido celebrados com terceiros e que digam respeito aos atletas (…), incluindo (mas sem limitar) os que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva, direitos económicos, direitos de imagem, mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
6.-Cópia de todas as faturas, recibos ou quaisquer outros elementos contabilísticos integrados na contabilidade da Autora, emitidas pela Autora ou por terceiras entidades e que digam respeito às realidades referidas em 4. e 5., independentemente de existir contrato escrito.
7.-Cópia de todos os contratos, de todas as faturas, de todos os recibos e referência de todas as datas de pagamento da correspondente contrapartida devida pela Autora, respeitante à utilização, pela Autora, do Complexo Desportivo ..... (relvado principal e adjacentes, bem como zonas técnicas ou outras) e do Estádio do B..... (em S____) durante as épocas 2017/2018 e 2018/2019.
8.-Informação sobre os montantes recebidos pela participação na Liga Europa na época 2015/2016, acompanhada da correspondente documentação de suporte.»
No respeitante à perícia, o tribunal entende - como resulta do despacho n.º 6 - que não há razões para a determinar por sua iniciativa. Na medida em que o Demandada relegou para momento posterior a sua posição final sobre a mesma, nada há que decidir, por ora, sobre o assunto.”

5.Em 04.11.2021 a 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação referida em 5 do Relatório supra, tendo proferido o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o Recurso interposto e em consequência:
- Mantem-se o Despacho Recorrido, com excepção do que respeita aos pedidos de informação contantes do peticionado pelo A. em 2; 3; parte do 7 e 8, relativamente aos quais o Recorrente vai absolvido da instância.
Custas por Apelante e Apelado na proporção dos seus decaimentos, que se fixam em ¾ para a Apelante e ¼ para Apelado pela Apelada”.

6.O acórdão referido em 5 transitou em julgado em 09.12.2021.

2.2.O Direito
O art.º 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa garante que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
Os tribunais são os órgãos da soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo(n.º 1 do art.º 202.º).

O legislador constituinte impõe a existência do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça e tribunais judiciais de primeira e segunda instância, do Supremo Tribunal Administrativo e demais tribunais administrativos e fiscais e do Tribunal de Contas (n.º 1 do art.º 209.º).
Podem ainda existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz(n.º 2 do art.º 209.º da CRP).
Na medida em que admite a existência de tribunais arbitrais (citado artigo 209.º, n.º 2 da CRP) “a ordem jurídico-constitucional portuguesa não estabelece um monopólio estadual de administração da justiça(Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 311/2008, de 30.5.2008, in D.R., II série, 1.8.2008, pág. 34404).
A Lei n.º 63/2011, de 14.12 (Lei da Arbitragem Voluntária – LAV), contém o regime da arbitragem voluntária.
Assim, aí se estipula que “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros(n.º 1 do art.º 1.º).
A decisão arbitral de que não caiba recurso forma caso julgado e tem a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual (art.º 42.º n.º 7).
Ou seja, o tribunal arbitral (voluntário) assenta na autonomia da vontade, na iniciativa das partes, que acordam em submeter a resolução de um litígio a uma estrutura de natureza privada a que a lei reconhece poderes jurisdicionais.
Na síntese formulada por Francisco Cortez (“A arbitragem voluntária em Portugal: dos ricos homens aos tribunais privados”, in O Direito, ano 124.º, 1992, IV, pág. 535),em suma, a arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado”.
O art.º 19.º da LAV, sob a epígrafeExtensão da intervenção dos tribunais estaduais”, anuncia que “nas matérias reguladas pela presente lei, os tribunais estaduais só podem intervir nos casos em que esta o prevê.” Trata-se de “estabelecer, de modo solene, uma regra de tipicidade fechada, relativamente às situações nas quais os tribunais do Estado podem intervir(Menezes Cordeiro, Tratado da arbitragem, Almedina, 2015 pág. 214). O legislador, ao permitir (arbitragem voluntária) ou impor (arbitragem necessária) o recurso a formas privatísticas de resolução jurisdicional de litígios, por ajuizar que estas têm, em certas circunstâncias, vantagens sobre a jurisdição estadual (celeridade, especialização dos julgadores), pretende que estas não se diluam ou percam com desnecessárias interferências do tribunal estadual.

Uma das situações de intervenção da jurisdição estadual na arbitragem previstas na lei é a enunciada no art.º 38.º da LAV:
Solicitação aos tribunais estaduais na obtenção de provas
1- Quando a prova a produzir dependa da vontade de uma das partes ou de terceiros e estes recusem a sua colaboração, uma parte, com a prévia autorização do tribunal arbitral, pode solicitar ao tribunal estadual competente que a prova seja produzida perante ele, sendo os seus resultados remetidos ao tribunal arbitral.
2- O disposto no número anterior é aplicável às solicitações de produção de prova que sejam dirigidas a um tribunal estadual português, no âmbito de arbitragens localizadas no estrangeiro”.

Socorrendo-nos da terminologia de Manuel Pereira Barrocas, dir-se-á que a intervenção do tribunal estadual no processo arbitral pode assumir duas vertentes: uma, em apoio do processo arbitral; outra, no controlo da legalidade da sua atuação. A primeira é cooperativa com a arbitragem, a segunda é fiscalizadora (cfr. Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2.ª edição, 2013, Almedina, p. 260).

É justamente na dimensão cooperativa ou de apoio do processo arbitral que o tribunal estadual pode ser chamado a intervir na produção de prova no âmbito do processo arbitral, ao abrigo do art.º 38.º da LAV (cfr. Manuel Pereira Barrocas, ob. cit., pp. 265 e 266).

É certo que cabe ao tribunal arbitral “determinar a admissibilidade, pertinência e valor de qualquer prova produzida ou a produzir(art.º 30.º n.º 4 da LAV).
Porém, no caso de falta de cooperação das partes ou de terceiros na produção da prova, os árbitros veem-se confrontados com a falta de poderes de autoridade (ius imperii) para imporem condutas e executarem ordens manu militari ou cominarem sanções (cfr., v.g., Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 350).
Tal dificuldade poderá ser suprida mediante o recurso aos tribunais estaduais.
A intervenção do tribunal estadual será requerida pela parte nela interessada, mediante prévia autorização do tribunal arbitral. A necessidade dessa autorização prévia justifica-se pela autonomia do tribunal arbitral e pelo caráter meramente instrumental da intervenção do tribunal estadual (cfr., v.g., Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 3.ª edição, 2018, reimpressão, Almedina, pág. 256).
Na sua intervenção o tribunal estadual competente aplicará as respetivas normas processuais adjetivas (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, coordenação de Dário da Moura Vicente, Almedina, 3.ª edição, reimpressão, 2018, pp. 120 e 121).
Contrariamente ao que porventura seria desejável, na lei processual civil não se encontra tramitação específica e expressamente desenhada para acorrer a esta intervenção subsidiária e de apoio dos tribunais estaduais aos tribunais arbitrais (criticando esta omissão, cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 352).
De todo o modo, certo é que a parte interessada terá de instaurar no tribunal estadual competente uma ação proposta com esse único fim (cfr. Mariana França Gouveia, ob. cit., pág. 256).
E é perfeitamente equacionável a aplicabilidade, em certos casos, da ação especial de apresentação de coisas ou documentos prevista no art.º 1045.º e seguintes do CPC (cfr. Manuel Pereira Barrocas, ob. cit., p. 285).
Sendo certo que o recurso a essa ação especial autónoma pode justificar-se, como ponderam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “face a um quadro processual em que se tenham esgotado, sem sucesso, os meios coercitivos processuais normais para obtenção do documento ou exibição da coisa, subsistindo um interesse juridicamente atendível na apresentação do documento ou da coisa(Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, Almedina, pág. 487).

Como decorre do Relatório supra e do factualismo descrito, o CLUBE/requerente/apelado, demandado pela SAD numa ação arbitral, requereu que a SAD/requerida/apelante juntasse aos autos arbitrais determinados documentos e prestasse determinadas informações. Tal requerimento foi deferido pelo tribunal arbitral, que intimou a SAD a juntar ao processo arbitral esses elementos. Não tendo a SAD cumprido essa intimação (a não ser parcialmente), o tribunal arbitral autorizou o CLUBE a recorrer aos tribunais estaduais para obter a efetivação da prestação desses elementos.

Foi com esse objetivo que o CLUBE instaurou a ação sub judice.

A SAD contestou a sua obrigação de prestação dos referidos elementos.

O tribunal a quo rejeitou os obstáculos invocados pela SAD para não prestar os referidos elementos, tendo reconhecido o direito do CLUBE à sua obtenção no seio do processo instaurado pelo CLUBE. Porém, o tribunal a quo, no mesmo despacho (datado de 10.5.2021), após notar que “a requerida também suscitou dúvidas quanto à identificação dos documentos cuja apresentação é requerida, determinou que o CLUBE fosse notificado para “em aperfeiçoamento ao seu requerimento inicial, concretizar devidamente todos os documentos cuja apresentação requer, esclarecendo, designadamente, todas as dúvidas suscitadas pela requerida na sua contestação.(cfr. n.º 3 do Relatório supra).

No aludido despacho o tribunal a quo não analisou as supostas dúvidas, limitando-se à transcrita referência genérica, sem individualização dos aspetos que careceriam de esclarecimento.
Fica a impressão de que o tribunal a quo quis, sobretudo, dar ao CLUBE/requerente a possibilidade de se pronunciar sobre as supostas dúvidas, adiantando, se fosse o caso, qualquer explicitação que julgasse relevante.

E, na verdade, o que o CLUBE fez na sua resposta, supratranscrita no n.º 4 do Relatório, foi reiterar os elementos que já havia solicitado e cuja junção já havia sido determinada pelo tribunal arbitral, nada adiantando de verdadeiramente relevante para além do que já fora determinado, mais realçando que o que fora pedido era claro e não justificava quaisquer dúvidas por parte da SAD.

Após o que o tribunal a quo, dando execução ao que já havia decidido no aludido despacho de 10.5.2021, proferiu o despacho ora recorrido, no qual se limitou a fixar prazo para que a SAD apresentasse nos autos “os documentos indicados pelo requerente(cfr. n.º 6 do Relatório supra).

Ora, do exposto resulta que o despacho ora recorrido se limitou a dar cumprimento ao que fora autorizado pelo tribunal arbitral, não ocorrendo nenhuma indevida substituição do tribunal arbitral na indicação da prova a ser produzida, prova essa que estava claramente identificada.

De resto, no acórdão da 6.ª secção da Relação de Lisboa, datado de 04.11.2021, a decisão de 10.5.2021 foi parcialmente confirmada, tendo sido excluídos do âmbito da ação tão só os pedidos de apresentação de informações e respetivos documentos de suporte (cfr. n.º 5 do factualismo provado). Ficou assim assente nos autos, com força de caso julgado, que a SAD estava obrigada à apresentação neste processo dos documentos solicitados pelo CLUBE, com exceção dos documentos de suporte das mencionadas informações. Isto é, ficou assente que a SAD não terá de prestar, neste processo, as informações peticionadas sob os n.ºs 2, 3, parte do n.º 7 e n.º 8. Isto porque nesse acórdão se considerou que a espécie processual utilizada pelo CLUBE (ação especial de apresentação de coisas ou documentos) não se coadunava com a obrigação de prestação de informações.

Permaneceram, pois, como objeto deste processo os seguintes documentos, mencionados nos n.ºs 1, 4, 5, 6 e parte do n.º 7 do despacho n.º 10 do Tribunal Arbitral (cfr. n.º 4 do factualismo dado como provado), a saber:
1.-Cópia dos mapas financeiros apresentados na Liga Portuguesa ..... ..... respeitantes aos jogos em casa da Autora com o B....., S..... e P..... nas épocas 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018.
4.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, que tenham sido celebrados com os atletas (…), mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
5.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, incluindo de transferência, agenciamento, comparticipação em negócio ou outro, que tenham sido celebrados com terceiros e que digam respeito aos atletas (…), incluindo (mas sem limitar) os que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva, direitos económicos, direitos de imagem, mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
6.-Cópia de todas as faturas, recibos ou quaisquer outros elementos contabilísticos integrados na contabilidade da Autora, emitidas pela Autora ou por terceiras entidades e que digam respeito às realidades referidas em 4. e 5., independentemente de existir contrato escrito.
7.-Cópia de todos os contratos, de todas as faturas, de todos os recibos respeitantes à utilização, pela Autora, do Complexo Desportivo ..... (relvado principal e adjacentes, bem como zonas técnicas ou outras) e do Estádio B..... (em S_____) durante as épocas 2017/2018 e 2018/2019.

Quanto aos documentos que a requerida já juntou no processo arbitral, é óbvio que não tem de os juntar de novo. Nem isso foi pedido pelo requerente na ação.

Nesta parte, pois, a apelação improcede.

3.Segunda questão (incompetência do tribunal estadual para a obtenção de informações)
Conforme decorre do acima exposto, a apreciação desta questão ficou prejudicada pelo decidido no acórdão proferido em 04.11.2021 pela 6.ª secção desta Relação de Lisboa (cfr. n.ºs 5 e 6 do factualismo enunciado supra).

Com efeito, nesse acórdão exarou-se o seguinte:
Do Erro na Forma de Processo.
Entendeu o Tribunal Arbitral “autorizar o Demandado a solicitar a intervenção do tribunal estadual na medida do necessário à produção da prova documental determinada e não cumprida”, o que fez ao abrigo do disposto pelo art.º 38º da LAV que regula a solicitação aos tribunais estaduais na obtenção de provas, como segue:
1- Quando a prova a produzir dependa da vontade de uma das partes ou de terceiros e estes recusem a sua colaboração, uma parte, com a prévia autorização do tribunal arbitral, pode solicitar ao tribunal estadual competente que a prova seja produzida perante ele, sendo os seus resultados remetidos ao tribunal arbitral.
2- O disposto no número anterior é aplicável às solicitações de produção de prova que sejam dirigidas a um tribunal estadual português, no âmbito de arbitragens localizadas no estrangeiro.”
Mais entendeu o Tribunal Arbitral “A fim de evitar ambiguidades quanto ao âmbito da intervenção do tribunal estadual, reproduz-se a parte do despacho que ordenou à Demandante a junção dos documentos em causa:

«d)- Determina-se que a Demandante junte:
1.-Cópia dos mapas financeiros apresentados na Liga Portuguesa ..... ..... respeitantes aos jogos em casa da Autora com o B....., S..... e P..... nas épocas 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018.
2.-Informação sobre o montante de IVA liquidado sobre os convites respeitantes a todos os jogos referidos no número anterior.
3.-Informação sobre os montantes recebidos ao abrigo do fundo/mecanismos de solidariedade da UEFA respeitantes às épocas 2016/2017 e 2017/2018, acompanhada da correspondente documentação de suporte;
4.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, que tenham sido celebrados com os atletas (…) mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
5.-Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, incluindo de transferência, agenciamento, comparticipação em negócio ou outro, que tenham sido celebrados com terceiros e que digam respeito aos atletas (…), incluindo (mas sem limitar) os que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva, direitos económicos, direitos de imagem, mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.
6.-Cópia de todas as faturas, recibos ou quaisquer outros elementos contabilísticos integrados na contabilidade da Autora, emitidas pela Autora ou por terceiras entidades e que digam respeito às realidades referidas em 4. e 5., independentemente de existir contrato escrito.
7.-Cópia de todos os contratos, de todas as faturas, de todos os recibos e referência de todas as datas de pagamento da correspondente contrapartida devida pela Autora, respeitante à utilização, pela Autora, do Complexo Desportivo ..... (relvado principal e adjacentes, bem como zonas técnicas ou outras) e do Estádio B..... (em S_____) durante as épocas 2017/2018 e 2018/2019.
8.-Informação sobre os montantes recebidos pela participação na Liga Europa na época 2015/2016, acompanhada da correspondente documentação de suporte.»

O art.º 38º da LAV não determina nem impõe qual o meio processual a utilizar para a produção de prova.
Intentada uma acção, não deixa se impor ao Tribunal estadual averiguar da adequação do meio processual que o requerente decidiu utilizar.
Como resulta do que acima se expôs relativamente à Obrigação de informação e de apresentação de coisas ou documentos, tal como prevista na Secção IX do Código Civil, processualmente há que distinguir consoante se pretende a apresentação de coisas ou documentos ou a prestação de informação.
Com o presente processo especial apenas prevê o Legislador que se determine a apresentação de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor não queira facultar ao requerente, que deve justificar a necessidade da diligência.
E relativamente à obrigação de informação, prevista pelo art.º 573º do Código Civil, a forma processual adequada é a de processo comum.
Estamos assim perante uma cumulação de pedidos, tal como prevista pelo art.º 555º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que refere que “Pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação”; ora, no caso, dispõe o art.º 37.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que não é admissível a coligação quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes.
Não foi proferido qualquer despacho a autorizar a cumulação e a adequar o processado.
Não há dúvida que o A. intentou uma acção especial para apresentação de documentos e, analisadas as pretensões do requerente, resulta que as mencionadas em 2; 3; 7, em parte e 8 não são susceptíveis de ser deferidas através do presente processo (nem a documentação aí referida, uma vez que a mesma pressupõe a prévia concretização e prestação de informação a que irão, eventualmente e em consequência do que for informado, servir de suporte), cabendo aqui razão à Recorrente.
Relativamente às restantes alíneas em causa, deve aproveitar-se o processado pertinente, face à pretensão do A. e ao meio processual do qual lançou mão, pelo que, ao abrigo do art.º 6º do Código de Processo Civil, deve ser apreciada a pretensão da A.”.

Tendo-se, no dispositivo do acórdão, decidido como supra transcrito sob o n.º 5 do factualismo dado como provado.

O que necessariamente se refletirá na determinação dos elementos que a requerida deverá juntar no processo.

Nesta parte, pois, nada mais há a apreciar.

4.Terceira questão (impossibilidade de o tribunal estadual ordenar a apresentação de documentos que a parte contrária disse não existirem e sobre cuja existência não foi produzida qualquer prova)
A questão da inexistência dos documentos solicitados pelo requerente deve ser suscitada na contestação a que se refere o n.º 1 do art.º 1046.º do CPC e resolvida na decisão que se lhe seguir.
Na sua contestação a requerida invocou a inexistência de parte dos documentos pedidos sob o n.º 5 (cfr. artigos 179.º e 190.º da contestação).

O aludido n.º 5 tem a seguinte redação:
“Cópia de todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, incluindo de transferência, agenciamento, comparticipação em negócio ou outro, que tenham sido celebrados com terceiros e que digam respeito aos atletas (…), incluindo (mas sem limitar) os que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva, direitos económicos, direitos de imagem, mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados.

A este respeito a SAD escreveu, na contestação, o seguinte:
154- Considera-se aqui reproduzido tudo o que se alegou na secção anterior a respeito destes jogadores em matéria do tempo em que estiverem registados pelo A, pela R. e, quando é o caso, por clube terceiro.
155- Na contestação da arbitragem, este pedido do A. funda-se nos “direitos de formação” e no “mecanismo de solidariedade”, figuras essas que estão previstas e reguladas na regulamentação do futebol (v. contestação do aqui A. na arbitragem junta como doc. … da p.i., e Regulamento do Estatuto, da Categoria, da Inscrição e Transferência de Jogadores da FPF, que se junta como doc. 32).
156- Sucede que, na sua tréplica, ou resposta à réplica, da arbitragem o A. desistiu de reclamar os direitos de formação, mantendo apenas o mecanismo de solidariedade.
157-Assim, atualmente só é objeto, nessa arbitragem, o mecanismo de solidariedade.
(…)
162- O que releva então para o apuramento deste mecanismo de solidariedade?
Tão-somente o seguinte:
- Se um jogador profissional for transferido para outro clube antes do termo do seu contrato de trabalho desportivo com um clube;
- Os clubes que tenham contribuído para a sua formação têm direito a receber uma percentagem correspondente a 5% do valor da transferência.
163- A este valor deduz-se o mecanismo de solidariedade pago ao seu anterior clube.

164- Exemplifiquemos:
entre o A. e a R., esta figura tem aplicação:
- Se a R. transferir para um clube terceiro um jogador que tenha sido formado pelo A.;
- 5% do preço do contrato de transferência é entregue ao clube formador (ou seja, ao A., em concorrência com os outros clubes formadores do jogador, se for o caso, segundo a proporção definida nos regulamentos).

165- É absolutamente irrelevante:
- Se existiu ou não existiu algum intermediário envolvido na transferência;
166-Assim, a prova dos factos constitutivos do clube que reclama a solidariedade faz-se através de:
- Passaporte desportivo do jogador, no qual estão registados os clubes pelos quais o jogador esteve inscrito e as datas dessas inscrições;
- O contrato de transferência.
167- Sucede que, no futebol, nem o contrato de transferência é necessário para essa prova. Como o contrato de transferência tem de ser registado nas instituições do futebol (em Portugal, na FPF), estas instituições informam os clubes formadores sobre se houve ou não houve transferência e o respetivo preço, para que estes possam reclamar o mecanismo de solidariedade.
168- Um espelho disto revela-se na própria contestação que o aqui A. apresentou na arbitragem. A págs. 100, sobre o jogador (…), o A. diz o seguinte: O Réu tem direito a 15% do valor da transferência deste atleta para o ..... de G_____, valor que foi integralmente recebido e apropriado pela Autora. Tendo essa transferência tido um valor de € 400.000,00 + IVA, o Réu tem direito a receber da Autora o valor de € 60.000,00 + IVA calculado à taxa de 23%, ou seja, um total de € 73.800,00 (valor já com IVA).
169- Sobre o jogador (…), a fls. … da contestação, o A: diz o seguinte: Em 27 de Agosto de 2012, este atleta foi inscrito pela Autora como profissional; a Autora nunca pagou ao Réu qualquer valor respeitando aos direitos de formação deste atleta, mas esse crédito é anterior a 31 de Dezembro de 2016. No dia 29 de Janeiro de 2018, a Autora transferiu este atleta para o F..... pelo valor de € 321.151,22 + IVA.
170-Reclamando (sem fundamento) 15% do preço destas transferências, o A. formula, entre outros, os seguintes pedidos de condenação da R.: 3) Devem ser reconhecidos os seguintes créditos a favor do Réu: (…) €60.000,00+IVA (respeitante à transferência do atleta (…) para o ..... de G_____), - €48.172,68 + IVA (respeitante à transferência do atleta (…) para o F.....).
171-Assim, mesmo não sendo parte nos contratos de transferência, o A. conhece os preços das transferências.
172-Não têm qualquer relevância os contratos de trabalho do jogador, os contratos de agenciamento, os contratos de formação, ou quaisquer outros contratos. Bastou ao A. conhecer o preço da transferência para conhecer os seus pretensos direitos, que logo quantificou.
173-Assim, são totalmente irrelevantes para a apreciação do mecanismo de solidariedade a existência ou inexistência de contratos de agenciamento (eventuais custos com agenciamento não relevam para o mecanismo de solidariedade), a existência ou inexistência de “contratos de direitos de formação” (que a R. desconhece o que seja, sendo certo, como se viu, que os direitos de formação não relevam para o cálculo da solidariedade), ou os contratos de trabalho com o jogador.
174-Daqui decorre que o direito ao mecanismo de solidariedade só existe se tiver havido uma transferência onerosa do jogador pela R. para um terceiro clube, e só o preço da transferência releva para esse alegado direito do A..
175-Sucede que quem é responsável pelo pagamento do mecanismo de solidariedade é o clube de destino do jogador, não o clube de origem.
176- Ou seja, no caso de a R. transferir o jogador para qualquer clube terceiro, e o A. tiver mecanismo de solidariedade a haver por ter participado na formação do jogador, o A. só a esse clube terceiro, e não à R., o pode reclamar.
177- Ora, como resulta da sua alegação, o A. está a reportar-se a um conjunto de jogadores contratados pela R., invocando pretensos direitos a título de mecanismo de solidariedade por transferências efetuadas ou até a efetuar no futuro(!) pela R., quando bem sabe que nada pode exigir à R., mas sim, apenas, aos eventuais clubes terceiros para os quais o jogador seja transferido.
178- Acresce o seguinte: do conjunto de jogadores a que o A. se refere, só os jogadores (…) e (…) foram transferidos pela R. durante a vigência do Protocolo; e após a cessação da vigência deste, só os jogadores (…) e (…) (este a título gratuito, sem preço de transferência) foram transferidos pela R..
179-Assim, não existem, por não terem sido celebrados, quaisquer contratos de transferência de jogadores da R. para terceiros clubes a não ser os referidos.
180- Como resulta do Regulamento da FPF e das Regulations da FIFA, o mecanismo de solidariedade depende apenas do seguinte: - transferência nacional ou internacional do jogador de um clube para outro (no caso, seria a transferência dum jogador da R. para um clube terceiro); o valor a pagar, correspondente a 5% do preço da transferência, é repartido pelos clubes formadores, ou seja, grosso modo, os clubes pelos quais o jogador esteve registado até aos 23 anos de idade, segundo uma proporção definida nos regulamentos.
181- O passaporte desportivo prova que o jogador esteve registado pelo A., esteve registado pela R. e está registado por um terceiro – e só com o preenchimento destes 3 requisitos o A. tem direito a reclamar à R. o mecanismo de solidariedade.
182- O passaporte desportivo do jogador prova também a fração dos 5% de mecanismo de solidariedade a que o A. tem direito (em competição com os demais clubes pelos quais o jogador esteve registado até aos 23 anos de idade).
183- Feita esta prova pelo passaporte desportivo, um único aspeto fica a faltar: o conhecimento do preço da transferência, para cálculo do valor concreto a que o A. tem direito – desde que, é claro, tenha havido um preço para a transferência, dado que no futebol há muitas transferências “a custo zero”, ou seja, sem o pagamento dum preço pelo clube de destino ao clube de origem; e também acontece o jogador terminar o seu contrato com um clube (no caso, a R.) e ser registado por outro clube sem haver transferência dum clube para outro, nomeadamente em caso de caducidade ou revogação do seu contrato de trabalho com a R..
184- Conhecidos estes elementos, se por hipótese o A. tiver direito a 2% do mecanismo de solidariedade, e o preço da transferência tiver sido de €100.000,00, o A. tem direito a receber €2.000 a título de mecanismo de solidariedade.
185- A determinação do direito do A. nada mais - rigorosamente nada mais – exige ou carece.
186- Ora, como procedeu o A. na arbitragem?
187- Para suposta prova dos seu direito, requereu que a aqui R. juntasse “todos os contratos, qualquer que seja a sua natureza, incluindo de transferência, agenciamento, comparticipação em negócio ou outro, que tenham sido celebrados com terceiros e que digam respeito aos atletas […], incluindo (mas sem limitar) os que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva, direitos económicos, direitos de imagem, mesmo aqueles que já não estejam em vigor, nomeadamente por terem sido modificados ou revogados”.
188- Ou seja, o A. requereu a junção, pela R., de documentos que não têm rigorosamente nada a ver com os seus pretensos direitos – de todos esses documentos, só o contrato de transferência (a existir) podia relevar.
189- Para surpresa da R., esta atuação do A. de requerer a junção aos autos pela R. de documentos que não têm rigorosamente qualquer relação com o seu pretenso direito foi acolhida pelo Tribunal Arbitral.
190- Ora: - Não existem contratos “que digam respeito aos respetivos direitos de formação desportiva” (a R. não sabe o que possam ser esses contratos, sendo certo que nunca celebrou qualquer contrato relativo aos direitos de formação), - A R. esclareceu o Tribunal Arbitral que já não são admitidos, e não existem no caso, desde 2015, contratos relativos a direitos económicos; - A R. nunca celebrou contratos isolados de direitos de imagem com quaisquer jogadores, a não ser a inclusão em cada contrato de trabalho desportivo de uma cláusula sobre os direitos de imagem, como é padrão da indústria; (v. doc. 3 da p.i. desta ação).
191- Não obstante, o Tribunal Arbitral sufragou esta atuação do A., e determinou a junção ao processo pela R. de documentos que a R. informou não existirem (alguns deles) e, sobretudo, de um conjunto de documentos que não têm rigorosamente qualquer relação com o pretenso direito do A..
192- Salvo o devido respeito, entende-se que o Tribunal estadual não deve alinhar com o uso anormal do processo almejado pelo A., devendo indeferir este pedido do A..
193- Está mais do que justificado que o R. tem legítimo fundamento para não juntar os documentos em causa – uns porque não existem, os outros porque irrelevantes para os pretensos direitos do A., obedecendo o pedido da sua junção a uma finalidade alheia ao processo, que pode até ser criminosa.
194-Acresce que o Tribunal Arbitral nem sequer tem competência para apreciar os pretensos direitos do A., a não ser o dos jogadores (…) e (…)
195- Com efeito, só estes jogadores foram transferidos pela R. para um clube terceiro durante a vigência do Protocolo.
196- Estão atualmente registados pela R. os jogadores (…).
197- A R. já indicou os jogadores que transferiu após a cessação do Protocolo, e só um deles, (…), foi transferido onerosamente, contra o recebimento dum preço pela R..
198- Continuam com a R. (…), não tendo sido transferidos, e assim não existindo qualquer contrato de transferência, nem sendo devido qualquer mecanismo de solidariedade. (…) cessaram os seus contratos de trabalho com a R. sem qualquer transferência.
199-Assim,este requerimento do R.deve ser indeferido in totum.

É patente, cremos, que mais do que afirmar a inexistência dos documentos pedidos, a requerida/apelante afirmou a inexistência de documentos que sejam, no seu entender, relevantes. Ora, o que aqui o requerente pretende é a junção de todos os contratos que a requerida tenha celebrado com terceiros respeitantes aos jogadores que o requerente identificou, sem restrições quanto ao seu momento temporal nem quanto ao seu objeto (vide os segmentos “qualquer que seja a sua natureza”, “incluindo, mas sem limitar”). Pelo que as restrições que a requerida aponta para invocar uma pretensa inexistência de documentos a juntar são, salvo o devido respeito, inoperantes face ao solicitado pelo requerente e deferido pelo tribunal arbitral.

E isso é de tal forma patente que o tribunal a quo não careceu de qualquer explicitação para determinar a apresentação da documentação indicada pelo requerente.

Sendo certo que, como é óbvio, não se pretende que a requerida forje documentos, mas tão só que junte aos autos os documentos que, dentro da identificação feita no requerimento, existam.

Nesta parte, pois, a apelação improcede.

5.Quarta questão (concessão de prazo não inferior a três semanas para a prática do ato)
No despacho recorrido, datado de 11.9.2021, foi determinado que a requerida juntasse os documentos no processo, por via eletrónica, até ao dia 27.9.2021.
Foram, pois, concedidos 16 dias para a junção dos aludidos documentos.
Ora, se se atentar em que a primeira decisão a determinar a apresentação dos aludidos documentos pela SAD tinha sido proferida mais de um ano antes (13.7.2020, despacho n.º 6 do tribunal arbitral, cfr. n.º 1 do factualismo provado) e que a requerida é uma sociedade anónima desportiva, que necessariamente deverá ter toda a documentação respeitante à sua atividade devidamente acessível e organizada, não se vê que o prazo fixado pelo tribunal a quo era excessivamente curto.
De todo o modo, essa questão foi ultrapassada pelo decurso do tempo, sendo certo que dessa decisão foi interposto recurso com efeito suspensivo.

III.DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, consequentemente:
a)-Mantém-se a decisão recorrida na parte em que determinou que a apelante/requerida apresente nos autos os documentos indicados pelo requerente, mas (por força do supra identificado acórdão proferido pela 6.ª secção desta Relação em 04.11.2021) com exclusão das informações pedidas e respetivos documentos de suporte, devendo, consequentemente, a prova cingir-se aos pontos 1, 4, 5, 6 e 7, nos termos supra constantes em II 2.2.;
b)-Devendo, para o efeito, o tribunal a quo designar novo prazo.
As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo da apelante e do apelado, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em ¾ pela apelante e ¼ pelo apelado (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).



Lisboa, 27.01.2022



Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva