Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
106094/15.0YIPRT.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: SERVIÇOS PÚBLICOS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O prazo de prescrição de seis meses, previsto no artigo 10º nº1 da Lei 23/96 de 26/7 para o preço dos serviços públicos prestados, não é aplicável à obrigação de pagamento de juros, nem à obrigação resultante de cláusula penal por violação de compromisso de permanência no contrato, nem ainda ao pagamento de outras quantias reclamadas.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


N…, SA (anteriormente designada O…, SA) apresentou contra V…, Lda injunção para pagamento do montante de 9 514,66 euros, acrescido de juros de mora de 2 844,34 euros já vencidos, bem como os vincendos e da quantia de 320,00 euros por custos administrativos, sendo o capital titulado por facturas de 2011 relativas a contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações, contendo valores não pagos pela requerida e a cláusula penal reclamada pela requerente com a rescisão do contrato.

Frustrada a notificação da requerida, foram os autos distribuídos como acção para cumprimento de obrigações pecuniárias e, não se logrando apurar o paradeiro da ré, foi esta citada editalmente.

O Ministério Público foi citado e contestou por excepção, alegando que decorreram mais de seis meses desde o período a que respeitam os serviços e penalidade por incumprimento do compromisso de permanência invocados pela autora, pelo que, nos termos do artigo 10º nº1 da Lei nº23/96 de 26/7, prescreveu o direito ao recebimento do preço do serviço em causa, englobando a prescrição os respectivos juros e a cláusula penal; por impugnação, alegou não ter conhecimento dos factos alegados pela autora.

Concluiu pedindo a procedência da prescrição e a absolvição do pedido ou, caso improceda a excepção, julgar-se a acção de acordo com a prova a produzir em audiência de julgamento.

A autora respondeu à excepção alegando que o prazo de prescrição previsto no artigo 10º nº1 da Lei 23/96 não se aplica à obrigação de juros nem à obrigação resultante da cláusula penal e outras quantias, aplicando-se à primeira o artigo 310º d) e às segundas o artigo 309º, ambos do CC, não tendo decorrido os prazos de prescrição previstos nestes artigos, pelo que a excepção de prescrição deverá ser julgada improcedente em relação a estas obrigações.

Após os articulados, foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de prescrição em relação a todas as quantias peticionadas e absolveu a ré do pedido.
                                                        
Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando a conclusões com os seguintes argumentos:
  A prescrição prevista no artigo 10º da Lei 23/96 de 26/7 não é uma prescrição presuntiva, a que se referem os artigos 312º a 317º do CC, sendo antes uma prescrição extintiva, por via da qual, decorrido o respectivo prazo, o devedor tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito, nos termos do artigo 304º do mesmo código.
  Os juros de mora não são acessórios das quantias tituladas pelas facturas, mas sim obrigação autónoma nos termos do artigo 561º do CC e prescrevem no prazo de 5 anos previsto no artigo 310º d) do mesmo código, não se encontrando prescritos, pois à data da injunção ainda não tinha decorrido este prazo.
  A cláusula penal também não é acessória da obrigação do pagamento do preço e a lei civil não contém qualquer norma que estabeleça que o respectivo crédito prescreve no mesmo prazo.
  A sentença recorrida confundiu a natureza da cláusula penal com o critério de fixação do seu valor.
  O prazo de prescrição previsto no artigo 10º da Lei 23/96 não é aplicável à obrigação resultante da cláusula penal, não se verificando quanto a esta os motivos que determinaram a fixação deste prazo para o não pagamento dos serviços, como o evitar de acumulação de dívidas e evitar a confusão sobre o montante devido.
  Não existindo, relativamente à prescrição, disposição legal prevista para a cláusula penal, tem de se aplicar o regime geral do artigo 309º do CC, por força do qual esta obrigação não está prescrita, por não ter decorrido prazo de 20 anos.
  A decisão recorrida violou os artigos 304º, 309º, 310º, alínea d), 312º a 317º, 323º, nº2 e 561º, todos do CC e deverá ser substituída por outra que corrija a classificação da prescrição estabelecida no artigo 10º da Lei 23/96 de 26/7 e julgue tempestivamente reclamada a dívida da recorrente em relação aos juros de mora, à cláusula penas e a outras quantias peticionadas.  
                                                          
Não foram apresentadas contra-alegações.
                                                        
As questões a decidir são:
I)Se está prescrita a obrigação de pagamento de juros.
II)Se está prescrita a obrigação de pagamento da cláusula penal.
III)Se está prescrita a obrigação de pagamento de outras quantias.
                                                         
FACTOS.
Os factos a atender são os que resultam do relatório do presente acórdão.
                                                            
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I)Prescrição da obrigação de pagamento de juros.
A autora, ora apelante, veio reclamar da ré o pagamento de serviços de telecomunicações, bem como os respectivos juros de mora, a cláusula penal por incumprimento do compromisso de permanência no contrato e outras quantias resultantes de custos administrativos.
Tendo sido arguida na contestação a excepção de prescrição, a apelante não aceita que estejam prescritas as obrigações de pagamento de juros, de pagamento da cláusula penal e de pagamento de outras quantias, embora aceitando que está prescrita a obrigação pelo não pagamento dos serviços prestados, a qual, efectivamente, prescreveu, face ao disposto no artigo 10º nº1 da Lei 23/96 de 26/7 (lei dos serviços públicos, redacção actualizada), por força do qual “o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.

Vejamos então se está prescrita a dívida de juros.

A sentença recorrida entendeu que a obrigação de juros está abrangida na prescrição a que se refere o referido artigo 10º nº1 da Lei 23/96, por se tratar de obrigação acessória da prescrita obrigação de pagamento do capital, para além de não ter considerado esta prescrição como extintiva, mas sim de natureza presuntiva (assim presumindo o seu cumprimento).
No entanto, nada se diz no regime de prescrição do artigo 10º nº1 sobre a sua natureza presuntiva, pelo que tal prescrição tem de se integrar no regime geral das prescrições extintivas previsto no artigo 304º e não no regime de excepção dos artigos 312º e seguintes, todos do CC.
Por outro lado, como salienta a recorrente e como resulta do artigo 561º do CC, a obrigação de juros é autónoma do crédito principal, podendo qualquer um deles extinguir-se ou ser cedido sem o outro.
Também o prazo de prescrição, no regime geral, não é o mesmo para o crédito principal e para a obrigação de juros, vigorando para o primeiro o prazo do artigo 309º e para a segunda o prazo do artigo 310º d), ambos do CC.
Sendo assim, nada se referindo no artigo 10 nº1 da Lei 23/96 sobre a prescrição da obrigação de juros e não havendo qualquer norma que imponha um prazo de prescrição igual ao do crédito principal, tem de se considerar aplicável àquela obrigação o artigo 301º d), cujo prazo de cinco anos ainda não havia decorrido à data da injunção e se interrompeu nos termos do artigo 323º nº2 do CC.
Deste modo, não estão prescritos os juros de mora respeitantes às facturas de 2011 que titulam o crédito principal, sendo, portanto, devidos, mas só desde a data de vencimento das facturas e até à data de prescrição da dívida de capital, a partir do qual deixaram de se vencer juros.  
                                                          
II)Prescrição da obrigação de pagamento da cláusula penal.
Quanto à obrigação resultante da cláusula penal, a sentença recorrida entendeu igualmente que esta obrigação era acessória do crédito principal, considerando-a prescrita, ao abrigo do mesmo artigo 10º nº1 da lei 23/96.
Porém, não só este artigo menciona exclusivamente “o preço do serviço prestado” como abrangido pelo prazo de prescrição nele contemplado, como também a cláusula penal aqui em causa não é reclamada como consequência e indemnização por falta de pagamento do preço, mas sim como indemnização de cessação antecipada do contrato.
A obrigação reclamada a título de cláusula penal não pode, assim, considerar-se acessória do crédito principal, nem abrangido pela prescrição prevista no artigo 10º nº1 da Lei 23/96, sendo-lhe aplicável o prazo geral de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309º do CC, não estando esta obrigação prescrita.    
                                                          
III)Prescrição da obrigação de pagamento de outras quantias.
Finalmente, no que respeita à obrigação de pagamento de “outras quantias”, pelas razões já expostas a propósito da obrigação resultante da cláusula penal, não está abrangida no prazo de prescrição previsto no artigo 10º nº1 da lei 23/96, sendo-lhe aplicável o prazo do artigo 309º do CC, não se encontrando prescrita.
                                                           
DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e revoga-se a sentença recorrida na parte impugnada e, consequentemente, se decide:
A)Julgar improcedente a excepção de prescrição da obrigação de juros de mora, cujo pagamento é devido desde a data de vencimento das facturas, até à data da prescrição do capital.
B)Julgar improcedente a excepção de prescrição da obrigação resultante da cláusula penal e a obrigação de pagamento das outras quantias reclamadas, determinando-se o prosseguimento dos autos para pronúncia sobre estes dois pedidos.  
                                                           
Custas pela apelada.    
                                        

                    
Lisboa, 2017-06-08


                            
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho 
Anabela Calafate
Decisão Texto Integral: