Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10633/06-2
Relator: FRANCISCO MAGUEIJO
Descritores: INOFICIOSIDADE
HERDEIRO
PRAZO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: O prazo de caducidade definido no art.º 2178, do Código Civil, não tem aplicação no caso em que o donatário é herdeiro legitimário.
(G.A.)
Decisão Texto Integral: 6

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
Na presente acção de impugnação pauliana intentada pela recorrente contra os recorridos, para que se declare em relação a si a ineficácia da partilha que os RR celebraram um com o outro em 7.11.2002 e a consequente condenação dos mesmos a reconhecerem o seu (da A) direito à restituição de determinados bens à herança, bens esses objecto de liberalidades inoficiosas, consistentes na doação, pela falecida A M à 1ª R, das fracções B a F do prédio urbano sito em Almada, foi, em sede de saneador, declarada a caducidade do direito de acção relativamente a tais fracções, por ter decorrido o prazo de 2 anos a contar do óbito da autora das liberalidades sem que o interessado, A M, marido daquela e viúvo, reagisse contra as mesmas.
Não se conformando com esta decisão, a A/recorrente interpôs recurso de agravo, tendo aí alegado e concluído, assim:
1- Está documentalmente comprovado nos autos que no dia 2 de Outubro de 1998 faleceu A A P M, sem testamento e no estado de viúvo de A R C M que por sua vez havia falecido em 4 de Dezembro de 1995 e que casados foram no regime da separação de bens;
2- Por partilha das heranças abertas por óbito de A A P M e da esposa A R C M foi pela A. e ora agravante requerido em 15 de Dezembro de 1999 o competente inventário, o qual corre seus termos pelo 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial do Seixal, sob o n° 1.127/1999;
3- A A. e a Iª R. são as únicas interessadas nesse inventário e são também herdeiras legitimárias do inventariado A sendo que este, como cônjuge que lhe sobreviveu, era também herdeiro legitimário da inventariada A R;
4- Através das competentes escrituras públicas os inventariados fizeram diversas doações à 1a R., por conta das suas quotas disponíveis;
5- Todas as liberalidades feitas pela inventariada A R a favor da 1a R. são, porém, inoficiosas por ofenderem a legitima do cônjuge que lhe sobreviveu e que a A., como sua sucessora, tem inteira legitimidade para requerer a competente redução até ao limite do que se tornar necessário para o preenchimento dessa legítima;
6- E é justamente no processo de inventário pendente que se há-de fazer a redução dessas doações inoficiosas;
7- E o pedido dessas reduções foi também formulado tempestivamente pela A. ao requerer o referido inventário uma vez que o prazo estabelecido no art. 2178° do Cód. Civil é apenas aplicável aos casos de doações feitas a pessoas que não sejam herdeiros do doador;
8- Por conseguinte, não tendo havido partilhas por óbito da inventariada A em vida do inventariado A e não tendo este nunca renunciado ao direito de pedir a redução das liberalidades feitas pela esposa e inventariada A, assiste pois à A., como sucessora dele, o direito para requerer através do inventário pendente a redução em relação a todas aquelas doações que se mostrem inoficiosas;
9- Aliás, essa questão deverá mesmo considerar-se já definitivamente resolvida no pendente processo de inventário por decisão transitada em julgado, já que o douto despacho aí proferido em 8/11/2001 a fls. 121 firmou justamente o entendimento de que «(a) interessada J M M [A. e aqui agravante] tem efectivamente direito a pedir a redução das doações se as mesmas se mostrarem inoficiosas, no que for necessário para o preenchimento da sua legitima, atento o previsto no art. 2.165° do Cód. Civil, não lhe sendo aplicável o prazo previsto no art. 2.178° do mesmo diploma, na medida em que este preceito legal só é aplicável aos donatários que não sejam herdeiros do doador» (cfr. neste sentido, Lopes Cardoso, in "Partilhas Judiciais", Vol. 1I, 3a ed., pág. 384)».
10- O despacho recorrido, na parte impugnada, violou pois por errada interpretação e aplicação, entre outras disposições legais, os arts. 2.165° e 2.178° do Código Civil.
Os recorridos contra-alegaram, tendo defendido a manutenção da decisão agravada.
No Tribunal «a quo» foi proferido despacho a manter a decisão agravada.
A A/recorrente, pese ter obtido vencimento da acção, manifestou, expressamente (fls 347), manter interesse no presente recurso de agravo.
Conhecer-se-á, pois, dele (art 735 nº 2 do CPC).

Questões
Dado o teor das conclusões do agravo importa apreciar e decidir se caducou o direito da A a reagir contra as liberalidades inoficiosas de A M, a favor da 1ª R, sua irmã germana, em prejuízo de seu falecido pai, A M, consistentes na doação das fracções supra identificadas.

Os Factos Provados, relevantes para a decisão do recurso:
1- A A P M faleceu em 2 de Outubro de 1998.
2- A R C M faleceu em 4 de Dezembro de 1995.
3- Os referidos A e A eram casados no regime de separação de bens.
4- Por morte do referido A, sucederam-lhe como únicas herdeiras as filhas, a Autora J e a Ré A M C M, esta casada com o Réu E T C.
5- Por morte do referido A e de sua mulher, em 15/12/1999 foi instaurado inventário a requerimento de J M M, para partilha dos bens das duas heranças.
6- Na relação de bens que figura no processo de inventário por óbito de A M e mulher A R M constam os bens herdados pelo A M por morte de sua mulher A M, no montante de 14.631,91 Euros.
7- Constam ainda os bens imóveis doados a A M C por A C, por escritura de 10 de Março de 1992: fracção autónoma designada pela letra B, do prédio situado freguesia de Almada, com o valor patrimonial de 1 658,12 Euros; fracção autónoma designada pela letra C, do prédio urbano situado em Almada, com o valor patrimonial de 19 393,26 Euros; fracção autónoma, designada pela letra D, do prédio urbano situado em Almada, com o valor patrimonial de 1 466,08 Euros; fracção autónoma designada pela letra F, do prédio urbano situado em Almada, com o valor patrimonial de 2 296,13 Euros; e fracção autónoma designada pela letra E, do prédio urbano situado em Almada, com o valor patrimonial de 1 036,55 Euros.
8- Na mesma relação de bens, figuram os bens doados por A e sua mulher A, por escritura de 16/03/1988, a A M C, ou seja, o prédio urbano situado na Estrada de Vale Figueira, freguesia da Sobreda, concelho de Almada, com o valor patrimonial de 1 398,50 Euros, e consta ainda da mesma escritura a doação efectuada por A M a sua filha A M C, da fracção autónoma designada pela letra F, do prédio urbano situado na freguesia de Corroios, como valor patrimonial de 611,17 Euros.
9- Por escritura de 10 de Março de 1992, a referida A R fez doação à sua filha A M C, com reserva de usufruto simultâneo e sucessivo, para si e seu marido A, de sua propriedade, das seguintes fracções designadas pelas letras B, C, E, F, e
D, do prédio urbano situado na freguesia e concelho de Almada, inscrito na matriz sob o artigo ...
10- Por contrato de 16/07/2002, A M C declara vender pelo preço total de 119.711,49 Euros, a J P G e este declara comprar, as fracções autónomas C, D e F do prédio urbano situado no concelho de Almada.
11- Por escritura de 27/08/2002, A M C declara vender, pelo preço de 68 584 Euros, a N E S L, e este declara comprar, a fracção autónoma designada pela letra B, destinada a habitação, RIC direito, do prédio urbano situado no concelho de Almada.
12- Por contrato de-07/01/1999, E C M e sua mulher A M C dão de arrendamento a C J A P, a fracção autónoma designada pela letra C, do prédio urbano situado no concelho de Almada, pela renda de 804 000$00.
13- Por escritura de 27/11/2002, E T C M e A M C, casados que foram segundo o regime de comunhão de adquiridos, e divorciados por mútuo consentimento em 17/05/2002, procederam à partilha dos bens comuns pela forma seguinte: ao ex-marido foram adjudicados todos os bens no valor de 138 468,06.
14- No inventário por óbito do referido A, a cabeça de casal A M C fez constar da relação de bens os bens imóveis doados a ela A M C por A R, por escritura de 10/03/1992 (por conta da quota disponível e com dispensa de colação).

O Direito
A presente acção não se destinou expressamente a obter a redução de liberalidades.
Visou, a A, com ela, a impugnação pauliana de alienação onerosa de bens em prejuízo do seu direito a preencher a sua quota hereditária.
Mas tal questão assume carácter condicionante da efectivação do pedido de impugnação pauliana, porque as ditas liberalidades são alegadamente as responsáveis pelo esvaziamento do aludido direito, importando tratá-la e decidi-la como pressuposto essencial da procedência daquela pretensão.
Há, pois, que apreciar e decidir se caducou, para a A, o direito a invocá-la.
Como se vê dos factos, A C foi casada, até à sua morte, em 4.12.1995, com A M, tendo, antes, em 10 de Março de 1992, doado à R, sua filha, as fracções B) a F) do prédio sito em Almada.
O A M faleceu depois, em 2.10.1998.
A A é, como a R, filha daquele. Não o é, porém, de A C.
A decisão de caducidade, agravada, foi fundada na circunstância de ter-se considerado que decorreram mais de dois anos sobre o óbito de A C sem que o interessado A M tivesse accionado a redução das liberalidades que a dita A C fez à R, sua filha, e que têm a ver com as ditas fracções B) a F).
A A contrapõe que o direito a reduzir aquelas liberalidades não caducou.
A R defende o contrário.
Será, pois, objecto de conhecimento, unicamente a caducidade invocada pelos recorridos na sua contestação, que a decisão afirmou e que a recorrente impugnou.
É essencial, para a solução do presente conflito, o disposto no art 2178 do CC.
Prescreve ele que a acção de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário.
A A, viu-se, é filha do falecido A M. Não o é da autora das liberalidades «sub judice», a cônjuge daquele até à sua morte.
Independentemente da questão de saber se houve, ou não, aceitação da herança por parte do cônjuge da autora das liberalidades, o certo é que, e isso basta, o regime previsto no art 2178 do CC só se aplica aos casos em que o donatário não é herdeiro legitimário da aludida autora.
Dito de outra forma, o prazo de caducidade de 2 anos aí definido não tem aplicação aos casos em que os donatários são herdeiros legitimários (1).
Que é o caso. A R, porque filha da doadora, tinha obviamente essa qualidade (art 2157 do CC).
Fica, assim, afastada a aplicação, ao caso, do aludido preceito. A decisão agravada efectivamente errou ao considerá-lo.
Em conformidade, é de concluir que o direito da A, sucessora que é do A M (art 2169 do CC), à redução das aludidas liberalidades inoficiosas, por sua vez pressuposto da impugnação pauliana pedida no presente processo relativamente às fracções B) a F), não caducou.
Neste sentido, embora sem força de caso julgado no presente processo, se pronunciou já o Tribunal em que corre o processo de inventário nº 1127/99, instaurado em 15.12.1999, para partilha dos bens deixados pelos referidos A C e A M.

Tendo em conta todo o exposto acorda-se em, julgando procedente o recurso de agravo, revogar a decisão de fls 156 e 157 que declarou procedente a excepção de caducidade do direito da A/recorrente a obter a redução das liberalidades inoficiosas da falecida A R C a favor da R, datadas de 10.3.1992, relativas às fracções B) a F) do prédio urbano sito na freguesia de Almada, declarando-se agora tal excepção improcedente.
Custas pelos RR/recorridos.

Lisboa, 8.2.2007
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1 Jurisprudência pacífica. Vide, entre outros, o proc 02A740 do STJ de 8.11.01 in sítio da dgsi: O artigo 2178º do CC não é aplicável às situações em que o beneficiário da titularidade seja herdeiro legitimário.